sábado, 31 de maio de 2025

Desculpem se isto é antissemita, mas acho errado queimar crianças vivas

Por Caitlin Johnstone

Israel está a queimar crianças vivas em Gaza. E se quiser, pode chamar-me amante de terroristas nazis, anti-semita e que odeia judeus, mas eu acho que isso é errado.

Agora que se tornou claro que o objectivo de Israel em Gaza é a limpeza étnica completa de todos os palestinianos, os defensores de Israel estão a passar das lamentações sobre os reféns e o Hamas para argumentar que a limpeza étnica é, na verdade, boa e aceitável. O que faz sentido; esse é realmente o único argumento que podem dar neste momento.

Nunca se esqueça que o Congresso dos EUA deu a Netanyahu dezenas de ovações de pé  durante um único discurso, enquanto estava no meio da perpetração do primeiro genocídio transmitido em direto da história. É isso que eles são. Será sempre quem eles são.

Ler no X

Israel fez mais para promover o ódio contra os judeus no último ano e meio do que a Stormfront em toda a sua existência. Nenhuma propaganda supremacista branca será tão eficaz a espalhar o ódio contra os judeus como assassinar crianças abertamente sob a bandeira da Estrela de David.

O apoio a Israel costumava ser a opinião predominante no mundo ocidental. Felizmente, isto está a mudar, mas o facto de isto ser verdade até Israel se expor mostra que não se pode simplesmente aceitar a opinião da maioria sobre qualquer assunto. Precisa de pensar por si mesmo.

Ignore o que a multidão diz. Ignore as pessoas que gritam consigo por discordar da sua posição. Olhe para os factos em bruto, livre dos seus próprios preconceitos cognitivos, tanto quanto possível, e tenha a coragem de se manter firme, se necessário.

Gaza é uma questão moral tão fácil de acertar que não há como alguém que a erre e não seja também uma má pessoa noutras áreas da vida. Tenho pena de quem tem relações interpessoais com apoiantes de Israel, porque seria uma pena tê-los por perto.

A diretora do Programa Alimentar Mundial, Cindy McCain, diz não ter visto qualquer evidência de que o Hamas esteja a roubar ajuda para Gaza. O único argumento de Israel para continuar a bloquear a ajuda a Gaza está a ser publicamente desmascarado por um membro de uma das famílias mais pró-Israel na política dos EUA.

Os EUA terão entregue cerca de 90.000 toneladas de armas a Israel desde outubro de 2023.

Ultimamente, tenho-me concentrado mais no genocídio de Gaza, mas, por vezes, números como estes fazem-me dar alguns cliques para trás e pensar no quão insana é a nossa civilização como um todo. Pensem em quanta coisa boa poderíamos fazer no mundo se não estivéssemos a investir recursos em coisas más como esta.

A publicação The Australian, propriedade de Murdoch, veio atrás de mim no outro dia por ter tweetado

“Dois funcionários da embaixada israelita a serem baleados em Washington, D.C., são menos noticiários do que dezenas de milhares de palestinianos a serem mortos na genocida apropriação de terras por Israel. É menos importante. Merece menos atenção. Não é a história principal. O genocídio de Israel em Gaza é a história principal.”

Chamaram-me "jornalista" entre aspas, o que acho que deveria ser um insulto, mas vindo da imprensa de Murdoch só pode ser visto como um elogio.

De acordo com a narrativa oficial ocidental, os americanos tornarem-se violentamente radicalizados por um genocídio apoiado pelos EUA é um problema maior do que o genocídio apoiado pelos EUA.

De acordo com a narrativa oficial, os protestos universitários contra uma operação transparente de limpeza étnica são uma preocupação maior do que a própria operação transparente de limpeza étnica.

De acordo com a narrativa oficial, os judeus sionistas ocidentais que se sentem emocionalmente perturbados pela oposição a um holocausto moderno são um problema mais urgente do que um holocausto moderno.

Todas as nossas instituições são retrógradas e más. Os nossos media. A nossa política. O nosso sistema educacional. Os nossos fabricantes da cultura dominante. Isto já deve estar claro para todos.

Todo o mal histórico que nos ensinaram a nunca repetir está a ser repetido pelos nossos próprios governantes.

