sábado, 27 de setembro de 2025

Os abanões de Montenegro e o governo que não chegará ao fim

João Abel Manta

Com o argumento de "queremos abanar o mercado da construção e do arrendamento", o chefe do governo pretende antes do mais abanar com a maioria dos cidadãos portugueses, esvaziar-lhes os bolsos, degradar o seu estado de saúde e bem-estar com a destruição pura e simples do SNS, substituindo-o por um serviço privado que onerará em muito o Orçamento de Estado, por financiado directamente pelos dinheiros dos contribuintes. Desqualificar a escola pública, pela falta de professores, alteração dos curricula, insuficiência de financiamento das universidades, cada vez menos frequentadas pelos filhos de famílias operárias ou da pequena-burguesia, esta cada vez mais proletarizada, definitivamente o elevador social avariou de vez. Destruição do estado social com o foco do investimento público na externalização dos serviços, saúde e transportes públicos são bons exemplos (16 mortes em Lisboa no descarrilamento do elevador da Glória), e na indústria da guerra para enfrentar os russos que já vem aí. O medo, a mentira e a demagogia são os instrumentos para a prossecução desta política criminosa. E dar a mão à extrema-direita proto-fascista, que será rapidamente catapultada para o poder em caso de este governo e dos partidos que o compõem serem eventualmente descartados pela elite que domina o país.

Enganosas promessas eleitorais

Com as eleições autárquicas à porta, o governo desdobra-se em promessas e em medidas avulso que acabarão por não satisfazer nem gregos nem troianos, pelo facto de que neste momento haverá de se contentar toda a gente. IVA a 6% para a construção em todo o país de casas até 648 mil euros e “rendas moderadas” que vão até aos 2300 euros terão redução de IRS, de 25% para 10%, beneficiam, sobretudo, a parte superior da classe média, proprietários e senhorios, como o salário médio dos trabalhadores portugueses fosse de 5750 euros (40% para despesas com a habitação) e não de 1700 euros brutos. Montenegro não anda em outro mundo, como têm acusado, mas faz a patifaria de forma consciente e capciosa, ele quer o voto deste sector de classe, bem como de alguma franja dos pensionistas, daí as benesses em sede de IRS e do prémio de 200 euros nestes meses de Agosto e de Setembro. Na mesma linha esforça-se por agradar aos grandes empresários com a descida do IRC e da derrama, mas estes já vieram dizer que querem mais: os “142 líderes das maiores empresas insistem na redução de IRS e IRC antes do OE”.

Mas o primeiro-ministro avençado já deixou entender que muita coisa poderá ser feita no Orçamento de Estado, desde que a sua aprovação seja garantida ou pelo desvertebrado PS ou pelo partido da extrema-direita que nunca deixa de esticar a corda: “o governo tem de cortar já no IRC dos grandes lucros”. Os patrões não aliviam a pressão, vêm que pisam ramo mole: redução do IRC para 17% até 2028 não agrada e exigem a taxa nos 15%, a CCP quer cortar custos com a saída de trabalhadores e considera que salário mínimo está um “pouco acima” da economia. Salários de escravidão, despedimentos mais fáceis e baratos. Destruição dos direitos dos trabalhadores, nomeadamente, a contratação colectiva e o direito de greve, que será proibida não só na saúde e nos transportes mas em todas as actividades económicas com a generalização dos serviços mínimos. São os planos do capital e começarão a ser impostos ainda antes de chegarem à dita “concertação social”. O resultado final será o reforço da exploração do trabalho, o disparar da inflação, com a predominância na habitação (especulação imobiliária), na proporção inversa do dinheiro que ficará nos bolsos dos trabalhadores.

O governo parece ter “revolucionado” a saúde obstétrica, desde 2022 até agora, nasceram 513 bebés em casa, 103 em ambulâncias e 58 na via pública. Os doentes vão ter 48 horas para aceitar cirurgia no novo modelo para, dizem, “acelerar listas de espera no SNS”. Quase 21 mil vítimas não tiveram do INEM o nível de socorro exigido em 2024. O hospital público de Lisboa Oriental vai ser entregue à exploração por parte dos privados, porque é “melhor para as pessoas”, diz a ministra. Ora, a actual ministra não pode ser acusada de “incompetente”, como faz a oposição parlamentar, porque a sua verdadeira intenção não é resolver os problemas no campo da saúde dos portugueses, mas acabar com os serviços públicos, e nesta questão tem-se mostrado eficiente, ou seja, bastante competente. Agora, vai tirar da cartola a ideia das “urgências regionais” de obstetrícia e ginecologia, liquidando com estes serviços em vários hospitais, alegando “falta de médicos”, no entanto, não responde às reivindicações dos médicos para a aprovação de novo contrato que dignifique a carreira em termos de salários e profissionais. O mesmo acontece com enfermeiros e outras categorias profissionais. Devemos referir que este plano, porque é um plano, é muito semelhante ao aplicado pelo governo PS/Sócrates, que fechou dezenas de maternidades e de SAPs por todo o país.

A triste figura de Marcelo e a degradação da democracia

Marcelo, que tinha prometido fazer uma avaliação do desempenho desta comissária política para a destruição do SNS, acaba de anunciar o seu adiamento para depois das eleições autárquicas, fazendo lembrar o seu correligionário de partido Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, que marca reunião sobre o desastre do elevador da Glória para depois do dia 12 de Outubro para “não partidarizar” as eleições. Fazem parte da mesma escola. E quanto a Marcelo, com a popularidade a descer abruptamente, parece que irá ter um fim de mandato algo triste, correndo sério risco de sair pela porta baixa. Há um ano, este gajo dizia que não era oportuno reconhecer o estado da Palestina, mas como o governo português mudou de ideias e numa manobra bacoca entendeu fazer esse reconhecimento um dia antes da França e de outros países, já reconhece que a ideia é boa. Mas como sofre de flacidez vertebral foi discursar sobre o tema na Assembleia das Nações Unidas não em português, mas em inglês. Quis mostrar erudição, no entanto, apenas revelou subserviência. Mais do que parolice, foi baixeza de carácter, porque aproveitou a ocasião para se ir desculpar perante as autoridades norte-americanas das críticas feitas a Trump após jantar bem regado que lhe fez saltar a língua. Indubitavelmente, esta triste figura ficará na História como o pior Presidente da República que este país teve depois do 25 de Abril. Simboliza bem a decadência do regime de democracia parlamentar burguesa.

Para falar em degradação desta democracia de opereta, basta dar uma olhadela no que se tem passado na dita “Casa da Democracia” nacional, onde deputados taberneiros e arruaceiros dão largas aos impulsos animalescos de fascistas mal disfarçados. São os ataques verbais, as provocações sexistas a deputadas situadas mais à esquerda do espectro partidário, a falta de postura, de educação e, em suma, de civilização. Estes desmandos, que já vêm de legislaturas anteriores e que começaram com o aumento do número de javardos na sala, acontecem porque há uma benevolente colaboração por parte do Presidente da Assembleia da República, a dita “segunda figura do estado”, e do seu partido. Por outro lado, revelam o maior desprezo por parte desta gentalha pela democracia saída do 25 de Abril. Ora, isto só acontece porque esta democracia, ela própria, não se dá ao respeito, o que fica bem patente pelas mentiras dos partidos do arco da governação durante estes 50 anos, pelos casos de corrupção impunes, pelo desprezo com que os problemas e reivindicações do povo são tratadas. Um dia destes  e por este andar ou o partido da extrema-direita ganha as eleições, e até com maioria absoluta, e manda incendiar o Parlamento acusando os comunistas, como aconteceu na Alemanha nazi, ou o povo revolta-se e será ele a acabar com este antro de vacuidades.

