quarta-feira, 16 de abril de 2025

A Europa rearma-se: quem são os “senhores da guerra” e como enriqueceram

Poderá a indústria de armamento salvar o capitalismo da sua própria crise?

O rearmamento europeu, longe de garantir a segurança, tornou-se a mais recente bolha do capitalismo financeiro. Os fundos de investimento, as corporações militares e as elites políticas enriquecem enquanto o proletariado suporta os custos de um modelo baseado na destruição.

Por Jordi Ruiz

O colossal rearmamento da Europa não é simplesmente uma reacção militar a ameaças externas : é a evidência mais palpável de como o capitalismo financeiro, em plena crise estrutural, utiliza a guerra e os gastos militares como ferramentas de sobrevivência. 

Porquê? Como Rosa Luxemburgo, Michał Kalecki, Paul Baran e Paul Sweezy já haviam alertado no seu tempo, a guerra não é uma excepção dentro do sistema capitalista, mas a sua função essencial quando o capital privado já não pode garantir lucros crescentes por outros meios. 

Hoje, o que vemos na Europa é a implementação destas lições históricas: um capitalismo que, sem novas bolhas especulativas ou alternativas industriais sólidas, depende desesperadamente da indústria da destruição.

"A guerra funciona como uma válvula de escape para o capitalismo, enquanto as classes trabalhadoras pagam o preço".

A financeirização do conflito: o capitalismo em estado de guerra

A financeirização da economia não é um fenómeno novo, mas atingiu níveis sem precedentes nas últimas décadas. 

Grandes gestores de fundos como a BlackRock, a Vanguard e a State Street, que gerem dezenas de biliões de dólares, tornaram-se atores centrais no complexo militar-industrial global. Controlam participações significativas em gigantes da defesa, como a Lockheed Martin, a Boeing, a RTX e a Rheinmetall. Estes investimentos beneficiam directamente de cada euro e dólar que os governos desviam para o rearmamento.

Por exemplo, a Rheinmetall da Alemanha, fabricante do tanque Leopard, viu o preço das suas ações duplicar nos últimos meses graças aos planos de rearmamento da Alemanha e da UE. A Europa, que já ultrapassa as despesas militares da Rússia capitalista, prometeu injetar mais 800 mil milhões de euros na indústria de defesa, reforçando assim os lucros destes agentes financeiros.

Este fenómeno confirma que a actual corrida aos armamentos não é simplesmente uma questão de "segurança nacional". É uma operação financeira planeada que alimenta bolhas especulativas como a bolha tecnológica ou a bolha do subprime, e cujos benefícios são privatizados, enquanto as perdas — económicas e sociais — são suportadas por toda a sociedade.

"O rearmamento europeu é uma estratégia para salvar o capitalismo financeiro, não para proteger os cidadãos".

As ferramentas da persuasão: do medo à guerra psicológica

Para manter este fluxo constante de recursos para a indústria de guerra, as elites económicas e políticas dispõem de sofisticadas ferramentas de persuasão.

A primeira é a propaganda directa: os governos e os meios de comunicação social amplificam a percepção das ameaças externas (Rússia, China, Irão, BRICS), apresentando o rearmamento como uma necessidade inevitável. Assim, justificam os enormes gastos desviados de áreas como a saúde, a educação e a habitação para o aparelho militar.

A segunda ferramenta é o lobby. As grandes corporações de armamento investem milhões para influenciar decisões políticas que as beneficiam. Nos Estados Unidos, este lobby de guerra moldou a política externa durante décadas. Na Europa, a estratégia não é diferente: as empresas do sector estão a pressionar para garantir contratos multimilionários, enquanto os fundos de investimento estão a reforçar o seu poder nos conselhos de administração.

A terceira é a manipulação emocional: a indústria dos media alimenta uma narrativa de urgência e medo constantes. A narrativa do "inimigo às portas" torna-se a desculpa perfeita para manter a economia de guerra a funcionar. Como referem Baran e Sweezy, esta abordagem permite que o excedente económico seja absorvido sem que os gastos resultem em melhorias para a classe trabalhadora, mantendo a disciplina social e impedindo as massas de se organizarem.

Um círculo vicioso auto-reforçador

Este modelo económico baseado no militarismo não é sustentável, mas é altamente rentável a curto prazo ou para as elites financeiras. As crises internacionais tornam-se oportunidades para especular sobre as ações das empresas de armamento, cujos valores disparam assim que é anunciado um novo conflito ou um aumento do orçamento militar.

Ao mesmo tempo, este ciclo retroalimenta-se: o financiamento público impulsiona o crescimento destas empresas, que dedicam então parte dos seus lucros a reforçar a propaganda e o lobby, a garantir novos contratos e a perpetuar a espiral das despesas militares.

