sábado, 10 de agosto de 2024

Montenegro, o Costa 2.0

 

Estamos em pleno mês de Agosto, com um calorzinho de Verão, os senhores deputados da Nação foram de férias, o primeiro-ministro e o PR Marcelo foram ver os Jogos Olímpicos a Paris para, dizem eles, dar apoio aos nossos atletas, não para tirar dividendos políticos das medalhas conquistadas, só mentes perversas poderão pensar tal, e os dirigentes políticos preparam as agendas para a rentrée política. É indubitavelmente uma silly season à portuguesa 2024, porque não acontece nada de especial, embora os polícias se queixem de terem sido enganados, os médicos desprezados, os enfermeiros esquecidos, os professores, os que podem, desejosos de se aposentarem precocemente… e o mais de que os media mainstream não relatam. Pois, a realidade limita-se ao virtual, pelo menos, aquela que nos é apresentada pelo governo e os seus meios de propaganda.

A realidade é ligeiramente diferente, a começar pela Saúde que, por sua vez, é-nos mostrada como o “caos”, que é denodadamente combatido pela intrépida ministra e coadjuvada por todo o governo AD, este genuinamente preocupado pela saúde e bem-estar do bom povo lusitano. Este fim de semana são cinco urgências de obstetrícia e ginecologia que se encontram encerradas, mas no início do mês os media, com todos os canais de televisão a abrirem em simultâneo com a mesma notícia: «Urgências em Agosto. Mais de uma dezena fechadas este fim de semana. A Urgência de Ginecologia-Obstetrícia do Hospital de Leiria fecha 18 dias em Agosto». Logo o grito lancinante do actual bastonário dos médicos: “a situação é grave”. O anterior bastonário mantem-se calado, já que o governo não é do PS e presentemente desempenha o papel de deputado da Nação pelo PSD; outras prioridades. Devemos relembrar que tanto a ordem dos médicos, o PSD e o PR Marcelo, este era deputado, atacaram e votaram contra o SNS aquando da aprovação da Lei que o criou em 1979.

Para além dos lamentos, gritos de indignação, juras de salvação, preocupações sentidas pelo SNS, esta gente mais não faz do que cavar, e rapidamente, a sepultura do SNS e substitui-lo quanto antes por um dito “sistema”, onde irão chafurdar médicos/empresários, hospitais privados de capital nacional e estrangeiro, misericórdias/ICAR, companhias de seguros e bancos, transformando a doença e os cuidados de saúde em geral em chorudo, lucrativo e garantido negócio. As palavras da farmacêutica arvorada em ministra são bem claras e não deixam margem para dúvidas: “O que importa é servir os doentes”, diz a ministra, e acrescenta: “dêem-nos tempo”. Palavras proferidas aquando de visita a Hospital do SNS, acompanhada pelo chefe do governo e pelo PR Marcelo, que se disponibilizou em acompanhar o governo em solidariedade do dito e do povo português pelo qual ele tanto se preocupa. A mais alta figura da Nação deve sofrer de insónia total por tanto cismar nos problemas que afligem este povo tão cordato. Este governo já fez mais pelo desmantelamento do SNS, em pouco mais de três meses de vida, do que o PS nos dois anos anteriores de maioria absoluta.

A nível económico parece que as coisas não estarão a correr lá muito bem ao governo de Montenegro/AD. O défice da balança comercial de produtos agrícolas gravou-se 315,1 milhões. As exportações e importações de bens voltaram a cair em Junho, quedas de 3,8% e 6,4% respetivamente, em relação ao mês homólogo, segundo dados do INE. A dívida pública aumentou em 2,5 mil milhões de euros em Abril, para atingir 273,4 mil milhões (Banco de Portugal). O número de insolvências registou um aumento homólogo de 16% até Julho, para 2.410, enquanto as empresas constituídas diminuíram 3%, para 30.884 (dados da Iberinform). O abrandamento do crescimento da economia é notório, o PIB cresceu uns anémicos 0,1% no segundo trimestre de 2024 em relação ao primeiro, bem menos do que os 0,8% deste último ante o anterior, e apenas 1,5% em relação ao mês homónimo de 2023. Portugal desde que aderiu ao euro nunca ultrapassou os 2%.

O excesso produção do vinho levou o governo a apoiar com dinheiros públicos os produtores de vinho para que o preço (e os lucros) não descambassem, mas só aos grandes produtores, muitos deles empresas estrangeiras, o que levou à revolta dos pequenos produtores que não deixaram de manifestar o seu profundo descontentamento ainda há pouco na cidade da Régua. Ora, facilmente se conclui que quando a classe média, ou uma parte dela, se manifesta contra significa que o governo em função não aguentará muito mais tempo, por muito que esse governo tente comprar a paz social. E a quanto a esta questão, este governo parece ter aprendido alguma coisa com o governo de má memória de Passos Coelho/Paulo Portas que quase provocou uma insurreição geral neste país.

A maioria dos portugueses diz estar insatisfeita (56%) com o estado do país político, de acordo com a sondagem da Aximage, realizada há pouco menos de um mês. Assim, 53% dos inquiridos não acreditam que o Governo AD/Montenegro se aguente em funções até ao final da legislatura, em 2028, e muito provavelmente cairá no final do ano, caso o Orçamento de Estado para 2025 não seja aprovado. Este documento é fulcral para a distribuição do bolo, resultante do saque exercido sobre o povo português, pelos diversos grupos de interesses e segundo a lógica do capital; ou seja, o maior quinhão possível para os bolsos dos que exploram os recursos e a força de trabalho dos portugueses. Não será o PS a inviabilizar o OE 2024, porque não quer eleições nem ficar com o ónus de não haver dinheiro para os aumentos salariais prometidos.

