O governo minoritário do PSD e CDS vai-se
aguentando no poleiro por várias razões: não tem oposição que se veja dentro da
Assembleia da República, o PS aprova as medidas mais gravosas para os interesses
do cidadão comum, exemplo, alteração à Lei dos Solos, que vai exponenciar a
especulação imobiliária e agravar a falta de habitação popularmente acessível,
vai distribuindo algumas migalhas pelos diversos sectores da população activa e
pelos aposentados. Montenegro continua a jogar em possível maioria absoluta resultante
de eleições antecipadas, que infatigavelmente vem procurando. Mas antes que
aquelas aconteçam, há que acautelar as eleições autárquicas que acontecerão
antes do final do ano. No entrementes, o holandês secretário-geral da Nato
encontrou-se com o presidente e o primeiro-ministro “sugerindo” que o governo
tem de gastar mais de 3% do PIB na indústria da guerra, à custa das saúde, da
educação e das pensões de reforma; o PR Marcelo convocou o seu conselho de
estado, para o qual convidou o homem da alta finança (Goldman Sachs) na União
Europeia, Mario Draghi, aonde irá “aconselhar” Portugal a entregar a Bruxelas
5% do PIB, para “investir” no desenvolvimento económico para a competitividade
europeia.
Quanto à solidez do governo AD, deve-se dizer
que a sua fragilidade advém mais da fraca qualidade de quem o integra do que
propriamente de factores externos. A demissão do secretário de Estado da
Administração Local e Ordenamento do Território, que terá criado duas empresas
para investir no imobiliário, precisamente sector em que o governo estava a
legislar, mostra que este governo não difere muito do de Costa/PS quanto a
esta matéria. O perfil do governante não foge ao habitual: já tinha sido
presidente da câmara de Bragança, onde é acusado de algumas habilidades ainda
não bem explicadas. E se, até ao momento, os estragos são menores do que os sofridos
em mesmo período tempo pelo governo anterior, o facto deve-se a que não tem
estado sujeito às intrigas do PR Marcelo, aos ataques cerrados da oposição ou
dos media mainstream. Contudo, mais episódios de demolição se seguirão.
Enquanto o governo procura segurança e
estabilidade, rebenta o caso do deputado da extrema-direita que terá andado a
gamar umas malas de viagem nos aeroportos, e que a imprensa diz já ter sido do
PS. De certeza que ficará para a história da criminalidade dos pilha-galinhas, eventualmente
da psiquiatria, apesar dos distúrbios de personalidade não terem tratamento, e
dos anais do parlamentarismo saído do 25 de Abril. Depois de conhecidas as
proezas e ter saído do partido pelo próprio pé, segundo as suas palavras, a figura
passou a deputado “não inscrito” vendo duplicar assim os seus proventos mensais
para mais de 10 mil euros. Chamem-lhe doido! Muito dificilmente irá renunciar
ao mandato, com ou sem baixa psiquiátrica. A Assembleia da República revela à
evidência a natureza que sempre foi a sua desde o início, ou seja, desde a entrada
em vigor da Constituição da República, 1976, um centro de nepotismo, vacuidades
e corrupção. Uma casa mal frequentada.
Poderá dizer-se que será um caso raro e
insólito, mas deveremos recordar que, só nestes nove meses de legislatura, já
foram constituídos arguidos nove parlamentares do PS, PSD, Chega e IL, uns por
corrupção, outros por zangas partidárias, o que significa disputas pelo tacho. Convêm
referir que são onze os deputados do partido de extrema direita - legalizado
pelo Tribunal Constitucional em aparente contradição conhecendo-se o texto da
dita Lei Fundamental do República - que tiveram ou ainda têm problemas com a
Justiça. Este partido e o seu chefe chegaram ao ponto de se arvorarem em
agentes denunciantes, vulgo “bufos”, para alijarem o fardo incómodo de terem incluído
nas fileiras um vulgar gatuno que lhes poderá fazer perder muitos votos nas
próximas eleições. É que esta quase certa quebra de votos será uma condição sine
qua non para que o PSD possa alcançar a tão desejada maioria absoluta.