Como Michał Kalecki explicou em tempos, os capitalistas não procuram apenas lucros imediatos: procuram também estabilidade política e disciplina no local de trabalho. 

Gastar em armas cumpre perfeitamente este duplo objectivo. Por um lado, gera procura económica que mantém setores industriais inteiros ativos. Por outro lado, impede que os gastos públicos sejam direcionados para a satisfação das necessidades sociais.

"A guerra funciona como uma válvula de escape para o capitalismo, enquanto as classes trabalhadoras pagam o preço."

As consequências para os funcionários e para a sociedade no seu todo

Enquanto os senhores da guerra aumentam as suas fortunas, as consequências para a maioria da população são devastadoras. Os cortes nos serviços públicos, a precarização do emprego e a privatização de recursos essenciais são efeitos diretos deste modelo. Os estados endividados para financiar o rearmamento terão de cortar ainda mais nas despesas sociais, perpetuando a desigualdade e desmantelando o que resta do que antes se chamava "Estado de Bem-Estar Social".

Além disso, esta estratégia aprofunda a fragmentação política na Europa. As diferenças na capacidade dos Estados para assumir dívidas militares vão gerar novas tensões, favorecendo países economicamente mais fortes (como a Alemanha) e enfraquecendo ainda mais aqueles que já estão endividados (como a Itália ou a França). Este desequilíbrio abre caminho a um novo ciclo de dominação imperialista dentro do próprio continente.

A Europa do século XXI está a repetir, quase literalmente, a dinâmica que Rosa Luxemburgo, Kalecki, Baran e Sweezy identificaram no século passado. A financeirização do conflito, a manipulação ideológica e a mercantilização da guerra não são desvios do sistema, mas antes o próprio cerne do capitalismo financeiro contemporâneo.

A militarização não enriquece apenas uma minoria parasitária; serve também para consolidar uma ordem social profundamente desigual, na qual a guerra não é a excepção, mas a norma. 

Para quebrar este ciclo, os assalariados necessitarão de recuperar a sua capacidade de organização e resistência, desafiando não só a exploração económica, mas também a lógica destrutiva do capitalismo de guerra.

Imagem: Rearm Europe - Enrico Bertuccioli

Fonte

terça-feira, 8 de abril de 2025

Um novo 25 de Abril é possível por necessário

 

O grande capital norte-americano, representado pela administração Trump, entende que deve ter uma parte maior do que aquela que tem na distribuição do bolo da riqueza mundial e que a imposição de tarifas sobre as importações é a única forma de vencer a crise de recessão dos lucros em que se encontra mergulhado. E é com esta luta pela sobrevivência do capitalismo como pano de fundo que se deve compreender o que se passa no nosso país e as contradições que sobressaltam a doméstica burguesia, bem como as de toda a União Europeia.

As eleições de 18 de Maio vão realizar-se porque os partidos que representam os interesses de Bruxelas e das elites, cada vez menos nacionais, não conseguem entender-se quanto à forma de manter viva a fonte que os sustenta, a exploração dos que trabalham. É muito provável que que nem um governo de maioria absoluta PSD/CDS tenha essa capacidade e se tenha de passar para a musculação do actual regime, como se perspectiva com o lançamento do almirante acéfalo a Belém, que, por sua vez, irá pôr os partidos na devida ordem.

A oligarquia aposta em Montenegro e na AD

Pelas intervenções já conhecidas, ficamos a saber que a oligarquia aposta, para já, num governo de maioria absoluta AD, uma sigla que se mantem para enganar alguma classe média. Foi nesse sentido que se pronunciou a CEO do grupo Sonae, que viu na queda do governo de Montenegro a possível destruição de um rumo político que era do seu inteiro agrado. Não é por acaso que o seu órgão de propaganda, o jornal “Público”, se esforça em promover a coligação, bem como as televisões privadas, como a TVI/CNN (grupo Media Capital do oligarca Mário Ferreira), no topo da propaganda, talvez também por ser a que tem mais audiência.  Seguem-se de perto os restantes grupos privados, a CMTV/NOW (grupo Medialivre do oligarca Paulo Fernandes) e a SIC (do oligarca, senador do regime e sócio nº1 do PSD, Pinto Balsemão) em notório declínio e em falência económica. Os oligarcas limitam-se a defender os seus interesses e utilizam os meios ao seu alcance.

