Quando o BES faliu pouco depois de tanto o Silva de Boliqueime e o recadeiro-mor Marques Mendes terem vindo jurar a pés juntos que o Banco estava sólido, de pedra e cal, e era de confiança. Passados 10 anos, o principal responsável pela falência/fraude, Ricardo Salgado, e apesar de já ter sido condenado, ainda não foi preso e haverá o risco de muitos dos crimes de que é acusado prescreverem este Verão. Estava-se em princípio de Agosto de 2014, em pleno governo de PSD/CDS-PP/Passos Coelho/Paulo Portas e em tempo de dura austeridade imposta pela Troika, e a crónica era a seguinte:
Este Verão não será diferente dos outros: os
incêndios começaram como habitualmente, com bombeiros a ficarem feridos, quando
não morrem, e a queixarem-se de falta de material; as empresas fecham para
férias dos trabalhadores, mas quando se chega a Setembro já não abrem; os
políticos do regime vão para férias dizendo ao populacho que, depois do
descanso, o país irá entrar em período de prosperidade jamais vista, já que o
desemprego desceu e a economia irá descolar devido às medidas do governo e da
“confiança” dos portugueses; a oposição reafirma que agora é que é, após as
férias, o governo irá sair de cena e o senhor Silva irá antecipar as eleições
atendendo ao tempo oportuno para elaboração do próximo Orçamento do Estado.
Só que, e para tristeza dos “nossos”
políticos, parece que, neste ano de 2014, as coisas não serão como em anos
anteriores: embora os incêndios decorram segundo o previsto, é um negócio que
não convém pôr cobro, o desemprego continua e irá aumentar apesar dos escapes
dos empregos precários próprios da época estival e da emigração; o FMI avisou
que os salários terão de ser (ainda mais) reduzidos; mais 5,5% no último ano
(133% do PIB); a falência de um dos maiores grupos financeiros do regime e que
em breve arrastará a falência do já considerado banco do PSD, que não conseguiu
esconder o buraco de mais de 3,5 mil milhões de euros, irá ser paga pelo povo
português contradizendo o que o senhor Coelho afirma que o Estado não irá pôr
dinheiro no BES; o dito “regulador” Banco de Portugal continuará cego, surdo e
mudo quanto às ditas “tropelias” da banca, como se estas não fossem mais a
verdadeira natureza do capitalismo no seu curso de acumulação e de
concentração.
Um processo que não pára: de um lado, a
disputa entre capitalistas, como bem ilustra o caso GES/BES; do outro, o povo
português que passa maiores privações, bem ilustrado com a diminuição do
consumo de carne, leite, fruta, cereais e, imagine-se!, de vinho. O colapso do
Grupo da famiglia que deu emprego aos principais responsáveis
do actual governo/estado-de-coisas (aqui, entende-se o fugitivo Durão e o
actual PR) ditará, e será a melhor expressão, da falência do actual regime
político e económico. Por este caminho não há futuro para o povo que trabalha,
como para a própria elite que, pensando que se safa, cava afanosamente a sua
sepultura. Antes da tempestade ocorre geralmente a bonança, é o que está a
acontecer com as presentes férias de Verão.
Claro que o assunto do dia é a falência do
Grupo Espírito Santo, cujo banco não tardará a seguir as pegadas, que espantou
alguns espíritos e obrigou outros a mudar de casaca, que irá ter consequências,
como é de esperar, na economia capitalista nacional, não só pela malha de
empresas a que o grupo está ligado, como esta falência mais não é que a ponta
do iceberg que ainda se encontra imergido: toda a banca nacional está falida,
como toda a economia nacional se encontra no mesmo estado comatoso.
