quarta-feira, 12 de novembro de 2025

‘Mundo atual é horrível e pré-fascista’ – diz filha de Frantz Fanon

Mireille Fanon comenta a atualidade do pensamento do pai e avalia que a situação é ainda pior

 Entrevista por Juliana Passos

No ano em que Frantz Fanon completaria 100 anos de idade, a presidente da Fundação Frantz Fanon e filha do médico, filósofo, psicanalista e revolucionário martinicano, Mireille Fanon Mendés-France vem ao Brasil para participar da mesa de abertura da 15ª edição da Festa Literária das Periferias (Flup) em novembro. A conversa aconteceu antes da chacina mais letal da história do país que vitimou ao menos 121 pessoas nos Complexos da Penha e do Alemão na última semana.

Mireille é jurista, consultora da Organização das Nações Unidas (ONU) e é ativista de direitos humanos. Nesta entrevista concedida por telefone ao Brasil de Fato, ela defende que o mundo mudou pouco desde a publicação de Os Condenados da Terra, em 1961, em que Fanon discute os processos de libertação das colônias e a violência usada pelos colonizadores para a manutenção do domínio sobre a população escravizada.

Para Mireille, essa força é ainda mais brutal e tem levado a governos fascistas diante da crise estrutural do capital. E ela lembra, conforme defende Fanon, que esse uso da violência não mata apenas a vítima, mas também aqueles que cometem atos de brutalidade.

E essa violência não é apenas física, mas também passa pelos meios intelectuais, diante da construção de uma hegemonia que nega a existência da população negra no Brasil, palestinos e imigrantes ao redor do globo. Para ela, essa invisibilidade é parte do genocídio.

Confira a conversa.

Brasil de Fato: A senhora virá ao Brasil em novembro. Já esteve aqui antes? Quais são suas expectativas para esta visita?

Mireille Fanon Mendés-France: Sim, já estive no Brasil várias vezes. Acho que a primeira vez foi para o Fórum Social Mundial, em 2005. Depois, como especialista das Nações Unidas para pessoas de ascendência africana. Nessa nova visita, espero que tenhamos uma boa conversa sobre a atualidade do pensamento de Frantz Fanon. E como ele pode, neste momento, nos dar algumas reflexões sobre engajamento, solidariedade, responsabilidade. E a maneira de perceber o mundo atual, o mundo atual horrível, o mundo pré-fascista.

Fanon falou sobre a necessidade de criar uma nova humanidade. O caminho para construir essa nova humanidade é o mesmo hoje que era na década de 1950?

Sim, claro que é exatamente o mesmo, porque desde meados do século XV continuamos sob o mesmo sistema capitalista e racista. Nada mudou. O mesmo paradigma continua presente.

Os mesmos paradigmas de organização, escravidão, colonização, colonialismo, genocídio, crimes contra a humanidade e violação dos direitos humanos ainda estão presentes. Porque é liderado pelo sistema capitalista e financeiro. É exatamente a mesma coisa.

Se acreditávamos nos anos 1960 e 1970 que o colonialismo já havia acabado, isso era um erro. O colonialismo ainda está presente e a situação está ainda pior diante da crise estrutural do capital.

Por que a senhora está dizendo que estamos voltando ao passado?

Basta olhar para a situação dos migrantes, a situação da população negra em seu país, na Europa, nos Estados Unidos. A apropriação de terras, o extrativismo. Para onde quer que você olhe, é a mesma violação em todo o mundo. E estamos voltando para trás porque o sistema capitalista está em crise e eles sabem que, se não forem mais fortes, mais violentos, mais genocidas, perderão.

É por isso que, neste momento, em todo o mundo, podemos ver figuras fascistas. Alguns presidentes são totalmente fascistas. E temos que entender isso. É nossa responsabilidade entender isso.

Esta entrevista ocorre na mesma semana em que Israel e o Hamas assinaram um cessar-fogo. Como as ideias de Fanon se relacionam com a luta palestina pela libertação?

É muito simples de entender. Se estamos lutando contra o colonialismo como Fanon fez, engajando-se com a Frente de Libertação Nacional da Argélia e pedindo a unidade africana após a guerra de libertação da Argélia, agora é exatamente a mesma coisa. Portanto, temos que nos engajar.

Se acreditamos em um novo ser humano, temos que mudar o paradigma da dominação. Não temos outra escolha. Um outro mundo só é possível se mudarmos o paradigma da dominação. Portanto, se tivermos uma ruptura, se introduzimos uma ruptura com o sistema capitalista. É somente nessa condição que podemos obter um novo ser humano. E é exatamente o que Fanon disse.

Qual é a importância dos trabalhadores, negros, imigrantes, palestinos, moradores de favelas escreverem suas próprias histórias?

É muito importante. Como Fundação Frantz Fanon, somos totalmente contra essa política que trata a população explorada como se fossem invisíveis e a denunciamos. Porque tentar tornar essas pessoas invisíveis e até mesmo mentir sobre sua própria história, como é feito com a história palestina, é parte de um ato genocida. É muito grave, é realmente muito grave.

E ignorar que mais da metade da população brasileira é negra é muito grave. Porque permite que essas pessoas que fingem ser descendentes de europeus aprovem leis que violam os direitos humanos e aceitem a violência policial e aceitem ações policiais contra as populações do campo que deveriam ter direito à terra.

É muito grave e é o problema que enfrentamos agora. É fingir, todas essas pessoas estão fingindo ser mais poderosas, intelectualmente mais poderosas, culturalmente mais poderosas e mais inteligentes porque são brancas. Isso mata todo mundo. E é exatamente o que Fanon disse. Isso mata não apenas a vítima, mas também os perpetradores.

E para complementar, gostaria de perguntar qual o papel da literatura em nos ajudar a compreender o mundo e chamar a atenção para essas questões que comentamos como a opressão, o neocolonialismo, o racismo e o capitalismo.

A literatura também trata da situação política. Não há fragmentação entre literatura, arte e política. E essa é uma das coisas mais importantes que Frantz Fanon fez.

[Fazer isso] É quebrar a fragmentação entre o conhecimento. E se alguns escritores acham que não estão falando sobre o contexto real em que vivemos, acho que cometeram um erro ou cometeram um erro voluntário. Porque todas as coisas estão conectadas. Não fragmentadas. E a literatura não está fragmentada da política, do contexto social e da solidariedade.