Parece que os partidos do establishment, os outros meios ao dispor da oligarquia, irão centrar o grosso do seu esforço de endrominar o cidadão eleitor nos debates dos serões televisivos, após os noticiários, porque se fosse a outra hora, muito provavelmente os candidatos ficariam a falar para o boneco. Eles já começaram, logo seguidos dos comentadores e paineleiros avençados que explicam aos portugueses ignaros o que na realidade os intervenientes querem dizer, embora o não tenham dito. Os propagandistas de serviço, qual deles o mais servil e zeloso, cortam e deturpam as falas dos candidatos que não são da cor, achincalham-nos, num exercício vil e despudorado, vale tudo. O que não deixa de ter como consequência a desqualificação das próprias eleições. Vamos lá ver como vão ser as abstenções.

Não é novidade para ninguém que os partidos do governo sempre estiveram em campanha eleitoral desde o dia 2 de Abril de 2024, quando tomaram posse como governo; ou melhor, nunca deixaram de estar em campanha com o objecto pouco dissimulado de virem a obter uma maioria absoluta que lhes permita impor ao povo português as medidas celeradas que o grande capital, com os bancos à cabeça, exige para debelar a crise, que prevê poder vir a ser violenta e prolongada. Essa é a exigência de uma CCP (Confederação do Comércio e Serviços de Portugal) que não quer perder o barco da exploração do trabalho, ao organizar uma “reflexão” sobre os efeitos do designado Relatório Draghi em Portugal, que mais não é que o programa do grande capital financeiro representado em Bruxelas, para a gestão não só da economia dos países da União Europeia como de todas as áreas da sociedade.

E quando o grande capital entra directamente na gestão da coisa pública, sem intermediários, então, isso significa que a democracia parlamentar faliu e será em breve substituída por um regime mais autoritário, independentemente da forma que possa vir a revestir. É também sinal de que a economia não vai assim tão bem, como o governo da AD e os seus propagandistas pintam. A crise é bem visível, a Alemanha, o motor industrial da Europa, está em pane há três anos consecutivos; e o CEO do maior fundo de investimentos do mundo, Larry Fink, foi claro: «a maioria dos CEOs acredita que os EUA já estão em recessão», se o dizem é porque é verdade. O que não quer dizer que a burguesia esteja em risco de falência imediato, pese todo o alarmismo relacionado com a queda das principais bolsas mundiais, incluindo o provinciano PSI (Portuguese Stock Index), cujas empresas irão distribuir pelos seus acionistas mais de 3 mil milhões de euros em dividendos este ano.  

O que está em causa é a continuidade dos lucros, o aumentar constante dos lucros, e nada disto está garantido. A classe dos capitalistas sente a insegurança e desconfiança quanto ao futuro, porque sabe que o seu poder vem da expropriação do trabalho alheio, embora para já não tenha razões de queixa: os 50 capitalistas mais ricos de Portugal possuem fortunas que somam cerca de 45 mil milhões de euros, ou seja, cerca de 17% do PIB português; no topo 10 as fortunas somadas chegam aos 24,2 mil milhões. As cinco famílias mais ricas são por ordem decrescente: herdeiras de Américo Amorim, Fernanda, Paula, Marta e Luísa, uma fortuna avaliada em cerca de 5.400 milhões; família Guimarães de Mello, cuja fortuna cresceu, este ano, para 3.329 milhões de euros; família Soares dos Santos que têm uma fortuna de 2.942 milhões de euros; Nuno, Paulo e Cláudia Azevedo contam com uma avaliação de 2.383 milhões de euros; família Alves Ribeiro, com uma fortuna de 1,770 milhões de euros. Esta gente aspira pelo fascismo caso necessário para salvar a riqueza.

As famílias dos trabalhadores estão mais pobres

Mas se uns estão bem, outros nem por isso. O endividamento das famílias dos trabalhadores portugueses cresce ao ritmo mais elevado dos últimos dois anos e meio, isto é, o nível de endividamento dos particulares contabiliza crescimentos homólogos constantes, e em Janeiro aumentou 4,2%, o valor mais elevado desde Junho de 2022 (da imprensa). A mão de obra nacional continua a ser baratinha: enquanto os custos médios horários da mão-de-obra na UE foram estimados em 33,5 euros, variando entre 10,6 euros na Bulgária e 55,2 euros no Luxemburgo, em 2024, em Portugal foram estimados em 18,2 euros/hora, os décimos mais baratos. Mas ainda não satisfeitos, os capitalistas nacionais querem pagar salários ainda mais baixos, daí defenderem a importação massiva de trabalhadores migrantes, de preferência ilegais, por mais vulneráveis e mais facilmente exploráveis. E o PS já se manifestou o seu acordo, concordando com o PSD em relação à imigração, defendendo a documentação como uma condição “indispensável”, num exercício de inteira hipocrisia já que este governo, à semelhança do anterior, tudo faz para que a legalização seja mera miragem. Não é por acidente que os serviços da AIMA não funcionam como os imigrantes reclamam.

