Parece que provocou algum alvoroço a notícia
de que um dos empresários nacionais, dos novos ricos surgidos depois do 25 de
Abril e no Portugal inundado por muitos milhões de euros dos fundos europeus,
irá receber, ao que dizem será para as suas empresas, cerca de 40 milhões de
euros, ou seja, 52% do total da dita recapitalização estratégica já aprovada,
76,7 milhões de euros. O motivo de alarme será também o facto de o indivíduo
estar a ser investigado por alegadamente ter usado offshores para fraude fiscal
de seis milhões de euros, embora o caso seja já antigo. Mas mal se começara a
falar no favorecimento, a Autoridade Tributária e Aduaneira, parecendo
adormecida, logo desperta e confirma que o indivíduo é “suspeito de fraude
qualificada e branqueamento de capitais”. Conhecendo-se a história de outros
oligarcas, emergentes à custa dos dinheiros públicos e fundos europeus, que
mais tarde são sempre pagos pelo povo e acrescidos dos devidos juros, onde está
então a admiração?
Uma elite que vive dos negócios com o
estado
Porque a história deste novo rico é igual à de
muitos outros, subiu na vida à custa de protecção dos partidos do regime quando
se encontram no governo, pôde explorar livremente os trabalhadores com salários
miseráveis e jornadas de trabalho prolongadas, e os bens que adquiriu foram-no
à custa invariavelmente da corrupção, e alguns políticos terão ficado
igualmente ricos, embora pouco menos. Em processo que envolve o oligarca e a ex-candidata
presidencial Ana Gomes, ouviu-se a acusação de que houve "alta
corrupção" quanto à venda do navio pelos estaleiros de Viana do Castelo
(ENVC), já em avançado estado de desmantelamento, ao mesmo empresário, e muito
abaixo do seu real valor, o que terá permitido que passado pouco tempo o
tivesses vendido por quase o dobro do preço (comprada por 9 milhões, vendida
por 17 milhões, tendo custado ao estado 40 milhões de euros!).
A fim de criar uma opinião pública que lhes
seja favorável estes oligarcas não hesitam em entrar na área dos media, assim
se explica que o agora “suspeito de fraude qualificada e branqueamento de
capitais” tenha adquirido 30% da TVI. Este caso, pelas principais
características bastante semelhantes, faz lembrar uma outra família de
emergentes, a de Belmiro de Azevedo, proprietária do grupo Sonae/Continente e
do jornal Público, ou até do oligarca Paulo Fernandes, dono do grupo
Cofina/Correio da Manhã e de várias celuloses e centrais de biomassa (Grupo
Altri). Mas há mais, dando bem a ideia de uma burguesia subsídio-dependente,
vivendo dos negócios com o estado, que então não é considerado “estado a mais”,
ou beneficiando de facilidades que outros cidadãos não usufruem, quer por parte
dos poderes públicos quer da banca; negócios sempre envoltos na mais pura e
despudorada corrupção.
As etapas ou características do
enriquecimento fácil
E, voltando à história do oligarca já falecido
fundador do grupo Sonae, esta dá bem a medida do processo de enriquecimento
destes novos ricos: primeiro, empréstimos “milagrosos” da banca para afastar a
família do antigo sócio; segundo, privatizações envoltas em corrupção, caso do BPA,
depois BCP; terceiro, engenharia financeira manhosa através de OPVs,
facilitadas pelos governos de Cavaco, coadjuvado pelo ministro das Finanças
Cadilhe e do secretário de estado Elias da Costa, que, talvez como recompensa,
passou mais tarde para o universo Sonae; quarto, exploração desenfreada dos
trabalhadores, ficando célebre a frase do patriarca “vale mais ter um salário
baixo do que estar no desemprego”; quinto, fazer negócios com estado português,
caso do Brasil; sexto, beneficiar em todas as operações em que se meteu de
elevados benefícios fiscais; sétimo, não pagar ou pagar pouco impostos no país
e deslocar a sede do grupo para a Holanda.
As virtudes do empresário português resumem-se
a corrupção, roubo, exploração dos trabalhadores e protecção política. Uma
banca facilitadora, que por vezes não parece acautelar os seus interesses (caso
Berardo, por exemplo), onde a corrupção funciona como óleo lubrificante, porque
sabe que o Estado é sempre o avalista; a mesma corrupção envolve as privatizações
com a troca de favores, sendo incontáveis os ex-políticos que foram aterrar em
conselhos de administração de bancos ou de empresas estrangeiras que
abocanharam as empresas públicas nacionais; ou as grandes obras do regime, com
os ex-ministros facilitadores a irem também para os conselhos das
administrações das empresas que enriqueceram, casos mais conhecidos: Ferreira
do Amaral e Jorge Coelho – pode-se perguntar para que empresas irão António
Costa e seu pupilo Pedro Nuno Santos quando se “reformarem” da política?
