O país está a arder há cerca de um mês de forma ininterrupta, com os incêndios a alastrarem de concelho para concelho, atingindo profundamente as regiões norte e centro do interior, abandonadas e desprezadas pelos governos, numa estratégia deliberada de transformação da agricultura e agora da floresta em termos de industrialização capitalista. Enquanto o país profundo é destruído pelas chamas, o governo, Montenegro e Marcelo passam o tempo em remansosas férias como nada se passasse e só quando morre um elemento do povo no ataque ao fogo que o chefe do governo despertou para a realidade, interrompendo o descanso. E em aberta manobra oportunista, sentindo talvez a consciência pesada, aparece no funeral do bombeiro, o segundo cidadão a morrer nesta tragédia anualmente repetida, tendo recebido a reacção de uma cidadã destemida que lhe gritou que ali, na Covilhã, não era bem-vindo ("O sr. não é bem vindo nesta cidade!!!"). Na sombra de Montenegro, Marcelo vai a funerais e envia os seus hipócritas pêsames e, ambiguamente, não se sabendo se a desculpar ou a denegrir, pede alguma benevolência para a presumível falta de experiência da ministra da Administração Interna, que, e ao contrário do que aconteceu com a sua antecessora em 2017, ainda não foi demitida. Por bem menos, Marcelo demitiu o governo PS/Costa, mais razão tem para repudiar este governo, que deve ser demitido pelo futuro PR, já que a lei não permite que este o faça por se encontrar em fim de mandato. Fica-se com a sensação que estamos perante mais uma estratégia deliberada do que a uma falta de competência governativa.
O desprezo pelo povo é marca do governo
As populações afectadas pelos incêndios, com tudo destruído, casa, produções agrícolas e animais, fruto de uma vida de trabalho, encontram-se completamente abandonadas. Reclamam mais meios para combater os incêndios, com dias e dias e até semanas de desespero e cansaço, o primeiro ministro vem, com a lata de que sempre desprezou quem trabalha, falar que "estamos todos muito esgotados, são dias e dias de sofrimento" e que terão sido dias "como não há registo". Entretanto, a ministra que não se demite recusa responder a perguntas em conferência de imprensa, declarando arrogantemente “vamos embora”, ao mesmo tempo que vira as costas a jornalistas e a todos que assistiam à intervenção televisiva. Esta é a postura típica de quem nunca se preocupou com os problemas e o sentir do povo português e cuja missão se centra mais em responder aos interesses e exigências das elites e de quem em Bruxelas traça as directivas que o governo terá de seguir.
Enquanto Portugal se apresenta como o país da União Europeia com maior percentagem de território ardido, indo já em 222 mil hectares perdidos pelos incêndios, valor que ultrapassará rapidamente o registado em 2017, o ano dos grandes fogos de Pedrógão Grande, e que fez correr e saltar Marcelo no ataque ao governo de Costa/PS, ao contrário do que agora sucede, os patrões nacionais exigem discutir o Orçamento do Estado para 2026 com o ministro das Finanças. Reivindicam o pagamento de menos impostos, benefícios fiscais na generalidade, facilidades para despedimentos; e o governo dá à Volkswagen/AutoEuropa 30 milhões de euros como “incentivo” pela produção de carro eléctrico em 2027. Estes dinheiros poderiam ser investidos com melhor proveito na reflorestação do país em espécies resistentes ao fogo e no apoio aos pequenos agricultores e produtores florestais.
Portugal assiste de forma passiva e impotente à morte de bombeiros e de simples cidadãos; este ano, infelizmente, já vamos em três mortes, um ferido grave e mais de uma dezena de feridos. Tal é a negligência das autoridades e descontrolo da gestão do combate que o carro de bombeiros que capotou no combate ao fogo e esteve uma hora e 20 minutos à espera de socorro. É previsível que venham a ocorrer mais acidentes e mais vítimas, na continuação da série funesta de 257 bombeiros que morreram em serviço nos últimos 45 anos. O ano mais trágico foi 1985, quando 19 operacionais morreram durante o combate a um incêndio florestal. Esta política de depredação do factor humano generaliza-se pela sociedade, com grávidas a darem á luz em ambulâncias ou simplesmente à beira da estrada, graças á política de encerramento das urgências e dos próprios serviços de obstetrícia e ginecologia no SNS, para benefício do negócio privado da saúde, na realidade, da doença.
