quarta-feira, 30 de abril de 2025

Os apagões do governo AD

Antes do apagão, ocorrido três dias após a data comemorativa da “Revolução dos Cravos” e que o governo quis adiar invocando a morte do Papa, já houvera um outro o apagão, o do capítulo do RASI (Relatório Anual de Segurança Interna), que alertava para o perigo de grupos de extrema-direita em Portugal. Apagão este que o governo primeiramente negou conhecer e, lá depois, reconsiderou que a decisão de excluir a análise feita pela PJ foi na sequência de reunião do Gabinete Coordenador de Segurança, onde estiveram as ministras mentirosas, Administração Interna e Justiça, e foi unânime, polícias, secretas e governo concordarem com o referido apagão. Em relação ao último apagão, ao de 28 de Abril, Montenegro também mentiu atribuindo a causa a factores externos (foi em Espanha!) e não à política de subserviência e de dependência em relação aos nuestros hermanos e a Bruxelas, como igualmente lavou as mãos quanto à responsabilidade pelo facto de os portugueses não terem sido informados em tempo útil sobre o que na realidade se estava a passar, permitindo, assim, o alarmismo, o pânico e o caos.

13 de Dezembro de 1991: a sexta-feira negra da EDP

O apagão eléctrico, para além das eventuais causas técnicas, que ainda são desconhecidas passadas que são mais de 48 horas, deve-se principalmente ao facto da rede eléctrica nacional estar a ser explorada por empresas privadas, de capital maioritariamente estrangeiro, por exemplo, a REN (25% State Grid do Governo da China, 12% Pontegadea Inversiones de Amancio Ortega, 7,7% fundo norte-americano Lazard Asset Management, 5,3% Fidelidade, 5% Red Eléctrica de Espanha, 11% mãos nacionais dispersas), ao interesse pelo lucro, pouco tempo antes a REN vendia ao desbarato electricidade a Espanha, para começar a comprar quando houve instabilidade na rede espanhola, o que fez com que disparasse o sistema de segurança da rede nacional, levando ao corte e ao apagão.

No final da manhã do dia 28 importava-se electricidade porque a produção nacional estava a 70% e as hidroelétricas estavam paradas, embora as albufeiras estivessem cheias, era mais barato e a REN e a E-REDES estavam a ganhar dinheiro. Os governos portugueses a partir do início da década de 90 do século passado abdicaram da soberania energética, ajoelhando-se às directivas de Bruxelas.

São conhecidos os contornos de privatização do desmembramento da EDP em áreas de produção e de distribuição, espalhadas por diversas empresas, que foram sucessivamente entregues a interesses privados, com um propósito: a maximização do lucro. O processo teve início no último governo de Cavaco Silva, passando pelos governos de Guterres e terminando no governo de Passos Coelho. Ambos os partidos do bloco central são responsáveis pelo desastre, e os homens são conhecidos: Nuno Ribeiro da Silva, Luís Filipe Pereira, Pina Moura e José Penedos.

O primeiro entregou a privados a concepção, construção, financiamento e operação da Central a Gás da Tapada do Outeiro e criou as condições para a venda da Central do Pego, mais tarde foi recompensado com o cargo de Presidente da Endesa Portugal, e agora, com este governo, foi nomeado Presidente da Comissão de Coordenação para a Baixa Tensão (CCBT). O segundo conduziu o desmembramento da EDP, através da criação de várias dezenas de empresas e a venda da Central do Pego. Pina Moura e José Penedos, respectivamente ministro e secretário de Estado do Governo de Guterres, consumaram a política de enfraquecimento da EDP, levando-a para investimentos no exterior, de rentabilidade duvidosa, provocando o seu endividamento.

Outro nome incontornável ligado à liquidação da EDP como motor da soberania energética nacional, Eduardo Catroga, no arranjo do ramalhete e da corrupção na privatização final pelo governo de Passos Coelho/Paulo Portas. Catroga vai para o Conselho de Administração da empresa, agora com capital maioritariamente do estado chinês, na função de abrir portas, meter acunhas, onde passou a arrecadar mais de 40 mil euros mensais, de pois de se ter reformado em 2007 com uma pensão de 9.693 euros mensais. Apesar de aposentado, continuou a ser presidente da empresa Sapec, administrador não-executivo da Nutrinveste e do Banco Finantia e membro do Conselho Geral e de Supervisão da EDP. Enquanto ministro das Finanças de Cavaco Silva esteve ligado à privatização da banca e da reconstituição do grupo económico de Champalimaud.

E para finalizar então o ramalhete, teremos de citar António Mexia, ex-gestor bancário e ex-ministro, nomeado Presidente Executivo da EDP em Março de 2006, onde se manteve até Julho de 2020, onde foi principescamente pago com muitos milhões de euros, tendo sido considerado o CEO melhor remunerado em Portugal, acabando por ser acusado de corrupção, após suspensão de funções pela justiça que o acusou de corrupção, branqueamento de capitais e arrecadar uma fortuna de mais de 6 milhões euros em off-shore. É o “Caso EDP/CMEC”, onde Ministério Público entende que o Estado sofreu um prejuízo superior a 840 milhões de euros e exige a “perda de bens dos arguidos e da EDP no mesmo montante”. Como se pode constatar a EDP foi liquidada por uma quadrilha que terá nadado na mais abjecta corrupção e compadrio. Poderemos afirmar que 13 de Dezembro de 1991 foi a sexta-feira negra da EDP.