Chegou-se a esta situação não exactamente pelo
facto da famiglia em causa ter comprado muitas consciências,
que não terão sido somente jornalistas, como o jornal do regime, o inefável
“Expresso”, denunciou há alguns dias, mas também terão sido dirigentes
políticos, incluindo alguns da dita “oposição”, os reguladores do BdP e da
CMVM, e por aí fora, já que esta gente só apareceu a botar faladura depois da
calamidade ter acontecido. Há já algum tempo, ninguém quis ver que os bancos
portugueses tinham chumbado nos testes de stress da Autoridade Bancária
Europeia, apresentando rácios de capital inferiores a 5%, sendo os que estavam
em pior situação o já conhecido BCP e… o BES. Foram contínuos os abaixamentos
dos rating dos seis principais bancos nacionais, com três
deles, os já referidos e o BPI do banqueiro Ulrich, cujo protagonismo político
é maior do de muitos políticos de profissão, em situação vulnerável, embora já
tenha sido maior, devido a deterem mais de 13 mil milhões de euros (só o BCP
terá quase metade dessa quantia, cerca de 6 mil milhões) de dívida pública dos
estados periféricos.
Parece que “ninguém” reparou que foi o chefe
da famiglia Espírito Santo que arranjou emprego ao Durão como
consultor do BES, antes de ser eleito para presidente do PSD, que arranjou
também emprego ao Coelho de Massamá, quando este resolveu fazer alguma coisa na
vida, numa das empresas do grupo, a Fomentinvest, e foi o padrinho da mafia
nacional que, em jantar na casa de férias da Comporta, juntamente com o
paineleiro/comentador/intriguista Marcelo, convidou e preparou o senhor Silva
de Boliqueime para a candidatura ao Palácio de Belém. “Ninguém” reparou que o
padrinho não está só, pelo menos até à sua aparente queda em desgraça. São
todos ceguinhos, a começar e acabar nos incontornáveis governador do Banco de
Portugal e do presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. Os
jantares e os passeios de iate não terão sido só para os jornalistas, que agora
também “ninguém” sabe quem são. “Toda a gente” se admira agora com o buraco de
4.253,5 milhões de euros, ou de 3.577 milhões de euros, porque na verdade, e
talvez nunca se venha a saber, o real será bem maior. É para se dizer: a
corrupção é (quase) um produto genuinamente nacional!
Não teria sido necessário o incómodo da
eurodeputada do BE de, junto da Comissão Europeia, ter indagado quanto aos
meios de resolver o problema do BES para se ficar a saber que não há
nada para ninguém, ou seja, não contem com o Mecanismo Único de Resolução
nem com a Directiva de Resolução Bancária; se a crise se agravar, melhor
dizendo, se o banco falir de vez será o povo português a pagar. Não venha o BE
reivindicar mais “regulamentos” para que o capitalismo seja bonzinho, não faça
mal aos trabalhadores e às criancinhas, porque o capitalismo é isto mesmo:
especulação e exploração. Está-lhe no sangue, e não há volta dar.
Agora, aponta-se o chefe da famiglia como
o principal, senão o “único” culpado de todos os males, em vez de
dono-disto-tudo será o culpado-de-todos-os-males, apagam-se todas as
cumplicidades e conivências (o homem até tinha sido ilibado pela justiça
portuguesa de qualquer envolvimento com o escândalo e crime da fuga de
capitais), e agora é que a economia, a começar pela banca e alta finança, irá
entrar no bom caminho já que se procedeu ao arranque das ervas daninhas.
Estamos perante mais outra mentira e manipulação da opinião pública. O chefe
da famiglia Espírito Santo está para a elite que é dona disto
tudo como o Vale de Azevedo está para o resto da mafia do futebol, é um deles e
talvez nem seja o pior, os restantes passam despercebidos na sombra enquanto os
holofotes se centram naquele.
A corrupção, intrínseca ao modo de produção
capitalista e à sociedade burguesa, não desaparecerá por artes mágicas, nem a
justiça portuguesa deixará de ser uma justiça de classe que se destina a
criminalizar o cidadão trabalhador e o pobre e a proteger o burguês, o político
do regime e o poderoso, em geral. O capitalismo precisa de manter o processo
contínuo de acumulação e de concentração, e esse processo faz-se à custa de uma
aumento desmesurado e exponencial da exploração do trabalhador, da sua força de
trabalho e de todas as componentes da sua vida, desde físicas a psicológicas,
mantendo-o num limiar, muitas das vezes, abaixo da simples sobrevivência
física.
