segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Os "Tumultos" e a "Musculação" do Regime

  

A discussão e aprovação do Orçamento de Estado para 2025 foram quase esquecidas com os acontecimentos de há uma semana, a morte de um trabalhador imigrante, de nacionalidade cabo-verdiana, às mãos de uma patrulha policial que entendeu resolver o conflito a tiro mortal de pistola glock; e foi toda uma semana com os media mainstream e respectivos paineleiros e comentadores a soldo a perorar sobre os eventuais contornos e causas, próximas e últimas, do acontecimento. A tónica centrou-se na criminalização dos tumultos, que sucederam à morte do trabalhador pobre e negro, nas virtualidades de um corpo policial ao serviço das elites e, cereja sobre o bolo, e nas afirmações dos chefes do partido de extrema direita nacional no sentido de que questões deste género devem ser resolvidas, antes, durante a pós de ocorrerem, a tiro. A pobreza, os baixos salários, a falta de habitação e de transportes de qualidade, a marginalização e estigmatização de amplas franjas da população, a falência de empresas e o correspondente desemprego crescentes foram, e continuam a ser, temas para depois. Muito possivelmente para futura e próxima campanha eleitoral, coisa para a qual os partidos do governo apostam cada vez mais.

A paz social e o endurecimento do músculo policial 

Parece que a elite e os seus funcionários e representantes entraram em pânico com os autocarros e os contentores do lixo a arderem em bairros periféricos,  dos quais os políticos e os responsáveis camarários se lembram somente em tempos de campanha de mentiras eleitorais para caçar o precioso voto, mas ocorrências que já são coisas corriqueiras em países de capitalismo mais desenvolvido e habituado às consequências que ele próprio produz em termos de empobrecimento dos trabalhadores e de conflitualidade social.

Montenegro foi obrigado a afirmar que: "não somos país onde o ódio e questões raciais" sejam "preocupação". Se afirma isto, é porque a realidade é o seu contrário. Após de pouco mais de meio ano de promessas e de distribuição de bodo aos pobres, contando com possíveis eleições legislativas a breve trecho, lá houve o azar de dois agentes da PSP, ao que parece, ainda maçaricos, terem estragado a farsa da paz social. O PSD, diga-se de passagem, nunca soube lidar com este tipo de questões, sempre foi o partido que agarra logo no cacete para resolver a contenda com os trabalhadores e o povo, ao contrário do PS, este mais habilitado a usar o ardil e a cenoura. 

Não é despiciendo relembrar os dois ex-ministros da Administração Interna do PSD, Ângelo Correia e Miguel Macedo, agora comentadores televisivos encartados, o primeiro responsável político pela morte dos trabalhadores Pedro Vieira e Mário Emílio Gonçalves (1º de Maio de 1982), o outro pela repressão violenta sobre os manifestantes durante a Greve Geral Nacional de 14 de Novembro de 2012. Se o PSD conseguir a maioria absoluta nas próximas eleições legislativas, antecipadas ou não, depressa abandonará o discurso da moderação.

Este “incidente” policial vai servir, por outro lado, de pretexto para a criminalização de qualquer contestação social, independentemente da justeza ou não das causas do seu eclodir. E fica-se, atendendo à crueza e objectividade dos factos, com a sensação de que é própria elite (o governo não passa de um instrumento) está interessada neste processo de estigmatização e de repressão policial. Não se percebe, aparentemente, porque razão a câmara de Lisboa permitiu uma segunda manifestação, convocada pela extrema-direita, para o mesmo dia, mesma hora e confluindo no mesmo local com a manifestação já marcada por organizações defensoras dos direitos das população pobres e racializadas, que as câmaras dirigidas pelos partidos do poder acantonaram em bairros periféricos. 

A provocação é o objectivo claro por parte de um partido, legalizado na base de assinaturas falsas e cujos estatutos ainda não estarão conforme a lei, que se assume abertamente como instrumento nas mãos da elite, do governo AD e da câmara de Lisboa, como tropa de choque contra a classe dos trabalhadores - os jagunços de serviço. O partido de extrema-direita e as polícias complementam-se, uns provocam, os outros reprimem, daí haver muitas centenas de polícias militantes do partido. Mas onde é que já vimos estas cenas? O actual regime que vigora em Portugal parece querer seguir o caminho da República de Weimar, fossilizar-se em regime autoritário, versão fascismo soft.

Como já referimos em crónica anterior, uma das intenções deste governo, bem como de alguns homens de mão que proliferam em outros órgãos do estado, é reforçar o aparelho policial. Por exemplo, Moedas reitera necessidade de reforçar a polícia em Lisboa com mais efectivos e dar mais competências à Polícia Municipal, não contabilizando o número total de agentes em Lisboa, os que passaram da PSP para a PM, e o número de 8 mil parece-lhe ser insuficiente. 

E o ministro da Presidência, após reunião com os autarcas dos bairros “incendiados” e substituindo-se à inútil ministra da Administração Interna, não se engasgou ao prometer todos os “meios de vigilância, desde presencial à cibernética, às redes para serem detetados e prevenidos todos os comportamentos errados”. 

Desta forma, os trabalhadores esperarão mais controlo e mais repressão em caso de não se portaram bem e as redes sociais, tão vituperadas pelos media mainstream que temem a concorrência, irão ser submetidas a vigilância mais apertada e para a qual Bruxelas já aprovou legislação nesse sentido e que rapidamente será replicada em cada estado membro. Agora, há que ter muito cuidado com os “comportamentos errados”, qualificação essa dada pelo próprio interessado Estado/Governo. A nova PIDE organiza-se.

O empobrecimento do povo e o discurso autoritário

Não deixa de ser interessante que as coisas ocorram em tempo de empobrecimento acelerado de grande parte da população portuguesa, e os números estão aí. “Pobres estão mais pobres em Portugal” é o título que faz as manchetes nos órgãos de informação de referência, o que levou o governo a anunciar a criação da Prestação Social Única; ou a “taxa de risco de pobreza subiu pela primeira vez em sete anos, a intensidade da pobreza também sofreu o maior aumento desde 2012. 

E mais recentemente: a «subida de insolvências e 'lay-off' são já "uma realidade", alerta presidente da AEP»; ou “as empresas despediram mais pessoas até Agosto do que em todo o ano de 2023”. A notícia de que a Volkswagen irá encerrar três fábricas e proceder a vários milhares de despedimento colocou em alerta máximo os políticos e os media do establishment na medida em que o mesmo poderá acontecer à AutoEuropa e, então, será um problema assaz difícil de ser tratado pelo governo AD. Por outro lado, a Galp teve um aumento de lucros de 24%, para 890 milhões de euros até o mês de Setembro.

Todos os indícios apontam para que o desemprego, a contínua degradação dos salários reais (poder de compra) e a miséria em geral corram em paralelo no ano que vem com o endurecimento do discurso político dos responsáveis políticos e o intensificar da repressão policial. Agora foi um cidadão negro e estrangeiro que foi baleado, amanhã poderá muito provavelmente ser um operário, ou um funcionário público ou outro trabalhador dos serviços, a ser baleado porque teve um comportamento “errado”.