O governo é o responsável político pelo apagão e pelo falhanço do SIRESP

O apagão levou ao caos, à desorientação de muitos portugueses que, desconhecendo o que se passava e já como que ensaiados pelos confinamentos impostos pelo governo PS/Costa, correram em massa aos supermercados onde encheram carros e carrinhos de compras com os mantimentos de primeira necessidade. Muitos comércio fechou ou ficou a meio gás, com excepção das grandes superfícies que puderam aumentar a facturação; os hospitais entraram em plano de emergência; os comboios e os aviões pararam; as comunicações móveis colapsaram, bem como o já famigerado SIRESP; o INEM não pôde atender em tempo útil todas as chamadas, felizmente não houve casos graves de não atendimento; muitos cidadãos correram às caixas de multibanco porque não tinham dinheiro na carteira; as pessoas foram para a rua e parques públicos.

E entrou-se na especulação quanto às causas e autores do apagão: ataque cibernético, foram os russos (na CNN, Francisco Rodrigues, presidente da OSCOT, atribuiu a autoria à “União Soviética” que poderia estar a testar a Europa!) ou “a guerra da Ucrânia já chegou”, como pensou a população da aldeia de Montaria, em Viana do Castelo. O país praticamente parou durante cerca de 12 horas. Foi o apagão da economia capitalista e do modo de vida de consumismo imposto por este modelo económico predador.

O apagão eléctrico acontece porque o governo falhou, o socorro falhou e falhou mais uma vez, já tinha falhado clamorosamente nos trágicos incêndios de Pedrogão Grande, o sistema que ficou ao erário público em 540 milhões de euros, o SIRESP (Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal), voltou a falhar no momento crítico: “Esta solução parece que não serve”, diz presidente da Liga dos Bombeiros, a “fiabilidade do SIRESP é muito baixa” e a rede de emergência não é “suficientemente robusta e resiliente para situações de gestão de crise” (“Público”). Mas já em 2005 a opinião era de que o sistema nunca iria funcionar correctamente, teria sempre falhas, bastava ver como todo o processo de aquisição tinha sido conduzido, no meio de toda a corrupção e compadrios.

Quando o governo PSD-CDS, liderado por Santana Lopes, estava em gestão, três dias depois das eleições legislativas de 2005, o ministro da Administração Interna, Daniel Sanches assinou o contrato, em parceria público-privado, com o consórcio de empresas (PT, Motorolla, Esegur, do Grupo Espírito Santo, e SLN), estando à frente da SLN o ex-ministro Dias Loureiro. Mais tarde o contrato foi renegociado, e não anulado como poderia ter acontecido, pelo então ministro António Costa, em 2006, em pleno funcionamento do governo de Sócrates/PS. O SIRESP é uma vigarice que lesou gravemente os cofres do estado e que envolveu ex-ministros e secretários de estado, Daniel Sanches, Figueiredo Lopes, António Costa, Oliveira e Costa e Dias Loureiro, e vários governos do PSD e do PS e vários primeiros ministros, António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates, ou seja, todo o bloco central de interesses e da corrupção (SIRESP, a história de uma parceria público-privada que custou mais do que parece merecer). Quase de certeza que esta gente toda ela enriqueceu.

Sessão solene

O apagão é antes do mais e acima de tudo uma questão política e não técnica

As questões são antes do mais políticas e não técnicas, são o resultado de opções governamentais que se subjugam a interesses de classe, e os interesses predominantes são sempre os negócios, a ânsia pelo lucro, o resto são fait divers, distrair a opinião pública da realidade dos factos. A aposta nas ditas “energias renováveis” corresponde ao interesse e necessidade de o grande capital financeiro virar-se para outras áreas de rentabilidade segura e para outras formas de consumismo. A “descarbonização do planeta” é acima de tudo a descarbonização do capitalismo, a sua revitalização, impedir que a taxa de lucro caia para zero, porque caso isso aconteça é a sua implosão. A crise não é climática, é, sobretudo e antes do mais, capitalista. Não é o planeta que está em risco, o que assusta o comodismo da classe média (pequena-burguesia) mas o sistema económico de mercado, onde tudo tem um valor de uso e de troca. 

O apagão reflecte a pressa em que se investiu na dita “energia verde”, confirmando-se agora o que alguém já vinha avisando desde há algum tempo, as fontes renováveis solares e eólicas não dão estabilidade ao sistema eléctrico, pela sua imprevisibilidade e insegurança, e nem servem sequer para a reinicialização do sistema, como também agora se comprovou. O encerramento das centrais termo-eléctricas do Pego e de Sines não passaram de crimes de lesa soberania, e os responsáveis políticos deveriam ser chamados à justiça. Outro crime é destruir a natureza, nomeadamente, a floresta autóctone que leva dezenas de anos a crescer: mais de mil sobreiros e mais de 40 mil carvalhos vão ser destruídos em Condeixa.

O apagão vem, por outro lado, apagar a realidade bem triste e pouco luminosa do povo deste país. A pobreza aumenta, com o a subida da dívida privada, empresas e cidadãos, em mais 2,3% em Fevereiro, para 457.379 milhões de euros; sendo a dívida total de 820.511 milhões de euros se incluirmos as administrações públicas, isto em termos homólogos, segundo dados do Banco de Portugal. “Mais de 60% das pessoas com deficiência acima dos 16 anos estavam em risco de pobreza em 2023 antes das transferências sociais, um risco que alastra às famílias e piora consoante a gravidade da deficiência”, revela o Relatório Pessoas com Deficiência em Portugal – Indicadores de Direitos Humanos 2024, que acrescenta: “Portugal tem desinvestido na proteção social das pessoas com deficiência” (DN). 