O palco já foi montado quanto às eleições presidências, que serão logo a seguir às autárquicas, 12 de Janeiro do próximo ano: o almirante e o chefete pró-fascista irão à segunda volta das presidenciais e o almirante será eleito, poderemos ter um segundo Américo Tomaz, e o incendiário, beneficiando da campanha, será lançado para primeiro-ministro, vencendo as próximas eleições legislativas que serão precipitadas pela dissolução da Assembleia da República e queda deste governo, a pretexto de qualquer coisa que facilmente se arranjará na devida altura. Este terá sido, porque não houve declarações públicas, o conciliábulo em almoço organizado pelo oligarca Mário Ferreira, empresário de sucesso de turismo fluvial, dono de cadeia de televisão, beneficiário de fundos europeus, ainda a contas com a justiça fiscal, financiador de partidos e de candidatos presidenciais. Na mesma altura que se realizava a comezaina e se conspirava, por estranha coincidência, era publicada a sondagem que dá vitória em possíveis eleições legislativas, caso agora se realizassem, ao partido da arruaça e da provocação, sentado na extrema-direita. Nada acontece por acaso. Ainda iremos ver muito boa gente que se diz de esquerda a ir votar no senhor almirante das vacinas, que não reconhece o estado de direito nem respeita a justiça, como ficou bem documentado aquando da sentença que absolveu os marinheiros revoltosos do barco avariado. A oligarquia nacional aposta na musculação do regime, o fascismo brando.

O desastre do elevador da Glória é o espelho do estado do país

O que aconteceu em Lisboa, em período de pouco mais de 24 horas, constitui um espelho do estado em que se encontra o país: a derrocada do prédio na Graça, o autocarro da Carris desgovernado que abalroa 14 viaturas em Odivelas, o funesto descarrilamento do Elevador da Glória que provocou 16 mortes e mais de 20 feridos, alguns deles graves. As causas deste acidente ainda estão a ser apuradas, quase de certeza e como é tradição nacional a culpa morrerá solteira. A reunião camarária para discutir o desastre do elevador foi marcada para depois das eleições autárquicas, para, no dizer de Carlos Moedas, “não partidarizar” o acto eleitoral, sendo ele o primeiro a tirar partido da situação. Pelas notícias que têm vindo a lume, por denúncia de ex-trabalhadores e da comissão de trabalhadores da empresa, a situação do elevador era conhecida, os responsáveis não quiseram saber. O fundo da questão encontra-se na política de externalização dos serviços de manutenção e de segurança do material circulante da Carris, empresa pública sob tutela da Câmara de Lisboa, a empresas privadas sem conhecimentos técnicos específicos, sem experiência, eventualmente pertencentes a pessoal amigo ou do partido, com o argumento economicista de poupança orçamental. Muito provavelmente as 16 pessoas que perderam a vida na fatídica viagem deve-se ao facto da Carris, gerida por boys do PS e do PSD, ter querido poupar 3.353 euros no cabo de tracção do elevador. Negócio ajustado no tempo da presidência anterior socialista, daí podermos pensar que essa terá sido a razão da actual candidata pelo PS à Câmara de Lisboa não ter exigido a demissão de Moedas.

Os dois partidos do bloco central de interesses têm feito parte da mesma sociedade que tem desgovernado o país nestes últimos cinquenta anos, não se venham queixar das provocações dos taberneiros e que “está aí o fascismo”. O fascismo sobe ao poder usualmente conduzido pela mão da social-democracia - fascismo e social-democracia são as duas faces da mesma moeda, o capitalismo. E a ameaça de divórcio desta união de facto pelo avanço do partido de extrema-direita apenas revela que foi este estado de coisas que facilitou a sua ascensão. Não é despiciendo relembrar as grandes manifestação de 15 de Setembro de 2012, fez agora 13 anos, que pôs na rua mais de um milhão de portugueses, na capital foram cerca de meio milhão, em revolta contra o governo pafioso de PSD/CDS/Passos Coelho/Paulo Portas. Governo que não caiu devido ao apoio do PS, então dirigido pelo gelatinoso António José Seguro, que agora sonhou ser candidato pela “esquerda” ao Palácio de Belém, que recusou votar moção de censura contra o governo popularmente odiento e lhe deu ainda algum fôlego até 2015 e até permitiu a vitória do PSD, embora não tenha conseguido formar governo para arrelia do então PR Cavaco Silva de Boliqueime. A seguir às festas eleitorais que se avizinham, as lutas dos trabalhadores irão suceder-se e ultrapassarão em muito o que aconteceu em 2012.

Vasco Gargalo

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sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Dinheiro e Memória

"Euro!" - Xerife Arafa

Giorgio Agamben

Moneta, o termo latino do qual deriva o nosso, vem de moneo, "lembrar, pensar", e era originalmente a tradução do grego Mnemosyne, que significa "memória". Moneta tornou-se assim o nome do templo romano onde se celebrava a deusa da memória e se cunhavam as moedas. É a partir desta ligação etimológica entre dinheiro e memória que devemos considerar o actual ressurgimento das discussões sobre a abolição da moeda única europeia e a recuperação da moeda tradicional de cada país. Por detrás da urgente questão "monetária" reside uma questão igualmente urgente de memória, isto é, nada mais nada menos do que a redescoberta da memória específica de cada país europeu que, ao abdicar da soberania sobre a sua própria moeda, inconscientemente também anulou a sua própria herança de memórias. Se o dinheiro é, antes de mais, o locus da memória, se no dinheiro, porque pode pagar tudo e substituir tudo, a memória do passado e dos mortos está em jogo tanto para os indivíduos como para a comunidade, então não é de estranhar que, na ruptura da relação entre passado e presente que define o nosso tempo, o problema monetário surja com uma urgência inescapável. Quando um distinto economista declara que a única maneira de a França (e talvez todos os países europeus) emergir da sua crise é recuperar a autoridade sobre a sua própria moeda, está, na verdade, a sugerir que o país redescubra a sua relação com a sua própria memória. A crise da comunidade europeia e da sua moeda, que agora se abate sobre nós, é uma crise de memória, e a memória — não o esqueçamos — é para cada país um locus eminentemente político. Não há política sem memória, mas uma memória europeia é tão frágil como a sua moeda única.

Quodlibet

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Sobre Relatórios Falsos

"Macron" - Emad Hajjaj

Uma boa definição de poder político é que se trata da arte de colocar as pessoas em falsas relações. O poder fá-lo, sobretudo, para depois as governar como bem entender. Uma vez que se deixam arrastar para relações oblíquas nas quais não se reconhecem, as pessoas são facilmente manipuladas e orientadas à vontade. Se acreditam tão facilmente nas mentiras que lhes são oferecidas, é porque as relações em que, sem se aperceberem, já se encontram são falsas.

O primeiro passo de uma estratégia política digna desse nome é, portanto, a procura de uma saída para as falsas relações em que o poder colocou as pessoas para as governar. Mas isto não é fácil, porque uma falsa relação é precisamente aquela da qual não há saída visível. Algo como uma saída só se torna possível se compreendermos que a falsa relação é a própria forma de poder, que estar numa falsa relação significa estar numa relação de poder. Ou seja, a relação é falsa não porque mentimos, mas porque nos falta a consciência do seu carácter essencialmente político. Sejam relações aparentemente íntimas e privadas, ou aquelas tecnicamente ou socialmente determinadas, que na verdade já são políticas — ou seja, desde o início encontramo-nos numa falsa relação — esta consciência é a única forma de mudar radicalmente a forma como as experienciamos. 