O líder actual do PS, apresentado pelos
media do regime como homem à esquerda e um radical, com o intuito de o afastar
da classe média que decide eleições, resolveu, não conseguindo esconder o que
lhe vai na alma e na mente, abraçar-se ao ideário ultra-liberal do montenegrino
PSD. Começou pela viabilização do Orçamento de Estado de 2025, passou pela aprovação
da Lei dos Solos, preparou o terreno e instrumentos para a privatização da TAP
e da “reforma” da Segurança Social, recentemente anunciada pela ministra e
esposa de banqueiro, a pretexto de assegurar a sua sustentabilidade, e
acabando na reposição do partido quanto à questão da
imigração. Mas haverá mais. Ao cabo e ao resto, assistimos à continuação do bloco central de
interesses. Ambos os partidos da governação não diferem muito da
extrema-direita, nacionalista e xenófoba, agora nem no discurso, todos almejam
o apoio eleitoral da pretensa e medrosa classe média – estamos em ano eleitoral
autárquico.
Mal o Nuninho Santos fechou a boca, as
reacções dentro do partido de imediato choveram, umas de apoio e outras de
aparente repúdio. Parece que estas questões não são discutidas amplamente a
nível entre dirigentes e militantes, mas decididas por um restrito núcleo de
caciques com o único objectivo de reconquistar o poder governativo. Este partido
que, segundo dizem, surgiu no quadro da luta contra o fascismo, está
rapidamente a apodrecer e por este caminho irá desaparecer ou fundir-se com o
PSD, porque não será governo na década mais próxima. E com o agravamento da
situação económica do país e/ou de uma possível guerra na Europa, cenário que
não é de todo impossível nem disparatado, o PS, o partido do “socialismo
democrático” desaparecerá de vez. E talvez seja uma coisa boa, clarificará os
campos.
Ainda sobre a solidez do governo AD e da sua
durabilidade intrínseca, se perdurar será graças aos apoios externos, a
demissão do director executivo da SNS por razões de falta de ética pessoal, acumulando as funções oficiais com os biscates no SNS, diz bem das linhas ou das agulhas com que se cose o governo. Este órgão
de direcção do SNS visa essencialmente, embora o disfarça, a privatização da
Saúde através da diluição do SNS em "Sistema" de Saúde onde os interesses dos
lóbis privados do sector serão reis e senhores. Relembrar que este organismo é
muito semelhante ao que foi criado no Reino Unido para liquidar o Serviço
Público de Saúde. Esta privatização, tal como todas as anteriores, está a ser
feita em meio da maior das corrupções e dos assaltos aos dinheiros públicos. No
momento, estamos a assistir a toda a sorte de discussões, debates e opiniões,
vazadas em todos os órgãos de comunicação social mainstream e a toda a hora, sobre
qual a melhor forma de privatizar a saúde de molde a satisfazer os apetites de
todos os parasitas interessados, desde seguros de saúde e clínicas privadas a instituições sociais
e grupos de médicos empresários (como a directora da urgência do Hospital de Portimão que está de baixa há sete meses mas trabalha no privado) e outros afins; a fila é imensa.
Imagem: Aqui
Voltando ao parlamento português, este já se orgulha de um assaz rico curriculum, algumas dezenas de deputados perderam a imunidade parlamentar para poderem responder à justiça nos últimos anos. Entre 2016 e 2019, foram 23 deputados, todos do PS e do PSD; quase o dobro em relação ao governo de Coelho/Portas, quando 13 deputados estiveram às contas com os tribunais; o mesmo número do tempo do governo PS/Sócrates; conclui-se que o número tem vindo a acelerar ultimamente. Acontece um pouco à semelhança do que se passa no Parlamento Europeu, considerado um dos mais corruptos do mundo. Quase um quarto dos eurodeputados, que serviram durante a legislatura anterior (2019-2024), estiveram envolvidos em alguns negócios obscuros; isto é, dos cerca de 700 deputados, 163 estão envolvidos em 253 casos de ilegalidades ou crimes, incluindo o célebre Qatargate - segundo a plataforma independente de jornalismo de investigação “Follow the Money”. A corrupção medra e constitui o selo neste ocidental atlântico.