Também não é de interesse para o governo de Montenegro que se alardeie que os ricos estão cada vez mais ricos: “os conselhos de administração das principais instituições em Portugal ganharam cerca de 34 milhões de euros em 2024, mais 13% em comparação com o ano anterior” (ECO). Ou que os acionistas da EDP tenham aprovado a distribuição de 836,8 milhões em dividendos, segundo comunicado da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Seja qual for o preço que a EDP e as outras distribuidoras compram a electricidade, ela será sempre vendida pelo preço mais elevado ao consumidor e este continuará a pagar a factura mais cara da União Europeia. E quando a Galp anuncia que o lucro caiu 41% no primeiro trimestre do ano para 192 milhões de euros, esperem é por mais aumentos no preço dos combustíveis, logo passadas que sejam as eleições de 18 de Maio.

Montenegro e o governo aproveitaram o acontecimento do apagão para fazerem mais um pouco de propaganda, arvorando-se em salvadores da pátria, se não tivesse sido a acção governativa os portugueses ainda estariam em tenebrosa escuridão. Escamoteia que não houve qualquer aviso à população sobre o que na realidade estava a acontecer, que o falhanço das telecomunicações se deve à incúria e desprezo pelo povo português e, querendo botar figura, veio com a criação de uma “entidade técnica independente” para apurar responsabilidades e e tomar medidas preventivas e o pedido de “auditoria europeia aos sistemas eléctricos”, repisando que o “problema não tem a ver com a falta de capacidade de produção e distribuição em Portugal”. Não disse e nem diz que tem a ver com a ganância e com o lucro das empresas que gerem a rede. 

Os partidos da oposição aplaudiram a iniciativa governativa, o próprio chefe do PS apressou-se a declarar que se a REN fosse do estado o apagão aconteceria na mesma, o que é bastante elucidativo quanto às diferenças que separam estes dois figurões. Em Espanha, Pedro Sanchez garantiu que episódio apagativo “não vai passar sem apuramento de responsabilidades”. E Bruxelas, pela voz do comissário da Energia, vai auxiliar os países ibéricos na investigação e Espanha terá três meses para reportar a Bruxelas a causa do apagão. No entanto, ainda não se conhece a causa “específica” do incidente, nem saberemos se alguma vez será conhecida, os governos dos dois países e Bruxelas irão dar apagão a este assunto, os lóbis é que ditam as leis.

Apagão em vésperas do 1º de Maio, uma estranha coincidência

É curioso notar que este apagão aconteceu três dias depois da data de 25 de Abril e três dias antes do 1º de Maio, dia de LUTA INTERNACIONALISTA dos trabalhadores de todo o mundo. Razão para muitas teorias da conspiração, mas a verdade é que quem está sob ataque são os assalariados e outros trabalhadores, que são precisamente aqueles que mais sofrem na pele os ataques da classe dos exploradores e de todos os males do seu sistema económico. Não querendo entrar pelo campo da especulação conspirativa, reconhecemos, no entanto, que este apagão e os que venham aconteceram poderão ser um teste por parte do poder globalista sobre o cidadão. Atemorizar para controlar, e viu-se pelos menos parte da população na corrida desenfreada e irracional por comida e por dinheiro.

Provou-se que, sem as redes a funcionar, sem electricidade, o cidadão fica como que desorientado, fica isolado e desarmado, que a ausência de dinheiro físico o pode conduzir à penúria e à fome. A manipulação pela rede pode ser uma arma, por exemplo, para o controlo da natalidade e redução da população, que alguns teóricos do globalismo (o outro nome do imperialismo) consideram que deve diminuir dos actuais 8 mil milhões de indivíduos para pouco mais de mil milhões, porque, no seu entender, muitos dos problemas que a humanidade enfrenta são devidos ao excesso de população e à insuficiência de recursos, escondendo que o problema está no capitalismo e que matar a fome ou resolver problemas de habitação ou de saúde a toda a gente não dá lucro.

No 1º de Maio não é apenas a luta por melhores condições de vida que está presente, mas, fundamentalmente, a luta pelo fim do capitalismo, o principal e único fautor do desemprego, da miséria e da guerra, para mais quando estamos perante a iminência de uma terceira guerra mundial. Os trabalhadores, os povos e todos os explorados do mundo terão de dar o apagão ao capitalismo – por uma terra sem amos!

Consultas:

- 13 de Dezembro de 1991: a sexta-feira negra da EDP.

- António Mexia e João Manso Neto acusados de corrupção.

- SIRESP, a história de uma parceria público-privada que custou mais do que parece merecer.

terça-feira, 22 de abril de 2025

Francisco, linguagem líquida para dizer a mesma coisa de sempre

Armando B. Ginés

A sua aversão escatológica ao marxismo, a sua misoginia impenitente (classificando o feminismo como machismo de saias) e a sua duplicidade ética adaptável a cada molde histórico.

O comandante-chefe da multinacional cristã deu a sua master class em espanhol na primeira página do 'El País'. Através de um exercício de antijornalismo, o Bispo Bergoglio de Roma responde a perguntas amigáveis ​​para seu próprio proveito pessoal.

A entrevista omite as questões mais espinhosas, tanto históricas como actuais: o conluio do catolicismo oficial com a repressão sangrenta em apoio das ditaduras (nazismo e fascismo), a crise do regime capitalista, a recorrente pedofilia da Cúria, o aborto, os preservativos e a opressão sistémica de classe e de género na maior parte do mundo.