Quodlibet  

 

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Este governo irá cair na rua!

A "gente ignara" deste país ficou a saber que o governo fascista PSD/PP(CDS) “recuou nas alterações na Taxa Social Única (TSU)” devido à “ameaça de apresentação de moção de censura” pelo PS e por “reconsideração” do dito governo em “sinal de humildade democrática” com o fim de “reganhar a confiança dos cidadãos” e não pela gigantesca e inequívoca demonstração de revolta popular bem expressa nas mais de trinta manifestações de rua no passado dia 15, que envolveram mais de um milhão de trabalhadores e elementos do povo; manifestação de revolta que continuou no dia 21, junto do Palácio de Belém, aquando da reunião do denominado “conselho de estado” do senhor Silva de Boliqueime, PR do protetorado nesta beira mar plantado.

Multiplicam-se as manobras de bastidor para manter o governo, respeitando as vontades de um BCE e UE/Alemanha, que não se cansam de louvar o bom aluno português pelo “consenso social” e “êxito” da aplicação do programa de austeridade, mesmo que para isso se tenha de proceder a alguns retoques de cosmética substituindo um ou outro ministro de segundo plano e mais descartável. A continuidade deste governo de ladrões está menos nas mãos de um senhor Silva, ao contrário do que clama o coordenador da CGTP, do que na vontade de um povo revoltado, e será com a intensificação da insubordinação que o governo irá cair. E cair na rua.

A manifestação do próximo Sábado, dia 29 de Setembro, é importante, como ainda mais a convocação de nova greve geral nacional, que não deverá deixar de ser anunciada durante o decurso da manifestação, com o principal objectivo: derrube imediato do governo fascista! (manifestação e greve geral que inevitavelmente irão ultrapassar os promotores).

O governo só aparentemente recuou na intenção de diminuir a austeridade lançada sobre o povo e os trabalhadores portugueses, porque, no dia 15 de Setembro, o governo partiu os dentes mas não perdeu os intentos. A imprensa corporativa quer fazer crer que a luta era contra a mexida da TSU e que, tendo o governo recuado, agora não haverá razão para se continuar a protestar, como também não houvesse a intenção de substituir a medida anunciada por outra ou outas ainda piores. Ora, mexer nos escalões do IRS ou lançar o aumento dos 7% neste imposto, que incide principalmente sobre os rendimentos dos trabalhadores assalariados, será pior a emenda que o soneto, embora os órgãos de propaganda da classe dominante queiram dar a entender o contrário.

A austeridade em 2013 será bem pior do que em 2012 se os trabalhadores e todos os descamisados em geral não continuarem a lutar não só pela mudança destas políticas mas essencialmente pelo derrube do governo. Poderá haver alguma mexida nos impostos sobre o património, nomeadamente no mais ostensivo, e sobre os dividendos do capital, contudo não será nada de significativo, os mais sacrificados serão sempre os mesmos, ou seja, os trabalhadores assalariados, pequenos proprietários em via acelerada de falência, jovens precários ou em desemprego sem fim à vista.

A chancelarina do Reich continua na dela, não há outra solução senão “a redução das dívidas públicas e reformas estruturais como solução para a crise” e o Pacto de Estabilidade tem de ser respeitado. Assim sendo, também não outra alternativa da parte de quem sofre a austeridade: lutar até ao fim deste governo fascista. Se o senhor Silva de Boliqueime for por arrasto, paciência!, também é responsável. Se o regime de democracia de opereta colapsar, não será uma tragédia, já que é o regime da gatunagem e será a prova que o abanão foi grande e certeiro. E se isto acontecer, não haverá lugar para governos se salvação nacional, como algumas aventesmas do regime defendem, ou de coligação BE-PS, como algumas aves raras da direcção bloquista propõem, na justa medida em que o PS não é, nem nunca foi, um partido de esquerda, embora tenha sido sempre olhado como escada para alcandorar o poder dos tachos; e acabará por se provar que o BE não é melhor que o PS, deem-lhe verga (tacho) e tempo.

O governo, que se impõe e que deve substituir de imediato este governo de fascista e de gatunos, terá de ser um governo que aplique uma série de medidas em termos imediatos: nacionalização da banca; anulação de todas as medidas de austeridade aplicadas até agora; repúdio do memorando e expulsão da troika do país; repúdio da dívida pública, ilegítima, odiosa e ilegal; nacionalização de todas as grandes empresas de sectores estratégicos da economia; encerramento da Bolsa; aumento dos impostos sobre os dividendos do capital que poderão ir aos 100% (e que poderão substituir o IVA); redução do horário semanal de trabalho sem redução salarial, com o objectivo de criar mais postos de trabalho; aumento geral dos salários, incluindo o salário mínimo nacional e as pensões mais baixas, com imposição de um tecto limite de molde a acabar com os salários e pensões milionárias.

São medidas violentas? Pois são, mas são no interesse dos que trabalham e produzem. E são menos do que aquelas que agora estão a ser lançadas sobre o povo português. Não são o socialismo, mas preparam o caminho, porque vão além das medidas propostas pela CGTP, que mais não são do que as propostas por qualquer governo de conciliação nacional, caso houvesse lugar para um em tempo de agonia terminal do capitalismo.


Imagem principal no "Público"

25 de Setembro 2012

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

O Martírio de Charlie Kirk

Chris Hedges

O assassinato de Charlie Kirk prenuncia uma nova e mortífera fase na desintegração de uns Estados Unidos fragmentados e altamente polarizados. Enquanto a retórica tóxica e as ameaças atravessam as divisões culturais como granadas de mão, por vezes transbordando para a violência real — incluindo o  assassinato  da presidente emérita da Câmara dos Representantes do Minnesota, Melissa Hortman, e do seu marido, e as duas tentativas de assassinato contra Donald Trump — o assassinato de Kirk é um prenúncio de uma desintegração social em larga escala.

O seu assassinato deu ao movimento que representava — baseado no nacionalismo cristão — um  mártir . Os mártires são a alma dos movimentos violentos. Qualquer hesitação quanto ao uso da violência, qualquer demonstração de compaixão ou compreensão, qualquer esforço para mediar ou discutir, é uma traição ao mártir e à causa que defendeu com a sua morte.

Os mártires sacralizam a violência. São utilizados para inverter a ordem moral. A depravação torna-se moralidade. As atrocidades tornam-se heroísmo. O crime torna-se justiça. O ódio torna-se virtude. A ganância e o nepotismo tornam-se virtudes cívicas. O assassinato torna-se bem. A guerra é a estética final. É isso que está para vir.

“Precisamos de ter uma determinação férrea”, disse o estratega político conservador Steve Bannon no seu  programa  “War Room”, acrescentando: “Charlie Kirk é uma vítima da guerra. Estamos em guerra neste país. Estamos.”

“Se não nos deixarem em paz, então a nossa escolha é lutar ou morrer”,  escreveu  Elon Musk no X.

“Toda a direita precisa de se unir. Já chega desta treta da luta interna. Estamos a enfrentar forças demoníacas vindas do inferno”,  escreveu  o comentador e autor Matt Walsh no X. “Deixem as quezílias pessoais de lado. Agora não é o momento. Isto é existencial. Uma luta pela nossa própria existência e pela existência do nosso país.”