O surgimento e o engordar da nossa classe
empresarial, constantemente elogiada pelos media que ela própria possui, com
jornalistas vozes-do-dono prontos à bajulação, assentam na mais despudorada a
abjecta exploração dos trabalhadores, facilitada pela legislação continuamente
alterada no sentido da eficiência na extorsão da mais valia. Sempre sob o mando
e o controlo de Bruxelas e do FMI, que periodicamente por cá vai dando uns “conselhos”
aos governantes, provando que o FMI, e a troika em geral, afinal não se foi
embora.
O roubo sob o alto auspício do FMI e de
Bruxelas
Esta prestimosa instituição preocupa-se com os
ignaros governantes e com a própria plebe sobre o modo de bem gerir a riqueza
que aqui é produzida, mas sempre com o mesmo resultado final, apesar de às
vezes mudar ligeiramente o discurso quando os resultados anteriores são
demasiados desastrosos, ou seja, fazer enriquecer ainda mais os capitalistas e
empobrecer de forma irreversível os trabalhadores. Desta vez, o FMI quer
mexidas no sistema de pensões, que devem ser ainda mais baixas e, embora não o
diga abertamente, privatizar um dia destes todo o sistema de segurança social,
como a vizinha Espanha pretende já fazer, não deixando de evocar demagogicamente
a sua sustentabilidade. Ora, esta “sustentabilidade” mais não é do que manter e
fazer aumentar o bolo que, depois, será tragado pelos bancos e fundos de
investimento estrangeiros que já por aqui andam a rondar.
E o FMI vai ainda mais longe, quer controlo
orçamental, alegando preocupação com a dívida pública, não dizendo que esta
aumentou substancialmente devido à salvação da banca privada com os dinheiros
públicos por sua imposição, mas agora serve de justificação para não se
investir na parte social (saúde, educação, etc.), porque se trata de criar uma
economia “mais resiliente” e permitir o crescimento económico; o que seria até contraditório
se não se tratasse mais concretamente do crescimento da riqueza das empresas,
nomeadamente e mais propriamente dos grandes acionistas. A contenção dos
salários e a flexibilização do emprego fazem parte do pacote, daí o governo PS/Costa
ter aprovado sozinho as alterações ao Código do Trabalho, e não será com
certeza para fazer diminuir a precariedade ou o recurso ao segundo emprego por
parte de muitos trabalhadores, sendo Portugal um dos países que mais viu
crescer esta situação nos últimos tempos. A receita já é velha e relha, ricos
mais ricos, trabalhadores mais pobres; foi com a pandemia, será com a guerra; mas
a acumulação e concentração do capital acelera-se sempre nestes períodos,
está-lhe na natureza.
Os fundos serão sempre “bem” entregues
O FMI poderá ficar também descansado no que
toca às medidas financeiras e estruturais, e em relação às quais não se cansa
de avisar, porque o governo que temos tem como ponto de honra ser um bom aluno.
Quanto à sustentabilidade da banca que opera entre nós, o governo PS/Costa não olha
a meios, por exemplo, de ir continuamente injectando mais uns milhões no Novo
Banco que parece ser um poço sem fundo (talvez mais de 4 mil milhões de euros),
agora foram 155 milhões de euros (de um total de 346 milhões de euros) que
“desapareceram” só de três devedores, cujos bens o governo recusa expropriar a
fim de se ressarcir dos prejuízos, mostrando que o crime quando praticado pelos
grandes capitalistas compensa. Recentemente, a auditoria realizada pela Deloitte
detetou um desvio de 61 milhões de euros em processo de reavaliação de 23
imóveis, conta que também será paga pelo Zé contribuinte. Com a desculpa da
guerra da Ucrânia, Costa gaba-se de ter já gastado 1.682 milhões de euros para alegadamente
“conter” a inflação; mas que, na realidade, à semelhança do que acontecera com
a pandemia da covid-19, foi para financiar as empresas que não podem ver os
seus lucros a baixar, em vez de tabelar os preços dos bens de primeira
necessidade ou, caso houvesse açambarcamentos, intervir directamente na
distribuição ou até na produção.