Acho que, mesmo quando lemos, quando todos nós lemos o que chamamos de literatura burguesa, ela está sempre falando sobre a situação política. E também a maneira como a literatura burguesa leva em consideração o racismo, a xenofobia, a homofobia, a islamofobia, a afrofobia, etc.

O fato de não terem mencionado nada sobre racialização, escravatura, colonialismo, dominação e supremacia branca. Não nomear esse tipo de situação que enfrentamos como povo de ascendência africana é apenas para dizer que não queremos nomear isso, mas sabemos que existe.

Existe, mas não sabemos como nomear. Porque consideramos que estamos fora disso e somos escritores, intelectuais, mas não queremos ter nada a ver com isso. Mas é apenas uma forma de não denunciar a dominação branca, a modernidade eurocêntrica. Eles sabem que são culpados por não fazer isso.

Fonte

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

SNS: Quando o vírus pode matar o hospedeiro

O Serviço Nacional de Saúde que, por definição, é publico, inteiramente financiado pelos impostos dos cidadãos, por natureza dos direitos do indivíduo e consagrado na Constituição da República, é, ou deveria ser, universal, geral e gratuito, vai em estado deveras adiantado de degradação e o seu colapso é iminente. Este processo, como aqui várias vezes alertámos e por demasiado evidente, é consciente, deliberado e planeado, feito por encomenda, no interesse dos variadíssimos lóbis económicos, e sob orientação de Bruxelas. A ministra que é responsável mais directa pela boa prossecução do plano não passa de uma executiva que segue directivas e cumpre ordens e, nesta matéria, temos de reconhecer que é, ao contrário do que dizem, funcionária assaz competente.

A morte de uma mãe, por acaso, nascida no mesmo país da ministra da saúde, Guiné-Bissau, e do seu bebé, por falta de assistência competente no Hospital de Amadora-Sintra, que tem sido ultimamente o mais fustigado pelas notícias de longos períodos de espera nas urgências, fez disparar as críticas à política para a Saúde do governo Montenegro/PSD/CDS e o clamor para a demissão da guineense (por nascimento) farmacêutica em funções de ministra, alegando “incompetência” para o cargo, por “racismos” e “falta de sensibilidade” para a tragédia alheia, especialmente quando as vítimas são diferentes, eventualmente pobres e sem instrução. Epítetos críticas que a não terão incomodado, contrariamente ao que querem fazer supor. A mulher está blindada.

Foi-se buscar o exemplo da demissão da ex-ministra Marta Temido, do governo do PS/Costa, que, eventualmente para proteger o chefe, de imediato colocou o cargo á disposição. A razão foi algo parecida, a morte de uma mãe estrangeira, indiana, que teria vindo a Portugal beneficiar dos bons cuidados de saúde prestados pelo SNS, ocorrida durante a transferência do Hospital de Santa Maria para o de São Francisco Xavier, por falta de vagas no serviço de Neonatologia. Os problemas eram os mesmos de agora, falta de vagas nos serviços e serviços de urgência encerrados por insuficiência de pessoal médico. Como se pode verificar, muda governo, muda partido, muda ministra, mas os problemas mantêm-se e até se agravam. Decididamente, que se trata antes do mais de uma estratégia, de uma política, que não se vem alterando ao longo do tempo.

Quem espera pela demissão da comissária para a Saúde em Portugal pode esperar sentado, porque vai ter muito que esperar. Montenegro já veio manifestar inteira e sólida confiança, outra coisa não seria de esperar; o ministro Leitão foi peremptório, garantindo que a ministra vai “continuar” o trabalho de melhoria do SNS, com certeza, quereria dize do “sistema” de saúde onde se metem no mesmo saco, o sector privado e o (dito) social, ambos fartamente financiados pelo Orçamento de Estado. E mais, o ministro dos Negócios Estrangeiros (e de outros negócios) veio de igual modo a terreiro manifestar a ideia de que se a ministra está a ser contestada como está a ser, é porque está a fazer o trabalho correcto e a enfrentar “interesses poderosíssimos”; será um problema mental ou de visão que percepciona a realidade de forma invertida, ou então quer fazer de nós todos parvos. O jornal do regime, o inefável “Expresso” já informou que a “remodelação” ministerial será feita, mas só lá para o fim do ano, ou seja, quando o menino Jesus for mais crescido.

As medidas para a construção do “sistema” de saúde, ou melhor dizendo, da doença, estão a ser tomadas com rapidez e pouca eficiência. São, por exemplo, encerramento das urgências de proximidade de Ginecologia e Obstetrícia, que já mereceram a mais veemente contestação de médicos e enfermeiros, alegando a velha lógica usada por governos anteriores de “racionalização” dos meios “escassos” existentes. A imprensa mainstream aplaude, interessante verificar onde fecha o público, abre, ou já está aberto, o privado. Com a mesma lógica de “racionalização de meios humanos” procedeu-se na última sexta-feira ao encerramento da urgência do Hospital dos Covões em Coimbra. Alguns médicos e jornalistas em geral aplaudiram, uma “decisão certa”, contudo, não denunciaram o facto de já estar a funcionar as urgências de dois hospitais privados na cidade, LUZ e CUF. Constrói-se o privado sobre as ruínas do público.

A ministra fez um despacho que permite que os utentes dos cuidados primários do SNS sejam atendidos em unidades privadas, convencionadas para o efeito. Ora, nada de novo, esta contratação já estava prevista nos governos do PS, as USF de modelo C, contratadas por concurso ou até por ajuste directo, que alegadamente iriam colmatar as lacunas deixadas pelas USF públicas. A FNAM (Federação Nacional dos Médicos) veio, muito justamente, criticar a medida pela simples razão de que representa "um grave retrocesso" nos cuidados de saúde primários, ameaçando não só a continuidade dos mesmos, como, dizemos nós, vai transformar a saúde primária em mera saúde secundária, isto é, a pouca prevenção e educação para a saúde será substituída pelo rentável e proveitoso modelo curativo, o conhecido “modelo biomédico”. Porque só este transforma a saúde em doença, e sem doentes não há negócio; torna-se imperioso promover a necessidade interminável de exames complementares de diagnóstico, desdobramento de consultas e outros cuidados, é trabalhar à peça que se ganha dinheiro.

