O governo de Montenegro transformou, ou pelos
menos é essa a sua intenção, as recentes eleições autárquicas em reforço do
apoio que conseguiu há cerca de cinco meses. A vitória autárquica é considerada
um “factor de confiança” no órgão e nas suas políticas seguidas e aplicadas, ou
em vias disso, com o próximo Orçamento de Estado, já apresentado e com garantia
de aprovação com os votos do partido da extrema-direita e a abstenção já
prometida do PS. A alteração da lei laboral é certa e executada segundo os
desejos e interesses da classe patronal e os serviços públicos sofrerão corte
radical. O governo pensa “congelar” o número de funcionários do estado em 2026;
assim, segundo o seu entender, não há falta de professores, médicos ou enfermeiros,
porque todos os alunos já têm aulas garantidas, as listas para cirurgias e
consultas desapareceram e já não há serviços de urgência encerrados. Os mais de
133 mil processos pendentes no Tribunal Administrativo contra a AIMA não
precisam de quem os resolva.
A derrota do PS não foi a estrondosa hecatombe
que os seus dirigentes tanto temiam e os comentadores ao serviço da
extrema-direita vaticinavam – o partido do pastorinho iria ter mais câmaras que
o velho partido fundado por Mário Soares na Alemanha. A vitória do partido do
governo também não foi retumbante, embora tenha conquistado as cinco maiores
câmaras e possa vir a controlar as associações nacionais dos municípios e das
freguesias, só conseguiu ganhar sozinho 78 das 136 câmaras conquistadas, ao
contrário do PS. O número de câmaras perdido por um foi o mesmo das ganhas pelo
outro, 22, e parte desse número foi para listas ditas “independentes”, constituídas
por dissidentes do PS, ou seja, o caciquismo imperou. Mais de 160 presidentes
de câmara foram recandidatos e apenas 23 falharam a reeleição, um deles foi o
Silva de Coimbra que considerava a vitória como favas contadas.
Ao tentar “nacionalizar” as eleições do passado
dia 12, o PSD não consegue esconder que estas eleições possuem uma lógica
própria, onde os autarcas eleitos obedecem mais aos interesses de diferentes e
variadíssimos lóbis estabelecidos no seu concelho ou freguesia do que às orientações
das direcções partidárias, porque são aqueles que lhes financiam e
motivam as respectivas campanhas eleitorais. Desde há muito que a indústria da
construção civil, empreiteiros, imobiliárias, investidores e bancos, ou
círculos de compadrios pessoais e familiares, que tomaram conta do poder
autárquico. Ao presidente da autarquia compete-lhe satisfazer e gerir os
diferentes apetites e resolver possíveis choques competitivos. É a tal “obra
feita”, e correspondente compra dos votos, que faz ganhar as eleições locais. É o lema “rouba, mas faz”, do famigerado Isaltino, que, depois de condenado e de
ter saído do partido que o pariu, continua a vencer eleições.
A entrada em cena de outros partidos do
establishment e a erosão dos dois principais partidos do bloco central de
interesses fizeram a dita “fragmentação” com a maior representação partidária e
tornando mais difícil a existência de maiorias absolutas. Em muitas destas
câmaras “fragmentas”, cerca de 25%, será o partido da extrema-direita que irá
decidir o desempate, um bom exemplo será Coimbra. O PS tem o mesmo número de eleitos
que o PSD e será o partido de extrema-direita que irá permitir a governação da
ex-ministra ou então bloquear por completo a gestão camarária, como será expectável
irá vender os serviços a quem melhor pagar. Lógica semelhante para um partido
dos animaizinhos que ora se juntou ao PSD, em Sintra, ou ao PS, em Coimbra, podendo
vangloriar-se de que foi graças a si que a vitória foi possível. Depois do 25
de Abril surgiram partidos cuja missão é servir de muleta aos grandes partidos
do regime quando as coisas corre menos bem, evitando o desperdício de votos de
eleitores descontentes com a desgovernação.