Tudo o que nos ensinaram a temer sobre os países que o império ocidental odeia é verdade em relação ao império ocidental.

Todo o futuro sombrio para o qual fomos alertados na ficção distópica é verdadeiro para a distopia em que vivemos atualmente.

Vivemos num pesadelo de civilização, sob um império que é alimentado por sangue humano. Quanto mais se examina, mais feio fica.

Isto não pode continuar. Não podemos permitir que isto continue.

O império deve cair.

Fonte

sexta-feira, 23 de maio de 2025

A musculação do regime democrático

À mão – Henrique Monteiro

Ao fim de cerca de meio século, afinal, o regime não está assim tão estável e firme como diz o “principal magistrado da nação”, que depois de se livrar do governo de maioria absoluta do partido dito “socialista”, provocou eleições antecipadas pela segunda vez. Como não se conseguira um governo com garantia “estabilidade” à primeira em 2024, então, teve-se de tentar uma segunda vez para alcançar um, de preferência de maioria absoluta e selo PSD, mas mesmo assim não foi possível. O coelho que saiu da cartola ainda não possui a robustez necessária e desejada, daí a necessidade de apoio ou do parceiro do bloco central ou da extrema-direita, que teve a ousadia de se alcandorar a segundo partido do establishment. Parece que tudo aponta para a primeira hipótese, haverá o apoio “socialista”, contudo, não entrará para o governo como na Alemanha. O partido da extrema-direita ficará a liderar a oposição, uma situação assaz inédita. Restará a dúvida sobre a data das próximas eleições legislativas, para então vermos no governo o partido em que a elite nacional está a apostar fortemente no momento presente. A configuração partidária tradicional mudou, e o regime, com ou sem revisão constitucional, ficará com certeza mais “maduro” e “estável”, ao gosto do “alto magistrado da nação”.

A mudança do quadro partidário e o último fôlego do bloco central

Olhando para os resultados dos dois partidos do bloco central, que agora querem a formalização na prática para a tão querida estabilidade, a situação se é desastrosa para o partido que foi fundado na Alemanha em 1973, para o outro a coisa não resultou como se esperava. O partido dito “socialista” passou de 42,50% e 2.302.601 votos, em Janeiro de 2022, que lhe permitiu formar governo de maioria absoluta (um resultado que espantou muita gente e os próprios ditos “socialistas”), para 23,38 % e 1.394.501 votos (resultados ainda provisórios, não são conhecidos os resultados da emigração); em cerca de três anos, perde perto de 1 milhão de votos. A vitória do PSD e o anexo foi uma vitória de Pirro, não foi alcançado o objectivo proposto, a “maior maioria”; dos 38,65% e 2.159.742 votos (108 deputados), a que se juntam os 11,70% e 653.987 votos (24 deputados) do CDS, em 2011, dando origem ao governo pafioso Coelho/Portas, passaram para os 32,10 % e 1.915.098 votos (86 deputados); menos de cerca 900 mil votos e menos 42 deputados. Razão para se perceber as palavras do “alto magistrado” de que o governo durará quanto muito até ao final de 2026; e, em 2027, logo se verá. Afinal, a estabilidade será precária.

Foi patético assistir aos malabarismos do líder demissionário do PS em campanha eleitoral, tentando mostrar a sua moderação e que, jurando a pés juntos que não era e nunca foi um “radical”, como estava a ser injustamente acusado pelo seu principal adversário na corrida eleitoral e por todos os comentadores avençados televisivos. Não conseguiu mostrar diferença entre o PS e o PSD, o que lhe era impossível já que deixou passar o Orçamento de Estado de 2025, a aprovação da Lei dos Solos, preparou o terreno e instrumentos para a privatização da TAP, a “reforma” da Segurança Social, anunciada pela ministra e esposa de banqueiro, a pretexto de assegurar a sua sustentabilidade, e apoio à política quanto à imigração. Fez coro em relação aos gastos com a defesa, ultrapassar os 3% do PIB na indústria da guerra. O PS foi derrotado, foi humilhado, mas só pode queixar-se de si próprio, e vai, ou já está, a apodrecer rapidamente e por este caminho, como referíamos em Janeiro, irá desaparecer ou fundir-se com o PSD, porque não será governo na década mais próxima. Era o partido do “socialismo democrático, para contrapor com O PCP, que não era democrático, resultante do contexto da guerra fria. Ora, o tempo passou e o PS também irá passar.