Há um velho hábito em Portugal de se mudar o nome às coisas para depois se afirmar que houve reformas, que a coisa melhorou, ou então, o que é ainda pior, camuflar a deterioração do que já está mal, porque a intenção é mesma essa. É o que está a acontecer com o INEM (Instituto Nacional de Emergência Médica) que passou a chamar-se ANEM, que não quer dizer Associação Nacional de Estudantes de Medicina, nem Associação Nacional de Esclerose Múltipla, mas Autoridade Nacional de Emergência Médica. A falta de originalidade do nome revela bem a qualidade da política desta gente, para não dizer da inteligência individual – será excesso de IA? – ao mesmo tempo que se substitui o boy à frente do organismo. O novo nome combina bem como uma possível, se não certa, privatização deste serviço de emergência.

Entretanto, ao INEM/ANEM faltam mais de 700 técnicos, que a própria ministra reconhece, também não se vê vontade nem medida imediata para colmatar esse vazio, e os meios de transporte são os conhecidos, ambulâncias paradas, por avariadas, e helicópteros que não existiam devido a ajustes directos fraudulentos que foram contestados. Passados quatro meses lá surgiram, alugados a empresa privada, que os terá, por sua vez, alugado ao estrangeiro e, depois da bazófia ministerial, logo houve o azar de um que avariou, obrigando ao transporte por ambulância de criança em estado crítico (hemorragia cerebral congénita), de Portimão para Lisboa, cerca de 270 quilómetros. Faltava-lhe uma peça, facto ocultado pela RTP que se referiu a “condições climatéricas severas” para impedimento do voo, facto logo desmentido pelo INEM. Lá veio a peça, para dois dias depois, ter avariado novamente quando foi chamado para socorro a um acidente grave na Estrada Nacional 2, em Castro Verde. O INEM e os seus (que não são seus) helicópteros dão bem a imagem da política do governo Montenegro/PSD/CDS para a saúde, e para o resto.

O director executivo do SNS – boy indisfarçável e pelos vistos moço de recados do governo, sucedendo passado pouco tempo ao primeiro nomeado por este governo, já que as incompatibilidades e conflitos de interesses em que este se viu envolvido eram mais que muitas – terá ordenado ou transmitido a directiva do governo, em reunião de administradores hospitalares, que a palavra de ordem no SNS era “cortar” na despesa. Foi o escândalo mediática perante a “fuga” de informação, obrigando Montenegro a vir publicamente explicar que não eram bem “cortes”, mas “poupar”, porque a “despesa na Saúde não pode continuar a crescer 10% ao ano” e a “redução” passará por “compras centralizadas”, “novas regras para transporte de doentes e uso de medicamentos”. Dentro das “poupanças” estarão os mais de 200 milhões a menos em medicamentos e material de consumo clínico, ou a falta de investimento na actualização do sistema informático do SNS. Este com falhas frequentes, afectando o funcionamento de hospitais e centros de saúde em todo o país, aconteceu no caso da grávida em referência, e ainda hoje está a acontecer, segundo confirmação da  presidente da FNAM.

Cortar no SNS para acrescentar nas compras de serviços aos privados e aos outsourcings. Os encargos com as PPP, por exemplo, vão aumentar 40%, para 325 milhões de euros, segundo a proposta do Orçamento do Estado para 2026. Quase de certeza que o Hospital Amadora-Sintra vai ser o primeiro a ser entregue de novo à gestão privada. Como está a ser referenciado por toda a comunicação (dita) social pelas horas (mais de 20 horas) de espera no serviço de urgência, fica-se com a sensação de que estamos perante uma campanha orquestrada e com conivência de alguém de dentro do hospital, para além do governo e dos grupos privados; relembrar que já esteve nas mãos do grupo CUF, que sacou largos milhões de euros de forma ilegítima. Outros hospitais irão parar à gestão privada, os que vão ser construídos ou que estão em construção e que ficam atrasados, como vai acontecer com o Hospital de Lisboa Oriental que ficou sem 100 milhões de euros do PRR, por decisão do governo de Montenegro.

A questão dos médicos tarefeiros é outro exemplo como se esmifra o SNS, em vez de se contratar em definitivo os médicos, actualizar-lhes a carreira e salários, se paga balúrdios (727 mil euros por dia/266 milhões de euros por ano) às empresas de trabalho temporário, um valor muito mais elevado ao que é auferido pelos médicos do quadro, mantendo-se aqueles médicos desligados das equipas e com muito menor eficiência. Os médicos tarefeiros nas urgências dizem que vão fazer greve, não aceitam o novo diploma que o governo tem preparado mas ainda não teve coragem de o revelar nem colocar em prática. É muito provável que façam greve, têm a vantagem de não serem funcionários públicos, não estão sujeitos a serviços mínimos nem a requisição civil, são meros prestadores de serviços em nome individual, fácil lhes é a chantagem, e têm o governo à sua mercê. O ministro auxiliar de Montenegro já veio a público apelar ao “sentido de serviço” destes empresários, esquecendo-se que ele e o seu governo são corresponsáveis pela comercialização da Saúde, e até o decadente PR Marcelo veio pedir esclarecimento sobre quem na realidade manda no SNS, o governo ou o Director Executivo. Parece que estão algo desorientados.

Esta ameaça de greve e a possibilidade alguns serviços, não só urgências, poderem fechar em quase todos os hospitais do SNS destapam a evidência de que os governos que nos têm desgovernado há algumas décadas, não só agora, fragilizaram o SNSD com o intuito claro de o entregar aso apetites do lucro dos lóbis privados e inclusivamente com o risco de o destruir. Facilita-se que os médicos que trabalham no público acumulem com a actividade no sector privado, serão mais de 70%, tendo sido neste sentido que a carreira dos médicos foi reformulada em 2012. Promoveu-se abertamente a parasitagem do SNS, foi às claras, sem disfarces. Diz Montenegro, o gerente de turno dos negócios privados das elites indígenas e outras, que "não é o setor privado que vai salvar o SNS, o SNS é que pode salvar o privado se não mandar tantos utentes para lá". Pois, é exactamente o contrário, é o sector privado que precisa dos doentes, precisa dos hospitais públicos para formação gratuita dos médicos, precisa do próprio SNS para financiamento da sua actividade curativa empresarial, e tentará sugar o SNS até o tutano, até o exaurir em definitivo; mas pode acontecer-lhe como o vírus, se mata o hospedeiro, suicida-se. O SNS está a entrar em situação comatosa, no entanto, ainda estamos em tempo de o salvar. Apoio às lutas dos profissionais de saúde, manifestações públicas de repúdio desta política, repudiar o governo odiento, são objectivos imediatos.

