Os três candidatos de “esquerda” tiveram menos votos, todos juntos (886.508), do que Sampaio da Nóvoa em 2016 (1.061.232), que era o candidato do campo democrático que se opunha a Marcelo
Como se esperava e vem sendo hábito, o inquilino do Palácio de Belém viu-se reconduzido no cargo. Vão ser cinco anos diferentes dos que passaram, o homem dos afectos e dos sorrisos vai finalmente mostrar o seu verdadeiro carácter e ao que realmente vem. A campanha, os apoios e os resultados mostram por si só que do ovo da serpente vai sair o Salvador da Pátria, o Bonaparte. Os assistentes e figurantes da encenação não passam de idiotas úteis, na dita “esquerda” e na extrema-direita; esta feita à medida do Bonaparte que agora até nem é de direita, mas do centro... e anti-fascista! Ou como se inicia um novo ciclo nesta democracia de opereta, que estará a finar-se para dar lugar a um presidencialismo, em versão democracia musculada ou fascismo em modo brando. Deve-se ter em conta que estas foram as primeiras eleições feitas numa situação de estado de excepção, a nova normalidade, isto é, com a democracia suspensa.
Pode-se especular e criar as imagens que se bem entender com os números, mas são factos e alguns podem ser realçados: Marcelo é eleito com mais votos do que em 2016; Ana Gomes, a candidata da democracia e patriótica, teve metade dos votos do candidato Sampaio da Nóvoa, e que aparece para obrigar uma segunda volta!; a candidata do BE teve pouco mais de um terço dos que votos de há cinco anos; o candidato do PCP teve um pouco menos, embora possa ufanar-se de ter obtido uma maior percentagem do que o correligionário, já que a abstenção aumentou; o candidato da extrema-direita, de quem o Bonaparte se diz o principal adversário, teve perto de meio milhão de votos, o que faz correr a tinta e gastar o paleio de jornalistas e outros que, antes, durante e depois da campanha, não fizeram outra coisa senão andar com o idiota ao colo ou a dar-lhe destaque por meras críticas inconsequentes e pelas quais muitas vezes ele se vitimou; o liberal é uma nota de rodapé do fascista; o Tiririca cá-da-terra teve menos votos do que há cinco anos, contudo, não deixando de cumprir o seu papel de idiota para empatar e confundir o pagode. Se o número de votos brancos e nulos diminuiu em pouco em relação a 2016, contudo houve mais cerca de meio milhão de eleitores que não votaram (4.261.209 contra 4.739.950, faltando apurar 3 consulados).
No geral, nada de novo nestas eleições de 2021 em relação às de 2016 quanto aos resultados, o regime vai-se replicando e as nossas elites, em união fraterna com Bruxelas, continuaram a apostar no cavalo que lhes pareceu ser o mais confiável. Excepto numa coisa, inventou-se um candidato de extrema-direita que teve, nas eleições e fora delas, um papel especifico. O “cigano”, que é mais cigano do que os ciganos, faz mesmo esse papel atribuído popularmente à etnia dos ciganos, o da diversão. Assim, Marcelo foi apresentado, e ele corroborou, que não é de direita, mas do centro, ou, como afirmou um jornal espanhol, um “conservador de esquerda”, ou o principal adversário do fascista. Foi ele quem terá derrotado a extrema direita: logo, Marcelo é um anti-fascista. O Ventas (como tem sido apelidado na blogoesfera para não lhe dar mais clicks e visibilidade) acabou por bem desempenhar o papel de espantalho do “vem-aí-o-fascismo!”, para que os incautos fossem a correr a votar no candidato certo. Será um pouco difícil distinguir em que pontos Ventas e Marcelo diferem no programa e rumo políticos para o país.
Se houve alguma pequena-burguesia que se refugiou no colo do inquilino de Belém (rendimento anual declarado do homem, sempre mais de 300 mil euros), tendo-lhe aumentado o escore de votos, houve outra que se lançou nos braços do “novo” fascismo, sector mais temeroso de tudo o que possa ameaçar a sua frágil segurança, desde a pandemia a revoluções; uma pequena-burguesia endemicamente cobarde e que se prosterna perante quem lhe parece mais forte ou lhe dá garantias no imediato. Razão pela qual o “cigano” teve melhor votação nos distritos do interior do país, o que, segundo alguns comentadores avençados, até será uma coisa excelente. A imprensa que o embala chega ao desplante de apontar que os seus melhores resultados foram “onde há menos camas e pessoal nos hospitais”, como porventura defendesse a melhoria e o alargamento do SNS e não a sua extinção.
Como já afirmáramos, os três candidatos da putativa “esquerda” fizeram o papel de flores de lapela da burguesia e, como na farsa terá de haver sempre figurantes ou actores menores para fazer brilhar a estrela da companhia, não deixaram de fazer igualmente o papel de idiotas úteis do regime. E, atendendo ao ridículo das figuras, teremos de reconhecer que não passaram de três estarolas, no entanto, uma imitação fraca e sem talento do famoso trio de cómicos americanos dos anos trinta-quarenta do século passado. A mais convencida auto-intitula-se de “patriótica” quando defende a União Europeia, seria para rir senão fosse triste, e se não teve menos votos que o Ventas deveu-se ao apoio do padrinho Pinto da Costa e dos adeptos do FCP, o que é ainda mais patético; e quem quis apresentá-la como “A candidata” que iria unir a esquerda ou o campo mais abrangente dos democratas não deve ter, nas melhores das hipóteses, noção do delírio.
