terça-feira, 14 de outubro de 2025

A segunda volta das eleições legislativas

 

O governo de Montenegro transformou, ou pelos menos é essa a sua intenção, as recentes eleições autárquicas em reforço do apoio que conseguiu há cerca de cinco meses. A vitória autárquica é considerada um “factor de confiança” no órgão e nas suas políticas seguidas e aplicadas, ou em vias disso, com o próximo Orçamento de Estado, já apresentado e com garantia de aprovação com os votos do partido da extrema-direita e a abstenção já prometida do PS. A alteração da lei laboral é certa e executada segundo os desejos e interesses da classe patronal e os serviços públicos sofrerão corte radical. O governo pensa “congelar” o número de funcionários do estado em 2026; assim, segundo o seu entender, não há falta de professores, médicos ou enfermeiros, porque todos os alunos já têm aulas garantidas, as listas para cirurgias e consultas desapareceram e já não há serviços de urgência encerrados. Os mais de 133 mil processos pendentes no Tribunal Administrativo contra a AIMA não precisam de quem os resolva.

A derrota do PS não foi a estrondosa hecatombe que os seus dirigentes tanto temiam e os comentadores ao serviço da extrema-direita vaticinavam – o partido do pastorinho iria ter mais câmaras que o velho partido fundado por Mário Soares na Alemanha. A vitória do partido do governo também não foi retumbante, embora tenha conquistado as cinco maiores câmaras e possa vir a controlar as associações nacionais dos municípios e das freguesias, só conseguiu ganhar sozinho 78 das 136 câmaras conquistadas, ao contrário do PS. O número de câmaras perdido por um foi o mesmo das ganhas pelo outro, 22, e parte desse número foi para listas ditas “independentes”, constituídas por dissidentes do PS, ou seja, o caciquismo imperou. Mais de 160 presidentes de câmara foram recandidatos e apenas 23 falharam a reeleição, um deles foi o Silva de Coimbra que considerava a vitória como favas contadas.

Ao tentar “nacionalizar” as eleições do passado dia 12, o PSD não consegue esconder que estas eleições possuem uma lógica própria, onde os autarcas eleitos obedecem mais aos interesses de diferentes e variadíssimos lóbis estabelecidos no seu concelho ou freguesia do que às orientações das direcções partidárias, porque são aqueles que lhes financiam e motivam as respectivas campanhas eleitorais. Desde há muito que a indústria da construção civil, empreiteiros, imobiliárias, investidores e bancos, ou círculos de compadrios pessoais e familiares, que tomaram conta do poder autárquico. Ao presidente da autarquia compete-lhe satisfazer e gerir os diferentes apetites e resolver possíveis choques competitivos. É a tal “obra feita”, e correspondente compra dos votos, que faz ganhar as eleições locais. É o lema “rouba, mas faz”, do famigerado Isaltino, que, depois de condenado e de ter saído do partido que o pariu, continua a vencer eleições.

A entrada em cena de outros partidos do establishment e a erosão dos dois principais partidos do bloco central de interesses fizeram a dita “fragmentação” com a maior representação partidária e tornando mais difícil a existência de maiorias absolutas. Em muitas destas câmaras “fragmentas”, cerca de 25%, será o partido da extrema-direita que irá decidir o desempate, um bom exemplo será Coimbra. O PS tem o mesmo número de eleitos que o PSD e será o partido de extrema-direita que irá permitir a governação da ex-ministra ou então bloquear por completo a gestão camarária, como será expectável irá vender os serviços a quem melhor pagar. Lógica semelhante para um partido dos animaizinhos que ora se juntou ao PSD, em Sintra, ou ao PS, em Coimbra, podendo vangloriar-se de que foi graças a si que a vitória foi possível. Depois do 25 de Abril surgiram partidos cuja missão é servir de muleta aos grandes partidos do regime quando as coisas corre menos bem, evitando o desperdício de votos de eleitores descontentes com a desgovernação.