Apesar de tudo, e deixando a extrema-direita como recurso em segunda linha, os «patrões pedem entendimento entre AD e PS para garantir estabilidade política – Armindo Monteiro, líder da maior confederação patronal, diz ao DN que os “moderados” devem garantir a estabilidade e as reformas essenciais. Os bancos apostam de igual modo no governo do bloco central: «Nuno Amado: país precisa de estabilidade política, mas não de mais "estagnação" - o chairmain do Millennium bcp defendeu que é necessário governo e oposição fazerem "acordos amplos" para alterações estruturais que têm sido "barreiras ao desenvolvimento e bem-estar dos portugueses". Ora, o bem-estar referido é mais dos acionistas da banca que não paga impostos e sempre teve a protecção dos dois partidos do regime. Os trauliteiros da extrema-direitas avançam se PSD e PS se mostrarem incompetentes, até agora têm feito o seu papel: o primeiro usa mais cacete para obrigar o povo a aceitar as medidas mais gravosas a fim de salvar o capital, como se viu durante a troika, o PS mais a cenoura, durante a “geringonça”.

O PS esgotou o seu papel de bombeiro da luta de classes

Com medo de perder as mordomias e o protagonismo verifica-se que os caciques do PS não destoam dos patrões nacionais: «Santos Silva quer nova direção do PS eleita rapidamente, defende viabilização de governo AD»; «PS deve viabilizar Governo se Montenegro quiser "combater a progressão da extrema-direita", diz Medina»; «Francisco Assis defende eleições internas só após autárquicas e diálogo entre PS e AD»; «"PS deveria dizer esta noite que viabiliza um Governo da AD com Luís Montenegro, ponto final" – Sérgio Sousa Pinto diz que o PS não pode deixar a AD "refém" do Chega para poder governar». Estão todos de acordo: bloco central ao poder sem peias nem meias. Ah, ainda! O mesmo Sousa Pinto: “se o partido não acabar com esta direção, esta direção acaba com o partido” e já NPS apresentara a demissão a “bem da estabilidade”, antigamente era a “bem da nação”.

Continuando a ideia anterior, muito provavelmente o PS terá chegado ao fim de linha, o que, diga-se de passagem, não será grande prejuízo para o povo português, e o poeta não esperou para lançar o alerta: «Manuel Alegre alerta que PS corre o risco de se tornar dispensável. Após o terceiro pior resultado em eleições legislativas, o histórico socialista aponta problemas estruturais no PS e sublinha a necessidade de reflexão antes de substituir a liderança». Ora, a substituição da liderança não está a ser fácil pela razão de que os candidatos já apontados estão em debandada; Medina, Leitão e Vieira da Silva já deram o nega, e parece que restará somente o candidato derrotado nas últimas eleições para a direcção, o “ultra-moderado” Carneiro. Ninguém quer herdar uma empresa falida.

Para perceber a situação de dispensabilidade e até de inutilidade, face ao novo contexto económico e social no país e na Europa, temos de conhecer e relembrar qual foi o papel do PS desde que foi fundado, com os marcos da social-democracia para enfiar o pais na CEE/UE, até aos dias de hoje. Foi sabotar a revolução popular, que se seguiu ao 25 de Abril, devolver as empresas recapitalizadas aos patrões que fugiram para o Brasil, incluindo os bancos (o caso BES é paradigmático), amnistiar agentes da PIDE e juízes do Tribunal Plenário, branquear o fascismo, impor todas as reformas e medidas “aconselhadas” por Bruxelas, reforçar os aparelhos judicial e policial e comprar a paz social. Não esquecer que o governo PS/Costa lançou mais requisições civis sobre os trabalhadores que Salazar e, com o pretexto de combate á pandemia da Covid e a mando de Bruxelas, impôs os estados de emergência com a limitação das liberdade, direitos e garantias dos cidadãos. Costa não revogou nem a Lei Cristas, responsável pelos despejos e a especulação imobiliária, nem as alterações ao Código do Trabalho, pelo contrário, acrescentou mais algumas para regozijo dos patrões esclavagistas nacionais. Tanto o SNS como a Escola Pública foram sendo degrados para benefício dos lóbis privados do sector. Se o PS se finar, não deixará grandes saudades, porque foi ele que contribuiu e aplanou o caminho para o novo fascismo que se advinha.