Os resultados dos candidatos do BE e do PCP apenas confirmaram o que também já tínhamos dito, fixar eleitorado e dar prova de vida; falharam o primeiro ponto, o segundo (fim de vida) virá um dia destes, apesar do BE esperar ainda vir a ser governo. Em relação ao PCP, a situação é mais do que confrangedora, não há maneira de aprender e não vê que continuar a defender o governo PS e este regime de falsa democracia lhe apressa o fim, ou faz um dia destes a reunião para fechar as portas ou, como os congéneres europeus, muda de símbolo e de nome e até poderá fundir-se no BE, como fez o seu sucedâneo PCP(R)/UDP. Para estes dois, o negócio foi ruinoso já que não irão receber a subvenção estatal para pagar as despesas de campanha, que não foram tão pequenas como isso!, porque tiveram menos de 5% dos votos.
O possível desaparecimento do PCP e o acentuar social-democrata do BE não será nada de anormal, na medida em que iremos assistir a uma reconfiguração dos partidos em Portugal. Haverá partidos que irão juntar-se ou desaparecer, sabendo-se que muitos deles surgiram no quadro político criado pelo 25 de Abril. O PS, que foi criado na Alemanha com os dinheiros da Fundação social-democrata Friedrich Ebert, está mais do que dividido, metade é o partido de Marcelo, a outra terá que seguir outro rumo. No PSD, a divisão já se efectuou, ficou a parte dita “social-democrata” e saiu a extrema-direita, herdeira do fascismo e consubstanciada no Chaga. O CDS está somente à espera do jantar de encerramento. E não estará longe o dia em que o Bonaparte Marcelo irá anunciar a criação formal do seu partido.
Como de igual modo tínhamos apontado, o medo da abstenção como razão principal pela prorrogação do estado de emergência de molde a abranger a data das eleições – chegou-se a temer que a abstenção pudesse atingir os 70%! – a fim de reter as pessoas em casa e, desse modo, pudessem votar mais facilmente. Caso essa temível percentagem de abstenção pudesse acontecer, também serviria de hábil desculpa, porque então teria sido o medo de contágio a impedir o povo de votar. Como a abstenção não foi a que se temia e o inquilino que já tinha antecipadamente garantida a reeleição, como tem acontecido sempre com os seus antecessores, teve mais votos do que há cinco anos, mais fácil se tornou a manobra de o apresentar como o Salvador da Pátria. O facto de ter sido a maior abstenção de sempre em eleições presidenciais foi apagado e substituído pelo outro da “Esquerda” que “perdeu mais de um milhão de votos” e “o que terá acontecido?” Quanto muito estar-se-á a assistir a uma clarificação dos campos na luta de classes, em que uma falsa esquerda estará a apagar-se. O que poderá ser uma coisa boa.
E os encómios não se fizeram esperar: “Portugal desafia a pandemia e reelege Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente”, lembremo-nos que o homenzinho declarara que se candidatava porque havia a pandemia, presumindo-se que caso o não fizesse seria uma cobardia; “Marcelo liderou onde há mais casos covid-19 e maior área ardida”, é a esperança do povo para a cura da doença e para a regeneração florestal do país!; “Marcelo quer unir" e “venceu em todos os 308 concelhos do país”, será o chefe da “união nacional” de todos os portugueses de bem, em colaboração com Costa que também já tinha afirmado no Parlamento que os “ empresários e os trabalhadores devem de dar as mãos”; “Marcelo... declarou-se 'profundamente honrado' pela confiança manifestada pelos portugueses em condições tão difíceis, lembrando no início do seu discurso os mortos com covid-19”, um homem profundamente humano, só que se esqueceu de defender o SNS, porque caso o tivesse feito de certeza que não teria morrido tantos portugueses; e, para completar o retrato, é o próprio que afirma no discurso de vitória: “Tenho a exacta consciência que a confiança agora renovada é tudo menos um cheque em branco” e tem “de continuar a ser um Presidente de todos e de cada um dos portugueses (apesar de ter sido eleito por somente de 23,48% dos eleitores)". O retrato está feito, criou-se o mito.
E a figura deixa o recado bem explícito no seu discurso: os portugueses "não querem um pandemia infindável, uma crise sem fim à vista, um recuo em comparação com outros países, uma radicalização e um extremismo nas pessoas nas atitudes na vida social e política", mas sim "uma pandemia dominada o mais rápido possível, uma recuperação do emprego". Isto quer dizer, trocando por miúdos, que o governo ou resolve o problema da pandemia no sentido da recuperação da falida economia nacional ou vai levar o pontapé no rabo quanto antes e sem apelo nem agravo.
O governo PS está a prazo, mais curto do que o do mandato previsto, final de 2023. Costa na sua maleabilidade gelatinosa e oportunismo político não viu, ou não quis ver, que ao apoiar Marcelo assinou o seu despedimento antes do tempo – quase de certeza que em 2022 haverá novas eleições. Será talvez para continuar a tradição a que nos habituaram os os governos do PS em segundo mandato. A polémica que parece vir aí com os negócios do lítio poderá indiciar, e ninguém se admire!, que se venha a assistir, depois da saída de Costa do governo, a uma versão mais rasca do caso Sócrates, onde este é acusado de corrupção na facilitação dos negócios com o estado. E em substituição do governo PS virá um governo de toda a direita formal, desde a dita “democrática” à mais extremada e caceteira, um PSD/CDS/Chega/IL/e-mais-o-que-houver, pondo completamente a nu o verdadeiro “anti-fascismo” do Bonaparte. O regime apodrece, e rapidamente.
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