O congressista republicano Clay Higgins  escreveu  que usará "a autoridade do Congresso e toda a influência com grandes plataformas tecnológicas para determinar o banimento imediato e vitalício de qualquer publicação ou comentário que menospreze o assassinato de Charlie Kirk..." Afirma ainda: "Também estou a atacar as suas licenças e autorizações comerciais, os seus negócios serão colocados em listas negras agressivas, devem ser expulsos de todas as escolas e as suas cartas de condução devem ser revogadas. Basicamente, vou cancelar com extremo preconceito estes animais malignos e doentes que celebraram o assassinato de Charlie Kirk."

O cofundador da Palantir, Joe Lonsdale,  aproveitou  a morte de Kirk para defender o derrube da "aliança vermelho-verde" dos "comunistas e islâmicos", que, segundo ele, se uniram para destruir a civilização ocidental. Propõe uma aplicação onde os cidadãos podem publicar fotos de crimes e sem-abrigo em troca de "reembolsos no imposto predial".

O comediante de extrema-direita Sam Hyde, que tem quase meio milhão de seguidores no X,  escreveu  em resposta ao anúncio de Trump sobre a morte de Kirk que é: "Hora de fazer o seu trabalho e tomar o poder... se quer ser mais do que uma nota de rodapé na secção 'Colapso Americano' dos livros de história do futuro, é agora ou nunca." No seu tweet, marca membros do governo e contratantes militares privados.

O ator conservador James Woods  alertou : "Caros esquerdistas: podemos ter uma conversa ou uma guerra civil. Mais um tiro da vossa parte e não voltarão a ter essa escolha." O seu tweet foi republicado por quase 20.000 pessoas, recebeu 4,9 milhões de visualizações e mais de 96.000 gostos.

Estes são alguns exemplos da série de sentimentos vitriólicos partilhados e aplaudidos por dezenas de milhões de americanos.

A desapropriação da classe trabalhadora, 30 milhões de despedidos devido à desindustrialização, gerou raiva, desespero, deslocação, alienação e fomentou o pensamento mágico. Alimentou teorias da conspiração, um desejo de vingança e uma celebração da violência como purgante para a decadência social e cultural.

Os fascistas cristãos — como Kirk e Trump — aproveitaram-se astutamente deste desespero. Eles atiçaram as brasas. A morte de Kirk vai incendiá-las.

Os dissidentes, os artistas, os gays, os intelectuais, os pobres, os vulneráveis, as pessoas de cor, os que são indocumentados ou que não repetem irreflectidamente a cantilena de um  nacionalismo cristão pervertido  , serão condenados como contaminantes humanos a extirpar do corpo político. Tornar-se-ão, como em todas as sociedades doentes, vítimas sacrificiais na vã tentativa de alcançar a renovação moral e de recuperar a glória e a prosperidade perdidas.

A canibalização da sociedade, uma tentativa fútil de recriar uma América mítica, acelerará a desintegração. A embriaguez da violência — muitos dos que reagiram à morte de Kirk pareciam eufóricos com um banho de sangue iminente — autoalimentar-se-á como uma tempestade de fogo.

O mártir é vital para a cruzada, neste caso, livrar a América daqueles a quem Trump chama "esquerda radical".

Os mártires são homenageados em cerimónias e atos de memória para lembrar os seus seguidores da retidão da causa e da perfídia daqueles que são responsabilizados pela sua morte. Foi o que Trump fez quando chamou a Kirk "um mártir da verdade e da liberdade" numa mensagem vídeo a  10 de setembro , concedeu a Kirk a Medalha Presidencial da Liberdade e ordenou que as bandeiras fossem colocadas a meia haste até domingo. É por isso que o caixão de Kirk será  levado de volta  para Phoenix, no Arizona, no Força Aérea Dois.

Kirk foi um exemplo perfeito do nosso emergente  fascismo cristão . Propagava  a Teoria da Grande Substituição, que afirma que os liberais ou "globalistas" permitem a entrada de imigrantes não brancos no país para substituir os brancos, distorcendo as tendências imigratórias e transformando-as em conspiração .  Era islamofóbico,  tweetando:  "O islamismo é a espada que a esquerda está a usar para degolar a América"  ​​​​e  que "não é compatível com a civilização ocidental".

Quando a YouTuber infantil Sra. Rachel  disse  "Jesus diz para amar a Deus e amar o próximo como a si mesmo", Kirk  respondeu  que "Satanás citou muitas escrituras" e acrescentou "a propósito, Sra. Rachel, pode querer abrir a sua Bíblia, numa parte menos referenciada da mesma parte das escrituras em Levítico 18, é que deve deitar-se com outro homem e ser apedrejada até à morte".

Exigiu a revogação da Lei dos Direitos Civis de 1964 e  menosprezou  líderes dos direitos civis, como Martin Luther King. Foi depreciativo em relação aos negros: "Se estou a lidar com uma mulher negra imbecil no atendimento ao cliente... ela está lá por causa de ações afirmativas?". Disse que "negros que rondam" estão a atacar   brancos "por diversão". Culpou o movimento Black Lives Matter por "destruir a estrutura da nossa sociedade".

Kirk insistiu que a eleição de 2020 foi  roubada  a Trump. Fundou  a Professor Watchlist  e  a School Board Watchlist  para expurgar professores e docentes com o que chamou de agendas de "esquerda radical". Defendeu  as execuções públicas televisionadas  , que, segundo ele, deveriam ser obrigatórias para as crianças.

A ideia de que defendia a liberdade de expressão e a liberdade é absurda. Era inimigo de ambas.

Kirk, que era um defensor do culto de Trump, personificava a hipermasculinidade que está no cerne dos movimentos fascistas. Esta era talvez a sua principal atração pela juventude, especialmente pelos homens brancos. Afirmava que  havia "uma guerra contra os homens", fetichizava as armas e  vendia Trump aos seus   seguidores como um verdadeiro homem.

“Há muitas formas de chamar Donald Trump”,  escreveu . “Nunca ninguém o chamou de feminino. Trump é um dedo do meio gigante para todos os monitores de corredor que atacavam os jovens por simplesmente existirem. Ele é um grande FODA-SE para o establishment feminista que nunca foi desafiado antes de descer a escada rolante dourada. A maior parte da comunicação social não percebeu isso. Os jovens, não.”

A história mostrou o que vem a seguir. Não será agradável. Kirk, elevado ao martírio, dá aos que procuram extinguir a nossa democracia a licença para matar, tal como Kirk foi morto. Isto remove as poucas restrições que ainda existem para nos proteger do abuso estatal e da violência dos justiceiros. O nome e o rosto de Kirk serão usados ​​para acelerar o caminho para a tirania, como ele teria desejado.

Imagem: Tiro ouvido em todo o mundo – por Mr. Fish (clowncrack.com)

Fonte

domingo, 7 de setembro de 2025

Capitalismo Ignorante

Por Fernando Buen Abad

Estamos a viver uma crise educacional global?

Uma questão séria sobre a crise educativa global do capitalismo que vivemos não pode ser respondida superficialmente ou com números frios retirados de organizações internacionais, que são muitas vezes parte do problema. Não basta simplesmente contabilizar os alunos matriculados, as taxas de abandono, as taxas de alfabetização funcional ou os orçamentos atribuídos às universidades. Esta crise, tal como existe, deve ser entendida em toda a sua densidade histórica, política, económica, semiótica e filosófica. Deve ser considerada a partir das raízes estruturais burguesas que fazem da educação um campo mercenário de disputa, e não apenas a partir das estatísticas que cobrem o drama com uma camada de objectividade demagógica. Em rigor, o que vivemos hoje é um conjunto de crises sobrepostas e entrelaçadas que afectam a educação como sistema e como processo, e que nos obrigam a questionar a própria função das escolas, das universidades e dos projectos de sensibilização como mercadorias.