O país transformado em imensa fogueira
O incêndio que começou no Piódão, concelho de Arganil, que lavra desde o dia 13, continua ativo, com os eucaliptos e pinheiros bravos como combustível inesgotável, será "muito provavelmente" o maior de sempre em Portugal, com uma área ardida de mais de 60 mil hectares. Para além de Arganil, Sabugal, Mirandela, Montalegre e Carrazeda de Ansiães, mobilizam cerca de 3000 operacionais. E em um só dia, a proteção civil registou 59 novos focos de incêndio, com cinco fogos mais preocupantes. O fogo está descontrolado e teve que ser o povo, perante o desprezo do governo e restantes autoridades, a arregaçar as mangas e ser ele próprio a dar combate às chamas: "Começámos a fazer turnos", os “populares foram os bombeiros em Moimenta da Beira”. “Estamos há uma semana e meia sem dormir”, desabafam na Pampilhosa da Serra onde o fogo ameaça aldeias. E vem o presidente da Turismo Centro de Portugal perorar que os “incêndios estão a ter um impacto muito grande no turismo da região...”. Lá se vai a galinha de ovos de oiro da economia nacional, como ficam as populações, isso pouco interessa, o turismo é mais importante.
Ardem casas de primeira e segunda habitação, queimam armazéns e anexos, são cremados animais e colheitas, «dói o coração aos produtores de castanha: “Já só resta esperança, tudo o resto morreu”», em «Cedovim não arderam só a capela e os andores: o sr. Ilídio perdeu o trabalho de uma vida», ao que parece Deus abandonou os seus crentes deixando que um lugar onde lhe prestam o culto tenha sido também devorado pelas chamas. Tudo está descontrolado, o fogo, a divindade e a dita “protecção civil” que é quem ordena para onde vão os bombeiros e se devem ou não usar os meios de combate, é o que a população denuncia, muitas das vezes nem os bombeiros aparecem. Os próprios “bombeiros denunciam falhas graves na coordenação dos incêndios”. Entretanto o SIRESP (Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança) apresenta falhas, tendo o governo de Montenegro prolongado até 30 de Novembro o prazo para a remodelação do referido sistema, que, relembremos, ficou em cerca de 700 milhões de euros. Para aqui há dinheiro que nunca mais acaba.
A região interior do distrito de Coimbra foi e continua a ser uma das mais afectadas pelos fogos, ainda bem nos lembramos do grande incêndio que rodeou a cidade de Coimbra aqui há alguns anos, agora é Arganil, onde uma família enfrentou o fogo com baldes de água, Oliveira do Hospital, Pampilhosa da Serra, onde as autoridades obrigaram á evacuação da aldeia de Covanca, e é a Serra da Lousã, com 13 aldeias evacuadas e com os moradores a lutarem para salvar as suas casas e a soltarem os veados para fugirem ao fogo. No entanto, em Mirandela, os idosos do lar da dita “Santa Casa da Misericórdia” não tiveram a mesma sorte dos veados da Serra da Lousã, foram deixados às chamas, desta vez com origem no interior do lar. A falta de condições de segurança, vigilância e alerta e meios de salvamento fez com que dos 89 idosos residentes tenham morrido seis e outros 25 tenham ficado feridos, cinco deles com gravidade. As elites desprezam os idosos, a dita “peste grisalha”, um encargo para a economia, segundo a Lagarde do BCE e do FMI e a ex-ministra do PSD Ferreira Leite, mas uma fonte de rendimento para a Igreja Católica.
O «incêndio no Sabugal deixa um ferido em estado grave: tem “uma queimadura extensa” e está a ser avaliado no Hospital de São João». Na Pampilhosa da Serra: “Ardeu tudo em volta das casas, uma verdadeira noite de terror” e “no olho do furacão”! Populares e bombeiros combatem lado a lado o inferno das chamas na Pampilhosa da Serra. E «imigrantes, alimentaram bombeiros e apagaram chamas: “Só queremos retribuir”: no seu restaurante, Ganga Singh já ofereceu centenas de refeições, confessa ter sido bem recebido, com exceção de um "membro do Chega" local que já lhe terá apontado uma faca». O povo português os trabalhadores imigrantes não olham para as diferenças de cultura ou nacionalidade, interagem em espírito de solidariedade. Por outro lado, dois agentes da PSP são acusados de matar à pancada imigrante marroquino suspeito de ter provocado “distúrbios” ao furtar comida para matar a fome numa superfície comercial em Olhão. Como nem todos os imigrantes são iguais, o candidato Moedas à câmara municipal de Lisboa, para além de incluir na lista à assembleia municipal uma retinta agente da Mossad, anda de braço dado com o neo-nazi, líder da comunidade de imigrantes ucranianos que fugiram à guerra na Ucrânia, que aqui se encontram a expensas dos fundos europeus e que são pagos pelo povo português.