As estatísticas não enganam: as famílias dos
trabalhadores, em 2013, consumiram menos carne, leite, fruta, vinho e cereais,
do que em 2012, produtos essenciais à sobrevivência física com um mínimo de
qualidade, assistindo-se simultaneamente ao aumento do défice da balança
comercial destes produtos devido à diminuição da produção nacional. A situação
de fome de grande maioria das famílias dos trabalhadores portugueses é
indisfarçável.
Mas enquanto a pobreza aumenta num dos
extremos da sociedade, na outra, a riqueza aumenta, com as 25 famílias mais
ricas do país a deterem 8,5% do PIB, somando 14,3 mil milhões de euros; um
conjunto de famílias que estão mais ricas em termos proporcionais já que “os
mais pobres” estão ainda mais pobres, e num número cada vez mais reduzido,
porque a competição também se faz sentir entre “os mais ricos”, reduzindo-lhes
o número: o chefe da famiglia Espírito Santo foi retirado da
lista dos mais ricos de Portugal, elaborada pela revista “Exame” do senhor
Pinto Balsemão; ao que parece, bastante interessado que se fale agora do
concorrente para não se falar dele próprio, ainda há pouco tempo conseguiu
sacar do estado 4,7 milhões de euros no caso do BPP, onde surge como “lesado” e
não como criminoso, como deveria acontecer, já que é um dos principais
acionistas do banco que se dedicava exclusivamente ao exercício da especulação.
É um dos outros que se escondem na penumbra, arvorado em “bonzinho”, tanto ao
gosto do BE, enquanto se diaboliza o rival.
A título de curiosidade e quando se fala do
“empobrecimento” da famiglia Espírito Santo, que tem no bom
recato dos paraísos fiscais o grosso da fortuna, que agora nem sabe o
que fazer a uma das joias da família, a herdade da Comporta, que
possui uma área superior à da cidade de Lisboa, ter-se-ão loteado e urbanizado
em Portugal perto de 100 mil hectares de terrenos, entre 1985 e 2005, graças a
decisões administrativas, que terão conduzido ao ganho de mais 200 mil milhões
de euros de mais-valias urbanísticas, que foram repartidos por 0,1% da
população.
A tal concentração capitalista, no caso, pela
acção directa do estado burguês, mais concretamente, pela política das
autarquias, os tais órgãos “mais perto do povo” e tão incensados pelos
defensores do regionalismo. As famiglie nacionais, também e
sobretudo, enriqueceram à custa da especulação imobiliária, assim como muitos
políticos do regime, e foi a crise do imobiliário que levou os bancos nacionais
a ir para África envolvendo-se em negócios com elites ainda mais corruptas: o
BES Angola não sabe do paradeiro de 5,7 mil milhões de dólares!
Ainda há poucos dias, o fugitivo Durão
felicitou o seu correligionário de partido senhor Coelho pela “pipa de massa”
que Portugal, ou seja, o governo, irá receber nos próximos sete anos, fazendo
votos de esse dinheiro, 26 mil milhões de euros, seja “bem aplicado”. Ora, o
“bem aplicado” para essa gente é ser aplicado género “via Tecnoforma”,
devidamente assessoradas pelos políticos do regime, habilitados a abrir todas
as portas. Será para enriquecimento de uma parte da elite que tenha ligação
directa aos partidos do poder e para a compra de consciências; não será para o
desenvolvimento da indústria, da agricultura ou das pescas nacionais, o sector
produtivo, dirigido para a substituição das importações e para a criação de
emprego.