É claro que o Papa se considera um pecador e falível. Algo é algo. Caso contrário, as suas palavras são previsíveis, dentro da ordem estabelecida, com críticas superficiais, sem profundidade intelectual ou política. Na boca, sempre os pobres e marginalizados, clientela preferencial do cristianismo, mas sem abrir canais para uma melhoria substancial, mais justa e equitativa, nas relações de poder. O mesmo de sempre, sublimação da dor e do sofrimento para alcançar a verdade celeste eterna para além da quimera religiosa.

No entanto, no meio do lixo do texto, destacam-se três afirmações interessantes, surgindo casualmente como comentários ou glosas passageiras, e que sustentam a ideia de que nada muda verdadeiramente na igreja apostólica: a sua aversão escatológica ao marxismo (a besta mais diabólica de todas), a sua misoginia impenitente (classificando o feminismo como machismo de saia) e a sua duplicidade ética, adaptável a qualquer molde histórico (a crise alimenta o perigo de procurar um salvador).

O catolicismo vaticano quer ser a ética ou a moral por excelência, essa referência imutável que tem voz e voto pelas suas bolas santas (o seu machismo é inquestionável) urbi et orbi . A segunda faceta da sua missão é a sua dedicação aos pobres: pura retórica de assistência caritativa adornada com uma mensagem de propaganda que favorece um tímido progressismo de Francisco I, um esquerdismo estético de salão incentivado pelo império mediático transnacional, entre cujos pares o primeiro porta-voz em espanhol é ocupado pelo conglomerado Prisa.

Parece uma brincadeira ou um facto infundado o líder supremo do cristianismo dizer que o maior perigo decorrente da crise do sistema neoliberal é a procura de um salvador, quando é precisamente a hierarquia cristã que há mais de dois mil anos incentiva e propaga esta ideia: o encontro com um salvador quimérico e carismático (e, claro, de direita) à margem da dura realidade quotidiana. Esta ideia de messianismo está incorporada na cátedra do pontífice do Vaticano.

Através da oração e da submissão, os problemas sociais e políticos transformam-se em fumo. Este detrito emocional e ideológico anseia sempre por contactar com um líder de massas: Deus transfigurado no ícone papal, ou Trump, ou Hitler... O verdadeiro perigo está no fascismo, na desigualdade, na injustiça, no capitalismo feroz. No entanto, Bergoglio evita chamar as coisas pelos seus nomes, mantendo-se no nível superficial de um comentário que não consegue estabelecer ou investigar as causas da situação actual.

Usando eufemismos e clichés, nada à superfície sem se imergir e manchar por esta realidade que combate para a maior glória do establishment. Bergoglio afirma, com a falsa modéstia de um pastor populista, que o contacto direto com aquilo a que chama realidade concreta é mais apropriado: a ferida dos feridos, as lágrimas dos oprimidos e a angústia dos marginalizados. Tudo é uma finta maquiavélica e uma bela pose: aquilo a que o bispo romano chama concreto não é mais do que a consequência de um estado de coisas e de relações económicas injustas sob a hegemonia do capitalismo.

Bergoglio foge com medo e malícia premeditados das abstracções filosóficas porque pode acabar numa confusão na qual não se quer meter em circunstância alguma. E estas abstracções vão à raiz das causas, para lançar dúvidas sobre as verdades espúrias cunhadas pela ideologia neoliberal. O Papa detém o poder, mas deve-o ao papel do sacerdote redentor, que, ao tocar os pobres ou os marginalizados em particular, se vê a si próprio como o culminar absoluto e moral da humanidade, passada, presente e futura. E é aqui que o gesto termina: eliminando a capacidade crítica para que os pobres e os destituídos possam lutar conscientemente por uma sociedade mais justa e igualitária por conta própria.

Daí a sua relutância a tudo o que cheire, activa ou passivamente, a comunismo, socialismo ou radicalismo de esquerda. Não pronuncia tais termos, que são muito eloquentes, escondendo-se por detrás da palavra maldita do marxismo, o mal dos males, a doutrina demoníaca por excelência.

A sua ideologia anticomunista cheira a antiquado. Ele sabe bem, no seu coração pecaminoso, que esta análise marxista da realidade é o que tornou possível à classe operária tornar-se o sujeito do seu próprio desenvolvimento histórico. Que o marxismo no seu todo, para além das suas implicações políticas falhadas, expôs as falácias da dominação capitalista e como a exploração ocorre diariamente.

Com gentil crueldade chama desviantes aos teólogos da libertação. Sabe perfeitamente que as suas palavras são dirigidas a um público hispânico, a quem mostra a linha recta do cristianismo, cuja arma é o amor indiscriminado e sem limites pelos algozes e pelas vítimas e a emoção do êxtase místico. Os desviantes não amam adequadamente; a sua visão da realidade é muito científica: querem que o eu colectivo prevaleça sobre a ficção do individualismo sofredor. E desviantes são aqueles que conscientemente se desviam da norma: revolucionários, rebeldes, críticos, feministas, radicais da razão. Entende-se que com esta crítica condena também a pedagogia do oprimido de Paulo Freire e as suas diversas consequências, incluindo a tese de Ivan Illich sobre a sociedade desescolarizada. No cerne do seu pensamento está a crença subliminar de que qualquer desviante pode cair na categoria de terrorista, um flagelo que deve ser combatido desde as suas raízes intelectuais.

Desde Marx, mesmo com erros, sabemos que a história da humanidade no planeta tem causas que podem ser conhecidas e que os deuses são elaborações culturais para preencher os vazios existenciais de milhões de pessoas. A religião dá a impressão de ser composta por espíritos evanescentes e almas imateriais, mas os seus desígnios e proclamações não são mais do que material de pensamento incrustado numa realidade contraditória. Isto é, matéria, realidade. Tudo o que é racional é real e o racional é real, como dizia Hegel.