As coligações e alianças dos grandes partidos
com os pequenos terão como resultado inevitável – e a experiência recente tem-no
demonstrado, basta olhar o que aconteceu com o governo da “geringonça” – a fagocitose
dos segundos pelos primeiros. Estes viram e continuam a ver a sua representação
a minguar a olhos vistos de eleição para eleição, os melhores exemplos são o BE
e PCP. Estes partidos vão-se apagando em termos de apoio de votos porque
renunciam aos seus programas, deixam-se usar para que os caciques de
fraca qualidade dos dois partidos principais do sistema alcancem o poder. PS
perde em Lisboa não pelo facto de o PCP não ter integrado a candidatura, mas
pela simples razão de que a candidata apresentada era uma fraca candidata. Conciliou
com o nanico presidente na perpetuação do poder, vangloriando-se da sua
moderação ao não exigir a demissão imediata do pilantra, consequência óbvia do desastre do
elevador da Glória, que fez 16 vítimas mortais e mais de duas dezenas de feridos
graves – quem o inimigo poupa, às mãos lhe morre.
Os partidos do establishment enveredaram por
uma de “moderação”, desde um PSD até a um BE, uns mais para extrema-direita,
outros mais para o centro nebuloso da social-democracia, cada um deles empurra
o outro mais para a sua direita. Foi e é o PSD que tomou em mãos algumas
bandeiras do partido da extrema-direita, ataque aos imigrantes e aos
trabalhadores em geral, enquanto governo; agora, o PS vê no vencedor das eleições em Loures a via a
seguir: atacar os imigrantes e o direito à habitação por parte dos moradores
pobres. O resultado está bem á vista, se estes partidos imitam o partido do quarto
pastorinho qual então a razão da sua existência e porque não votar no original
em vez nas duas cópias já puídas? A mesma lógica irá ser transporta para as próximas
eleições para a Presidência da República.
Parece que o PS irá formalizar o apoio ao
candidato Seguro (de nome), o tal que ficou célebre aquando da oposição ao governo
de Passos Coelho/Paulo Portas/PSD/CDS com a sua “abstenção violenta”, e que
estará longe de aglutinar o eleitorado de esquerda e que muito dificilmente irá
disputar uma segunda volta. Será mais um tiro no pé e cujo resultado, se for
bastante negativo, irá deprimir ainda mais o partido e atirá-lo não para a
direita mas para a extinção. Acompanhará o congénere francês, que se prepara para
aprovar o orçamento e viabilizar o governo de napoleão Macron. O que, diga-se
de passagem, não virá grande mal ao mundo, porque não deixará de ser o
resultado natural da luta de classes, já não estamos no tempo da guerra fria
que justificou a fundação por Soares de um partido de “socialismo democrático”,
contrapondo ao partido de socialismo não democrático de Cunhal, onde tinha feito
a sua instrução política. Com concorrentes deste género o almirante do barco avariado
ganhará a eleição com uma perna às costas.
E voltando à lavagem do cesto das eleições
autárquicas, mais alguns apontamentos poderemos fazer. O "esta não era a
vitória que queríamos" do partido dos arruaceiros não deve ser
desconsiderado, não tiveram trinta câmaras mas somente três, no entanto os ovos
de víbora espalharam-se e irão chocar. O presidente eleito na Madeira no
próprio dia das eleições parece que andou à pancada com elemento do PSD, foi um
bom começo. Se em política o que
depressa nasce, também rapidamente desaparece; contudo, ficam o estilo, os métodos e a
política. Por outro lado, partidos que se reivindicam de esquerda ou de
esquerda mais radical mas que na prática seguem uma estratégia social democrata, de moderação, de colaboracionismo, podem ter a certeza que o seu fim é certo e
garantido. E mais, devido ao agravamento da crise económica e social que está
neste momento a erguer-se, o fim será rápido e mais próximo do que se possa
pensar. Isto acontece quando se intensifica a luta de classes e a classe média
(pequena-burguesia), que é a principal base de apoio destes partidos, se
proletariza. Estará para breve o tempo dos partidos radicais.


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