domingo, 28 de julho de 2024

POEMAS de Bertolt Brecht

  

HINO A DEUS

1
Fundo em vales escuros morrem os famintos.
Mas tu mostra-lhes pão e deixa-los morrer.
Mas tu reinas eterno e invisível
Resplendente e cruel por sobre o plaino eterno.

2
Deixaste morrer os jovens e os gozadores
Mas os que queriam morrer, não os deixastes…
Muitos dos que já agora apodreceram
Criam em ti e morreram confiantes.

3
Deixaste os pobres serem pobres anos a fio
Porque a sua saudade era mais bela que o teu céu
Morreram infelizmente, antes que tu vires com a tua luz
Morreram eles felizes – e apodreceram logo.

4
Muitos dizem que não existes e que é melhor assim.
Mas como pode não existir o que assim pode enganar?
Quando tantos puderam viver de ti e de outro modo não puderam morrer –
Diz-me: perante isto que quer dizer — que tu não existes?

1917

*

PERGUNTAS DUM OPERÁRIO LEITOR

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros estão os nomes dos reis.
Foram os reis que arrastaram os blocos de pedra?
E a várias vezes destruída Babilónia –
Quem é que tantas vezes a reconstruiu? Em que casas
Da Lima refulgente de oiro moraram os construtores?

Para onde foram os pedreiros na noite em que ficou pronta
A Muralha da China? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os levantou? Sobre quem
Triunfaram os Césares? Tinha a tão cantada Bizâncio
Só palácios para os seus habitantes? Até a lendária Atlântida,
Na noite em que o mar a engoliu, bramavam
Os afogados pelos seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Ele sozinho?
César bateu os Gálios.
Não teria consigo um cozinheiro ao menos?
Filipe de Espanha chorou, quando a Armada
Se afundou. Não chorou mais ninguém?
Frederico Segundo venceu na Guerra dos Sete Anos. Quem
Quem venceu além dele?


Cada página uma vitória.
Quem cozinhou o banquete da vitória?
Cada dez anos um Grande Homem.
Quem pagou as despesas?

Tantos relatos
Tantas perguntas

1935

*

CANHÕES MAIS PRECISOS DO QUE MANTEIGA

1

A célebre sentença do general Göring

Que os canhões são mais importantes que a manteiga

É exacta na medida em que o governo

Precisa tanto mais de canhões quanto menos manteiga tem

Pois quanto menos manteiga tem

Tanto mais tem inimigos.

 

2

De resto porém haveria a dizer

Que canhões em estômago vazio

Não são coisa para qualquer povo.

Engolir só gás

Parece que não mata a sede

E sem ceroulas de lã

O soldado talvez só no Verão tenha coragem.

 

3

Quando se esgotam as munições da artilharia

Os oficiais na frente facilmente

Apanham buracos na cabeça atrás.

1937

*

EPITÁFIO PARA ROSA LUXEMBURG

Aqui jaz sepultada

Rosa Luxemburg

Uma judia da Polónia

Propugnadora de operários alemães

Morta por incumbência

De opressores alemães. Oprimidos

Sepultai a vossa discórdia!

1948

 

PERGUNTA

Como é que a grande ordem se há-de construir

Sem a sabedoria das massas? Desassisados

Não podem achar o caminho

Para muitos.

 

Vós, grandes mestres

Aprendei a ouvir ao falar!

1952

*

EU, BERTOLT BRECHT, filho de pais da burguesia

Neste Verão, sentindo o tempo escasso,

A consciência folheio, folha a folha, dia a dia,

E a confissão seguinte faço.

1952

(POEMAS, Bertolt Brecht - Versão Portuguesa de Paulo Quintela. Relógio D’Água Editores. 2023.)

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