Imagem: O apêndice - Henrique Monteiro

sábado, 1 de novembro de 2025

Governo Passos Coelho/PSD/CDS e o senhor Silva, a Quadrilha

Estamos nos quarenta anos do início do consulado que ficou conhecido por "Cavaquismo", durou dez anos e teve continuidade no governo de Passos Coelho/Paulo Partos/PSD/CDS, que "foi além da troika". Há comemorações, almoços e homenagens governamentais e o mais que vier. Este governo de Montenegro/PSD - caso possa, vontade não lhe falta - irá finalizar o trabalho de destruição do país e de empobrecimento do povo português. 

Crónica data de Novembro de 2012.

O senhor Silva de Boliqueime tem sido chamado de tudo e mais alguma coisa desde que é Presidente da República: “palhaço”, “demenciado”, “doente mental”, “filho da puta”, “burro”, como outras tantas tentativas de explicar algumas das suas atitudes mais notórias, desde o silêncio perante as medidas de austeridade mais duras e a recusa em enviar o OE-2013 para o Tribunal Constitucional, às recentes declarações sobre a necessidade de “ ultrapassar os estigmas que nos afastaram do mar, da agricultura e até da indústria”, como se não tivesse sido ele, como primeiro-ministro, o principal responsável pela política de destruição desses sectores de actividade. É uma clara tentativa de apagamento da história, e em relação à explicação que quis dar ao seu tão criticado silêncio, agora ficamos a saber que o seu “silêncio é de ouro”, numa forma parola de ironizar, dando mesmo a ideia de que o homem está tolinho. A tentativa de apagar a história e de aligeirar as responsabilidades pelo desmando, contando com uma possível amnesia colectiva, é recorrente entre as nossas elites, useiras e vezeiras em corrigir o passado, mas não custa nada usar um pouco de rivastigmina ou donepezilo (medicamentos utilizados nas demências e que activam as funções cognitivas) a fim de reverter o processo mnésico. 

Nos 10 anos (1986-1995) em que Cavaco foi primeiro-ministro (tomou posse em 6 de Novembro de 1985) o país esteve a saque, apesar dos muitos milhões de contos que entraram no país, mas que foram embolsados por uma casta de parasitas, desde proprietários de terras absentistas, empresários desonestos, sindicalistas oportunistas (UGT e Torres Couto, por exemplo), políticos corruptos, que mais tarde se arvoraram em empresários ou administradores de empresas privadas que engordaram, e continuam a engordar, à custa do Estado. E o saque foi a destruição do tecido produtivo nacional com o fim de se arredar a hipotética concorrência dos capitalistas nacionais face aos estrangeiros que a partir dessa altura passaram a despejar em catadupa os seus produtos dentro do país.

Deve-se salientar, no entanto, que este processo de destruição de uma economia, possuindo ainda aspectos e formas de produção pré-capitalistas, iria acontecer, embora mais lentamente, se Portugal não tivesse entrado na dita CEE. Com a entrada na Comunidade o processo foi apenas acelerado, e o que haverá então a salientar foi o papel, consciente e voluntariamente assumido, por uma clique de políticos que desempenhou essa missão de venda do país e do povo aos interesses dos grandes grupos económicos europeus; e são os mesmos políticos ainda no activo, como o senhor Silva, o político há mais tempo em actividade apesar de beneficiar de umas poucas de reformas, que agora continuam a vender o país aos mesmo interesses estrangeiros, agora protagonizados pelos bancos alemães.

Como dizíamos, é fácil ir buscar os números da destruição da economia ainda nacional, embora capitalista, detida em larga maioria por uma burguesia nacional, pesando todos os atavismos dessa elite e que se encontram ainda bem patentes pela falta de perspectivas actuais. Estas, por sua vez, bem expressa pela entrega fácil ao grande capital estrangeiro, assumindo ela o papel de intermediária na exploração da nossa mão-de-obra, assente em baixos salários, com a formação mínima, estritamente necessária para o funcionamento das empresas que o capital estrangeiro achar por bem aqui instalar, segundo a maximização dos seus lucros.

Mas vamos aos números. Em 1974, eram 1 209 500 portugueses activos que se dedicavam à agricultura e pescas (sector primário); em 1986, quando Cavaco entra para primeiro-ministro e Portugal na CEE, havia 940 500, ou seja, menos uns 350 mil; mas em 1995, quando acabam os governos cavaquistas, no entanto as mesmas políticas são seguidas pelos governos PS/Guterres, já só 508 900 se dedicam à agricultura e pescas, menos cerca 432 mil; em resumo, a população activa no sector primário leva o maior rombo nos 10 anos do Cavaquismo do que em período anterior considerado de 12 anos. Foi por ter perdido esta base significativa de apoio que o PSD perde as eleições para o PS em 1995.

Em relação à população activa na indústria, esta oscila, aumentado de 1974 para 1986, mais 200 mil operários, passando a diminuir a partir deste ano até 1995, menos uns 31 mil operários, enquanto a população activa aumenta grandemente no sector terciário, de 1 901 000 para 2 491 700 activos, sector que se traduz por serviços de terceiro mundo; população activa que em 2012 é já de 3 035 900 nos serviços, com a agricultura a ocupar uns 478 500 activos e a indústria com outros 1 322 700 (estes dois sectores somados são bem menos que o terciário). Podemos assim afirmar que Portugal é um país entregue a bandidos, por dependente do estrangeiro em grande parte do que necessita de bens essenciais para a sua subsistência.

Mas outros dados estatísticos se podem ir buscar para mostrar a destruição da economia portuguesa levada a cabo pelo bando do PSD, parte do qual criou o BPN para melhor prosseguir com a roubalheira, tudo sob o manto obscuro do nepotismo e alto patrocínio do senhor de Boliqueime, dados que poderão ser o número de emigrantes ou número oficial de desempregados. Começando por estes, deve-se mostrar que havia 368 500 desempregados em 1986, ano de ascensão do cavaquismo e das benesses europeias, mas são 451 800 no ano de 1995, fim formal do consulado cavaquista, isto é, mais uns 83 mil desempregados, número que não é maior porque a emigração o faz diminuir.

