quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Nove meses depois, o secretário demitido e o deputado cleptomaníaco

 

O governo minoritário do PSD e CDS vai-se aguentando no poleiro por várias razões: não tem oposição que se veja dentro da Assembleia da República, o PS aprova as medidas mais gravosas para os interesses do cidadão comum, exemplo, alteração à Lei dos Solos, que vai exponenciar a especulação imobiliária e agravar a falta de habitação popularmente acessível, vai distribuindo algumas migalhas pelos diversos sectores da população activa e pelos aposentados. Montenegro continua a jogar em possível maioria absoluta resultante de eleições antecipadas, que infatigavelmente vem procurando. Mas antes que aquelas aconteçam, há que acautelar as eleições autárquicas que acontecerão antes do final do ano. No entrementes, o holandês secretário-geral da Nato encontrou-se com o presidente e o primeiro-ministro “sugerindo” que o governo tem de gastar mais de 3% do PIB na indústria da guerra, à custa das saúde, da educação e das pensões de reforma; o PR Marcelo convocou o seu conselho de estado, para o qual convidou o homem da alta finança (Goldman Sachs) na União Europeia, Mario Draghi, aonde irá “aconselhar” Portugal a entregar a Bruxelas 5% do PIB, para “investir” no desenvolvimento económico para a competitividade europeia.

Quanto à solidez do governo AD, deve-se dizer que a sua fragilidade advém mais da fraca qualidade de quem o integra do que propriamente de factores externos. A demissão do secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, que terá criado duas empresas para investir no imobiliário, precisamente sector em que o governo estava a legislar, mostra que este governo não difere muito do de Costa/PS quanto a esta matéria. O perfil do governante não foge ao habitual: já tinha sido presidente da câmara de Bragança, onde é acusado de algumas habilidades ainda não bem explicadas. E se, até ao momento, os estragos são menores do que os sofridos em mesmo período tempo pelo governo anterior, o facto deve-se a que não tem estado sujeito às intrigas do PR Marcelo, aos ataques cerrados da oposição ou dos media mainstream. Contudo, mais episódios de demolição se seguirão.

Enquanto o governo procura segurança e estabilidade, rebenta o caso do deputado da extrema-direita que terá andado a gamar umas malas de viagem nos aeroportos, e que a imprensa diz já ter sido do PS. De certeza que ficará para a história da criminalidade dos pilha-galinhas, eventualmente da psiquiatria, apesar dos distúrbios de personalidade não terem tratamento, e dos anais do parlamentarismo saído do 25 de Abril. Depois de conhecidas as proezas e ter saído do partido pelo próprio pé, segundo as suas palavras, a figura passou a deputado “não inscrito” vendo duplicar assim os seus proventos mensais para mais de 10 mil euros. Chamem-lhe doido! Muito dificilmente irá renunciar ao mandato, com ou sem baixa psiquiátrica. A Assembleia da República revela à evidência a natureza que sempre foi a sua desde o início, ou seja, desde a entrada em vigor da Constituição da República, 1976, um centro de nepotismo, vacuidades e corrupção. Uma casa mal frequentada.

Poderá dizer-se que será um caso raro e insólito, mas deveremos recordar que, só nestes nove meses de legislatura, já foram constituídos arguidos nove parlamentares do PS, PSD, Chega e IL, uns por corrupção, outros por zangas partidárias, o que significa disputas pelo tacho. Convêm referir que são onze os deputados do partido de extrema direita - legalizado pelo Tribunal Constitucional em aparente contradição conhecendo-se o texto da dita Lei Fundamental do República - que tiveram ou ainda têm problemas com a Justiça. Este partido e o seu chefe chegaram ao ponto de se arvorarem em agentes denunciantes, vulgo “bufos”, para alijarem o fardo incómodo de terem incluído nas fileiras um vulgar gatuno que lhes poderá fazer perder muitos votos nas próximas eleições. É que esta quase certa quebra de votos será uma condição sine qua non para que o PSD possa alcançar a tão desejada maioria absoluta.