Contudo, já se assiste a uma arrogância mal disfarçada por parte de alguns membros do governo, possível sinal de mistura de arrogância, frustrações pessoais mal resolvidas e autoritarismo. O ministro dos Negócios Estrangeiros resolveu puxar dos galões de "ministro de estado" para se arrogar a posição de privilégio no aeroporto militar de Figo Maduro quando esperava pelos repatriados do Líbano, desrespeitando os oficiais presentes, o chefe do Estado Maior da Força Aérea e o comandante da base, recusando o cumprimento e vociferando: "camelos", "burros" "isto com os militares é sempre a mesma merda". 

Os militares até foram bem educados e com certeza não deixarão cair os insultos em saco roto, conhecendo os militares como realmente são. Se o recruta político fosse militar levaria uma pena de entre 3 meses a 2 anos de prisão, segundo o Código de Justiça Militar. O chefete do governo veio a público tentar explicar, não dando qualquer esclarecimento sobre o ocorrido, só depois de passados dezoito dias e porque o assunto foi tema nas redes sociais. É por estas e por outras semelhantes que os media detestam as redes sociais, porque ainda não totalmente controladas.

O Orçamento de Estado será aprovado pelo Bloco Central

Ao mesmo tempo que os instrumentos policiais são reforçados, o governo pretende fidelizar ainda mais os principais órgãos de propaganda, dita informação, com o, já apresentado, “Plano de Ação para os Media”, que inclui 30 medidas para “estimular a Comunicação Social” e o fim da publicidade na estação pública RTP, o que não apenas "significa perda de relevância da RTP" mas a sua liquidação, o que já indignou os próprios trabalhadores e o Sindicato dos Jornalistas, já que prevê redução substancial dos seus funcionários. Verbas estas que já estão asseguradas no OE-2025 e cuja viabilização é certa pela abstenção do PS, antecipadamente aprovada por unanimidade pela Comissão Política daquele partido. 

O bloco central dos interesses e dos negócios está a funcionar em pleno, mas não haveria problema se, por qualquer razão, deixasse de funcionar, o Orçamento seria aprovado na mesma já que o partido da extrema-direita se disponibilizara a fazê-lo, apesar do engulho para o mantra de “não é não” de Montenegro. Mas os “superiores interesses da nação”, leia-se da elite nacional e Bruxelas, estão acima de tudo e de todos os cidadãos comuns deste bocado de terra à beira-mar plantado. 

Até a ICAR, ainda antes da posição do PS ser conhecida, pela voz do prior José Ornelas, declarara que quer o Orçamento porque “o país ganharia muito em ter um (mais propriamente "este") orçamento” e acredita que “alguns passos" já teriam "sido dados” para o facto consumado. E os "passos" são a ICAR receber borlas fiscais como aquela de mais de 6,5 milhões de euros em IRC na realização da Jornada Mundial da Juventude, passando a Fundação respectiva para o topo das fundações que mais benefícios receberam em 2023. Não falando do resto.

Convém esclarecer mais uma vez que este Orçamento de Estado prevê muitos milhões em benesses directas para os amigos, os clientes e os lóbis mais obscuros, que se habituaram todos os anos a locupletarem-se com os dinheiros públicos - cerca de 10% (13 mil milhões de euros) do Orçamento são o saco azul de “Despesas Excepcionais”. No entanto, o governo deixa que os grandes processos fiquem parados nos tribunais fiscais, levando à perda de mais de 12 mil milhões de euros de receitas para o estado.

Para que a divisão do saque segundo a lógica capitalista, a melhor parte para o capital e o restante para o trabalho, que sempre veio a minguar durante os governos do PS, esteja garantida com a continuação da exploração dos trabalhadores é conveniente que o cacete esteja sempre à mão de semear. E se houver eleições legislativas antecipadas com maioria absoluta para o PSD, e as recentes sondagens visam criar e reforçar essa tendência, então a receita é certa e sabida. Os tempos que se avizinham serão de intensa luta de classes.

Imagem: "Populares incendeiam autocarro no bairro do Zambujal" em Sábado

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Privatizar a saúde a todo o vapor

  

Quando se comemoraram os 40 anos do SNS o PS andou por Coimbra a plantar uma oliveira no parque da cidade, e mandou erguer uma estátua de ferro em 2D no mesmo local do considerado “pai” do Serviço Nacional de Saúde. Este ano e nos 45 anos, com o PSD e CDS-PP no governo, alguém alvitrou a criação de um hino de louvor (ou de requiem) sobre um serviço moribundo e cuja doença se acelerou particularmente nos últimos cincos anos. Quando se celebrar o cinquentenário de certeza que o moribundo estará mais que morto e enterrado.

O momento é mais que oportuno para que os profissionais que trabalham no SNS marquem uma posição e se oponham firmemente a este processo de demolição praticado pelo actual governo. Neste sentido, os médicos e os profissionais de enfermagem vão iniciar amanhã uma greve de dois dias, com os objectivos de defesa dos cuidados de saúde gerais e universais para os cidadãos portugueses e para a resolução dos seus principais problemas de classe: actualização das grelhas salariais, dignificação das carreiras, melhoria das condições de trabalho e aumento de investimento no SNS e não no financiamento do sector privado do negócio da doença.

O governo AD fez a promessa de liquidar rapidamente o SNS e as medidas propostas e algumas já aplicadas vão nesse sentido: privatização de parte dos cuidados primários e a seguir os serviços de obstetrícia e de ginecologia. Estes já integrados na teia do turismo de saúde, onde os privados projectam vir a ter dentro em breve o predomínio. Numa primeira fase, desacreditar estes serviços do SNS, levando a população utente a deixar de neles ter confiança e logo a seguir justificar as insuficiências dos mesmos e da inevitabilidade da sua substituição em parte ou no todo pelo privado.

Os médicos e os enfermeiros devem fazer o esforço de coordenarem as suas lutas e atrair outros sectores profissionais de trabalhadores, começando pelos assistentes operacionais, os mais explorados e pior remunerados. Devem denunciar as tentativas de divisão entre si e de descrédito da luta que o governo irá inevitavelmente fazer, e já está a fazê-lo, perante a opinião pública. A medida do governo de querer alterar as férias dos médicos em períodos de Natal, Fim de Ano, e mais tarde de Páscoa, para colmatar as faltas nas escalas de serviço é uma forma ignóbil de responsabilizar em bloco os médicos pelo encerramento daqueles serviços e do “caos” nas urgências em geral.

Privatização da saúde em passo acelerado

Para não ficar isolado e sabendo da situação precária dentro da Assembleia da República, o governo PSD/CDS-PP procura com os partidos da oposição, os mais à direita e com o PS, este corresponsável pelo desastre do SNS, um pretenso "amplo consenso nacional" para a putativa “reforma”, que será para liquidar o SNS como ele foi projectado há 45 anos. A farmacêutica, que chefia a comissão liquidatária, justifica o pacto pela dimensão da tarefa e do tempo que poderá levar, ultrapassando a legislatura, que se presume que será de 4 anos. Será o “Sistema” de Saúde de que tanto gosta e fala o presidente Marcelo.

Outro figurão do PSD e segunda figura do Estado, Aguiar-Branco, que já possui experiência de liquidação de empresas pública para depois as entregar a privados, caso dos Estaleiros da Lisnave que foram oferecidos de bandeja à Martifer, de amigos e correligionários do partido, faz coro: a reforma no SNS para combater "crise de confiança". Defende abertamente a entrega ao sector privado e ao sector social da Igreja Católica, como resposta, em lógica enviesada, ao crescimento dos seguros privados. Deixar o SNS no osso, ou seja, um serviço assistencialista para os pobres.