Será mais do mesmo a que estamos habituados, e
é esta a tal “solidariedade europeia” de que fala o “nosso” Durão. A economia
onde serão aplicados estes milhões será a economia das grandes empresas
nacionais e estrangeiras, que virão para Portugal, para sacar todos os
benefícios e mais alguns, das quais podemos citar alguns exemplos mais
recentes: Monliz, o estado dá 18 milhões de euros para a criação de 50 postos
de trabalho, para um salário médio de mil euros, daria para pagar o salário a
cada trabalhador durante 26 anos; Unilever, do cervejeiro Pires de Lima, 30
milhões de euros para 80 novos postos de trabalho, daria para pagar 27 anos de
salários; Easyjet, 74 milhões de euros para 80 postos de trabalho, daria para
pagar 66 anos de salários; Autoeuropa, o grande investimento do cavaquismo, 677
milhões de euros para 500 empregos, daria para 96 anos de salários pagos a cada
trabalhador.
Ou, então, os contratos para amigos e
ex-colaboradores, género “contrato de 2,5 milhões de euros para ex-colaborador
de Passos” para… “seleção, eliminação e inventariação das fontes
documentais existentes nos Governos Civis”. É muito provável que seja
já um governo PS, com o “determinado” Costa de Lisboa à frente, com ou sem
maioria, que irá distribuir os milhões pelas clientelas, com enriquecimento dos
seus dirigentes – ninguém venha dizer que esta gente que está na política não
tem um bom pé-de-meia em algum off-shore.
Será um governo PS que irá aplicar na prática
as medidas de austeridade, algumas delas agora aprovadas, para prosseguimento
do “processo de ajustamento”, o processo de acumulação capitalista, bem
evidente nos últimos números conhecidos sobre o número e a dimensão das
empresas portuguesas: entre 2008 e 2012, o número de grandes sociedades reduziu
9,6% para um total de 1015, segundo dados do INE, processo de concentração que
foi acelerado pela crise; somente 0,3% das empresas em Portugal são de grande
dimensão, ou seja, empregam, no mínimo, 250 trabalhadores e têm um volume de
negócios superior a 50 milhões de euros.
O número de muitos ricos em Portugal diminui
porque há competição entre eles e as fortunas mudam de mãos, mas o processo não
só acontece dentro das fronteiras como as ultrapassa, podendo verificar-se um
empobrecimento relativo da elite nacional, no seu conjunto, devido à competição
com as elites dos outros países mais ricos. Será, ao que tudo leva a crer, o
governo PS que irá resolver o problema do BES da mesma maneira que resolveu o
do BPN. O PS, por ser “PS” e por ser “Costa”, vai fazer pior que o PSD/Coelho,
pela conversa, muito igual à do Coelho antes de ser primeiro-ministro, e por
fugir, como o diabo foge da cruz, em assumir uma posição clara quanto ao
pagamento da dívida pública e ao défice das contas do estado – questões
essenciais que obrigarão a um governo de ESQUERDA (com
maiúsculas) a tomar uma medida imediata: suspensão do pagamento da
dívida, com auditoria da mesma para saber qual a percentagem que é
ilegítima e odiosa, não se admirando ninguém de se chegar à conclusão de que
toda ela é ilegítima e até ilegal, como são as PPPs.
A luta de classes não vai de férias, e muito
menos neste Verão, que será mais quente do que parece anunciar, porque o
desfasamento entre partidos e classes sociais é cada vez maior, e estamos –
note-se – a falar dos partidos que se consideram de esquerda. E os números
continuam a não enganar, em recente sondagem, quase 40% dos cidadãos inquiridos
receiam cair num estado de pobreza; 85% dizem que não confiam no governo; 96%
acham que a situação económica do país é má e o pior está para vir. É a própria
democracia burguesa que está em causa, poderá não haver ainda uma consciência
clara disso, como outros partidos irão surgir como necessidade objectiva, mas
ainda pouco clara no espírito dos cidadãos. A velha toupeira não deixará nunca
de fazer o seu trabalho silencioso.
01 de Agosto 2014
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