PSD como transição para a extrema-direita

Quanto ao PSD, este está por tudo e não faz orelhas mocas aos apelos e vai mais longe no seu longo abraço: «Hugo Soares e Leitão Amaro admitem negociações com o Chega: o “não é não” é para entrada no governo». Ou seja, fica em lista de espera por agora, se a muleta do PS falhar e caso seja necessário até o poderão aceitar no governo; vamos lá ver como as coisas irão decorrer. No entanto, o grande líder, embriagado pelo aumento do apoio eleitoral e do número de “representantes da nação” eleitos e que ninguém conhece por que não foram publicitados, possivelmente pela riqueza dos curricula, saliva pelo poder e quer mais: «Ventura já prepara governo-sombra com nomes de fora do partido: “somos contra os jobs for the boys” e está “pronto para governar” o país se assim chegar o momento». Ou quando a elite desejar e der ordem.

Relembrar que o agora “principal partido da oposição” foi um partido criado em tempo de governo PS, que pôde legalizar-se contrariando a lei e a Constituição da República, para ser usado contra o PSD, retirando-lhe votos, e simultaneamente assustar a pequena-burguesia medrosa para votar nos partidos politicamente correctos. Mas, ironicamente, virou-se contra o próprio PS, ocupando-lhe o lugar no Parlamento e no país e oficializando a união de facto, agora de jure, entre os dois parceiros do bloco central. Situação que não deixará de ser temporária. E é Marcelo que o reconhece: «o Presidente da República acredita que será possível estabilizar a situação política — foi isso que assegurou logo depois das primeiras reuniões com os partidos maiores, que “correram bem” — mas dificilmente durante uma legislatura inteira». Ainda tem dúvidas e dá a entender que o seu objectivo será mesmo colocar não só a extrema-direita no governo como mudar o regime, a mudança da Constituição não será apenas uma preocupação dos ditos “liberais”. Será a revanche de um filho do fascismo.

A pequena-burguesia sem espaço partidário

Em relação aos outros partidos com tradicional maior representação parlamentar e que já estavam, de uma ou outra forma, inseridos no establishment, BE e PCP, a situação é deveras preocupante quanto à sua continuidade na Assembleia da República. O primeiro passou de 10,19% e 550.892 votos (19 deputados), em 2015, para 2,00 % e 119.211 votos (1 deputado), perdeu cerca de 430 mil votos. Poderá estar em vias de extinção, um partido que, quando foi criado, resultando de coligação de várias agremiações, propunha-se conquistar 15% do eleitorado e, a médio prazo, substituir-se ao PS, à semelhança do que acontecera na Grécia com o Syriza. Acabando o BE, talvez o Livre, parido das suas entranhas, venha a cumprir a tarefa que ficou por concluir, e já disse ao que vem: «Livre quer "relação construtiva" com a esquerda».

A agremiação de partidos começou pelas questões “fracturantes” e acabou acomodado nas mordomias e subvenções parlamentares. Jamais colocou em causa o capitalismo como sistema de exploração, defende um capitalismo bonzinho e fofinho para os trabalhadores. Nega a existência e a luta de classes, existe somente grupos e lutas identitários; o inimigo não é o capitalismo, mas o outra facção que se contrapõe, por exemplo, as mulheres lutam contra o domínio machista, os negros contra a supremacia branca, os trabalhadores migrantes confrontam-se com os nacionais, os homossexuais, lésbicas, transsexuais, etc, confrontam-se com os heterossexuais, e por aí fora. A nível de política externa, seguem o PS, defesa das guerras do Império, manutenção do país na NATO, reconhecimento dos fantoches Gaidós. Esta pequena-burguesia urbana, em vias de proletarização, desaparecerá também.