Tocar numa pessoa esfarrapada é uma sublimação da realidade, um momento que morre no instante em que ocorre, uma caridade vinda de cima, um dispositivo para salvar a ética de alguém que doa sem oferecer uma alternativa política à dor do doente. Os oprimidos permanecem oprimidos, enquanto os virtuosos podem elevar o seu ego à categoria de mártir ou santo. O segundo viaja para o céu, mas o primeiro persiste no seu ser miserável. Este é o caminho da salvação para o ilustre Bergoglio: que tudo mude na aparência para que nada mude na realidade. Ou seja, ser um apóstolo da falsa consciência.

O terceiro ponto de interesse centra-se na misoginia e no antifeminismo recalcitrante do papa argentino. Ela alerta-nos para outro perigo que paira sobre a face da Terra: uma tendência crescente de machismo nas saias, à medida que as mulheres estão a ganhar acesso a cargos de responsabilidade. Completa a sua visão da boa masculinidade tradicional deixando uma pérola inefável: uma posição estelar é reservada às mulheres, e ele deve ajustar-se ao seu desenvolvimento mundano, para ser a esposa de Jesus Cristo. Pegue! Isto não é nada, como exclamaria o castelhano!

Sabemos que o evangelho cristão é maleável desde tempos imemoriais, e ampliar a sua interpretação pode acomodar os paradoxos e oximoros mais ousados ​​​​e audaciosos de todas as lendas. Continuando que a mulher foi feita a partir da costela adâmica, logo a sua substância não é original como a do homem, agora o Papa actualiza a mensagem clássica deixando a mulher naquela posição secundária de ser a mão direita do poder: a esposa fiel e sensível do caçador activo do sustento diário, ou seja, o homem, o seu mentor para todos os efeitos.

O feminismo, portanto, também está dentro da esfera de ação preferida do papado. Uma mulher deve ser uma mulher, uma tautologia neoconservadora para encobrir a subordinação à ordem patriarcal. O que parece um desabafo, quando analisado com alguma reflexão, na visão ecuménica e moralizadora de Bergoglio permanece como uma subtileza semântica quase sem alcance, com pouco combustível dialético, mas na realidade representa um golpe eclesial à jesuíta para desqualificar as pretensões e conquistas das mulheres ao longo da história, reivindicando a família como Deus ordena como uma unidade indissolúvel para que os seus afetos mitiguem os duelos e as injustiças causadas pela luta social.

A homilia em espanhol não traz nada de novo ao panorama político. A igreja cristã parece mover-se, mas move-se sempre com a corrente. A sua linguagem é fluida e pós-moderna; é claro que leu Zygmunt Barman cuidadosamente e adaptou-o à nova mensagem católica, dizendo a mesma coisa de sempre usando palavras cibernéticas de ponta. No calor desta pós-modernidade líquida, o tom modifica-se, mas não a substância.

O cristianismo faz dos pobres objetos morais de um culto doentio. Por sua vez, o marxismo pretende apenas que os pobres (mulheres, trabalhadores, refugiados) sejam sujeitos do seu próprio destino. A diferença é óbvia, e Francisco é muito claro sobre a sua opção preferida e aquela que os seus seguidores devem seguir: resignar-se ao seu destino e ser o primeiro à direita de Deus Pai. Mais do mesmo com uma sintaxe diferente.

29/1/2017

FONTE

quarta-feira, 16 de abril de 2025

A Europa rearma-se: quem são os “senhores da guerra” e como enriqueceram

Poderá a indústria de armamento salvar o capitalismo da sua própria crise?

O rearmamento europeu, longe de garantir a segurança, tornou-se a mais recente bolha do capitalismo financeiro. Os fundos de investimento, as corporações militares e as elites políticas enriquecem enquanto o proletariado suporta os custos de um modelo baseado na destruição.

Por Jordi Ruiz

O colossal rearmamento da Europa não é simplesmente uma reacção militar a ameaças externas : é a evidência mais palpável de como o capitalismo financeiro, em plena crise estrutural, utiliza a guerra e os gastos militares como ferramentas de sobrevivência. 

Porquê? Como Rosa Luxemburgo, Michał Kalecki, Paul Baran e Paul Sweezy já haviam alertado no seu tempo, a guerra não é uma excepção dentro do sistema capitalista, mas a sua função essencial quando o capital privado já não pode garantir lucros crescentes por outros meios. 

Hoje, o que vemos na Europa é a implementação destas lições históricas: um capitalismo que, sem novas bolhas especulativas ou alternativas industriais sólidas, depende desesperadamente da indústria da destruição.

"A guerra funciona como uma válvula de escape para o capitalismo, enquanto as classes trabalhadoras pagam o preço".

A financeirização do conflito: o capitalismo em estado de guerra

A financeirização da economia não é um fenómeno novo, mas atingiu níveis sem precedentes nas últimas décadas. 

Grandes gestores de fundos como a BlackRock, a Vanguard e a State Street, que gerem dezenas de biliões de dólares, tornaram-se atores centrais no complexo militar-industrial global. Controlam participações significativas em gigantes da defesa, como a Lockheed Martin, a Boeing, a RTX e a Rheinmetall. Estes investimentos beneficiam directamente de cada euro e dólar que os governos desviam para o rearmamento.