Quanto à emigração, em 1986, saíram 13 690 portugueses e, em 1995, já foram 27.358 (números oficiais), mais do dobro, que foram obrigados a procurar fora do país uma forma de sustento. Mas voltando ao desemprego, este tem sido o indicador económico que os governos do PSD mais tem feito subir, embora com uma ajuda preciosa do PS; assim, se, em 2006, já em governo socrático, havia 452 700 desempregados, número que tinha vindo gradualmente a decrescer, subiu rapidamente, em 2010, para 541 800, chegando aos 601 mil no final de 2011, de então para cá o desemprego não tem cansado de crescer, atingindo no 3º Trimestre de 2012, 870 900 trabalhadores, o desemprego oficial atingiu (15,8%). E falamos de números oficiais, porque a realidade é bem maior, calculando-se o número efectivo de desempregados em 1 367 400 - uma taxa de 27,1%! Ora, a força produtiva mais preciosa é o homem, e destruir esta força é o maior crime que se pode cometer, seja pela inactividade forçada ou pelo genocídio.

Mas de tolo este PR não tem nada. Dá cobertura a este governo, porque este governo é o seu governo. A política anti-popular, a favor dos banqueiros e da ingerência estrangeira troika (FMI/UE/Alemanha), que este governo tem seguido, é a sua política. Está dentro da sua ideologia e enquadra-se no seu posicionamento de vil vende-pátrias, Miguel de Vasconcelos europeísta e pós (pouco) moderno – governo Passos Coelho e Silva de Boliqueime, ambos indissociavelmente ligados.

O senhor Silva, seja pelas políticas que executou, quando primeiro-ministro, seja pelas políticas sobre as quais dá todo o seu avale, agora como PR, sublinhadas pela sua boçalidade e espírito (ideologia) fascista, é o primeiro e principal responsável político pela desgraça do povo português e pelo estado de pré-falência do Estado, na razão inversa do enriquecimento de banqueiros e grandes capitalistas, levando a melhor ao seu competidor mais directo, o xuxialista Mário Soares. 

Imagem: Desenho de Vilhena a respeito da tomada de posse de Cavaco como primeiro-ministro (retirado do blog “Aventar”)

24 de Novembro 2012

terça-feira, 28 de outubro de 2025

O mito 'judaico-bolchevique'

O termo "judeu-bolchevique" foi cunhado durante a Revolução de 1917, fazendo renascer doutrinas reacionárias anteriores que acusavam os judeus de serem a causa das mobilizações sociais. A Revolução de Outubro tinha sido um golpe de Estado levado a cabo pelo judaísmo, duas correntes que partilhavam o mesmo pendor internacionalista. Pelo contrário, os reaccionários gabavam-se de patriotismo.

Após a Revolução Bolchevique, a reação política assumiu formas fascistas que afirmavam personificar o verdadeiro "espírito nacional", que, além disso, assimilava a religião dominante e desconfiava das outras por serem "estrangeiras". Na Espanha de Franco, esta fusão auto-intitulou-se "nacional-catolicismo". Os judeus não eram "nacionais", e os ateus também não.

Após a metamorfose correspondente, a mitologia permanece ativa até aos dias de hoje. Nos antigos impérios feudais, a dominação política não era diferente da dominação religiosa e baseava-se no princípio "Cuius regio eius religio": a religião de um país era imposta pelo imperador. Daí surgiram expressões como "Sacro Império Romano", que exprimiam a natureza religiosa do Estado. No feudalismo, a política nunca foi separada da religião. Num determinado território, a população tinha uma única religião, que fornecia a sua identidade, e o rei era quem decidia qual a religião. Os outros eram deixados de fora, e aqueles que professavam outras religiões tinham de sair com eles, que era a política seguida pelos "Reis Católicos" quando expulsavam os judeus e os muçulmanos, bem como os ciganos, que também não eram considerados indígenas.

O mesmo aconteceu no Império Russo, onde ocorreram vagas de pogroms ou perseguições contra judeus entre 1881 e 1884 após o assassinato do Czar Alexandre II, pelo qual foram acusados, embora o assassinato tenha sido, na verdade, executado pelos Socialistas Revolucionários (Seristas ou Socialistas Revolucionários, ou Narodnaya Volya). No entanto, isso não teve importância, pois os marxistas começavam a ser associados ao judaísmo, tal como o próprio Marx.

As perseguições brutais não foram espontâneas, mas foram fabricadas e disseminadas pelos dirigentes czaristas e pelo serviço secreto (Okhrana), com a sempre inestimável colaboração da imprensa.

Após o ataque, os elementos mais reaccionários do czarismo tentaram impedir qualquer reforma política. Neste contexto, entre 1897 e 1901, Matvei Golovinsky, um agente dos serviços secretos russos, escreveu o mais famoso panfleto de propaganda anti-semita: Os Protocolos dos Sábios de Sião. A obra data do Primeiro Congresso Sionista de Basileia, em 1897.

O texto plagia em grande parte um documento francês, "Diálogo no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu", de Maurice Joly, um panfleto satírico e antimonárquico de 1864 que descrevia um plano fictício de dominação mundial por Napoleão III. Incorpora também vários outros panfletos anti-semitas, e os seus capítulos são reimpressos pelo jornal russo reaccionário Znamya, que se reagrupou em 1905 sob o nome de "Centenas Negras".

Estes movimentos ocorreram no contexto do Caso Dreyfus em França, que fez renascer os antigos preconceitos da população europeia contra os judeus, sugerindo que os revolucionários faziam parte de uma "conspiração judaica internacional". A derrota da Rússia na Guerra Russo-Japonesa de 1905 foi utilizada pelo czarismo para encobrir o seu declínio: a derrota foi o resultado de sabotagem interna, que desencadeou uma segunda vaga de pogroms.

No contexto desta vaga, as populações religiosas judaicas insistiram ainda mais na mudança política, participando na Revolução Russa de 1905 e na luta pela independência da Polónia. Os judeus passaram a fazer parte dos principais movimentos políticos e sociais da Europa de Leste, bem como dos sindicatos, das cooperativas e da imprensa.

A Revolução de Outubro

Após a Revolução de 1917, Lenine proclamou os fundamentos da política soviética de proteção dos judeus e das minorias religiosas. Os judeus não são inimigos dos trabalhadores, muito pelo contrário: ao contrário de um mito amplamente difundido, a maioria dos judeus são trabalhadores. "São os nossos irmãos, que, como nós, são oprimidos pelo capital; são os nossos camaradas na luta pelo socialismo", escreveu em 1919.

