A possibilidade de a Lei Fundamental do país ser revista mais uma vez, a oitava, foi levantada pelo partido da extrema-direita que tem assento na Assembleia da República, apesar de ainda não ter os estatutos legalizados, o que dá bem a ideia do tipo de estado de direito e democrático que temos, tendo sido de imediato seguido pelo principal partido da oposição, e finalmente pelo partido governamental que, e ao que aprece, não quer uma mas duas revisões. A imprensa corporativa afirma que “o governo quer mudar a Constituição para facilitar quarentenas e confinamentos”. Mas não só nem principalmente.
As 23 decisões do Tribunal Constitucional, a
declararem inconstitucionais todas as medidas que foram adoptadas pelo Governo
durante a pandemia, foram um nítido incómodo para o governo e para o Costa, que
ainda se autodenomina “socialista”. Ora, chefiando um governo que beneficia de maioria
absoluta na dita “casa da democracia”, fácil lhe é entortar o estado de molde a
que seja de “direito” para as suas conveniências. E as suas conveniências são
os interesses da classe dominante, que já está a assustar-se com o agravamento
da crise económica, cujo fim o BCE não antevê para breve, bem pelo contrário,
tal como a proliferação de greves e manifestações que estão a ocorrer por essas
Europa fora. E, cá dentro, a paz social recém-conquistada pelo governo pode de um
momento para o outro estalar rapidamente. É que estas coisas são contagiosas,
mais do que a coivd-19.
Costa reagiu de forma intempestuosa, ameaçando
com processo em tribunal, à notícia de que o ex-governador do Banco de Portugal
Carlos Costa terá afirmado, em livro que só será publicado para a semana, ter sido
pressionado pelo primeiro-ministro português para não retirar da direcção do BIC
a filha do então presidente de Angola, visto que se tratava de um país amigo. A
ameaça teve já o mérito de fazer publicidade ao livro e aguçar a curiosidade
sobre o que lá estará escrito; Costa, mas o Carlos, começa a facturar ainda antes
da publicação do livro. Quanto ao António, independentemente da veracidade da
afirmação do banqueiro, mostra, por um lado, que reage mal quando a bajulação
desaparece e, além do mais, sem ter sequer ter lido o livro e desconhecer o
contexto das ditas palavras e dos factos. Estamos perante factos políticos, não
se trata de assuntos pessoais, e será neste campo da política e dos factos que
a questão deve ser dirimida. Estranhamos que Carlos Costa, sendo verdadeiro o
que saiu agora na imprensa, faça este tipo de afirmação sem estar bem
fundamentado e ciente do que está a dizer. Mas sem ser necessário ir buscar a
repressão que Costa lançou sobre os trabalhadores, estivadores, motoristas e
enfermeiros, com a requisição civil, só este facto confirma o aforismo popular:
se queres ver um vilão, coloca-lhe um pau na mão.
Bruxelas não come as palavras e, desdizendo as
bazófias de Costa e do seu homem das Finanças, o Medina da Câmara de Lisboa (parece
que também está sob investigação da justiça), estima que a economia portuguesa trave
a fundo em 2023 (crescendo apenas 0,7%) e que a inflação se mantenha elevada (5,8%),
embora mais baixa que a de este ano, que já vai nos 10,1% (Outubro),
considerado o valor mais alto desde 1994. Com este pretexto, a Comissão
Europeia avisa para “as pressões do aumento dos salários da Função Pública”;
aviso e preocupação já respondidos pelo governo que limitou a subida dos
salários para este sector nos 2%. A perda do poder de compra dos trabalhadores
do estado será de cerca de 80% de um salário e a dos do sector privado será à
volta dos 60%, fácil se torna fazer as contas, fazendo fé nos números oficiais:
“salário médio cai 4,7% em termos reais”.
Pouco tempo antes (28 de Outubro) a francesa
que lidera o BCE alertara para a “recessão”, parece que foi a primeira vez que
utiliza a palavra, prometendo simultaneamente agravar as taxas de juros. O FED (Sistema
de Reserva Federal) norte-americano já vai nos 4%, e nós rapidamente lá iremos
ter. Não será via para combater a inflação e evitar a recessão económica, será
exactamente ao contrário, embora a propaganda dos media mainstream seja naquele
sentido. A subida das taxas de juro pelo Banco Central Europeu serve única e exclusivamente
para fazer aumentar os lucros dos bancos e concomitante enriquecimento, desbragado,
dos seus acionistas. Mesmo que isso represente prejuízo para o resto da
economia e para os países periféricos que estão no euro, ou seja, sem soberania
monetária. Esta é uma das muitas contradições do capitalismo que o farão entrar,
muito provavelmente dentro em breve, em colapso final. Perfeitamente compreensível
e lógico o facto de no “Reino Unido, o rendimento dos grandes empresários subir
duas vezes mais rápido que a inflação” (da imprensa). Entre nós, o país dos miseráveis,
os lucros dos bancos nos primeiros nove meses foram de cerca de 1900 milhões de
euros.