É essencial lembrar que a educação não flutua num esgar filantrópico neutro; é determinada pela lógica do modo de produção dominante e pela sua ideologia (falsa consciência). Num mundo governado pelo capitalismo globalizado, a educação está sujeita à ditadura do seu mercado. Os seus sistemas educativos são avaliados por critérios de "eficiência", "produtividade" e "competitividade", categorias emprestadas da barbárie corporativa e aplicadas mecanicamente à sua ditadura pedagógica. A educação torna-se, assim, formação comercial, e não um direito humano universal. Em vez de formar sujeitos críticos capazes de transformar a sua realidade, forma operadores dóceis para um mercado de trabalho precário. Esta é a primeira dimensão da crise: a subordinação estrutural da educação ao capital, que a corrompe no seu sentido mais profundo.

Os números confirmam esta tendência. Segundo dados da UNESCO (2023), mais de 244 milhões de crianças e adolescentes em todo o mundo estão fora da escola. Ao mesmo tempo, mais de 40% dos jovens dos países de baixo rendimento não completam o ensino secundário. Estes números reflectem não só a drenagem de recursos, mas também a desigualdade estrutural do sistema global, no qual o acesso a uma educação de qualidade é impossível ao abrigo das normas e regras do capitalismo. Entretanto, o ensino superior expande-se quantitativamente, mas a sua qualidade crítica é degradada ou anulada. As universidades privadas com padrões baixos ou inexistentes, os programas de curta duração e os diplomas concebidos como produtos de consumo rápido estão a proliferar, com o único propósito de capacitar competências específicas para o mercado. Dar diplomas a ignorantes presunçosos.

A sua crise também se manifesta em termos de conteúdo. Nunca antes houve tanta informação disponível, nunca antes tantos dispositivos para aceder ao conhecimento de lixo; no entanto, nunca a ignorância foi tão funcional ao poder. A chamada "infodemia" multiplica conteúdos fragmentários, superficiais e efémeros, carentes de hierarquia epistemológica. Em vez do conhecimento profundo, fomenta-se a hiperconectividade sem reflexão. Em vez do pensamento crítico, prevalece a lógica do "clique". Esta enxurrada de informação atua como uma distração massiva que degrada a aprendizagem em sala de aula, transformando professores e alunos em repetidores presunçosos de fluxos de comunicação vazios. O capitalismo digital, com os seus algoritmos de segmentação e controlo, introduziu uma nova dimensão à crise educativa: a colonização tecnológica da consciência. Tanto lixo em tantas cabeças, e nada muda.

O problema não é apenas quantitativo ou tecnológico; a sua crise é também filosófica. Em muitos sistemas educativos, o ensino da filosofia, da história crítica, da teoria política e da arte como ferramentas de emancipação foi abandonado. São substituídos por competências instrumentais, módulos de empreendedorismo e formação em resiliência. A sua semiose na educação é uma verborreia despótica para consumidores presunçosos que mastigam linguagens supostamente técnicas de jardim de infância, para camuflar toda a ignorância burguesa dos problemas que o seu poder causa, com exploração do trabalho e injustiça social. São ensinados a adaptar-se, não a questionar. São treinados para sobreviver dentro do sistema, não para o transformar. Assim, a sua crise educativa é também uma crise de sentido; as suas escolas e universidades esqueceram-se por que razão existem. E são especialistas nisso.

Não é por acaso que os governos neoliberais de todo o mundo implementaram políticas de austeridade que desfinanciam a educação pública. Desde a década de 1980, seguindo os ditames do FMI e do Banco Mundial, promovem um modelo de "eficiência educativa" baseado em cortes, privatizações, descentralização e competição entre instituições. Na América Latina, África e Ásia, milhões de escolas carecem de infraestruturas básicas: água potável, casas de banho, eletricidade e internet. Na Europa e nos Estados Unidos, o aumento massivo da dívida estudantil transformou o ensino superior numa armadilha financeira que põe em perigo o futuro de gerações inteiras. Esta não é uma crise acidental; é o resultado de um programa deliberado que procura enfraquecer a educação pública para abrir mais mercados à educação privada.

Mas a sua crise manifesta-se também a um outro nível: o ético e comunicacional. Em muitas salas de aula, sob o disfarce do pluralismo, infiltraram-se ideologias reacionárias, discursos de ódio e camuflagens de extrema-direita, envenenando os alunos e normalizando a intolerância. O progressismo é simulado enquanto os slogans são despojados do seu conteúdo crítico. Neste sentido, a crise educativa mundial é também uma crise de hegemonia semiótica: o próprio significado de democracia, direitos humanos e igualdade é contestado na sala de aula. Os discursos autoritários avançam sob o disfarce da modernidade. A isto acresce a crise do trabalho docente. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) observa que mais de 44 milhões de professores faltam em todo o mundo para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até 2030. Os baixos salários, o trabalho precário, a sobrecarga burocrática e a falta de reconhecimento deterioraram a profissão docente, desencorajando novas vocações. Um sistema educativo global sem professores suficientemente formados e reconhecidos está condenado a aprofundar as suas fracturas. A sua crise educativa afecta não só os alunos, mas também aqueles que leccionam em condições cada vez mais adversas.

No entanto, em muitas regiões, estão a emergir experiências pedagógicas emancipatórias, comunidades a defender escolas públicas, projectos de educação popular a resistir ao mercado e pedagogias críticas a semear consciências transformadoras. Estas iniciativas demonstram que a sua crise não é partilhada por todos, mas sim desigual e combinada. Precisamente no cerne da crise estão as sementes da renovação. Pergunta-se: que força política, que movimento social, que projeto histórico pode articular estas experiências para as transformar em políticas educativas globais?

A nossa Filosofia da Semiose procura abordar a crise educativa burguesa, que é, em última análise, uma crise económica dos signos com que pensamos e agimos. As palavras "qualidade", "eficiência" e "excelência" foram envenenadas pela lógica corporativa e despojadas do seu significado emancipatório. A tarefa é revolucioná-las, restabelecer a sua ligação com a justiça social, a verdade histórica e a dignidade humana. A nossa educação não pode ser um negócio disfarçado de serviço, nem uma simulação de inclusão digital, nem um laboratório de domesticação ideológica. A educação deve ser a práxis da liberdade, a construção coletiva do conhecimento que nos permite transformar o mundo.

Vivemos uma crise educativa global do capitalismo? Sim, mas não como uma catástrofe natural, mas como o resultado de um projecto económico e político global que procura subordinar a consciência aos interesses do capital. Trata-se de uma crise burguesa estrutural, semiótica, ética e filosófica. Revela a urgência de lutar por uma educação diferente, liberta de dogmas comerciais, baseada na verdade, na igualdade e na solidariedade. Não se trata de reparar uma máquina avariada, mas de reinventar a educação como um direito universal e sementeira de emancipação. O futuro da humanidade depende da forma como enfrentamos e combatemos esta crise de forma organizada. Se for aceite com resignação, a educação será reduzida a apenas mais uma engrenagem no sistema de exploração. Se for abordada criticamente, pode tornar-se a alavanca de uma nova civilização. O dilema está em aberto. O desafio é urgente. E a responsabilidade recai sobre todos nós que acreditamos que a educação não pode ser mais do que um avanço na revolução da consciência.