E em relação às medidas estruturais,
concretamente quanto à distribuição dos dinheiros do PRR (Plano de Recuperação
e Resiliência), igualmente não haverá motivo de preocupação, o governo PS/Costa
está a dar bem conta do recado, como se comprova pelo caso, já relatado, do
financiamento das empresas, ou mais do próprio, do oligarca Mário Ferreira,
apesar das acusações já antigas de fuga ao fisco e branqueamento de capitais. O
instrumento, que foi reclamado insistentemente pela nossa (pouco) laboriosa e
(muito) imaginativa classe empresarial durante os últimos tempos, está a
mostrar-se eficaz, porque não só distribui os milhões pelos capitalistas certos
do regime como ele próprio fomenta e contém em si a corrupção: Banco de Fomento
entregou seis milhões de euros em ajustes directos. Mais detalhadamente: fez 73
contratos sem concurso em 23 meses; contrata serviços especializados, mas perde
pessoas da IFD; os serviços jurídicos custam 1,7 milhões de euros; e a consultora
Oliver Wyman foi a que mais facturou. Decididamente, uma criança precoce e
brilhante, com apenas 23 meses o “Banco Português de Fomento contratou
externamente serviços e bens no valor de 8,8 milhões de euros, dos quais seis
milhões foram entregues em 73 ajustes directos” – diz a imprensa.
Uma justiça de classe e ao serviço do
enriquecimento da elite
Uma outra via para o enriquecimento fácil e
rápido da prestimosa burguesia indígena emergente são os benefícios e perdões
fiscais; e quando é intimada a pagar o que deve ao fisco, há invariavelmente um
tribunal arbitral, constituído por advogados que litigam contra o estado e a
favor das empresas caloteiras, acabando, como é óbvio, por estas ganharem a
maioria das contendas: “Fisco só vence 23% dos processos no tribunal arbitral”
(da imprensa). Ou seja, a Autoridade Tributária (o Estado) perde a grande
maioria dos processos acima de 100 mil euros, que são julgados no Centro de
Arbitragem, e se a empresa designar o árbitro (juiz), aquela tem a certeza
quase absoluta de ganhar o processo, pela simples razão de que este esquema já
foi montado com esse objectivo, safar os grandes contribuintes (empresas,
capitalistas, especuladores, etc.) enquanto os pequenos pagam por eles todos.
Mas ainda mais perigoso, e que talvez tenha
passado despercebido aos olhos da maioria dos portugueses comuns, é o recente acórdão
do TC (Tribunal Constitucional) que abre a porta a processos de grandes
investidores contra o Estado, ao dar razão aos centros comerciais sobre o não
pagamento das rendas das pequenas lojas ali localizadas; durante a pandemia,
estiveram fechadas, mas agora terá de ser o estado a indemnizar os acionistas das
grandes superfícies que, pelos vistos, não podem ser prejudicados – ou como os
custos da pandemia não foram repartidos de igual maneira por todos os cidadãos.
Este acórdão, 468/2022, que vem reforçar “o direito de crédito”, é abertamente
a favor da ganância e do enriquecimento ilícito e é produzido por um tribunal,
no mínimo, inútil, para não dizer pernicioso, pelo facto de ser redundante, por
já existir um Supremo Tribunal de Justiça, e dos seus titulares serem de
nomeação política – ou como a justiça acaba por ser um instrumento para o enriquecimento
abusivo.
A revolução poderá estar ao virar da
esquina
O FMI – é sempre o FMI! – “aconselha” como “medidas
de resposta à subida acentuada dos preços da energia”, mas de “forma temporária”
por causa do défice das contas públicas, as estritamente necessárias para “mitigar
o impacto nas famílias vulneráveis”. A preocupação não será exactamente o possível
aprofundar das assimetrias e injustiças sociais, mas mais prevenir possíveis
revoltas populares, como está a ocorrer presentemente no Sri Lanka, com o povo
a derrubar na rua os principais responsáveis do estado e, empurrado pela sua
situação de miséria, chegou ao ponto de invadir as residências oficiais e
deitar-lhes o fogo. O grande capital financeiro, pela voz dos seus principais
representantes internacionais, teme que a imposição de mais medidas de
austeridade, embora revestidas pelo invólucro da “inevitabilidade”, falsamente
justificadas pela guerra ou pandemia, possam desencadear revoltas pelo mundo
fora e estas, por sua vez, desembocarem numa revolução a nível mundial. Por cá,
a maioria absoluta não irá proteger nem o Costa nem o PS e nem a nossa
supérflua, inútil e parasitária burguesia, caso o povo se revolte. Isso irá
acontecer inevitavelmente, nem que seja pela razão do 25 de Abril ter sido, do
ponto de vista do proletariado, uma revolução castrada ou uma falácia.
Imagem retirada do twitter de António Costa
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