Por exemplo, a Rheinmetall da Alemanha, fabricante do tanque Leopard, viu o preço das suas ações duplicar nos últimos meses graças aos planos de rearmamento da Alemanha e da UE. A Europa, que já ultrapassa as despesas militares da Rússia capitalista, prometeu injetar mais 800 mil milhões de euros na indústria de defesa, reforçando assim os lucros destes agentes financeiros.

Este fenómeno confirma que a actual corrida aos armamentos não é simplesmente uma questão de "segurança nacional". É uma operação financeira planeada que alimenta bolhas especulativas como a bolha tecnológica ou a bolha do subprime, e cujos benefícios são privatizados, enquanto as perdas — económicas e sociais — são suportadas por toda a sociedade.

"O rearmamento europeu é uma estratégia para salvar o capitalismo financeiro, não para proteger os cidadãos".

As ferramentas da persuasão: do medo à guerra psicológica

Para manter este fluxo constante de recursos para a indústria de guerra, as elites económicas e políticas dispõem de sofisticadas ferramentas de persuasão.

A primeira é a propaganda directa: os governos e os meios de comunicação social amplificam a percepção das ameaças externas (Rússia, China, Irão, BRICS), apresentando o rearmamento como uma necessidade inevitável. Assim, justificam os enormes gastos desviados de áreas como a saúde, a educação e a habitação para o aparelho militar.

A segunda ferramenta é o lobby. As grandes corporações de armamento investem milhões para influenciar decisões políticas que as beneficiam. Nos Estados Unidos, este lobby de guerra moldou a política externa durante décadas. Na Europa, a estratégia não é diferente: as empresas do sector estão a pressionar para garantir contratos multimilionários, enquanto os fundos de investimento estão a reforçar o seu poder nos conselhos de administração.

A terceira é a manipulação emocional: a indústria dos media alimenta uma narrativa de urgência e medo constantes. A narrativa do "inimigo às portas" torna-se a desculpa perfeita para manter a economia de guerra a funcionar. Como referem Baran e Sweezy, esta abordagem permite que o excedente económico seja absorvido sem que os gastos resultem em melhorias para a classe trabalhadora, mantendo a disciplina social e impedindo as massas de se organizarem.

Um círculo vicioso auto-reforçador

Este modelo económico baseado no militarismo não é sustentável, mas é altamente rentável a curto prazo ou para as elites financeiras. As crises internacionais tornam-se oportunidades para especular sobre as ações das empresas de armamento, cujos valores disparam assim que é anunciado um novo conflito ou um aumento do orçamento militar.

Ao mesmo tempo, este ciclo retroalimenta-se: o financiamento público impulsiona o crescimento destas empresas, que dedicam então parte dos seus lucros a reforçar a propaganda e o lobby, a garantir novos contratos e a perpetuar a espiral das despesas militares.

Como Michał Kalecki explicou em tempos, os capitalistas não procuram apenas lucros imediatos: procuram também estabilidade política e disciplina no local de trabalho. 

Gastar em armas cumpre perfeitamente este duplo objectivo. Por um lado, gera procura económica que mantém setores industriais inteiros ativos. Por outro lado, impede que os gastos públicos sejam direcionados para a satisfação das necessidades sociais.

"A guerra funciona como uma válvula de escape para o capitalismo, enquanto as classes trabalhadoras pagam o preço."

As consequências para os funcionários e para a sociedade no seu todo

Enquanto os senhores da guerra aumentam as suas fortunas, as consequências para a maioria da população são devastadoras. Os cortes nos serviços públicos, a precarização do emprego e a privatização de recursos essenciais são efeitos diretos deste modelo. Os estados endividados para financiar o rearmamento terão de cortar ainda mais nas despesas sociais, perpetuando a desigualdade e desmantelando o que resta do que antes se chamava "Estado de Bem-Estar Social".

Além disso, esta estratégia aprofunda a fragmentação política na Europa. As diferenças na capacidade dos Estados para assumir dívidas militares vão gerar novas tensões, favorecendo países economicamente mais fortes (como a Alemanha) e enfraquecendo ainda mais aqueles que já estão endividados (como a Itália ou a França). Este desequilíbrio abre caminho a um novo ciclo de dominação imperialista dentro do próprio continente.

A Europa do século XXI está a repetir, quase literalmente, a dinâmica que Rosa Luxemburgo, Kalecki, Baran e Sweezy identificaram no século passado. A financeirização do conflito, a manipulação ideológica e a mercantilização da guerra não são desvios do sistema, mas antes o próprio cerne do capitalismo financeiro contemporâneo.

A militarização não enriquece apenas uma minoria parasitária; serve também para consolidar uma ordem social profundamente desigual, na qual a guerra não é a excepção, mas a norma. 

Para quebrar este ciclo, os assalariados necessitarão de recuperar a sua capacidade de organização e resistência, desafiando não só a exploração económica, mas também a lógica destrutiva do capitalismo de guerra.

Imagem: Rearm Europe - Enrico Bertuccioli

Fonte

terça-feira, 8 de abril de 2025

Um novo 25 de Abril é possível por necessário

 

O grande capital norte-americano, representado pela administração Trump, entende que deve ter uma parte maior do que aquela que tem na distribuição do bolo da riqueza mundial e que a imposição de tarifas sobre as importações é a única forma de vencer a crise de recessão dos lucros em que se encontra mergulhado. E é com esta luta pela sobrevivência do capitalismo como pano de fundo que se deve compreender o que se passa no nosso país e as contradições que sobressaltam a doméstica burguesia, bem como as de toda a União Europeia.