O facto de o governo AD de ter acabado de anunciar a criação de uma unidade “para monitorizar desempenho económico-financeiro do SNS” define, por si só, o seu conceito, inteiramente economicista, do que devem ser os cuidados de saúde prestados à população, baratinhos e que não ponham em causa as contas certas do Orçamento de Estado. Com certeza que não é para fiscalizar os milhões de euros que são enfiados nos bolsos das empresas privadas do sector ou nas misericórdias da Igreja. Milhares de milhões que já andarão perto dos cinquenta por cento do orçamento total para a Saúde.

A imprensa apregoa que o “número de pessoas sem médico de família aumentou um milhão em cinco anos”, nunca houve tantos cidadãos sem assistência de cuidados de saúde primário como agora, mais de um milhão e meio. Logo e de imediato, o governo AD apresenta a solução milagrosa: “Governo alarga acesso a médico de família a 75 mil utentes da Grande Lisboa”; “Misericórdia vai assegurar consultas a mais 5000 utentes sem médico de família”. A farmacêutica adianta que serão abertas 10 USF em Lisboa e Vale do Tejo, cinco em Leiria e cinco no Algarve, geridas por setores privado e social. Até chegar a toda a população carenciada, outro orçamento da saúde não chegará para satisfazer a gula dos negociantes da doença.

Não serão necessários mais estudos e nem mais especialistas virem confirmar que sai mais barato ao Estado investir nos cuidados primários públicos, ou seja, na educação para a saúde e na prevenção da doença, coisas que só o SNS público pode fazer, do que investir nos cuidados secundários, isto é, no modelo biomédico de curar a doença. No entanto, o apetite insaciável pelo lucro, por parte das empresas privadas, das misericórdias e de muitos médicos, mais empresários que clínicos, levou a que o modelo biomédico já passasse dessa fase, tratar a doença, para a fase seguinte, de não tratar a doença, mas torná-la crónica.

É evidente que se torna mais rentável não curar a doença, no entanto, com o cuidado de não matar o doente para que esta venha a ser um consumidor para o resto da vida de medicamentos, exames complementares de diagnóstico, de consultas e outros ditos “tratamentos” médicos. Todos os negociantes da doença regozijarão, o mercado é certo. De maneira semelhante, o SNS dever ser tratado, não o liquidar por completo, mantê-lo em vida assistida porque ainda será necessário. É aí que os médicos se formam e estagiam, onde traficam os doentes, e para onde os enviam ou devolvem quando as coisas correm mal no privado ou os tratamentos são demasiado dispendiosos. Veja-se a propósito o caso das “gémeas”, que beneficiaram de um tratamento de 4 milhões de euros, em que hospital privado ou da Igreja isso seria possível?

Ainda voltando ao problema da falta de médicos nas urgências e serviços de pediatria, obstetrícia e ginecologia, é notícia quase diária e muitas vezes abertura de telejornais o encerramento dos mesmos. Nunca se questiona porque há falta de médicos, estão no privado porque aí pagam melhor?! A imprensa que se encontra ao serviço dos interesses do negócio privado da doença deveria esclarecer duas coisas: a quase totalidade, haverá pequenas excepções, dos médicos que trabalham no privado não são aí empregados mas empresários por conta própria, limitam-se a alugar as instalações e os serviços; oitenta por cento dos médicos que trabalham no privado acumulam com o público.

Por que não instituir a dedicação EXCLUSIVA de médicos e enfermeiros, e outros profissionais, em vez da farsa da “dedicação plena”, aumentando os salários de forma adequada? Ficaria mais barato do que dar dinheiro às empresas privadas para fazer o que os médicos que trabalham no SNS, ou que lá deveriam trabalhar, não fazem. A sabotagem do SNS, com a criação artificial das longas listas de espera para cirurgias, consultas, exames complementares de diagnóstico, etc., já vem de há muito e muita gente dentro dos hospitais não deixa de ser conivente, desde directores de serviço a administrações hospitalares. Os governos superintendem e velam pela boa execução do processo, sempre de acordo com as directivas de Bruxelas.

O governo AD indicou para comissária da Saúde uma farmacêutica, como poderia ter nomeado qualquer outra pessoa se tivermos em conta que o cargo é meramente executivo, a política está previamente definida: privatizar, é a palavra de ordem. Se fosse para tomar decisões com conhecimento de causa, qualquer assistente operacional com experiência hospitalar seria pessoa mais capaz e competente. Com uma pessoa ligada aos negócios da big pharma, ou seja, dos grandes grupos económicos farmacêuticos que dominam o mercado da saúde, temos de reconhecer que é a pessoa mais habilitada para levar a cabo a tarefa incumbida: destruir o SNS público. Não é por acaso que o governo vai gastar 7,6 milhões de euros com vacinação contra a gripe e a covid-19 nas farmácias e o consumo de medicamentos nos hospitais continua a aumentar exponencialmente. Bem pode pregar a dirigente sindical que a pessoa nada percebe de saúde, é que nem precisa.

24 de Setembro de 2024

Imagem: "DC"

Publicado em Moves

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Obras de Extermínio. Inicialmente. “Se Israel não for parado”…

 

Israel continuará os seus assassinatos em massa para atingir os seus objectivos imediatos, mas a longo prazo o revés do seu genocídio condenará o Estado sionista.

Por Chris Hedges

O extermínio funciona. Inicialmente. Esta é a terrível lição da História. Se Israel não for travado – e nenhuma potência externa parecer disposta a travar o genocídio em Gaza ou a destruição do Líbano – alcançará os seus objectivos de despovoar e anexar o norte de Gaza e de transformar o sul de Gaza num cemitério onde os palestinianos são queimados vivos e dizimados por bombas e morrem de fome e de doenças infecciosas, até serem expulsos. Alcançará o seu objectivo de destruir o Líbano – 2.255 pessoas foram mortas e mais de um milhão de libaneses foram deslocados – numa tentativa de o transformar num Estado falhado. E poderá em breve realizar o seu sonho há muito acalentado de forçar os Estados Unidos a entrar em guerra com o Irão. Os líderes israelitas estão publicamente a salivar com as propostas para assassinar o líder iraniano, o ayatollah Ali Hosseini Khamenei, e realizar ataques aéreos contra as instalações nucleares e petrolíferas do Irão.

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu e o seu gabinete, como os que dirigem a política para o Médio Oriente na Casa Branca - Antony Blinken, criado numa família sionista convicta, Brett McGurk, Amos Hochstein, que nasceu em Israel e serviu nas forças armadas israelitas, e Jake Sullivan – são verdadeiros crentes na doutrina de que a violência pode moldar o mundo para se adequar à sua visão demente. O facto de esta doutrina ter sido um fracasso espectacular nos territórios ocupados de Israel, e não ter funcionado no Afeganistão, no Iraque, na Síria e na Líbia, e uma geração antes no Vietname, não os desanima. Desta vez, garantem-nos, será um sucesso.   

No curto prazo têm razão. Isto não é uma boa notícia para os palestinianos nem para os libaneses. Os EUA e Israel continuarão a utilizar o seu arsenal de armas industriais para matar um grande número de pessoas e transformar cidades em escombros. Mas, a longo prazo, esta violência indiscriminada semeia dentes de dragão. Cria adversários que, por vezes, uma geração mais tarde, superam em selvajaria – chamamos-lhe terrorismo – o que foi feito aos que foram mortos na geração anterior. 