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sábado, 30 de agosto de 2025

"O sionismo judaico tem a tragédia de reproduzir o pior do sionismo cristão"

Rodrigo Karmy Bolton

O professor da Universidade do Chile destaca como a Nakba, que os palestinianos sofrem desde 1948, é um padrão que se espalha pelo mundo. Um prenúncio do colapso da ordem internacional. Doutorado em filosofia, professor e investigador na Universidade do Chile, Rodrigo Karmy Bolton acaba de publicar uma série de ensaios sobre aquilo que define como "a Nakba do mundo". Sob o título Palestina Sitiada, analisa o que considera ser uma experiência imperialista em curso naquela região do Médio Oriente, mas com alcance global. Ele discutiu isso nesta conversa por Zoom com a Tiempo. (Alberto López Girondo)

–O seu argumento é que há uma espécie de Nakba eterna em curso, com focos de pobreza, de pessoas excluídas nas cidades, perseguidas e exterminadas, como os palestinianos desde 1948.

– A questão seria pensar na Palestina não como um caso isolado dos acontecimentos que se desenrolam no planeta, mas como o caso mais extremo, que, como tal, constitui uma espécie de cadinho a partir do qual podemos compreender o que se passa noutros lugares, a nível tecnológico ou político. A Nakba não é apenas o termo para designar a Catástrofe Palestiniana, mas também a catástrofe que na Palestina encontra um momento de maior intensidade.

–Seria um laboratório para o resto do mundo?

– Sim, entendendo que naquele laboratório a lógica aplicada noutros locais é intensificada. A diferença entre a Palestina e nós é apenas de grau, não de natureza. O que significa que as nossas cidades podem tornar-se Gaza a qualquer momento e por qualquer motivo.

–O objectivo, que o gabinete de Netanyahu já não esconde, é expulsar a população indígena ou simplesmente exterminá-la.

O projeto sionista, politicamente cristalizado pelo Estado de Israel desde 1948, sempre teve este objetivo; não é apenas um problema para o primeiro-ministro. Netanyahu é, pelo contrário, um sintoma de toda esta história que Israel está a construir a nível colonial e que estamos a assistir a uma tentativa de completar. Netanyahu não quer fazer concessões. Vimos, nestes dois anos de genocídio, que foi Netanyahu quem impediu a possibilidade de um cessar-fogo, e nem sequer um acordo de paz.

Netanyahu disse recentemente que cumpriu a sua promessa de impedir o estabelecimento de um Estado palestiniano, "como exigido por vários governos dos EUA". O Ministro Bezalel Smotrich acrescentou que cada novo colonato, cada bairro, cada casa construída na Cisjordânia "é mais um prego no caixão desta ideia perigosa".

– Israel nasceu com a ideia de Eretz Israel, o Grande Israel, que Netanyahu está a tentar consumar. A minha interpretação é que a Nakba não é uma exceção na história de Israel, mas sim o seu elemento mais rico. Israel está a tentar expulsar a população nativa e despojá-la completamente do seu mundo. Essa é a questão subjacente.

– O que estava a acontecer no mundo para que este projeto se tornasse agora tão flagrante? Não têm qualquer problema em dizê-lo, e também recebem apoio dos governos da Europa e dos Estados Unidos.

– É uma questão a responder a, pelo menos, três níveis. O primeiro é que Israel foi fundado sobre a transgressão do direito internacional. Em 1947, as Nações Unidas propuseram a criação de dois Estados, sendo 51% correspondentes ao Estado sionista e 48% ao Estado palestiniano, o que era já uma solução colonial idealizada pela Grã-Bretanha. Neste contexto, ocorreu uma espécie de israelização do mundo global, em que o direito internacional e a ordem internacional que emergiram desde a Segunda Guerra Mundial ruíram completamente, restando-nos apenas o reinado da força. Como chegamos a este ponto? A ordem liberal foi destruída pelos mesmos que afirmam defendê-la: Israel e os Estados Unidos. Segundo nível: este processo só pode ocorrer quando aquilo a que chamamos sionismo não é uma questão exclusiva do Estado de Israel. Existe um sionismo cristão que tem funcionado como o grande palco ideológico da empresa imperial desde o século XVIII, inicialmente pela Grã-Bretanha e, mais tarde, pelos Estados Unidos e pela Europa, até aos dias de hoje. O ideólogo sionista é comum aos Estados Unidos, à Alemanha, à França, à Grã-Bretanha e, claro, ao Estado de Israel. Poderíamos dizer, com Samir Amin, que se trata de um imperialismo colectivo, um sionismo colectivo, que rompeu sistematicamente a ordem liberal em virtude das suas próprias aspirações imperiais, das suas próprias formas de acumulação de capital.

–O que seria o sionismo cristão?

O sionismo cristão, sobre o qual está a aprender com Milei, é mais antigo do que o sionismo judaico; é o fundamento ideológico fundamental em que se baseia. Portanto, o sionismo judaico tem a tragédia de reproduzir o pior do sionismo cristão, que é a sua vocação imperial e a sua apropriação colonial e anexação de terras. Para concluir este terceiro ponto, digamos que a administração Trump está a fazer a mesma coisa que Netanyahu. O primeiro-ministro está a seguir uma política de anexacionismo, a que chamo "anexação". Trump diz: "Vamos anexar a Gronelândia". O paradigma da política reaccionária do nosso tempo é a política anexionista por excelência.

Três questões me vêm à mente. Em primeiro lugar, como surgiu o sionismo cristão? Em segundo lugar, atribui o desaparecimento da ordem fundada após a Segunda Guerra Mundial ao sionismo. Outra interpretação sugeriria que este momento ocorreu quando Vladimir Putin ordenou a Operação Militar Especial na Ucrânia. Por outro lado, muitos classificariam também a política de Putin como anexionista.

– Quanto ao primeiro ponto: o sionismo cristão não tem um autor específico, mas antes um conjunto de articulações imperiais que se desenvolveram desde o final do século XVIII até à primeira metade do século XIX e que moldam o imaginário imperial britânico. Há um grupo de evangélicos muito importantes na Grã-Bretanha que olham para o imperialismo espanhol, por um lado, e para o imperialismo francês, por outro, e dizem: "Estes são dois projectos anticristãos". O católico é anticristão porque tem como garantia institucional a Igreja Católica, e o francês é secularista, liderado por Napoleão. Estes evangélicos dizem: "Devemos ter um projecto para a segunda vinda de Cristo. Tal como os católicos perseguiram os judeus e os franceses se esqueceram de Cristo, devemos regressar ao povo judeu; devemos ser filosemitas", como se auto-intitulavam, "para restaurar os judeus à sua terra prometida, a Palestina". Na perspectiva do sionismo cristão, isto implicaria a consumação do domínio de Cristo a nível planetário e, portanto, a conversão dos judeus na Palestina ao cristianismo. Este discurso, que consideramos insano, é, na verdade, pura geopolítica num discurso teológico-político. O que significa é: "A Grã-Bretanha, uma vez que coloque os judeus na Palestina, triunfará na dominação do capital transnacional". Cristo é o capital transnacional; Cristo dominará todo o planeta. Este sionismo cristão tem uma ramificação em direção ao sionismo judaico, que interpreta uma burguesia, uma pequena burguesia austríaca e judaica britânica, enquanto começava a moldar o movimento colonial sionista na segunda metade do século XIX. O sionismo cristão emergiu desta conjuntura imperial num processo de pelo menos dois séculos, durante o qual se formou o sionismo judaico. Ambos são empreendimentos coloniais que visam dominar o Médio Oriente e têm a Palestina como sustentáculo. Este foi canalizado em 1917 com a entrada das tropas britânicas.

