sexta-feira, 11 de novembro de 2022

A revisão da Constituição e o cabo de esquadra Costa

A possibilidade de a Lei Fundamental do país ser revista mais uma vez, a oitava, foi levantada pelo partido da extrema-direita que tem assento na Assembleia da República, apesar de ainda não ter os estatutos legalizados, o que dá bem a ideia do tipo de estado de direito e democrático que temos, tendo sido de imediato seguido pelo principal partido da oposição, e finalmente pelo partido governamental que, e ao que aprece, não quer uma mas duas revisões. A imprensa corporativa afirma que “o governo quer mudar a Constituição para facilitar quarentenas e confinamentos”. Mas não só nem principalmente.

As 23 decisões do Tribunal Constitucional, a declararem inconstitucionais todas as medidas que foram adoptadas pelo Governo durante a pandemia, foram um nítido incómodo para o governo e para o Costa, que ainda se autodenomina “socialista”. Ora, chefiando um governo que beneficia de maioria absoluta na dita “casa da democracia”, fácil lhe é entortar o estado de molde a que seja de “direito” para as suas conveniências. E as suas conveniências são os interesses da classe dominante, que já está a assustar-se com o agravamento da crise económica, cujo fim o BCE não antevê para breve, bem pelo contrário, tal como a proliferação de greves e manifestações que estão a ocorrer por essas Europa fora. E, cá dentro, a paz social recém-conquistada pelo governo pode de um momento para o outro estalar rapidamente. É que estas coisas são contagiosas, mais do que a coivd-19.

Costa reagiu de forma intempestuosa, ameaçando com processo em tribunal, à notícia de que o ex-governador do Banco de Portugal Carlos Costa terá afirmado, em livro que só será publicado para a semana, ter sido pressionado pelo primeiro-ministro português para não retirar da direcção do BIC a filha do então presidente de Angola, visto que se tratava de um país amigo. A ameaça teve já o mérito de fazer publicidade ao livro e aguçar a curiosidade sobre o que lá estará escrito; Costa, mas o Carlos, começa a facturar ainda antes da publicação do livro. Quanto ao António, independentemente da veracidade da afirmação do banqueiro, mostra, por um lado, que reage mal quando a bajulação desaparece e, além do mais, sem ter sequer ter lido o livro e desconhecer o contexto das ditas palavras e dos factos. Estamos perante factos políticos, não se trata de assuntos pessoais, e será neste campo da política e dos factos que a questão deve ser dirimida. Estranhamos que Carlos Costa, sendo verdadeiro o que saiu agora na imprensa, faça este tipo de afirmação sem estar bem fundamentado e ciente do que está a dizer. Mas sem ser necessário ir buscar a repressão que Costa lançou sobre os trabalhadores, estivadores, motoristas e enfermeiros, com a requisição civil, só este facto confirma o aforismo popular: se queres ver um vilão, coloca-lhe um pau na mão.

Bruxelas não come as palavras e, desdizendo as bazófias de Costa e do seu homem das Finanças, o Medina da Câmara de Lisboa (parece que também está sob investigação da justiça), estima que a economia portuguesa trave a fundo em 2023 (crescendo apenas 0,7%) e que a inflação se mantenha elevada (5,8%), embora mais baixa que a de este ano, que já vai nos 10,1% (Outubro), considerado o valor mais alto desde 1994. Com este pretexto, a Comissão Europeia avisa para “as pressões do aumento dos salários da Função Pública”; aviso e preocupação já respondidos pelo governo que limitou a subida dos salários para este sector nos 2%. A perda do poder de compra dos trabalhadores do estado será de cerca de 80% de um salário e a dos do sector privado será à volta dos 60%, fácil se torna fazer as contas, fazendo fé nos números oficiais: “salário médio cai 4,7% em termos reais”.

Pouco tempo antes (28 de Outubro) a francesa que lidera o BCE alertara para a “recessão”, parece que foi a primeira vez que utiliza a palavra, prometendo simultaneamente agravar as taxas de juros. O FED (Sistema de Reserva Federal) norte-americano já vai nos 4%, e nós rapidamente lá iremos ter. Não será via para combater a inflação e evitar a recessão económica, será exactamente ao contrário, embora a propaganda dos media mainstream seja naquele sentido. A subida das taxas de juro pelo Banco Central Europeu serve única e exclusivamente para fazer aumentar os lucros dos bancos e concomitante enriquecimento, desbragado, dos seus acionistas. Mesmo que isso represente prejuízo para o resto da economia e para os países periféricos que estão no euro, ou seja, sem soberania monetária. Esta é uma das muitas contradições do capitalismo que o farão entrar, muito provavelmente dentro em breve, em colapso final. Perfeitamente compreensível e lógico o facto de no “Reino Unido, o rendimento dos grandes empresários subir duas vezes mais rápido que a inflação” (da imprensa). Entre nós, o país dos miseráveis, os lucros dos bancos nos primeiros nove meses foram de cerca de 1900 milhões de euros.