O ódio e o desejo de vingança, como aprendi ao cobrir a guerra na antiga Jugoslávia, são transmitidos como um elixir venenoso de geração em geração. As nossas intervenções desastrosas no Afeganistão, no Iraque, na Síria, na Líbia e no Iémen, juntamente com a invasão do Líbano por Israel em 1982, que criou o Hezbollah, deveriam ter-nos ensinado isto. 

Aqueles de nós que cobriam o Médio Oriente ficaram surpreendidos com o facto de a administração Bush imaginar que seria saudada como libertadora no Iraque, quando os EUA passaram mais de uma década a impor sanções que resultaram numa grave escassez de alimentos e medicamentos, causando a morte de pelo menos um homem. Denis Halliday , o Coordenador Humanitário das Nações Unidas no Iraque, demitiu-se em 1998 devido às sanções impostas pelos EUA, chamando -as de “genocidas” porque representavam “uma política deliberada para destruir o povo do Iraque”.

A ocupação da Palestina por Israel e o bombardeamento de saturação do Líbano em 1982 foram o catalisador do ataque de Osama bin Laden às Torres Gémeas na cidade de Nova Iorque em 2001, juntamente com o apoio dos EUA aos ataques contra muçulmanos na Somália, Chechénia, Caxemira e no Sul da as Filipinas, a assistência militar dos EUA a Israel e as sanções ao Iraque.

Irá a comunidade internacional continuar passivamente e permitir que Israel leve a cabo uma campanha de extermínio em massa? Haverá limites? Ou será que a guerra com o Líbano e o Irão proporcionará uma cortina de fumo – as piores campanhas de limpeza étnica e assassinatos em massa de Israel sempre foram feitas sob o disfarce da guerra – para transformar o que está a acontecer na Palestina numa versão actualizada do genocídio arménio?

Receio que, dado que o lobby de Israel comprou e pagou o Congresso e os dois partidos no poder, bem como intimidou os meios de comunicação social e as universidades, os rios de sangue continuarão a crescer. Há dinheiro a ganhar na guerra. Muito disso . E a influência da indústria de armamento, sustentada por centenas de milhões de dólares gastos em campanhas políticas pelos sionistas, será uma barreira formidável à paz, para não falar da sanidade mental. 

A não ser que, como escreve Chalmers Johnson em Nemesis: The Last Days of the American Republic,  “abolimos a CIA, restauremos a recolha de informações para o Departamento de Estado e removamos todas as funções do Pentágono, excepto as puramente militares”, “nunca mais saberemos a paz, nem com toda a probabilidade sobreviverá por muito tempo como nação.”

O genocídio é feito por atrito. Quando um grupo-alvo é privado dos seus direitos, os próximos passos são a deslocação da população, a destruição das infra-estruturas e o assassinato em massa de civis. Israel está também a atacar e a matar monitores internacionais , organizações de direitos humanos , trabalhadores humanitários e funcionários das Nações Unidas , uma característica da maioria dos genocídios. Jornalistas estrangeiros estão a ser presos e acusados ​​de “ajudar o inimigo, enquanto jornalistas palestinianos são assassinados e as suas famílias exterminadas. Israel realiza ataques contínuos em Gaza à Agência das Nações Unidas de Assistência e Obras para os Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA), onde dois terços das suas instalações foram danificadas ou destruídas e 223 dos seus funcionários foram mortos. Atacou a Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL), onde as forças de manutenção da paz foram alvejadas , gaseadas com gás lacrimogéneo e feridas . Esta táctica reproduz os ataques dos sérvio-bósnios em Julho de 1995, que cobri, aos postos avançados das Forças de Protecção da ONU em Srebrenica. Os sérvios, que interromperam o fornecimento de alimentos ao enclave bósnio, resultando em desnutrição grave e fome, invadiram os postos avançados da ONU e fizeram 30 soldados da ONU reféns, antes de massacrarem mais de 8.000 homens e rapazes muçulmanos bósnios. 

Estas fases iniciais estão concluídas em Gaza. A fase final é a morte em massa, não só por balas e bombas, mas também pela fome e pelas doenças. Nenhum alimento entrou no norte de Gaza desde  o início deste mês. 

Israel tem lançado panfletos exigindo a evacuação de todos os que se encontram no norte. 400 mil palestinianos no norte de Gaza devem partir ou morrerão. Ordenou a evacuação de hospitais – Israel também tem como alvo hospitais no Líbano – destacou drones para disparar indiscriminadamente contra civis, incluindo aqueles que tentavam levar os feridos para tratamento, bombardeou escolas que servem de abrigos e transformou o campo de refugiados de Jabaliya  num fogo livre . Como sempre, Israel continua a atacar jornalistas , entre os quais Fadi Al-Wahidi, da Al Jazeera, que foi baleado no pescoço e permanece em estado crítico. Estima-se que pelo menos 175 jornalistas e trabalhadores dos meios de comunicação social tenham sido mortos pelas tropas israelitas em Gaza desde 7 de Outubro, segundo o Ministério da Saúde palestiniano.

O Gabinete das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários alerta que os envios de ajuda para toda a Gaza estão no nível mais baixo dos últimos meses. “As pessoas ficaram sem meios para lidar com a situação, os sistemas alimentares entraram em colapso e o risco de fome persiste”, observa.

O cerco total imposto ao norte de Gaza será, na próxima fase, imposto ao sul de Gaza. Morte incremental. E a principal arma, tal como no Norte, será a fome. 

O Egipto e os outros Estados árabes recusaram-se a considerar a possibilidade de aceitar refugiados palestinianos. Mas Israel aposta na criação de um desastre humanitário de proporções tão catastróficas que estes países, ou outros países, cederão para poderem despovoar Gaza e voltarem a sua atenção para a limpeza étnica da Cisjordânia. Esse é o plano, embora ninguém, incluindo Israel, saiba se vai funcionar.

O Ministro das Finanças israelita, Bezalel Smotrich, queixou -se abertamente em Agosto de que a pressão internacional está a impedir que Israel deixe os palestinianos passar fome, “mesmo que isso possa ser justificado e moral, até que os nossos reféns sejam devolvidos”. 

O que está a acontecer em Gaza não é inédito. Os militares indonésios, apoiados pelos EUA, levaram a cabo uma campanha de um ano em 1965 para exterminar os acusados ​​de serem líderes comunistas, funcionários, membros do partido e simpatizantes. O banho de sangue – grande parte levado a cabo por esquadrões da morte e bandos paramilitares – dizimou o movimento sindical, juntamente com a classe intelectual e artística, os partidos da oposição, os dirigentes estudantis universitários, os jornalistas e a etnia chinesa. Um milhão de pessoas foram massacradas. Muitos dos corpos foram atirados para os rios, enterrados à pressa ou deixados a apodrecer nas bermas das estradas.

Esta campanha de assassinato em massa é hoje mitificada na Indonésia, tal como o será em Israel. É retratado como uma batalha épica contra as forças do mal, tal como Israel equipara os palestinianos aos nazis. 