Assim se forjou a associação "judaico-bolchevique" entre os escalões mais obscuros da reacção política ocidental. O Partido Bolchevique era liderado por judeus. No Reino Unido, Churchill publicou um artigo em 1920 intitulado "Sionismo vs. Bolchevismo", no qual delirava com uma "conspiração mundial para derrubar a civilização", liderada na Rússia por "terroristas judeus".

A solução, disse Churchill, era o sionismo, que "em oposição ao comunismo internacional, apresenta aos judeus uma ideia nacional dominante". Este "movimento inspirador" está "em harmonia com os verdadeiros interesses do Império Britânico". Exortou todos os judeus a aderirem a este movimento político.

Nos Estados Unidos, o magnata dos negócios Henry Ford republicou os Protocolos de Sião no seu jornal entre 1920 e 1922. Os seus artigos foram compilados em quatro panfletos intitulados "O Judeu Internacional", que distribuíram centenas de milhares de exemplares. Na Alemanha, tiveram um impacto profundo no nascente movimento nazi, ao ponto de Hitler ter citado Ford como inspiração em "Mein Kampf". Foi Alfred Rosenberg, um alemão báltico que fugiu da Rússia em 1918, que introduziu a noção de judaico-bolchevismo a Hitler, tornando-se, mais tarde, o teórico mais importante dos nazis.

A combinação de anti-semitismo e anticomunismo tornar-se-ia o pilar ideológico da reacção europeia. No pós-guerra, apesar da derrota fascista, o mito judaico-bolchevique manteve-se vivo. Nos Estados Unidos, o senador McCarthy equiparou os judeus aos comunistas. Hoover, diretor do FBI de 1924 a 1972, era também antissemita.

Um grande número de criminosos de guerra nazis (Reinhard Gehlen, Klaus Barbie, Otto von Bolschwig) foi recrutado pelos serviços de informação americanos para a guerra contra o comunismo, apesar da sua responsabilidade directa pelos massacres da Segunda Guerra Mundial. No entanto, o conceito de judaico-bolchevismo foi relegado para segundo plano como marca dos fascistas e teve de se readaptar.

Reapareceu nas formas de colonialismo, racismo e xenofobia. Diz-se que a imigração árabe e africana foi orquestrada por "judeus globalistas" e grupos de pressão. A reação invoca regularmente "a grande substituição", organizada pelos "marxistas".

A expressão evoluiu de tal forma que, na defesa da Palestina, os progressistas se tornaram o seu oposto: agora são anti-semitas porque defendem a causa palestiniana.

Fonte

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

BPP (Banco Pinto Balsemão & Cia)

Crónica escrita em 2008 sobre a salvação do Banco Privado Português, onde Pinto Balsemão detinha uma quota de 6,02%, por intervenção do governo utilizando uma garantia pública de 450 milhões de euros. Estávamos em pleno governo de Sócrates/PS. Mais tarde, Balsemão, apresentando-se como “lesado” pela falência, ainda recebeu do Estado cerca de 2 milhões de euros. Rendeiro, que se suicidou na prisão na África do Sul, foi o bode expiatório e terá levado consigo os segredos da fraude.

O governo de Sócrates, após de dar o dito pelo não dito, acabou por ser a tábua de salvação da instituição gestora de fortunas que dá erradamente pelo nome de “Banco” Privado Português, revelando a sua verdadeira função, o de comité gestor dos negócios da burguesia e não de resolução dos problemas do povo português, como não se cansou de proclamar (o P”S”) durante a campanha eleitoral.

Tudo já terá sido dito sobre esta operação de salvação dos lucros de um punhado de capitalistas, ao que parece maioritariamente portugueses, excepto sobre a verdadeira razão da atitude do governo, motivo de ser desta nossa opinião. Como quase toda a gente sabe, Sócrates foi catapultado para o poder da governação após a incineração política do seu correligionário Ferro Rodrigues, na sequência do caso da Casa Pia, e seguindo a decisão de um pequeno grupo de figuras influentes pertencentes à Maçonaria; com a incumbência principal: aplicar as medidas necessárias e urgentes à salvação do capitalismo português, ameaçado pela concorrência imposta pela UE e pela globalização mais geral. Sócrates tem sido o homem de mão dos capitalistas portugueses e o homem tem-se esforçado, conseguiu retirar espaço ao PSD, o partido por excelência da burguesia nacional; assim como o P”S” tem cumprido bem com a sua missão histórica, a de bombeiro de serviço do grande capital. E é a esta luz que temos de perceber a decisão do Governo em avalizar o empréstimo ao BPP.

O argumento levantado pelo Governo de que seria a “imagem” do país que estaria em causa se o BPP fosse à falência, diminuindo eventualmente a credibilidade da banca portuguesa na obtenção de novos empréstimos na praça financeira internacional, é mais que falacioso, quer pelo peso desta instituição no mercado financeiro, quer pelo tipo de actividade a que se dedica, a de gestão de fundos de investimento, e não propriamente a de bancária a retalho. A “imagem” que aqui se trata é a dos capitais pertencentes a uns figurões que dão pelo nome de João Rendeiro, presidente do BPP, que detém 12,5% do capital, João Vaz Guedes (5,81%), Joaquim Coimbra (2%), Stefano Saviotti, italiano, (5,83%), João de Deus Pinheiro, ex-ministro do PSD, Ferreira dos Santos, José Miguel Júdice ou de um Pinto Balsemão, presidente do conselho consultivo do banco (6,02%). Motivo, que não é de estranhar, para que o seu jornal, o inefável Expresso, tenha referido a título de 1ª página as razões invocadas pelo governo para a salvação do BPP.

O povo português pode pôr já as barbas de molho porque não escapará ao inevitável: o BPP não vai ter capacidade para reembolsar os credores do empréstimo agora concedido e vai ser o Estado, ou melhor, todos nós contribuintes, a pagar as perdas da especulação financeira de uns tantos parasitas nacionais. E a procissão ainda vai no adro, porque outros bancos, mais importantes do que este, em termos de quota de mercado bancário, estão na calha para a falência: serão como as cerejas, virão uns agarrados aos outros. A crise veio para ficar, e em Portugal será bem pior que no resto da União Europeia, atendendo ao grau de dependência económica do país e do endividamento externo. Esperemos que os portugueses saibam tirar as devidas conclusões destes factos e dêem a resposta adequada ao partido o governo, quer em termos eleitorais, mais imediatos, quer em termos políticos a mais longo prazo, ou seja, quanto ao destino a dar a este sistema explorador e desumano. Porque são os trabalhadores que irão pagar as favas!