As coligações e alianças dos grandes partidos com os pequenos terão como resultado inevitável – e a experiência recente tem-no demonstrado, basta olhar o que aconteceu com o governo da “geringonça” – a fagocitose dos segundos pelos primeiros. Estes viram e continuam a ver a sua representação a minguar a olhos vistos de eleição para eleição, os melhores exemplos são o BE e PCP. Estes partidos vão-se apagando em termos de apoio de votos porque renunciam aos seus programas, deixam-se usar para que os caciques de fraca qualidade dos dois partidos principais do sistema alcancem o poder. PS perde em Lisboa não pelo facto de o PCP não ter integrado a candidatura, mas pela simples razão de que a candidata apresentada era uma fraca candidata. Conciliou com o nanico presidente na perpetuação do poder, vangloriando-se da sua moderação ao não exigir a demissão imediata do pilantra, consequência óbvia do desastre do elevador da Glória, que fez 16 vítimas mortais e mais de duas dezenas de feridos graves – quem o inimigo poupa, às mãos lhe morre.

Os partidos do establishment enveredaram por uma de “moderação”, desde um PSD até a um BE, uns mais para extrema-direita, outros mais para o centro nebuloso da social-democracia, cada um deles empurra o outro mais para a sua direita. Foi e é o PSD que tomou em mãos algumas bandeiras do partido da extrema-direita, ataque aos imigrantes e aos trabalhadores em geral, enquanto governo; agora, o PS vê  no vencedor das eleições em Loures a via a seguir: atacar os imigrantes e o direito à habitação por parte dos moradores pobres. O resultado está bem á vista, se estes partidos imitam o partido do quarto pastorinho qual então a razão da sua existência e porque não votar no original em vez nas duas cópias já puídas? A mesma lógica irá ser transporta para as próximas eleições para a Presidência da República.

Parece que o PS irá formalizar o apoio ao candidato Seguro (de nome), o tal que ficou célebre aquando da oposição ao governo de Passos Coelho/Paulo Portas/PSD/CDS com a sua “abstenção violenta”, e que estará longe de aglutinar o eleitorado de esquerda e que muito dificilmente irá disputar uma segunda volta. Será mais um tiro no pé e cujo resultado, se for bastante negativo, irá deprimir ainda mais o partido e atirá-lo não para a direita mas para a extinção. Acompanhará o congénere francês, que se prepara para aprovar o orçamento e viabilizar o governo de napoleão Macron. O que, diga-se de passagem, não virá grande mal ao mundo, porque não deixará de ser o resultado natural da luta de classes, já não estamos no tempo da guerra fria que justificou a fundação por Soares de um partido de “socialismo democrático”, contrapondo ao partido de socialismo não democrático de Cunhal, onde tinha feito a sua instrução política. Com concorrentes deste género o almirante do barco avariado ganhará a eleição com uma perna às costas.

As obras simplesmente anunciadas foi o timbre da Câmara de Coimbra nas mãos da coligação "Juntos Somos Coimbra", liderada pelo médico José Silva/PSD, obras quando acabadas seriam entregues à gestão privada.

E voltando à lavagem do cesto das eleições autárquicas, mais alguns apontamentos poderemos fazer. O "esta não era a vitória que queríamos" do partido dos arruaceiros não deve ser desconsiderado, não tiveram trinta câmaras mas somente três, no entanto os ovos de víbora espalharam-se e irão chocar. O presidente eleito na Madeira no próprio dia das eleições parece que andou à pancada com elemento do PSD, foi um bom começo.  Se em política o que depressa nasce, também rapidamente desaparece; contudo, ficam o estilo, os métodos e a política. Por outro lado, partidos que se reivindicam de esquerda ou de esquerda mais radical mas que na prática seguem uma estratégia social democrata, de moderação, de colaboracionismo, podem ter a certeza que o seu fim é certo e garantido. E mais, devido ao agravamento da crise económica e social que está neste momento a erguer-se, o fim será rápido e mais próximo do que se possa pensar. Isto acontece quando se intensifica a luta de classes e a classe média (pequena-burguesia), que é a principal base de apoio destes partidos, se proletariza. Estará para breve o tempo dos partidos radicais.

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