Os assassinos na guerra indonésia contra o “comunismo” são aplaudidos em comícios políticos. São celebrizados por salvar o país. São entrevistados na televisão sobre as suas batalhas “heróicas”. A Juventude Pancasila, com três milhões de membros – o equivalente indonésio aos “camisas castanhas” ou à Juventude Hitleriana – em 1965, juntou-se ao caos genocida e é considerada os pilares da nação. 

O documentário de Joshua Oppenheimer, “The Act of Killing”, que demorou oito anos a ser produzido, expõe a psicologia negra de uma sociedade que se envolve em genocídio e venera os assassinos em massa. 

Somos tão depravados como os assassinos na Indonésia e em Israel. Mitologizamos o nosso genocídio dos nativos americanos, romantizando os nossos assassinos, pistoleiros, bandidos, milícias e unidades de cavalaria. Nós, tal como Israel, fetichizamos os militares.

Os nossos assassinatos em massa no Vietname, no Afeganistão e no Iraque – aquilo a que o sociólogo James William Gibson chama “guerra tecnológica” – definem o ataque de Israel a Gaza e ao Líbano. O Technowar está centrado no conceito de “exagero”. O exagero, com o seu número intencionalmente elevado de vítimas civis, justifica-se como uma forma eficaz de dissuasão.

Nós, tal como Israel, como Nick Turse salienta em “Kill Anything That Moves: The Real American War in Vietnam” mutilamos, abusamos, espancamos, torturamos, violamos, ferimos e matamos deliberadamente centenas de milhares de civis desarmados, incluindo crianças. 

Os massacres, escreve Turse, “foram o resultado inevitável de políticas deliberadas, ditadas aos mais altos níveis das forças armadas”. 

Muitos dos vietnamitas – tal como os palestinianos – que foram assassinados, relata Turse, foram inicialmente sujeitos a formas degradantes de abusos públicos. Quando foram detidos pela primeira vez, estavam, escreve Turse, “confinados em minúsculas ‘gaiolas para vacas’ de arame farpado e, por vezes, espetados com varas de bambu afiadas enquanto estavam dentro delas”. Outros detidos “foram colocados em grandes bidons cheios de água; os contentores foram então atingidos com muita força, o que causou ferimentos internos, mas não deixou cicatrizes.” Alguns foram “suspensos por cordas durante horas a fio ou pendurados de cabeça para baixo e espancados, uma prática chamada ‘viagem de avião’”. As plantas dos pés foram batidas. Os dedos foram desmembrados. Os detidos foram cortados com facas, “sufocados, queimados por cigarros ou espancados com bastões, mocas, paus, manguais de bambu, tacos de basebol e outros objetos. Muitos foram ameaçados de morte ou mesmo sujeitos a simulações de execuções.” Turse descobriu – novamente como Israel – que “os civis detidos e os guerrilheiros capturados eram frequentemente utilizados como detetores humanos de minas e morriam regularmente no processo”. E enquanto os soldados e os fuzileiros navais estavam envolvidos em actos diários de brutalidade e assassinato, a CIA “organizou, coordenou e pagou” um programa clandestino de assassinatos selectivos “de indivíduos específicos, sem qualquer tentativa de os capturar vivos ou qualquer pensamento de um julgamento legal”...” 

“Depois da guerra”, conclui Turse, “a maioria dos estudiosos descartou os relatos de crimes de guerra generalizados que se repetem nas publicações revolucionárias vietnamitas e na literatura anti-guerra americana como meramente propaganda. Poucos historiadores académicos pensaram sequer em citar tais fontes, e quase nenhum o fez de forma extensiva. Entretanto, My Lai passou a representar – e assim apagar – todas as outras atrocidades americanas. As estantes da Guerra do Vietname estão agora repletas de histórias gerais, estudos sóbrios de diplomacia e táticas militares e memórias de combate contadas a partir da perspetiva dos soldados. Enterrada em arquivos esquecidos do governo dos EUA, trancada nas memórias dos sobreviventes das atrocidades, a verdadeira guerra americana no Vietname praticamente desapareceu da consciência pública.”

Não há diferença entre nós e Israel. É por isso que não paramos o genocídio. Israel está a fazer exatamente o que faríamos em seu lugar. A sede de sangue de Israel é a nossa . Como noticiou a ProPublica , “Israel bloqueou deliberadamente a ajuda humanitária a Gaza, concluíram dois organismos governamentais. Antony Blinken rejeitou-os.” 

A lei norte-americana exige que o governo suspenda os envios de armas para países que impeçam a entrega de ajuda humanitária apoiada pelos EUA.

A amnésia histórica é uma parte vital das campanhas de extermínio quando terminam, pelo menos para os vencedores. Mas, para as vítimas, a memória do genocídio, juntamente com o desejo de retribuição, é uma vocação sagrada. Os vencidos reaparecem de formas que os assassinos genocidas não conseguem prever, alimentando novos conflitos e novas animosidades. A erradicação física de todos os palestinianos, a única forma de o genocídio funcionar, é uma impossibilidade, dado que só seis milhões de palestinianos vivem na diáspora. Mais de cinco milhões vivem em Gaza e na Cisjordânia.

O genocídio de Israel enfureceu 1,9 mil milhões de muçulmanos em todo o mundo, bem como a maior parte do Sul Global. Desacreditou e enfraqueceu os regimes corruptos e frágeis das ditaduras e monarquias no mundo árabe, onde vivem 456 milhões de muçulmanos, que colaboram com os EUA e Israel. Alimentou as fileiras da resistência palestiniana. E transformou Israel e os EUA em párias desprezados.

Israel e os EUA provavelmente vencerão esta ronda. Mas, em última análise, assinaram as suas próprias sentenças de morte. 

Fonte

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

O Che e a economia global

 

Remy Herrera

As pesquisas sobre o pensamento de Ernesto Che Guevara sobre a economia são numerosas, mas raras são as que abordam a sua dimensão em relação à economia global [1]. Com efeito, este aspecto é frequentemente negligenciado, relegado para segundo plano em comparação com as posições que expressou em relação à política internacional e, por isso, também mal compreendido – mesmo manipulado, ora para o opor artificialmente a Fidel Castro, ora para o voltar contra a URSS.

10 de outubro de 2018

Che não era um economista (com formação académica); foi talvez isto que lhe permitiu pensar por caminhos heterodoxos, questionar verdades estabelecidas na economia, aventurar-se em reflexões originais e corajosas da época. A realidade das suas responsabilidades na liderança da revolução cubana (comandante militar, chefe do Banco Central, Ministro da Indústria, etc.) obrigou-o a articular, nesta dimensão internacional, a dimensão nacional das questões estudadas. O seu pensamento sobre a política internacional não pode ser separado do que diz respeito à economia global.

Comecemos por um ponto crucial: Che apoia-se, no seu raciocínio, no aparato teórico-prático do Marxismo-Leninismo. Era, quer se queira quer não, um comunista. Mas, desde muito cedo, mostrou uma certa preocupação com a inadequação do socialismo realmente existente para desenvolver os seus próprios mecanismos económicos para fortalecer a sua posição na competição que lhe é imposta pelo sistema capitalista, dominante à escala global. Certa vez, disse: “Pertenço, através da minha formação ideológica, ao campo daqueles que pensam que a solução para os problemas do mundo está por detrás da Cortina de Ferro”. Mas não hesitou em criticar o uso acrítico das relações de mercado e monetárias no quadro das reformas implementadas na URSS na década de 1960 – como também fez Fidel, por exemplo, no seu discurso por ocasião do 6º aniversário da Revolução Cubana (1965). . É nesta perspectiva que devemos interpretar os apelos lançados por Che aos países socialistas para que apoiem os países do Terceiro Mundo e formem juntos uma frente comum, a fim de modificar o equilíbrio global de forças em favor do bloco progressista, em particular, para proporcionar aos países que alcançaram a independência os meios para terem um escudo protector contra a agressividade do imperialismo.