08 de Dezembro 2008

in osbarbaros.org

terça-feira, 14 de outubro de 2025

A segunda volta das eleições legislativas

 

O governo de Montenegro transformou, ou pelos menos é essa a sua intenção, as recentes eleições autárquicas em reforço do apoio que conseguiu há cerca de cinco meses. A vitória autárquica é considerada um “factor de confiança” no órgão e nas suas políticas seguidas e aplicadas, ou em vias disso, com o próximo Orçamento de Estado, já apresentado e com garantia de aprovação com os votos do partido da extrema-direita e a abstenção já prometida do PS. A alteração da lei laboral é certa e executada segundo os desejos e interesses da classe patronal e os serviços públicos sofrerão corte radical. O governo pensa “congelar” o número de funcionários do estado em 2026; assim, segundo o seu entender, não há falta de professores, médicos ou enfermeiros, porque todos os alunos já têm aulas garantidas, as listas para cirurgias e consultas desapareceram e já não há serviços de urgência encerrados. Os mais de 133 mil processos pendentes no Tribunal Administrativo contra a AIMA não precisam de quem os resolva.

A derrota do PS não foi a estrondosa hecatombe que os seus dirigentes tanto temiam e os comentadores ao serviço da extrema-direita vaticinavam – o partido do pastorinho iria ter mais câmaras que o velho partido fundado por Mário Soares na Alemanha. A vitória do partido do governo também não foi retumbante, embora tenha conquistado as cinco maiores câmaras e possa vir a controlar as associações nacionais dos municípios e das freguesias, só conseguiu ganhar sozinho 78 das 136 câmaras conquistadas, ao contrário do PS. O número de câmaras perdido por um foi o mesmo das ganhas pelo outro, 22, e parte desse número foi para listas ditas “independentes”, constituídas por dissidentes do PS, ou seja, o caciquismo imperou. Mais de 160 presidentes de câmara foram recandidatos e apenas 23 falharam a reeleição, um deles foi o Silva de Coimbra que considerava a vitória como favas contadas.

Ao tentar “nacionalizar” as eleições do passado dia 12, o PSD não consegue esconder que estas eleições possuem uma lógica própria, onde os autarcas eleitos obedecem mais aos interesses de diferentes e variadíssimos lóbis estabelecidos no seu concelho ou freguesia do que às orientações das direcções partidárias, porque são aqueles que lhes financiam e motivam as respectivas campanhas eleitorais. Desde há muito que a indústria da construção civil, empreiteiros, imobiliárias, investidores e bancos, ou círculos de compadrios pessoais e familiares, que tomaram conta do poder autárquico. Ao presidente da autarquia compete-lhe satisfazer e gerir os diferentes apetites e resolver possíveis choques competitivos. É a tal “obra feita”, e correspondente compra dos votos, que faz ganhar as eleições locais. É o lema “rouba, mas faz”, do famigerado Isaltino, que, depois de condenado e de ter saído do partido que o pariu, continua a vencer eleições.

A entrada em cena de outros partidos do establishment e a erosão dos dois principais partidos do bloco central de interesses fizeram a dita “fragmentação” com a maior representação partidária e tornando mais difícil a existência de maiorias absolutas. Em muitas destas câmaras “fragmentas”, cerca de 25%, será o partido da extrema-direita que irá decidir o desempate, um bom exemplo será Coimbra. O PS tem o mesmo número de eleitos que o PSD e será o partido de extrema-direita que irá permitir a governação da ex-ministra ou então bloquear por completo a gestão camarária, como será expectável irá vender os serviços a quem melhor pagar. Lógica semelhante para um partido dos animaizinhos que ora se juntou ao PSD, em Sintra, ou ao PS, em Coimbra, podendo vangloriar-se de que foi graças a si que a vitória foi possível. Depois do 25 de Abril surgiram partidos cuja missão é servir de muleta aos grandes partidos do regime quando as coisas corre menos bem, evitando o desperdício de votos de eleitores descontentes com a desgovernação.

As coligações e alianças dos grandes partidos com os pequenos terão como resultado inevitável – e a experiência recente tem-no demonstrado, basta olhar o que aconteceu com o governo da “geringonça” – a fagocitose dos segundos pelos primeiros. Estes viram e continuam a ver a sua representação a minguar a olhos vistos de eleição para eleição, os melhores exemplos são o BE e PCP. Estes partidos vão-se apagando em termos de apoio de votos porque renunciam aos seus programas, deixam-se usar para que os caciques de fraca qualidade dos dois partidos principais do sistema alcancem o poder. PS perde em Lisboa não pelo facto de o PCP não ter integrado a candidatura, mas pela simples razão de que a candidata apresentada era uma fraca candidata. Conciliou com o nanico presidente na perpetuação do poder, vangloriando-se da sua moderação ao não exigir a demissão imediata do pilantra, consequência óbvia do desastre do elevador da Glória, que fez 16 vítimas mortais e mais de duas dezenas de feridos graves – quem o inimigo poupa, às mãos lhe morre.

Os partidos do establishment enveredaram por uma de “moderação”, desde um PSD até a um BE, uns mais para extrema-direita, outros mais para o centro nebuloso da social-democracia, cada um deles empurra o outro mais para a sua direita. Foi e é o PSD que tomou em mãos algumas bandeiras do partido da extrema-direita, ataque aos imigrantes e aos trabalhadores em geral, enquanto governo; agora, o PS vê  no vencedor das eleições em Loures a via a seguir: atacar os imigrantes e o direito à habitação por parte dos moradores pobres. O resultado está bem á vista, se estes partidos imitam o partido do quarto pastorinho qual então a razão da sua existência e porque não votar no original em vez nas duas cópias já puídas? A mesma lógica irá ser transporta para as próximas eleições para a Presidência da República.