Os comentadores e paineleiros que pululam pelos jornais e pelas televisões não se cansam de apontar as consequências nefastas da eventualidade de sermos “governados” por duodécimos. Os empresários, pelas suas organizações ou individualmente, esticam a corda o mais possível quanto a benesses fiscais, diminuição do IRC, aumento dos salários abaixo da taxa de inflação, “mexidas” no subsídio do desemprego e no código do trabalho em geral. A título de curiosidade deve-se referir que os benefícios fiscais a empresas atingiram 16,6 mil milhões de euros na última década, o que significa que o PS compete com o PSD no que concerne salvar o capital à custa de uma maior exploração do trabalho.

Os lucros dos seis maiores bancos a operar em Portugal, na maioria de capital espanhol, ascendeu aos 4,3 mil milhões de euros em 2023, ou seja, quase 12 milhões de euros por dia. Os ditos “especialistas” atribuem o facto à política de juros altos do BCE, e neste caso até terão razão, com o argumento hipócrita de fazer baixar (?!) a inflação. O que na realidade acontece é que o poder de compra do consumidor baixa e a produção torna-se excedentária fazendo com que os preços tendam a cair e, assim, os lucros também a diminuir. Os lucros dos bancos entram em colisão com os lucros do capital produtivo, é a crise irresolúvel do capitalismo. Entre os dois grupos de interesses, o governo AD, na continuidade do anterior PS, opta pelo partido dos bancos que irão em breve ver reduzidas ainda mais as suas contribuições fiscais, com o Tribunal Constitucional a considerar como ilegais as normas do imposto adicional sobre a banca. A justiça está sempre ao lado do grande capital.

Assim como podemos considerar Montenegro como o Costa 2.0, este governo da AD (PSD/CDS-PP) será de igual modo o governo PS 2.0 se olharmos para as suas posições quanto às pressões externas. Sabemos que nem o governo espanhol nem os empresários que roubam a água do Alqueva pagaram um único euro até agora, serão mais de 40 milhões em dívida, problema que este governo prometeu resolução em breve. Para talvez mostrar que a palavra era cumprida, a ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, anunciou que o Governo de Madrid iria pagar dois milhões de euros anuais "que são devidos". Ora, logo de imediato o governo “socialista” de Madrid veio dizer que isso é mentira, exigindo ao mesmo tempo a liberdade de poder tirar o dobro da água do que tem sido feito. Ainda não sabemos o que terá sido, entretanto, acordado, se alguma coisa foi. A subserviência do governo AD não fica atrás da do governo PS, bem patente na posição em relação aos resultados das eleições na Venezuela: o PS apoiou o palhaço Juan Guaidó, o PSD o assassino e agente da CIA González Urrutia. Manda o Tio Sam, os lacaios europeus obedecem prontamente.

Entretanto, vai-se distraindo o povoléu com os Jogos Olímpicos e com as medalhas que os atletas nacionais ou nacionalizados poderão conquistar, mas azar dos azares até agora são mais os diplomas do que as medalhas, qualquer craque de outro país arrecada mais medalhas do que todo grupo olímpico nacional. Alguns atletas queixam-se, e com carradas de razão, da falta de apoio por parte do governo que só olha para o futebol, mais negócio que desporto, e Montenegro e Marcelo andam numa lufa-lufa a fim de capitalizar algum dividendo político, mas o panorama do desporto de maneira alguma poderá destoar do resto do país, por muitas voltas que dêem. A demagogia a rodos e a intoxicação patrioteira, induzida pelos media de referência e agentes políticos, fazem parte deste ambiente de estação da palermice (silly season) que não consegue ocultar a dura realidade do povo português. O resumo da governação de Montenegro/AD pode ser dado pelo tal famoso e milagreiro plano de emergência para a saúde, que das com 54 medidas propostas só uma está concluída e foi um negócio por ajuste directo.

Muito provavelmente o governo será despedido da mesma forma, pese a conciliação ou apoio mais ou menos aberto dos restantes partidos da putativa “oposição”. Sabendo dessa possibilidade, Montenegro já veio vitimizar-se, fazendo lembrar o seu antecessor Costa, lançando-se ao ataque quando viu o seu programa do governo viabilizado na Assembleia da República: " (as) oposições têm dever de lealdade de nos deixarem governar". Aprendeu com o padrinho Cavaco em apontar as “forças de bloqueio” pelas dificuldades que não consegue enfrentar ou não conseguirá resolver no futuro. Amplos sectores de trabalhadores, e não somente dos serviços do estado, poderão entrar em luta a partir do fim da estação de apaziguamento da luta de classe que é o Verão, mas sectores da indústria e da economia em geral poderão, e irão com certeza, vir para rua quando as medidas prometidas pelo governo ao patronato forem efectivadas.

O governo de Montenegro é como o lacrau da história, não conseguirá conter o impulso que lhe é genético. Mais cedo ou mais tarde, será forçado a deixar cair a máscara da conciliação e do apaziguamento da distribuição de algumas migalhas, não sendo por acaso que foi nomeada para ministra do trabalho a mulher de um banqueiro, que soube capitalizar um banco falido à custa dos dinheiros públicos. A política é a mesma, saber canalizar a riqueza do trabalho para o capital. Como temos referido, este, como qualquer outro governo, aguentar-se-á na proporção de conseguir manter alguma estabilidade económica para quem trabalha e, nomeadamente para a dita “classe média”, a pequena-burguesia politicamente diletante e poltrona, porque quando isso acabar é o descontentamento e a revolta. Devemos ter bem presente as razões que levaram ao fim do governo pafioso Passos Coelho/Paulo Portas.



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