As eleições de 18 de Maio vão realizar-se porque os partidos que representam os interesses de Bruxelas e das elites, cada vez menos nacionais, não conseguem entender-se quanto à forma de manter viva a fonte que os sustenta, a exploração dos que trabalham. É muito provável que que nem um governo de maioria absoluta PSD/CDS tenha essa capacidade e se tenha de passar para a musculação do actual regime, como se perspectiva com o lançamento do almirante acéfalo a Belém, que, por sua vez, irá pôr os partidos na devida ordem.

A oligarquia aposta em Montenegro e na AD

Pelas intervenções já conhecidas, ficamos a saber que a oligarquia aposta, para já, num governo de maioria absoluta AD, uma sigla que se mantem para enganar alguma classe média. Foi nesse sentido que se pronunciou a CEO do grupo Sonae, que viu na queda do governo de Montenegro a possível destruição de um rumo político que era do seu inteiro agrado. Não é por acaso que o seu órgão de propaganda, o jornal “Público”, se esforça em promover a coligação, bem como as televisões privadas, como a TVI/CNN (grupo Media Capital do oligarca Mário Ferreira), no topo da propaganda, talvez também por ser a que tem mais audiência.  Seguem-se de perto os restantes grupos privados, a CMTV/NOW (grupo Medialivre do oligarca Paulo Fernandes) e a SIC (do oligarca, senador do regime e sócio nº1 do PSD, Pinto Balsemão) em notório declínio e em falência económica. Os oligarcas limitam-se a defender os seus interesses e utilizam os meios ao seu alcance.

Parece que os partidos do establishment, os outros meios ao dispor da oligarquia, irão centrar o grosso do seu esforço de endrominar o cidadão eleitor nos debates dos serões televisivos, após os noticiários, porque se fosse a outra hora, muito provavelmente os candidatos ficariam a falar para o boneco. Eles já começaram, logo seguidos dos comentadores e paineleiros avençados que explicam aos portugueses ignaros o que na realidade os intervenientes querem dizer, embora o não tenham dito. Os propagandistas de serviço, qual deles o mais servil e zeloso, cortam e deturpam as falas dos candidatos que não são da cor, achincalham-nos, num exercício vil e despudorado, vale tudo. O que não deixa de ter como consequência a desqualificação das próprias eleições. Vamos lá ver como vão ser as abstenções.

Não é novidade para ninguém que os partidos do governo sempre estiveram em campanha eleitoral desde o dia 2 de Abril de 2024, quando tomaram posse como governo; ou melhor, nunca deixaram de estar em campanha com o objecto pouco dissimulado de virem a obter uma maioria absoluta que lhes permita impor ao povo português as medidas celeradas que o grande capital, com os bancos à cabeça, exige para debelar a crise, que prevê poder vir a ser violenta e prolongada. Essa é a exigência de uma CCP (Confederação do Comércio e Serviços de Portugal) que não quer perder o barco da exploração do trabalho, ao organizar uma “reflexão” sobre os efeitos do designado Relatório Draghi em Portugal, que mais não é que o programa do grande capital financeiro representado em Bruxelas, para a gestão não só da economia dos países da União Europeia como de todas as áreas da sociedade.

E quando o grande capital entra directamente na gestão da coisa pública, sem intermediários, então, isso significa que a democracia parlamentar faliu e será em breve substituída por um regime mais autoritário, independentemente da forma que possa vir a revestir. É também sinal de que a economia não vai assim tão bem, como o governo da AD e os seus propagandistas pintam. A crise é bem visível, a Alemanha, o motor industrial da Europa, está em pane há três anos consecutivos; e o CEO do maior fundo de investimentos do mundo, Larry Fink, foi claro: «a maioria dos CEOs acredita que os EUA já estão em recessão», se o dizem é porque é verdade. O que não quer dizer que a burguesia esteja em risco de falência imediato, pese todo o alarmismo relacionado com a queda das principais bolsas mundiais, incluindo o provinciano PSI (Portuguese Stock Index), cujas empresas irão distribuir pelos seus acionistas mais de 3 mil milhões de euros em dividendos este ano.  

O que está em causa é a continuidade dos lucros, o aumentar constante dos lucros, e nada disto está garantido. A classe dos capitalistas sente a insegurança e desconfiança quanto ao futuro, porque sabe que o seu poder vem da expropriação do trabalho alheio, embora para já não tenha razões de queixa: os 50 capitalistas mais ricos de Portugal possuem fortunas que somam cerca de 45 mil milhões de euros, ou seja, cerca de 17% do PIB português; no topo 10 as fortunas somadas chegam aos 24,2 mil milhões. As cinco famílias mais ricas são por ordem decrescente: herdeiras de Américo Amorim, Fernanda, Paula, Marta e Luísa, uma fortuna avaliada em cerca de 5.400 milhões; família Guimarães de Mello, cuja fortuna cresceu, este ano, para 3.329 milhões de euros; família Soares dos Santos que têm uma fortuna de 2.942 milhões de euros; Nuno, Paulo e Cláudia Azevedo contam com uma avaliação de 2.383 milhões de euros; família Alves Ribeiro, com uma fortuna de 1,770 milhões de euros. Esta gente aspira pelo fascismo caso necessário para salvar a riqueza.