É claro que Che saudou a divisão no sistema mundial – e o enfraquecimento das posições capitalistas – após a independência política dos países do Terceiro Mundo; mas também mostrou preocupação com as grandes dificuldades destes países em consolidar a sua independência política, uma vez que a dependência económica das suas antigas potências coloniais permaneceu tão significativa. No seu discurso em Argel, em Fevereiro de 1965, proferido durante o 2º Seminário Económico Afro-Asiático, Che declarou: "Cada vez que um país se liberta, é uma derrota para o sistema imperialista mundial, mas o facto de conseguir romper com isso Este sistema não pode ser considerado uma vitória pela simples proclamação da independência, ou mesmo o triunfo de uma revolução pelas armas: só há vitória quando a dominação imperialista deixa de existir sobre um povo.

Compreender isto requer interagir as dimensões nacional e internacional, porque a base nacional dos países em questão é o subdesenvolvimento. Che define-o assim: “Um anão com uma cabeça enorme e um peito estreito é “subdesenvolvido” no sentido em que as suas pernas fracas e os seus braços curtos não são proporcionais ao resto da sua anatomia. O subdesenvolvimento é o produto de um fenómeno teratológico [isto é, relativo à ciência das anomalias da organização anatómica, congénita e hereditária dos seres vivos... Che também foi médico!] que distorceu o seu desenvolvimento. É isto que somos, nós que somos tão delicadamente descritos como “subdesenvolvidos”: países coloniais, semicoloniais e dependentes; países cujas economias foram distorcidas pela acção imperial, que desenvolveram de forma anormal ramos industriais e agrícolas, para além da sua própria economia imperial complexa. O subdesenvolvimento, ou desenvolvimento distorcido, envolve especializações perigosas no sector das matérias-primas, que mantêm o nosso povo sob a ameaça da fome. Nós, povos “subdesenvolvidos”, somos também os países da monocultura, da monoprodução, do monomercado.”

Portanto, o Che não caracteriza apenas a realidade socioeconómica dos países do Terceiro Mundo na sua componente interna; explica ainda os factores que condicionam esta situação a nível internacional, na sua componente externa. Estes países estão distorcidos, diz, porque são explorados. É um contributo teórico, em comparação com o corpus da economia do desenvolvimento dos anos 50. Mas é também, num certo sentido, um avanço em comparação com o próprio Marx, na medida em que, durante muito tempo, Marx e Engels acreditaram que o. a expansão global irremediável do sistema capitalista conduziria à homogeneização do mundo, à generalização nesta escala da oposição das classes burguesas/proletárias, ou seja, ao antagonismo fundamental. Mesmo que Marx e Engels, em certos casos, tentassem articular a exploração de classe e a dominação de nação para nação. Ao insistir nesta dominação internacional, Che é, pois, neste sentido, muito leninista.

De acordo com a definição de subdesenvolvimento que propõe, as economias do Terceiro Mundo não estão apenas distorcidas – porque então poderiam ser encontradas várias soluções. O que é mais grave é que estas economias são dependentes e que o seu domínio externo determina a reprodução das condições que geram e explicam o subdesenvolvimento. Na verdade, este subdesenvolvimento não é mais do que a forma distorcida que o desenvolvimento assume no Sul nos países capitalistas do Norte. A natureza do sistema capitalista é, portanto, contraditória: este sistema produz no mesmo movimento desenvolvimento num pólo e subdesenvolvimento no outro pólo. Para Che, é por isso necessário insistir na necessidade de independência económica dos países do Sul como forma de evitar a sua recolonização económica ou neo-colonização pelo Norte.

Mas devemos compreender os mecanismos específicos do neocolonialismo, que reconhece a independência dos Estados formais que permanecem dependentes. Numa conferência realizada a 20 de Março de 1960 para a "Universidade Popular" em Cuba, Che disse: "Os conceitos de soberania política e nacional permanecem ficções se a independência económica também não ocorrer." Percebeu a grande importância do contributo dos países socialistas para o esforço dos países do Terceiro Mundo para alcançar esta independência económica. É isto que o leva a dizer: “O desenvolvimento dos países subdesenvolvidos deve custar aos países socialistas…”. Esta citação é frequentemente citada, mas truncada e sobretudo desviada com o intuito de apresentar um Che contrário aos países socialistas da época, hostil à URSS. Na verdade, insiste, logo a seguir, na responsabilidade que recai também sobre os países do Terceiro Mundo de alcançar a independência económica e contribuir para a consolidação das forças revolucionárias, acrescentando: "... mas estes países subdesenvolvidos devem também mobilizar-se e comprometer-se resolutamente no caminho da construção de uma nova sociedade. Não podemos ganhar a confiança dos países socialistas tentando encontrar um equilíbrio entre o capitalismo e o socialismo, para usar estas duas forças como contrapesos entre si para obter algumas vantagens da sua concorrência.” Isto é tão claro como o início da citação – mesmo que esta clareza perturbe alguns…

Analisa também os instrumentos utilizados pelo imperialismo para subjugar e explorar estes países do Terceiro Mundo e sublinha o papel dos investimentos estrangeiros na tomada de controlo dos recursos naturais do Sul, ou o papel das trocas desiguais no comércio mundial. Pode ser considerado um precursor das ideias terceiro-mundistas de defesa da soberania do Sul sobre as suas actividades económicas - uma reivindicação que posteriormente se generalizou, na década de 1970. Também enfatiza o problema da dívida externa, no início da década de 1960, antecipando . Esta é mais uma contribuição do Che.

Durante a primeira reunião da UNCTAD, em 1964, em Genebra, denunciou os princípios – fictícios segundo ele – da igualdade formal entre os países, da reciprocidade nas relações comerciais, bem como a injustiça da ordem económica mundial, incluindo exigiu a transformação. Propôs estabelecer uma ligação entre os preços das matérias-primas e os pagamentos de dividendos e juros que antecipava a ideia de indexar os preços das matérias-primas aos dos produtos manufacturados, que a UNCTAD iria promover em breve.

A chave do raciocínio de Ernesto Guevara é a identificação entre a luta contra o subdesenvolvimento, a luta contra o imperialismo e a luta contra a ordem mundial tal como ela é. Segundo ele, a superação do subdesenvolvimento não pode ser separada do anti-imperialismo, porque o imperialismo é o obstáculo que reproduz a dependência do Sul. Mas, ao mesmo tempo, não podemos lutar contra o imperialismo sem quebrar, concretamente, os instrumentos de exercício do seu poder. É por isso que defendeu uma “nova ordem mundial” e – para conseguir esta transformação – a favor de uma unidade do Terceiro Mundo. Em Argel, em 1965, declarou: “Se o inimigo imperialista, americano ou qualquer outro, continuar a sua acção contra as nações subdesenvolvidas e os países socialistas, uma lógica elementar dita a necessidade da aliança dos povos subdesenvolvidos e dos países socialistas. E assim, “se não houvesse outro factor unificador, o inimigo comum teria de ser um só”.