Nas sondagens frequente e à la carte que são feitas quase diariamente para influenciar o sentido de voto, uma delas indicou que a Saúde, a Habitação e a Educação devem ser os temas prioritários na campanha eleitoral, e não a Segurança, ao contrário dos partidos da ordem caceteira, onde se incluem os partidos do governo. Quanto ao primeiro tema, estamos conversados, Montenegro e os seus capangas do PSD e CDS apostaram logo de início no rápido desmantelamento do SNS e na entrega do filet mignon (a parte mais lucrativa) aos diversos grupos privados, que fazem da doença e da desgraça alheia a sua principal fonte de rendimento e de existência. Enquanto o governo PS vai devagar e empata, o governo PSD/CDS vai rápido temendo que o mundo acabe antes da tarefa terminada. Nenhum destes partidos está interessado num Serviço (não “sistema”) Nacional de Saúde, por definição, universal, geral e gratuito e que só o Estado está em condições de garantir.

A área de obstetrícia e ginecologia está a ser privatizada sem disfarces, o mesmo acontece com os cuidados primários (não é coincidência que o número de pessoas sem médico de família subiu para as 1.593.802 no final de Março); meia dúzia de hospitais construídos com os dinheiros públicos são para a gestão privada; todos os novos hospitais são para ser construídos e geridos, como já o PS planeara, em regime de parceria público privada (PPP). O SNS continuará a pagar mal aos profissionais de saúde para que trabalhem no privado, mas por conta própria, e os que ainda se mantêm no público que acumulem também com o privado para ali fazerem o que não fazem no SNS, em clara intenção de sabotagem do SNS. Entretanto, as verbas gastas na Saúde aumentam de orçamento para orçamento mas para comprar serviços mais caros aos privados, num outsourcing onde administradores hospitalares e políticos do governo vão buscar grossas comissões, em despudorada e franca corrupção.

Quanto à Habitação, as propostas do PSD, CDS, PS e mais partidos da defesa do capital não se distinguem muito umas das outras. Resumem-se a: construir mais casas pelos privados, dar apoios às rendas e à aquisição de habitação por parte dos jovens, numa clara política de incentivo da especulação, quer nas rendas quer nos preço das habitações, com o resultado sobejamente conhecido: "Portugal tem o 3.º maior aumento  (11,6%) dos preços e casas na União Europeia, no quarto trimestre de 2024" (Eurostat). Se no país existem mais de 700 mil habitações devolutas, então, o Estado deve tomar conta delas, arrendando ou vendendo a preços controladas. Tomar posse administrativas das casas, no primeiro caso, ou expropriá-las, no segundo caso, se pertencentes a bancos, grandes grupos económicos ou a estrangeiros não residente em Portugal. A legislação actual permite estas medidas, bastando para tal invocar o interesse público; coisa que nunca deixa de ser feita quando é para extorquir o trabalhador ou o português mais pobre. Ou então, como aconteceu logo a seguir ao 25 de Abril, “O povo ocupa as casas!”.

O desempego e a luta dos trabalhadores irão disparar 

Não será preciso avançar por outros assuntos que atormentam a vida dos cidadãos portugueses comuns, ou seja, os que para viver precisam de trabalhar, para se perceber que estamos a assistir mais uma vez a um circo em torno das eleições do próximo dia 18 de Maio. Nenhum partido tem soluções, nomeadamente, para o desemprego, que se prevê galopante, porque nenhum deles quer pôr fim a esta economia capitalista, e os despedimentos irão disparar. O encerramento anunciado da Schmidt Light Metal, de Oliveira de Azeméis, com 500 trabalhadores em risco de perderem o emprego, é um forte sinal de que o exército de reserva engrossará rapidamente, e agora sem o escape da emigração, porque o resto da Europa é também atravessado pela crise do excesso de produção. Com a revolução 4.0, robótica e IA, cerca de 30% da mão-de-obra actual será rapidamente descartada e o desemprego será incontornável. Aos desempregados que já existem juntar-se-ão mais de 1,5 milhões de novos desempregados, uma realidade assustadora que obrigou o almirante vir botar faladura sobre o tema ainda há pouco.

É a crise económica que leva à guerra inter-imperialista, capitalismo é sempre sinónimo de guerra, nunca estivemos tão perto como agora de uma terceira guerra mundial, e os trabalhadores devem preparar-se para a guerra mas contra o capital. São os proletários, os desempregados, os portugueses mais pobres e todos os trabalhadores migrantes, a lutar contra os fascismos e os almirantes, que se prepararam para calcar o povo português a fim de salvar a oligarquia parasitária. Então, um novo 25 de Abril, sem cravos, é possível por necessário para derrubar a ordem estabelecida.