A riqueza flui na sociedade como em sistema de vasos comunicantes, indo dos que produzem, embora estando na base da pirâmide social, para os proprietários do capital, os que estão no vértice, ficando algumas migalhas para os seus políticos que lhes tratam dos negócios à vez e em turnos de quatro anos. Para se entender o fenómeno não é preciso nenhum doutoramento, basta olhar para os factos e sentir na carne e nos bolsos a exploração. O banco público CGD, gerido à boa maneira capitalista por um dos principais homens de mão do bicéfalo bloco central, teve um lucro de perto de 700 milhões de euros, mas à custa de menos 170 “colaboradores” e do encerramento de 27 agências; tudo ao fim de nove meses – que partos maravilhosos! Devemos olhar para o que diz o presidente da Associação Portuguesa de Bancos, Vítor Bento: “o trabalho dos bancos não é fazer caridade”, acrescentando não saber o que são lucros excessivos. Fala o experiente aposentado (antecipadamente aos 60 anos e com reforma de perto de 6 mil euros mensais) do Banco de Portugal.

Marcelo, irmão quase gémeo de Costa na criatividade política e mediática de atirar poeira para os olhos do Zé incauto, preocupou-se muito quando Lagarde veio dizer “recessão” e que irá continuar a fazer o seu trabalho, sodomizar (sentido figurado, bem entendido) os povos do sul da Europa, pedindo contenção na subida dos juros. O homem até se preocupa, nem deve dormir e deve ficar com a líbido embutida, com o empobrecimento do povo português, e, agora, mais uma vez preocupado, disfarçando que estes assuntos nem são do seu negócio, com a necessidade de se rever a Constituição da República. Antes do episódio revisionista uma outra vez se preocupou com assunto que nada lhe diz respeito, a distribuição dos dinheiros do PRR. Interpelar a ministra da Coesão Territorial, mais da “repartição” dos dinheiros do saque pelos lóbis nacionais, quis mostrar que a ministra responde perante ele e simultaneamente dar o coice ao primeiro-mistro que, por sua vez, responde perante a Assembleia da República. Claro que, e mais uma vez, os media corporativos retomaram a narrativa de que o PR monárquico é que é responsável último pela governação, como se estivéssemos em regime presidencial em que o Presidente também é primeiro-ministro, ou o nomeia. Será neste sentido que a revisão da Constituição será feita, os confinamentos e os metadados são meros pretextos.

O bastonário da Ordem dos Advogados não deixa de ter razão ao vir alertar para “uma deriva muito preocupante” e que com a proposta (ou todas elas) de revisão constitucional parece estar “mais em causa a supressão de direitos, liberdades e garantias”. Pois é exactamente isso que se trata, destruir os diretos e a liberdade de expressão, de manifestação e de organização política e cívica dos trabalhadores e do povo em geral, sob a pretensa defesa da “saúde pública” ou da “economia do país” e de que não há alternativa às medidas impostas. Em suma, justificar o cacete sobre quem trabalha e reclama pelos seus direitos e por uma vida digna, para si e para os seus filhos. O PS que tem sido usado pelas elites pela sua habilidade em usar a cenoura será em breve utilizado como cacete sobre todos nós, ou, caso claudique na missão, deixar os instrumentos prontos para uso de um governo formalmente de direita ou de extrema-direita, onde o “principal partido da oposição” não terá engulhos em se abraçar à extrema-direita que saliva pelo poder e que deu o pontapé de saída para este processo de revisão constitucional. A História tem ensinado que é a “social-democracia” ou o “socialismo democrático” que traz a si agarrado a fascismo e o nazismo, mesmo que seja “à portuguesa”. 

Um comentário:

  1. Faz tudo parte de um esquema muito mais abrangente, a fetichização do dinheiro como arma de sobrevivência de uns quantos eleitos.
    https://www.dn.pt/opiniao/vosso-futuro-nosso-inferno-15387224.html

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