O líder actual do PS, apresentado pelos media do regime como homem à esquerda e um radical, com o intuito de o afastar da classe média que decide eleições, resolveu, não conseguindo esconder o que lhe vai na alma e na mente, abraçar-se ao ideário ultra-liberal do montenegrino PSD. Começou pela viabilização do Orçamento de Estado de 2025, passou pela aprovação da Lei dos Solos, preparou o terreno e instrumentos para a privatização da TAP e da “reforma” da Segurança Social, recentemente anunciada pela ministra e esposa de banqueiro, a pretexto de assegurar a sua sustentabilidade, e acabando na reposição do partido quanto à questão da imigração. Mas haverá mais. Ao cabo e ao resto, assistimos à continuação do bloco central de interesses. Ambos os partidos da governação não diferem muito da extrema-direita, nacionalista e xenófoba, agora nem no discurso, todos almejam o apoio eleitoral da pretensa e medrosa classe média – estamos em ano eleitoral autárquico.

Mal o Nuninho Santos fechou a boca, as reacções dentro do partido de imediato choveram, umas de apoio e outras de aparente repúdio. Parece que estas questões não são discutidas amplamente a nível entre dirigentes e militantes, mas decididas por um restrito núcleo de caciques com o único objectivo de reconquistar o poder governativo. Este partido que, segundo dizem, surgiu no quadro da luta contra o fascismo, está rapidamente a apodrecer e por este caminho irá desaparecer ou fundir-se com o PSD, porque não será governo na década mais próxima. E com o agravamento da situação económica do país e/ou de uma possível guerra na Europa, cenário que não é de todo impossível nem disparatado, o PS, o partido do “socialismo democrático” desaparecerá de vez. E talvez seja uma coisa boa, clarificará os campos.

Ainda sobre a solidez do governo AD e da sua durabilidade intrínseca, se perdurar será graças aos apoios externos, a demissão do director executivo da SNS por razões de falta de ética pessoal, acumulando as funções oficiais com os biscates no SNS, diz bem das linhas ou das agulhas com que se cose o governo. Este órgão de direcção do SNS visa essencialmente, embora o disfarça, a privatização da Saúde através da diluição do SNS em "Sistema" de Saúde onde os interesses dos lóbis privados do sector serão reis e senhores. Relembrar que este organismo é muito semelhante ao que foi criado no Reino Unido para liquidar o Serviço Público de Saúde. Esta privatização, tal como todas as anteriores, está a ser feita em meio da maior das corrupções e dos assaltos aos dinheiros públicos. No momento, estamos a assistir a toda a sorte de discussões, debates e opiniões, vazadas em todos os órgãos de comunicação social mainstream e a toda a hora, sobre qual a melhor forma de privatizar a saúde de molde a satisfazer os apetites de todos os parasitas interessados, desde seguros de saúde e clínicas privadas a instituições sociais e grupos de médicos empresários (como a directora da urgência do Hospital de Portimão que está de baixa há sete meses mas trabalha no privado) e outros afins; a fila é imensa.

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Voltando ao parlamento português, este já se orgulha de um assaz rico curriculum, algumas dezenas de deputados perderam a imunidade parlamentar para poderem responder à justiça nos últimos anos. Entre 2016 e 2019, foram 23 deputados, todos do PS e do PSD; quase o dobro em relação ao governo de Coelho/Portas, quando 13 deputados estiveram às contas com os tribunais; o mesmo número do tempo do governo PS/Sócrates; conclui-se que o número tem vindo a acelerar ultimamente. Acontece um pouco à semelhança do que se passa no Parlamento Europeu, considerado um dos mais corruptos do mundo. Quase um quarto dos eurodeputados, que serviram durante a legislatura anterior (2019-2024), estiveram envolvidos em alguns negócios obscuros; isto é, dos cerca de 700 deputados, 163 estão envolvidos em 253 casos de ilegalidades ou crimes, incluindo o célebre Qatargate - segundo a plataforma independente de jornalismo de investigação “Follow the Money”. A corrupção medra e constitui o selo neste ocidental atlântico.

