HINO A DEUS
1
Fundo em vales escuros morrem os famintos.
Mas tu mostra-lhes pão e deixa-los morrer.
Mas tu reinas eterno e invisível
Resplendente e cruel por sobre o plaino eterno.
2
Deixaste morrer os jovens e os gozadores
Mas os que queriam morrer, não os deixastes…
Muitos dos que já agora apodreceram
Criam em ti e morreram confiantes.
3
Deixaste os pobres serem pobres anos a fio
Porque a sua saudade era mais bela que o teu céu
Morreram infelizmente, antes que tu vires com a tua luz
Morreram eles felizes – e apodreceram logo.
4
Muitos dizem que não existes e que é melhor assim.
Mas como pode não existir o que assim pode enganar?
Quando tantos puderam viver de ti e de outro modo não puderam morrer –
Diz-me: perante isto que quer dizer — que tu não existes?
1917
*
PERGUNTAS DUM
OPERÁRIO LEITOR
Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros estão os nomes dos reis.
Foram os reis que arrastaram os blocos de pedra?
E a várias vezes destruída Babilónia –
Quem é que tantas vezes a reconstruiu? Em que casas
Da Lima refulgente de oiro moraram os construtores?
Para onde foram os
pedreiros na noite em que ficou pronta
A Muralha da China? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os levantou? Sobre quem
Triunfaram os Césares? Tinha a tão cantada Bizâncio
Só palácios para os seus habitantes? Até a lendária Atlântida,
Na noite em que o mar a engoliu, bramavam
Os afogados pelos seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Ele sozinho?
César bateu os Gálios.
Não teria consigo um cozinheiro ao menos?
Filipe de Espanha chorou, quando a Armada
Se afundou. Não chorou mais ninguém?
Frederico Segundo venceu na Guerra dos Sete Anos. Quem
Quem venceu além dele?
Cada página uma vitória.
Quem cozinhou o banquete da vitória?
Cada dez anos um Grande Homem.
Quem pagou as despesas?
Tantos relatos
Tantas perguntas
1935
*
CANHÕES MAIS PRECISOS DO QUE MANTEIGA
1
A célebre sentença
do general Göring
Que os canhões são
mais importantes que a manteiga
É exacta na medida
em que o governo
Precisa tanto mais
de canhões quanto menos manteiga tem
Pois quanto menos
manteiga tem
Tanto mais tem
inimigos.
2
De resto porém
haveria a dizer
Que canhões em
estômago vazio
Não são coisa para
qualquer povo.
Engolir só gás
Parece que não mata
a sede
E sem ceroulas de lã
O soldado talvez só
no Verão tenha coragem.
3
Quando se esgotam as
munições da artilharia
Os oficiais na frente
facilmente
Apanham buracos na
cabeça atrás.
1937
*
EPITÁFIO PARA ROSA LUXEMBURG
Aqui jaz sepultada
Rosa Luxemburg
Uma judia da Polónia
Propugnadora de
operários alemães
Morta por incumbência
De opressores
alemães. Oprimidos
Sepultai a vossa
discórdia!
1948
PERGUNTA
Como é que a grande
ordem se há-de construir
Sem a sabedoria das
massas? Desassisados
Não podem achar o
caminho
Para muitos.
Vós, grandes mestres
Aprendei a ouvir ao
falar!
1952
*
EU, BERTOLT BRECHT,
filho de pais da burguesia
Neste Verão,
sentindo o tempo escasso,
A consciência
folheio, folha a folha, dia a dia,
E a confissão
seguinte faço.
1952
(POEMAS, Bertolt Brecht - Versão Portuguesa de
Paulo Quintela. Relógio D’Água Editores. 2023.)
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