A corrupção, o compadrio, o nepotismo sem disfarce, a fraude são mais do que tiques da sociedade burguesa, são-lhe intrínsecos. Fazem parte do ADN do capitalismo, sem esses elementos este não poderia funcionar e prosperar. Contudo, andam por aí uns partidos e políticos, tipicamente pequeno-burgueses, que sonham o impossível de um capitalismo fofinho, com justiça para os trabalhadores, que, por sua vez, deveriam ficar agradecidos pela doçura da sua exploração, mas que, quando se distraem dá-lhes para enfiar a pata na poça. É o que aconteceu com o BE, dito "Bloco de Esquerda", que, não conseguindo dissimular a sua natureza de aprendiz de patrão, despediu funcionários, um deles já antigo no partido, e outros recém-mães, que se viram na rua a pretexto de diminuição das receitas devido à perda de deputados (embora, nessa altura, tivesse cerca de 700 mil euros nas contas bancárias), muito à semelhança de qualquer e vulgar empresa capitalista e contrariando completamente o seu discurso social-democrata. Como se costuma dizer, vale mais um acto do que mil palavras. O BE não deixa de ser também um espelho desta democracia parlamentar burguesa em avançado estado de decomposição. Em próximas eleições legislativas, esta organização, sem ideologia nem referências de classe, arrisca-se a ser uma mera recordação.
Não nos cansamos de salientar que a situação
política do país resulta directamente das condições da sua economia, que,
também relembramos, é uma economia periférica, frágil, subjugada por uma moeda
forte, o euro, que impede o crescimento das exportações, bem como da economia
considerada no seu todo. Uma economia aberta, sem indústria pesada, assente maioritariamente
no consumo de produtos de importação, com o turismo à cabeça, e na especulação imobiliária. E cujos principais parceiros para compra e venda são os países da União Europeia,
mais de 70%. Quando as principais potências económicas da União espirram, o
país apanha bronco-pneumonia grave. O desemprego aumentou 5,7% em Dezembro,
para 335 mil pessoas; em 2024, os despedimentos colectivos aumentaram 15,3% em
relação ao ano anterior, foram 497 despedimentos, isto é, o valor mais elevado
desde 2020, segundo dados da Direção-Geral do Emprego e das Relações de
Trabalho (DGERT); os beneficiários do CSI aumentaram 51% (70 mil) ao longo de
2024.
Ora, onde há fome e exploração há revolta e para
a elite será melhor prevenir do que remediar. Daí que, e ao pretexto de se
combater a criminalidade resultante do aumento da imigração, se reivindique por
alguns dos políticos do regime um reforço do aparelho policial e repressivo. Mais
polícias porque estes são poucos!, apesar do rácio de polícias por 100 mil
habitantes ser de 450, ou seja, mais 50% acima da média europeia, que é de 300
polícias, e existindo já uma força militar (GNR) a fazer a função de
policiamento. O governo AD está receptivo à ideia e limita-se a dar
continuidade às políticas do PS neste campo. As instituições veneráveis do estado
são assustadiças, como bem ficou comprovado com os envelopes que continham um
pó branco enviados à Presidência da República, ao Parlamento e a dois ministérios,
da Administração Interna e das Infra-estruturas, e que pôs os nossos corajosos
políticos em pânico, tendo mobilizado PSP e GNR. No afinal, veio-se a apurar
que o pó não passava de pudim instantâneo. Estariam os políticos da ordem com
falta de sobremesa.
Outra dimensão da nossa democracia está no complexo judicial, que não sofreu alteração de remonta desde o 25 de Abril. Relembremos que os juízes do Tribunal Plenário do fascismo – tribunal controlado directamente pela PIDE e responsável pela condenação de muitos cidadãos anti-fascistas, puderam gozar os seus últimos dias abonados por principescas pensões. E como já referimos, por vezes vale mais um acto do que mil palavras: «O Supremo Tribunal libertou um dos traficantes de droga mais procurados de Espanha, o homem estava detido em Portugal e prestes a ser extraditado, mas a detenção foi considerada ilegal porque a Justiça não conseguiu cumprir prazos e agora pode estar fora do país» (da imprensa). Terá sido um oportuníssimo “erro burocrático”! Portugal passou a paraíso para os grandes criminosos, porque já não é o primeiro caso deste género.
É a democracia que temos, onde a justiça possui uma rede de malha larga que deixa escapar os grandes patifes, mas de malha estreita para os pilha-galinhas ou trabalhadores, imigrantes ou não, que não aceitem as regras do establishment. A democracia liberal burguesa é uma democracia de classe, não é para todos os cidadãos, e o governo limita-se a gerir os negócios da elite enquanto ilude o eleitorado.
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