A corrupção, o compadrio, o nepotismo sem disfarce, a fraude são mais do que tiques da sociedade burguesa, são-lhe intrínsecos. Fazem parte do ADN do capitalismo, sem esses elementos este não poderia funcionar e prosperar. Contudo, andam por aí uns partidos e políticos, tipicamente pequeno-burgueses, que sonham o impossível de um capitalismo fofinho, com justiça para os trabalhadores, que, por sua vez, deveriam ficar agradecidos pela doçura da sua exploração, mas que, quando se distraem dá-lhes para enfiar a pata na poça. É o que aconteceu com o BE, dito "Bloco de Esquerda", que, não conseguindo dissimular a sua natureza de aprendiz de patrão, despediu funcionários, um deles já antigo no partido, e outros recém-mães, que se viram na rua a pretexto de diminuição das receitas devido à perda de deputados (embora, nessa altura, tivesse cerca de 700 mil euros nas contas bancárias), muito à semelhança de qualquer e vulgar empresa capitalista e contrariando completamente o seu discurso social-democrata. Como se costuma dizer, vale mais um acto do que mil palavras. O BE não deixa de ser também um espelho desta democracia parlamentar burguesa em avançado estado de decomposição. Em próximas eleições legislativas, esta organização, sem ideologia nem referências de classe, arrisca-se a ser uma mera recordação.

Não nos cansamos de salientar que a situação política do país resulta directamente das condições da sua economia, que, também relembramos, é uma economia periférica, frágil, subjugada por uma moeda forte, o euro, que impede o crescimento das exportações, bem como da economia considerada no seu todo. Uma economia aberta, sem indústria pesada, assente maioritariamente no consumo de produtos de importação, com o turismo à cabeça, e na especulação imobiliária. E cujos principais parceiros para compra e venda são os países da União Europeia, mais de 70%. Quando as principais potências económicas da União espirram, o país apanha bronco-pneumonia grave. O desemprego aumentou 5,7% em Dezembro, para 335 mil pessoas; em 2024, os despedimentos colectivos aumentaram 15,3% em relação ao ano anterior, foram 497 despedimentos, isto é, o valor mais elevado desde 2020, segundo dados da Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT); os beneficiários do CSI aumentaram 51% (70 mil) ao longo de 2024.

Ora, onde há fome e exploração há revolta e para a elite será melhor prevenir do que remediar. Daí que, e ao pretexto de se combater a criminalidade resultante do aumento da imigração, se reivindique por alguns dos políticos do regime um reforço do aparelho policial e repressivo. Mais polícias porque estes são poucos!, apesar do rácio de polícias por 100 mil habitantes ser de 450, ou seja, mais 50% acima da média europeia, que é de 300 polícias, e existindo já uma força militar (GNR) a fazer a função de policiamento. O governo AD está receptivo à ideia e limita-se a dar continuidade às políticas do PS neste campo. As instituições veneráveis do estado são assustadiças, como bem ficou comprovado com os envelopes que continham um pó branco enviados à Presidência da República, ao Parlamento e a dois ministérios, da Administração Interna e das Infra-estruturas, e que pôs os nossos corajosos políticos em pânico, tendo mobilizado PSP e GNR. No afinal, veio-se a apurar que o pó não passava de pudim instantâneo. Estariam os políticos da ordem com falta de sobremesa.

Outra dimensão da nossa democracia está no complexo judicial, que não sofreu alteração de remonta desde o 25 de Abril. Relembremos que os juízes do Tribunal Plenário do fascismo – tribunal controlado directamente pela PIDE e responsável pela condenação de muitos cidadãos anti-fascistas, puderam gozar os seus últimos dias abonados por principescas pensões. E como já referimos, por vezes vale mais um acto do que mil palavras: «O Supremo Tribunal libertou um dos traficantes de droga mais procurados de Espanha, o homem estava detido em Portugal e prestes a ser extraditado, mas a detenção foi considerada ilegal porque a Justiça não conseguiu cumprir prazos e agora pode estar fora do país» (da imprensa). Terá sido um oportuníssimo “erro burocrático”! Portugal passou a paraíso para os grandes criminosos, porque já não é o primeiro caso deste género. 

É a democracia que temos, onde a justiça possui uma rede de malha larga que deixa escapar os grandes patifes, mas de malha estreita para os pilha-galinhas ou trabalhadores, imigrantes ou não, que não aceitem as regras do establishment. A democracia liberal burguesa é uma democracia de classe, não é para todos os cidadãos, e o governo limita-se a gerir os negócios da elite enquanto ilude o eleitorado.

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