–Isso implica que o imperialismo anglo-americano é na realidade um imperialismo cristão-sionista?

– Sim, o imperialismo anglo-americano é um imperialismo anglo-sionista. É o herdeiro do imperialismo hispano-português do século XVI, do imperialismo franco-britânico dos séculos XVII e XVIII, e é uma fase final do imperialismo, a do capital fóssil: o petróleo, os hidrocarbonetos. Quanto à questão sobre Putin, penso que estamos a assistir a um momento de colapso deste imperialismo devido ao renascimento não só da Rússia como actor internacional, com o seu próprio aparelho ideológico muito significativo, mas também da China. Isto está a destruir completamente o poder hegemónico a que estávamos habituados na década de 1990. É por isso que penso que se pode estabelecer uma ligação entre o actual genocídio na Palestina e a guerra na Ucrânia.

–Em que sentido?

– O que liga os dois é o capital do gás, o capital dos hidrocarbonetos. O projecto israelita sempre foi dominar toda a Palestina histórica, mas nos últimos anos foi descoberto um campo de gás na costa de Gaza, e é por isso que uso sempre o termo "Gaza". Israel quer tornar-se o substituto da Rússia no fornecimento de gás à Europa. Os Estados Unidos querem impedir a Europa de receber gás da Rússia porque foi vendido a preços muito baixos, e isso criaria uma fractura geopolítica para o domínio americano sobre o continente. Obrigou a Europa a comprar-lhes gás e obrigá-la-á a comprar a Israel se Israel avançar com este projecto. É isso que está aqui em causa.

–Qual o papel da Rússia?

A Rússia de Putin está a produzir uma revolução, embora num sentido diferente do da Rússia Soviética. É uma revolução que visa a descolonização monetária e a reafirmação do carácter nacional da Rússia. De certa forma, está também a impulsionar uma revolução descolonial relativamente à sua soberania monetária, juntamente com a China, enquanto os Estados Unidos e o Império Anglo-Imperial estão em declínio fatal. O que Israel está a viver foi caracterizado pelo historiador israelita Ilan Pappé como um processo de colapso. Para mim, este colapso não é exclusivo de Israel, mas do imperialismo anglo-atlântico, ou sionismo cristão.

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quarta-feira, 20 de agosto de 2025

A política de terra queimada

O país está a arder há cerca de um mês de forma ininterrupta, com os incêndios a alastrarem de concelho para concelho, atingindo profundamente as regiões norte e centro do interior, abandonadas e desprezadas pelos governos, numa estratégia deliberada de transformação da agricultura e agora da floresta em termos de industrialização capitalista. Enquanto o país profundo é destruído pelas chamas, o governo, Montenegro e Marcelo passam o tempo em remansosas férias como nada se passasse e só quando morre um elemento do povo no ataque ao fogo que o chefe do governo despertou para a realidade, interrompendo o descanso. E em aberta manobra oportunista, sentindo talvez a consciência pesada, aparece no funeral do bombeiro, o segundo cidadão a morrer nesta tragédia anualmente repetida, tendo recebido a reacção de uma cidadã destemida que lhe gritou que ali, na Covilhã, não era bem-vindo ("O sr. não é bem vindo nesta cidade!!!"). Na sombra de Montenegro, Marcelo vai a funerais e envia os seus hipócritas pêsames e, ambiguamente, não se sabendo se a desculpar ou a denegrir, pede alguma benevolência para a presumível falta de experiência da ministra da Administração Interna, que, e ao contrário do que aconteceu com a sua antecessora em 2017, ainda não foi demitida. Por bem menos, Marcelo demitiu o governo PS/Costa, mais razão tem para repudiar este governo, que deve ser demitido pelo futuro PR, já que a lei não permite que este o faça por se encontrar em fim de mandato. Fica-se com a sensação que estamos perante mais uma estratégia deliberada do que a uma falta de competência governativa.

O desprezo pelo povo é marca do governo

As populações afectadas pelos incêndios, com tudo destruído, casa, produções agrícolas e animais, fruto de uma vida de trabalho, encontram-se completamente abandonadas. Reclamam mais meios para combater os incêndios, com dias e dias e até semanas de desespero e cansaço, o primeiro ministro vem, com a lata de que sempre desprezou quem trabalha, falar que "estamos todos muito esgotados, são dias e dias de sofrimento" e que terão sido dias "como não há registo". Entretanto, a ministra que não se demite recusa responder a perguntas em conferência de imprensa, declarando arrogantemente “vamos embora”, ao mesmo tempo que vira as costas a jornalistas e a todos que assistiam à intervenção televisiva. Esta é a postura típica de quem nunca se preocupou com os problemas e o sentir do povo português e cuja missão se centra mais em responder aos interesses e exigências das elites e de quem em Bruxelas traça as directivas que o governo terá de seguir.

Enquanto Portugal se apresenta como o país da União Europeia com maior percentagem de território ardido, indo já em 222 mil hectares perdidos pelos incêndios, valor que ultrapassará rapidamente o registado em 2017, o ano dos grandes fogos de Pedrógão Grande, e que fez correr e saltar Marcelo no ataque ao governo de Costa/PS, ao contrário do que agora sucede, os patrões nacionais exigem discutir o Orçamento do Estado para 2026 com o ministro das Finanças. Reivindicam o pagamento de menos impostos, benefícios fiscais na generalidade, facilidades para despedimentos; e o governo dá à Volkswagen/AutoEuropa 30 milhões de euros como “incentivo” pela produção de carro eléctrico em 2027. Estes dinheiros poderiam ser investidos com melhor proveito na reflorestação do país em espécies resistentes ao fogo e no apoio aos pequenos agricultores e produtores florestais.

Portugal assiste de forma passiva e impotente à morte de bombeiros e de simples cidadãos; este ano, infelizmente, já vamos em três mortes, um ferido grave e mais de uma dezena de feridos. Tal é a negligência das autoridades e descontrolo da gestão do combate que o carro de bombeiros que capotou no combate ao fogo e esteve uma hora e 20 minutos à espera de socorro. É previsível que venham a ocorrer mais acidentes e mais vítimas, na continuação da série funesta de 257 bombeiros que morreram em serviço nos últimos 45 anos. O ano mais trágico foi 1985, quando 19 operacionais morreram durante o combate a um incêndio florestal. Esta política de depredação do factor humano generaliza-se pela sociedade, com grávidas a darem á luz em ambulâncias ou simplesmente à beira da estrada, graças á política de encerramento das urgências e dos próprios serviços de obstetrícia e ginecologia no SNS, para benefício do negócio privado da saúde, na realidade, da doença.

O país transformado em imensa fogueira

O incêndio que começou no Piódão, concelho de Arganil, que lavra desde o dia 13, continua ativo, com os eucaliptos e pinheiros bravos como combustível inesgotável, será "muito provavelmente" o maior de sempre em Portugal, com uma área ardida de mais de 60 mil hectares. Para além de Arganil, Sabugal, Mirandela, Montalegre e Carrazeda de Ansiães, mobilizam cerca de 3000 operacionais. E em um só dia, a proteção civil registou 59 novos focos de incêndio, com cinco fogos mais preocupantes. O fogo está descontrolado e teve que ser o povo, perante o desprezo do governo e restantes autoridades, a arregaçar as mangas e ser ele próprio a dar combate às chamas: "Começámos a fazer turnos", os “populares foram os bombeiros em Moimenta da Beira”. “Estamos há uma semana e meia sem dormir”, desabafam na Pampilhosa da Serra onde o fogo ameaça aldeias. E vem o presidente da Turismo Centro de Portugal perorar que os “incêndios estão a ter um impacto muito grande no turismo da região...”. Lá se vai a galinha de ovos de oiro da economia nacional, como ficam as populações, isso pouco interessa, o turismo é mais importante.