A política de não combate eficaz aos incêndios florestais é mais do que negligente, é intencional. O objectivo do governo PSD/Montenegro é seguir as instruções de Bruxelas quanto à destruição da pequena economia agrícola em beneficio do agro-negócio do eucalipto e da transição energética, fotovoltaicas e eólicas, no interior montanhoso do país, mas que já se observam na periferia norte da cidade de Coimbra, na saída para a A1. É transformar o país numa imensa mina a céu aberto para exploração do lítio e outros metais no interesse do grande capital estrangeiro. A norte ficam as minas e os eucaliptos, ao centro continuam os eucaliptos e as fotovoltaicas, e a sul as mesmas fotovoltaicas, onde precisamente há mais dias de sol, e a agricultura intensiva espoliadora de água. A população que emigre e não tenha filhos - a extinção de Portugal programada.
Família de aldeia em Arganil impossibilitada de sair de casa enfrentou incêndio com baldes de água (Lusa, 13 de Agosto)
Um governo corrupto e fascista deve ser demitido
Uma política de negócios na lógica e no interesse dos bancos, com lucros sempre a crescer, tendo os cinco maiores bancos em Portugal registado lucros de 2,6 mil milhões até Junho deste ano. Os acionistas das celuloses deverão continuar a enriquecer, bem como os proprietários da empresas que alugam os meios aéreos, que o governo nega a adquirir, para proveito de um João Maria Bravo, da empresa Helibravo, suspeito do cartel dos helicópteros e um dos principais financiadores do partido da extrema-direita, ou do cunhado do ministro Amaro que adquiriu a empresa Gesticopter Operation Unipessoal cerca de dois meses antes do familiar ter tomado posse como governante, tendo logo firmado com a Força Aérea um contrato de 20 milhões euros por ajuste directo. A corrupção é uma componente sempre presente nestes negócios, as comissões deverão ser fabulosas.
Não há dinheiro para a compra de meios aéreos que tanta falta fazem, a própria ministra ainda antes da série interminável de incêndios ter começado foi peremptória: seriam “irrelevantes”. Agora, a ministra do Trabalho defende que "nem todas as pessoas querem ter um contrato de trabalho sem termo", até gostam de ser precárias, receberam salários miseráveis, e o governo de que faz parte aposta fortemente num “Código do Trabalho mais ágil para uma economia mais forte”, isto é, proceder a uma transferência inaudita de riqueza do trabalho para o capital. Não há dinheiro para adquirir ambulâncias ou para investir no SNS mas haverá para a guerra e para dar apoio ao conflito da Ucrânia, tendo o governo português já feito o pedido, não sabemos ainda em quantos milhões ou milhares de milhões de euros, ao Mecanismo de Assistência à Segurança para a Europa, o que fará disparar a dívida pública para níveis jamais atingidos, pior do que no tempo da troika. Esta é também uma política de terra queimada, onde o povo servirá de lenha para queimar.
Estas serão razões mais que suficiente para que as forças democráticas do país, desde os trabalhadores, passando pelos partidos que se dizem de "esquerda", às populações afectadas pelos incêndios, exijam a demissão imediata do governo cada vez mais da extrema-direita PSD/Montenegro/Chega. Marcelo não atenderá à demanda, invocará razões de prazos, na medida em que as eleições presidenciais serão em Janeiro próximo, então, a rua será a única alternativa. Então, veremos da bazófia de Montenegro que, perante as críticas à sua passividade criminosa quanto ao combate aos fogos, diz estar pronto para o escrutínio. A fanfarronice esconde sempre a mais abjecta cobardia.
Imagem: Luís Montenegro goza férias em agosto, com a Festa do Pontal pelo meio (JN)
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