Cheguemos agora a um ponto sensível, que deve ser abordado para esclarecer um mal-entendido. A importância que Che deu às relações Norte-Sul levou alguns comentadores a leituras erradas do seu pensamento; como quando se sugeriu que, segundo ele, a verdadeira contradição não estaria entre o capitalismo e o socialismo, mas entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos. Deve compreender-se que, embora Che tenha repetidamente enfatizado o papel determinante das relações Norte-Sul, não eliminou o papel das relações de classe. Eu disse: o Che era comunista, marxista-leninista. Todos os seus escritos e discursos tendem para o objectivo do advento do socialismo mundial. Nisso é muito marxista. Porque é difícil, senão impossível, apreender o pensamento de Marx, político mas também teórico, sem o ligar sistematicamente a esta convicção da vitória global do socialismo.

Mas Che fez com que os países socialistas enfrentassem a sua responsabilidade. Estava consciente da necessidade de consolidar as posições do socialismo mundial e criticou as ações que corriam o risco de excluir os países subdesenvolvidos do socialismo. Falou mesmo de intercâmbio desigual entre os países socialistas e o Terceiro Mundo, assim: "Se estabelecermos este tipo de relação [de intercâmbio desigual] entre estes dois conjuntos de países, teremos de concordar que os países socialistas são, de uma forma em de alguma forma, cúmplice da exploração imperial. Pode argumentar-se que o volume do comércio com os países subdesenvolvidos representa uma parte insignificante do comércio externo desses países. Isto é perfeitamente verdade, mas não elimina a natureza imoral da troca.” E para concluir: “Os países socialistas têm o dever moral de liquidar toda a cumplicidade com os países ocidentais exploradores”. Foi corajoso. Mas isso não faz de Che, longe disso, um inimigo da URSS. Porque isso não era a realidade. Che não foi mais complacente, nem menos crítico, para com os países do Terceiro Mundo, aos quais se dirigiu para que liquidassem nos seus solos os instrumentos para exercer o poder efectivo do imperialismo e que decidissem “empenhar-se resolutamente no caminho da construção” do socialismo. A tarefa histórica dos povos do Sul consiste, portanto, em eliminar as bases do imperialismo nos seus países, ou seja, todas as fontes de lucros, extracção de matérias-primas ou abertura de mercados.

Para Che, o inimigo é o imperialismo, considerado tanto como um sistema mundial – como diz na sua mensagem ao Tricontinental: “O imperialismo é um sistema mundial, a última etapa do capitalismo, que deve ser derrotado através de um grande confronto global”; e como um sistema dinâmico, adaptando-se às mudanças nas condições mundiais e utilizando ferramentas sempre inovadoras para atingir os seus objectivos de destruir os países do Sul – foi o que declarou na conferência da Organização dos Estados Americanos de 1961. Daí a sua estratégia revolucionária . : a luta popular deve ser multidimensional, global, longa, mobilizar todos os países explorados pelo imperialismo, ser implantada em todos os terrenos. O imperialismo, antes de mais nada americano, é o inimigo comum da humanidade e, face a ele, os países socialistas e os progressistas devem unir-se, quaisquer que sejam as suas diferenças ocasionais. Tais diferenças são uma fraqueza, mas sob os golpes do imperialismo a união prevalecerá.

Cinquenta anos se passaram desde a morte de Che. O mundo mudou enormemente desde então, mas a essência do seu pensamento sobre a economia global continua, creio, actual e relevante.

Remy Herrera - Investigador do CNRS, Centro de Economia da Sorbonne.

[1] Citemos aqui, além das Obras escogidas do próprio Che, publicadas pelas Ediciones Ciencias sociales (La Habana), as obras do grande economista cubano Silvio Baro, a quem este artigo muito deve, e ao qual é dedicado para ele.

Original

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Marcelo, Orçamento e polícias

 

Estamos a assistir a uma encenação sobre o Orçamento Geral do Estado para 2025, pior que as antigas telenovelas venezuelanas, quanto à sua ou não aprovação e sobre quem será o responsável pela realização de eventuais novas eleições legislativas antecipadas, caso o OE-2025 seja inviabilizado, porque irá ser castigado em número de votos – "o povo português não quer mais eleições", é o mantra. Fica-se com a sensação clara de que o busílis da questão não é sobre a natureza e o conteúdo concreto de tal documento, já que não é sequer do conhecimento público, mas se vai ou não acontecer outro acto eleitoral – a ânsia de uma maioria absoluta é indisfarçável pelos lados de S. Bento e de Belém, a favor dos partidos que presentemente desgovernam. Entretanto Marcelo intriga e o aparelho repressivo é aprimorado.

Marcelo, o conspirador

Marcelo já confessou que não se cansa de mover influências e exercer pressão para a aprovação do Orçamento de Estado. Tem que haver Orçamento a toda a força, e acredita que vai haver, e terá mesmo de haver, se não for com o PS será com o partido da extrema-direita. E ao contrário do que afirma, este contrato a ser realizado com a direita mais trauliteira e anti-democrática não será assim tão “violento”, visto que ficará tudo entre família.

Marcelo tem pressa que o caso se dê, ou o Orçamento que as elites indígenas desejam seja aprovado ou então que se vá para eleições o mais depressa possível, porque a partir do segundo semestre de 2025 não poderá dissolver o Parlamento, devido a eleições presidenciais em Janeiro de 2026. Se o Orçamento passar, então, há fortes condições para que o governo se aguente para além de 2026 e até possa chegar ao fim da legislatura. Mas o bom, bom, é que venha a ter maioria absoluta para actuar a seu bel prazer.

Marcelo faz boa parelha com Montenegro, reconheço-o publicamente, serão muito provavelmente irmãos gémeos: "temos estado juntos em tudo o que é fogos". Principalmente nos incêndios da intriga e da conspiração para afastar o PS do governo e aí colocar o partido que ainda se pode considerar o partido por excelência da burguesia nacional, que de “nacional”, diga-se em abono da verdade, pouco ou nada tem - «Mais de quatro dezenas de empresários, gestores e líderes associativos afirmam que a aprovação do Orçamento é "fundamental" para garantir estabilidade e previsibilidade para as empresas e economia» (da imprensa).

O bodo aos pobres do OE-2025

Todos os anos a farsa é sempre a mesma, discute-se muito o Orçamento, mais pela rama do que propriamente pelo conteúdo, tem de haver OE e jamais governação por duodécimos, a burguesia quer o seu quinhão da riqueza extorquida aos trabalhadores que a criam, incluindo a mais-valia, que é o lucro ou a renda. Antes de aprovação final, o documento terá sempre de passar pelo exame de Bruxelas a fim de se certificar que está conforme as regras; ou seja, que os gastos com os serviços públicos não são exagerados, que não há verbas disponíveis para o desenvolvimento soberano do país, que os salários são baixos e que os lucros, nomeadamente dos bancos, são os maiores possíveis – o povo “não pode viver acima das suas posses”.