As famílias dos trabalhadores estão mais pobres

Mas se uns estão bem, outros nem por isso. O endividamento das famílias dos trabalhadores portugueses cresce ao ritmo mais elevado dos últimos dois anos e meio, isto é, o nível de endividamento dos particulares contabiliza crescimentos homólogos constantes, e em Janeiro aumentou 4,2%, o valor mais elevado desde Junho de 2022 (da imprensa). A mão de obra nacional continua a ser baratinha: enquanto os custos médios horários da mão-de-obra na UE foram estimados em 33,5 euros, variando entre 10,6 euros na Bulgária e 55,2 euros no Luxemburgo, em 2024, em Portugal foram estimados em 18,2 euros/hora, os décimos mais baratos. Mas ainda não satisfeitos, os capitalistas nacionais querem pagar salários ainda mais baixos, daí defenderem a importação massiva de trabalhadores migrantes, de preferência ilegais, por mais vulneráveis e mais facilmente exploráveis. E o PS já se manifestou o seu acordo, concordando com o PSD em relação à imigração, defendendo a documentação como uma condição “indispensável”, num exercício de inteira hipocrisia já que este governo, à semelhança do anterior, tudo faz para que a legalização seja mera miragem. Não é por acidente que os serviços da AIMA não funcionam como os imigrantes reclamam.

Nas sondagens frequente e à la carte que são feitas quase diariamente para influenciar o sentido de voto, uma delas indicou que a Saúde, a Habitação e a Educação devem ser os temas prioritários na campanha eleitoral, e não a Segurança, ao contrário dos partidos da ordem caceteira, onde se incluem os partidos do governo. Quanto ao primeiro tema, estamos conversados, Montenegro e os seus capangas do PSD e CDS apostaram logo de início no rápido desmantelamento do SNS e na entrega do filet mignon (a parte mais lucrativa) aos diversos grupos privados, que fazem da doença e da desgraça alheia a sua principal fonte de rendimento e de existência. Enquanto o governo PS vai devagar e empata, o governo PSD/CDS vai rápido temendo que o mundo acabe antes da tarefa terminada. Nenhum destes partidos está interessado num Serviço (não “sistema”) Nacional de Saúde, por definição, universal, geral e gratuito e que só o Estado está em condições de garantir.

A área de obstetrícia e ginecologia está a ser privatizada sem disfarces, o mesmo acontece com os cuidados primários (não é coincidência que o número de pessoas sem médico de família subiu para as 1.593.802 no final de Março); meia dúzia de hospitais construídos com os dinheiros públicos são para a gestão privada; todos os novos hospitais são para ser construídos e geridos, como já o PS planeara, em regime de parceria público privada (PPP). O SNS continuará a pagar mal aos profissionais de saúde para que trabalhem no privado, mas por conta própria, e os que ainda se mantêm no público que acumulem também com o privado para ali fazerem o que não fazem no SNS, em clara intenção de sabotagem do SNS. Entretanto, as verbas gastas na Saúde aumentam de orçamento para orçamento mas para comprar serviços mais caros aos privados, num outsourcing onde administradores hospitalares e políticos do governo vão buscar grossas comissões, em despudorada e franca corrupção.

Quanto à Habitação, as propostas do PSD, CDS, PS e mais partidos da defesa do capital não se distinguem muito umas das outras. Resumem-se a: construir mais casas pelos privados, dar apoios às rendas e à aquisição de habitação por parte dos jovens, numa clara política de incentivo da especulação, quer nas rendas quer nos preço das habitações, com o resultado sobejamente conhecido: "Portugal tem o 3.º maior aumento  (11,6%) dos preços e casas na União Europeia, no quarto trimestre de 2024" (Eurostat). Se no país existem mais de 700 mil habitações devolutas, então, o Estado deve tomar conta delas, arrendando ou vendendo a preços controladas. Tomar posse administrativas das casas, no primeiro caso, ou expropriá-las, no segundo caso, se pertencentes a bancos, grandes grupos económicos ou a estrangeiros não residente em Portugal. A legislação actual permite estas medidas, bastando para tal invocar o interesse público; coisa que nunca deixa de ser feita quando é para extorquir o trabalhador ou o português mais pobre. Ou então, como aconteceu logo a seguir ao 25 de Abril, “O povo ocupa as casas!”.

O desempego e a luta dos trabalhadores irão disparar 

Não será preciso avançar por outros assuntos que atormentam a vida dos cidadãos portugueses comuns, ou seja, os que para viver precisam de trabalhar, para se perceber que estamos a assistir mais uma vez a um circo em torno das eleições do próximo dia 18 de Maio. Nenhum partido tem soluções, nomeadamente, para o desemprego, que se prevê galopante, porque nenhum deles quer pôr fim a esta economia capitalista, e os despedimentos irão disparar. O encerramento anunciado da Schmidt Light Metal, de Oliveira de Azeméis, com 500 trabalhadores em risco de perderem o emprego, é um forte sinal de que o exército de reserva engrossará rapidamente, e agora sem o escape da emigração, porque o resto da Europa é também atravessado pela crise do excesso de produção. Com a revolução 4.0, robótica e IA, cerca de 30% da mão-de-obra actual será rapidamente descartada e o desemprego será incontornável. Aos desempregados que já existem juntar-se-ão mais de 1,5 milhões de novos desempregados, uma realidade assustadora que obrigou o almirante vir botar faladura sobre o tema ainda há pouco.

É a crise económica que leva à guerra inter-imperialista, capitalismo é sempre sinónimo de guerra, nunca estivemos tão perto como agora de uma terceira guerra mundial, e os trabalhadores devem preparar-se para a guerra mas contra o capital. São os proletários, os desempregados, os portugueses mais pobres e todos os trabalhadores migrantes, a lutar contra os fascismos e os almirantes, que se prepararam para calcar o povo português a fim de salvar a oligarquia parasitária. Então, um novo 25 de Abril, sem cravos, é possível por necessário para derrubar a ordem estabelecida.