A riqueza flui na sociedade como em sistema de
vasos comunicantes, indo dos que produzem, embora estando na base da pirâmide social,
para os proprietários do capital, os que estão no vértice, ficando algumas
migalhas para os seus políticos que lhes tratam dos negócios à vez e em turnos
de quatro anos. Para se entender o fenómeno não é preciso nenhum doutoramento,
basta olhar para os factos e sentir na carne e nos bolsos a exploração. O banco
público CGD, gerido à boa maneira capitalista por um dos principais homens de
mão do bicéfalo bloco central, teve um lucro de perto de 700 milhões de euros,
mas à custa de menos 170 “colaboradores” e do encerramento de 27 agências; tudo
ao fim de nove meses – que partos maravilhosos! Devemos olhar para o que diz o presidente
da Associação Portuguesa de Bancos, Vítor Bento: “o trabalho dos bancos não é fazer
caridade”, acrescentando não saber o que são lucros excessivos. Fala o
experiente aposentado (antecipadamente aos 60 anos e com reforma de perto de 6
mil euros mensais) do Banco de Portugal.
Marcelo, irmão quase gémeo de Costa na
criatividade política e mediática de atirar poeira para os olhos do Zé incauto,
preocupou-se muito quando Lagarde veio dizer “recessão” e que irá continuar a
fazer o seu trabalho, sodomizar (sentido figurado, bem entendido) os povos do
sul da Europa, pedindo contenção na subida dos juros. O homem até se preocupa,
nem deve dormir e deve ficar com a líbido embutida, com o empobrecimento do
povo português, e, agora, mais uma vez preocupado, disfarçando que estes
assuntos nem são do seu negócio, com a necessidade de se rever a Constituição
da República. Antes do episódio revisionista uma outra vez se preocupou com
assunto que nada lhe diz respeito, a distribuição dos dinheiros do PRR. Interpelar
a ministra da Coesão Territorial, mais da “repartição” dos dinheiros do saque
pelos lóbis nacionais, quis mostrar que a ministra responde perante ele e simultaneamente
dar o coice ao primeiro-mistro que, por sua vez, responde perante a Assembleia
da República. Claro que, e mais uma vez, os media corporativos retomaram a
narrativa de que o PR monárquico é que é responsável último pela governação,
como se estivéssemos em regime presidencial em que o Presidente também é
primeiro-ministro, ou o nomeia. Será neste sentido que a revisão da Constituição
será feita, os confinamentos e os metadados são meros pretextos.
O bastonário da Ordem dos Advogados não deixa de ter razão ao vir alertar para “uma deriva muito preocupante” e que com a proposta (ou todas elas) de revisão constitucional parece estar “mais em causa a supressão de direitos, liberdades e garantias”. Pois é exactamente isso que se trata, destruir os diretos e a liberdade de expressão, de manifestação e de organização política e cívica dos trabalhadores e do povo em geral, sob a pretensa defesa da “saúde pública” ou da “economia do país” e de que não há alternativa às medidas impostas. Em suma, justificar o cacete sobre quem trabalha e reclama pelos seus direitos e por uma vida digna, para si e para os seus filhos. O PS que tem sido usado pelas elites pela sua habilidade em usar a cenoura será em breve utilizado como cacete sobre todos nós, ou, caso claudique na missão, deixar os instrumentos prontos para uso de um governo formalmente de direita ou de extrema-direita, onde o “principal partido da oposição” não terá engulhos em se abraçar à extrema-direita que saliva pelo poder e que deu o pontapé de saída para este processo de revisão constitucional. A História tem ensinado que é a “social-democracia” ou o “socialismo democrático” que traz a si agarrado a fascismo e o nazismo, mesmo que seja “à portuguesa”.
Faz tudo parte de um esquema muito mais abrangente, a fetichização do dinheiro como arma de sobrevivência de uns quantos eleitos.
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