Ardem casas de primeira e segunda habitação, queimam armazéns e anexos, são cremados animais e colheitas, «dói o coração aos produtores de castanha: “Já só resta esperança, tudo o resto morreu”», em «Cedovim não arderam só a capela e os andores: o sr. Ilídio perdeu o trabalho de uma vida», ao que parece Deus abandonou os seus crentes deixando que um lugar onde lhe prestam o culto tenha sido também devorado pelas chamas. Tudo está descontrolado, o fogo, a divindade e a dita “protecção civil” que é quem ordena para onde vão os bombeiros e se devem ou não usar os meios de combate, é o que a população denuncia, muitas das vezes nem os bombeiros aparecem. Os próprios “bombeiros denunciam falhas graves na coordenação dos incêndios”. Entretanto o SIRESP (Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança) apresenta falhas, tendo o governo de Montenegro prolongado até 30 de Novembro o prazo para a remodelação do referido sistema, que, relembremos, ficou em cerca de 700 milhões de euros. Para aqui há dinheiro que nunca mais acaba.

A região interior do distrito de Coimbra foi e continua a ser uma das mais afectadas pelos fogos, ainda bem nos lembramos do grande incêndio que rodeou a cidade de Coimbra aqui há alguns anos, agora é Arganil, onde uma família enfrentou o fogo com baldes de água, Oliveira do Hospital, Pampilhosa da Serra, onde as autoridades obrigaram á evacuação da aldeia de Covanca, e é a Serra da Lousã, com 13 aldeias evacuadas e com os moradores a lutarem para salvar as suas casas e a soltarem os veados para fugirem ao fogo. No entanto, em Mirandela, os idosos do lar da dita “Santa Casa da Misericórdia” não tiveram a mesma sorte dos veados da Serra da Lousã, foram deixados às chamas, desta vez com origem no interior do lar. A falta de condições de segurança, vigilância e alerta e meios de salvamento fez com que dos 89 idosos residentes tenham morrido seis e outros 25 tenham ficado feridos, cinco deles com gravidade. As elites desprezam os idosos, a dita “peste grisalha”, um encargo para a economia, segundo a Lagarde do BCE e do FMI e a ex-ministra do PSD Ferreira Leite, mas uma fonte de rendimento para a Igreja Católica. 

O «incêndio no Sabugal deixa um ferido em estado grave: tem “uma queimadura extensa” e está a ser avaliado no Hospital de São João». Na Pampilhosa da Serra: “Ardeu tudo em volta das casas, uma verdadeira noite de terror” e “no olho do furacão”! Populares e bombeiros combatem lado a lado o inferno das chamas na Pampilhosa da Serra. E «imigrantes, alimentaram bombeiros e apagaram chamas: “Só queremos retribuir”: no seu restaurante, Ganga Singh já ofereceu centenas de refeições, confessa ter sido bem recebido, com exceção de um "membro do Chega" local que já lhe terá apontado uma faca». O povo português os trabalhadores imigrantes não olham para as diferenças de cultura ou nacionalidade, interagem em espírito de solidariedade. Por outro lado, dois agentes da PSP são acusados de matar à pancada imigrante marroquino suspeito de ter provocado “distúrbios” ao furtar comida para matar a fome numa superfície comercial em Olhão. Como nem todos os imigrantes são iguais, o candidato Moedas à câmara municipal de Lisboa, para além de incluir na lista à assembleia municipal uma retinta agente da Mossad, anda de braço dado com o neo-nazi, líder da comunidade de imigrantes ucranianos que fugiram à guerra na Ucrânia, que aqui se encontram a expensas dos fundos europeus e que são pagos pelo povo português.

A política de não combate eficaz aos incêndios florestais é mais do que negligente, é intencional. O objectivo do governo PSD/Montenegro é seguir as instruções de Bruxelas quanto à destruição da pequena economia agrícola em beneficio do agro-negócio do eucalipto e da transição energética, fotovoltaicas e eólicas, no interior montanhoso do país, mas que já se observam na periferia norte da cidade de Coimbra, na saída para a A1. É transformar o país numa imensa mina a céu aberto para exploração do lítio e outros metais no interesse do grande capital estrangeiro. A norte ficam as minas e os eucaliptos, ao centro continuam os eucaliptos e as fotovoltaicas, e a sul as mesmas fotovoltaicas, onde precisamente há mais dias de sol, e a agricultura intensiva espoliadora de água. A população que emigre e não tenha filhos - a extinção de Portugal programada.

Família de aldeia em Arganil impossibilitada de sair de casa enfrentou incêndio com baldes de água (Lusa, 13 de Agosto)

Um governo corrupto e fascista deve ser demitido

Uma política de negócios na lógica e no interesse dos bancos, com lucros sempre a crescer, tendo os cinco maiores bancos em Portugal registado lucros de 2,6 mil milhões até Junho deste ano. Os acionistas das celuloses deverão continuar a enriquecer, bem como os proprietários da empresas que alugam os meios aéreos, que o governo nega a adquirir, para proveito de um João Maria Bravo, da empresa Helibravo, suspeito do cartel dos helicópteros e um dos principais financiadores do partido da extrema-direita, ou do cunhado do ministro Amaro que adquiriu a empresa Gesticopter Operation Unipessoal cerca de dois meses antes do familiar ter tomado posse como governante, tendo logo firmado com a Força Aérea um contrato de 20 milhões euros por ajuste directo. A corrupção é uma componente sempre presente nestes negócios, as comissões deverão ser fabulosas. 

Não há dinheiro para a compra de meios aéreos que tanta falta fazem, a própria ministra ainda antes da série interminável de incêndios ter começado foi peremptória: seriam “irrelevantes”. Agora, a ministra do Trabalho defende que "nem todas as pessoas querem ter um contrato de trabalho sem termo", até gostam de ser precárias, receberam salários miseráveis, e o governo de que faz parte aposta fortemente num “Código do Trabalho mais ágil para uma economia mais forte”, isto é, proceder a uma transferência inaudita de riqueza do trabalho para o capital. Não há dinheiro para adquirir ambulâncias ou para investir no SNS mas haverá para a guerra e para dar apoio ao conflito da Ucrânia, tendo o governo português já feito o pedido, não sabemos ainda em quantos milhões ou milhares de milhões de euros, ao Mecanismo de Assistência à Segurança para a Europa, o que fará disparar a dívida pública para níveis jamais atingidos, pior do que no tempo da troika. Esta é também uma política de terra queimada, onde o povo servirá de lenha para queimar. 

Estas serão razões mais que suficiente para que as forças democráticas do país, desde os trabalhadores, passando pelos partidos que se dizem de "esquerda", às populações afectadas pelos incêndios, exijam a demissão imediata do governo cada vez mais da extrema-direita PSD/Montenegro/Chega. Marcelo não atenderá à demanda, invocará razões de prazos, na medida em que as eleições presidenciais serão em Janeiro próximo, então, a rua será a única alternativa. Então, veremos da bazófia de Montenegro que, perante as críticas à sua passividade criminosa quanto ao combate aos fogos, diz estar pronto para o escrutínio. A fanfarronice esconde sempre a mais abjecta cobardia. 

Imagem: Luís Montenegro goza férias em agosto, com a Festa do Pontal pelo meio (JN)