O baixinho que quer substituir Marcelo em Belém é peremptório: “É uma injustiça se não tivermos Orçamento”. Todos, os do costume, querem ter a teta certa e farta: «O presidente da empresa ferroviária de mercadorias Medway considerou hoje que Portugal tem sido um "país esquizofrénico" sobre a ferrovia, pelo que espera do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) um "sinal claro de apoio" ao setor» (da imprensa). Armindo Monteiro (CIP) diz ser "lamentável que Portugal continue a crescer abaixo do seu potencial de crescimento" e culpa a carga fiscal pela falta de capacidade para atrair a relocalização de indústrias (da imprensa). Como se pode ver os apelos para que o Orçamento passe são muitos e veementes.

E Montenegro faz acrobacias para convencer que o “imposto jovem” (IRS e IMT), isto é, a redução do IRS para os jovens (até os 35 anos) é a medida milagrosa para fixar os jovens, licenciados e/ou filhos da classe média, no país evitando que emigrem. O incontornável FMI já veio dizer que é uma medida limitada e inútil e que irá agravar o défice das contas públicas. Mas o primeiro-ministro faz-se forte e apresenta-se como patriota ferrabrás, acusando o chefe do PS de “troikista” quando este lhe chama a atenção para o facto. Estes dois têm-se entretido a barafustar um com o outro na choldra da Assembleia da República como se encontrassem em lados opostos da barricada.

Entretanto Montenegro não perde tempo na angariação de apoios contando com as mais que possíveis, ou pelo menos bem desejadas, eleições antecipadas na primeira metade do ano que vem. Anunciou o aumento extraordinário de 3,5% das comparticipações do estado ao setor social, onde as misericórdias ocupam posição destacada, com efeitos retroativos a Janeiro, para “corrigir desequilíbrios” resultantes da inflação e para fazer “justiça pura e dura”. Para já, o apoio da ICAR será seguro e os votos dos católicos, dos mais militantes, estarão garantidos. A par dos votos de alguma classe média que beneficiará das mexidas dos escalões do IRS e do patronato que vai embolsando os fundos do PRR e seduzido pela promessa da baixa do IRC.

O reforço do aparelho policial

Em simultâneo com as promessas orçamentais e com a intriga para que se avance para eleições que permitam alcançar a maioria absoluta, o governo AD vai preparando o cacete, método de lidar com as massas trabalhadoras mais de sua predilecção e jeito do que a cenoura, esta mais ao gosto do PS. Nesse sentido se deu o rebuçado dos subsídios de risco aos polícias, que teve o condão de os calar, embora estes se manifestassem um pouco desiludidos, não deixarão contudo de responder com lealdade e prontidão se o governo os mandar reprimir quem se oponha à política do PSD/CDS-PP.

As polícias municipais irão poder fazer a detenção de cidadãos suspeitos, bastará ligeira alteração à Lei, neste momento a PGR está meditar no assunto. Não só Moedas, o inefável presidente da câmara de Lisboa, ficará satisfeito como também os presidentes dos municípios onde já existe este tipo de polícias, mais outros onde brevemente será instituída, ou onde já existindo não lhe tem sido permitido usar arma de fogo à cintura mas que a partir de Janeiro já poderá fazê-lo, como acontece em Coimbra. Aqui o presidente da câmara acaba de recrutar mais 14 polícias, que se juntam aos 50 já existentes, mas não foi capaz de recrutar uma dúzia e meia de motoristas para os autocarros dos SMTUC, alegando falta de candidatos – são prioridades.

Dois polícias municipais de Lisboa foram detidos por explorarem mulheres para a prostituição, é a notícia fresca de hoje. Poder-se-á argumentar que em todos os cestos há maçãs podres e que, extirpando-as, não contaminarão as restantes, será sempre uma afirmação algo duvidosa. A arrogância de quem se sente “autoridade”, e de arma no coldre, é uma constante em país onde persiste a mentalidade de “manda quem pode e obedece quem deve”, e casos como estes são mais frequentes em todas as polícias do que o desejado. Poder-se-á colocar a questão: deverão estes agentes serem criminalizados a redobrar, como foi aprovado quanto aos crimes contra estes mesmos polícias por algum cidadão menos disposto a ceder à arrogância e à arbitrariedade?

No seio da classe dominante a vontade de reforçar o aparelho repressivo, seja a nível policial seja a nível militar ou até judicial, é bem patente e de vez em quando sai cá para fora. A organização assaz inútil para o bem-estar do cidadão comum, SEDES, veio há pouco tempo propor a revisão constitucional no sentido de agilizar a declaração do estado de excepção, à semelhança e segundo a experiência aquando e a pretexto da pandemia da covid-19. O governo do PS/Costa fez a experiência, decretou mais vezes o estado de emergência e a requisição civil sobre os trabalhadores, do que Salazar. Para alguma coisa servem os governos do PS, o do Costa abriu as portas a que se institucionalize a prática, na altura foi a “Bem da Saúde”, a partir de agora será a “Bem da Nação”.

Esta organização também avança com a criação do Serviço Nacional de Cidadania entre seis meses a um ano para jovens, coisa a que o governo já se opôs, porque lá iriam os votos da maior parte dos jovens em idade de recrutamento, que será a antecâmara para a conscrição. A justificação, dada no Relatório da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, assenta no argumentário de um “mundo em mudança”, o que implica adaptar a lei para as Forças Armadas e de segurança. Mas para tal terá de haver consensos entre os partidos do poder, na medida em que se trata de mexer nas “liberdades e garantias, coisa que a SEDES reconhece como difícil no imediato, contudo fica a proposta. O general que apresentou publicamente a ideia é um conhecido oficial da NATO que se contorce na televisão a vaticinar a derrota irremediável da Rússia na guerra da Ucrânia. Apenas pelo rosto das figuras, sabe-se ao que vêm.

Esperam-se tempos de luta

Talvez por efeito dos euros dos subsídios de risco, a PSP manifestou publicamente (e porquê publicamente e à frente das câmaras de televisão?) a intenção de participar ao Ministério Público os “crimes” cometidos pelos bombeiros sapadores na manifestação recentemente ocorrida à frente da mui respeitável e vetusta Assembleia da República: ocupação da escadaria, duas manifestações que não foram autorizadas pela autoridade competente, lançamento de petardos e, alvitramos nós, algum apalpão indevido a algum agente. O oficial da PSP parece não se lembrar de manifestação também ilegal, conhecida por “Cerco ao Capitólio”, por também não autorizada, dos polícias em tempo do governo PS e cujo processo de inquérito foi arquivado pelo MP por “não ter conseguido identificar os promotores”. Esta gente parece que quer guerra e a subserviência tolda-lhe a visão.

E nesta questão de reforçar o aparelho policial – relembremos que em Portugal existem 450 polícias por 100 mil habitantes enquanto na União Europeia o número é de 300 – é transversal à maioria dos partidos do establishment: «A esquerda viabilizou moção do Chega por mais poderes para a Polícia Municipal de Lisboa – PS, Bloco e Livre abstiveram-se, apesar das críticas públicas ao anúncio de Moedas» (da imprensa). Parece que há certa sintonia: «Empresários e gestores ‘exigem’ aprovação do orçamento», uma guerra contra o povo trabalhador. A sintonia, ou a sinfonia, prossegue: os eurodeputados aprovaram que os países devem dispor de 0,25% do seu PIB (Portugal serão 628.450.000 euros, referência ao PIB de 2023) para apoio à guerra na Ucrânia; e os votos a favor vieram dos eurodeputados portugueses, todos da AD e do PS, com excepção de um, e da IL.

As elites querem a guerra, será porque sentem o fim próximo?