Parece que o PS irá formalizar o apoio ao candidato Seguro (de nome), o tal que ficou célebre aquando da oposição ao governo de Passos Coelho/Paulo Portas/PSD/CDS com a sua “abstenção violenta”, e que estará longe de aglutinar o eleitorado de esquerda e que muito dificilmente irá disputar uma segunda volta. Será mais um tiro no pé e cujo resultado, se for bastante negativo, irá deprimir ainda mais o partido e atirá-lo não para a direita mas para a extinção. Acompanhará o congénere francês, que se prepara para aprovar o orçamento e viabilizar o governo de napoleão Macron. O que, diga-se de passagem, não virá grande mal ao mundo, porque não deixará de ser o resultado natural da luta de classes, já não estamos no tempo da guerra fria que justificou a fundação por Soares de um partido de “socialismo democrático”, contrapondo ao partido de socialismo não democrático de Cunhal, onde tinha feito a sua instrução política. Com concorrentes deste género o almirante do barco avariado ganhará a eleição com uma perna às costas.

As obras simplesmente anunciadas foi o timbre da Câmara de Coimbra nas mãos da coligação "Juntos Somos Coimbra", liderada pelo médico José Silva/PSD, obras quando acabadas seriam entregues à gestão privada.

E voltando à lavagem do cesto das eleições autárquicas, mais alguns apontamentos poderemos fazer. O "esta não era a vitória que queríamos" do partido dos arruaceiros não deve ser desconsiderado, não tiveram trinta câmaras mas somente três, no entanto os ovos de víbora espalharam-se e irão chocar. O presidente eleito na Madeira no próprio dia das eleições parece que andou à pancada com elemento do PSD, foi um bom começo.  Se em política o que depressa nasce, também rapidamente desaparece; contudo, ficam o estilo, os métodos e a política. Por outro lado, partidos que se reivindicam de esquerda ou de esquerda mais radical mas que na prática seguem uma estratégia social democrata, de moderação, de colaboracionismo, podem ter a certeza que o seu fim é certo e garantido. E mais, devido ao agravamento da crise económica e social que está neste momento a erguer-se, o fim será rápido e mais próximo do que se possa pensar. Isto acontece quando se intensifica a luta de classes e a classe média (pequena-burguesia), que é a principal base de apoio destes partidos, se proletariza. Estará para breve o tempo dos partidos radicais.

domingo, 5 de outubro de 2025

O significado do fim dos feriados de 1 de Dezembro e 5 de Outubro

  

Relembrar quando o PSD e CDS no governo acabaram com os feriados de 1 de Dezembro e de 5 de Outubro, e porquê estes e não outros?

O governo fascista PSD/PP/Passos Coelho/Paulo Portas veio demagogicamente cortar os feriados nacionais de 1 de Dezembro e 5 de Outubro com o pretexto de se aumentar a produtividade e assim retirar o país da crise, para a qual estes dois partidos contribuíram de forma esforçada e intencional, diga-se de passagem; e não é por acaso que escolheu estas duas datas e não outras: uma refere-se à restauração da independência perante o domínio castelhano, a outra marca o fim da monarquia e a instauração da I República. Compreendem-se as razões da escolha, Portugal passou a estatuto de protectorado da UE (a curto caminho de IV Reich) e quem se encontra no governo está saudoso dos bons tempos da monarquia em que liberdade, democracia e independência nacional nem chegavam a ser figuras formais.

Esta extinção de feriados, que relembram datas ligadas à existência de um país soberano, tenha sido efectuada por um governo constituído pelos dois partidos que mais se reivindicam do patriotismo e cuja existência a devem à democracia republicana, não deixa de ser curiosa. Esta sanha de destruição e de extinção, se não for refreada e os seus autores extintos, irá estender-se num futuro próximo, e com o mesmo pretexto de combate à crise, aos feriados do 25 de Abril e do 1º de Maio – está na lógica!

Portugal nem é dos países que tem mais feriados nacionais, e os que tem ou são referentes a datas com muita simbologia e significado histórico ou ligados ao calendário da igreja católica que, por essa via, pretende manter uma presença na sociedade portuguesa que está muito além da sua real influência. Mais razão haveria para extinguir a maioria dos feriados religiosos católicos, que, à excepção talvez do natal e do ano novo, poderiam ser todos extintos.

A arrogância manifestada pela hierarquia da igreja católica portuguesa, que de vez em quando gosta de alardear o seu nacionalismo e apego a outros valores pátrios, de abdicar de dois feriados em troca (?) de outros dois civis, não deixa de ser grotesca e ao mesmo tempo revela o grau de dependência deste governo em relação a interesses que pouco ou nada têm a ver com o povo trabalhador. Até parece que a estado português, ou a dita II República, não é um estado laico, mas confessional e a igreja católica não se sujeita às leis republicanas e à Constituição.

O 1º de Dezembro, como toda a gente deveria saber, é o dia em que se comemora a Restauração da Independência Nacional, relembrando os acontecimentos do 1º de Dezembro de 1640, em que os portugueses reconquistaram a sua independência depois de quase 40 anos de dominação espanhola (castelhana). Apesar de se ter procedido a uma substituição de elites, o povo português apostou na elite representada pela família Bragança e regateou esse apoio, como comprovam os protestos, apresentados pelos seus representantes nas Cortes, sobre os sacrifícios que lhe eram exigidos enquanto a nobreza e o clero se eximiam a eles e com a agravante de se aproveitarem da guerra para enriquecerem ainda mais. E a prova de que o descontentamento, no seio do povo, era profundo e o desejo de mudança era premente foi a defenestração de Miguel de Vasconcelos.

O secretário de Estado (primeiro-ministro) da duquesa de Mântua, vice-Rainha de Portugal em nome do Rei Filipe IV de Espanha (Filipe III de Portugal), era uma figura odiada pelo povo por, sendo português, colaborar com a representante da dominação filipina: expressava a subjugação e a exploração do povo pela potência estrangeira ocupante. Miguel de Vasconcelos foi a primeira vítima tendo sido defenestrado pelo grupo de fidalgos portugueses e acabado de ser morto pelo povo em fúria em plena praça pública.

Em outra época de profunda crise política – crise de 1383-85, em que se jogava a independência do país e a afirmação da burguesia mercantil contra a velha nobreza enfeudada aos interesses da monarquia castelhana –, o bispo de Lisboa, D. Martinho de Zamora, foi atirado pelas janelas da Sé de Lisboa pelo povo enraivecido, em 6 de Dezembro de 1383, sendo morto e depois abandonado na rua, onde é comido pelos cães. Quando é que os Migueis de Vasconcelos e os D. Martinhos actuais serão igualmente defenestrados pelo povo revoltado? Esperamos que não sejam, à semelhança dos seus anteriores, comidos pelos cães, porque coitados dos cães!

2 de Dezembro de 2011