O outro, o partido mais antigo do país, com pergaminhos na luta contra o fascismo, de 8,25% e 445.980 votos (17 deputados), em 2015, passou para 3,03 % e 180.943 votos (3 deputados), prejuízo de mais de 260 mil votos. Não estamos a ver este partido reverter a social-democratização em que se encontra mergulhado, limitando-se a acções e lutas por reivindicações imediatas e economicistas, facilmente recuperadas pela burguesia, como seja o aumento dos salários, sem colocar em causa a existência do regime de salariato e do domínio político e económico da burguesia. Os custos é a própria sobrevivência e o futuro não será muito diferente do dos ditos partidos “eurocomunistas”. Tanto o PCP como o BES, como já referenciámos aqui, deram-se mal com o apoio à formação do primeiro governo do PS/Costa (“geringonça”), porque até às eleições de 2022, enquanto minguavam em votos e número de deputados, o PS/Costa ia aumentando até chegar à maioria absoluta. Foram usados, porque quiseram, e agora pagam o preço.

Há cada vez menos espaço para partidos do centro e da pequena-burguesia, a social-democracia está morta, na luta de classes os campos extremaram-se e agora a confrontação é entre a classe assalariada e a grande burguesia capitalista, sem intermediários pelo meio. E o confronto vai ser violento. 

A musculação da democracia burguesa

Para se avaliar o espírito democrático de alguém é estarmos atentos aos pequenos deslizes, e o rei/presidente, que queria ser Sidónio Pais, às vezes foge-lhe o pé para a chinela: «Marcelo diz que reunião com Pedro Nuno foi simbólica e não vê problema na moção do PCP». São com os velhos fascistas, disfarçados de democratas, a que se juntam os políticos e os partidos da conciliação, tendo como pano de fundo a revisão da história, em Portugal nunca houve fascismo, isso são coisas dos italianos, quanto muito um regime autoritário de cunho pessoal, que se escorrega para novas formas de fascismo.

Para quê tantos deputados na Assembleia da República? 180 chegarão. É uma velha proposta do PSD, de 2005 se não estamos em erro, que agora o partido da extrema-direita corrobora e quer que seja colocada a referendo. E por que não alterar o actual método de Hondt que desperdiça centenas de milhares de votos e não criar círculos uninominais ou coisa semelhante? Todas boas razões para “aproximar” os eleitores dos seus representantes, são os argumentos de muito boa gente. Agora, os partidos com menos de 5% de votos poderão fazer contas à vida, BE e PCP são os alvos. Os restantes pouco ou nada contam, são mais de uma dúzia, mas não passam de flores de lapela para se mostrar que nesta chafarica até há democracia e pluralidade. O fascismo vem com pezinhos de lã, como na canção.

Será o estado da economia e o comportamento da classe dos explorados e do povo que determinarão a longevidade da democracia parlamentar burguesa. E isso ficou bem patente na I República, quando o povo deixou de apoiar o regime e a situação de bancarrota da economia era iminente, então, a elite substituiu a o voto pela espingarda. Ora, os nossos empresários de sucesso que sempre viveram encostados ao estado, e tiveram o PS e o PSD como os seus principais agentes de negócios, poderão mudar de funcionários se reconhecerem que tal lhes é vantajoso; o que poderá acontecer a breve prazo com a extrema-direita no governo. E eles queixam-se: «Setor têxtil português quer taxa mínima de 20 euros para encomendas vindas da China». Defendem a livre concorrência, mas só quando as coisas lhes correm bem, e são os tais que pagam salários miseráveis aos trabalhadores, que os impedem de adquirir bens eventualmente nacionais mais caros. Como não querem ver baixar os lucros, então, recorrem ao estado que os proteja, embora o critiquem por querer intervir na economia. Esta gente contraditória não deixa de ser perigosa.

Se a burguesia, a fim salvar o seu sistema de exploração e as suas riquezas, está disposta em apostar num fascismo soft, mais polido que o anterior, e num caudilho, salvador da Pátria, que está a ser lançado para Belém nos mesmos moldes, pelos mesmos oligarcas e pelos mesmíssimos media mainstream, que promoveram o partido de extrema-direita, os operários e o povo deste país terão de encontrar uma saída revolucionária que seja o contraponto e à mesma altura. A partir de agora não são somente os direitos e liberdades básicas, como o direito à greve, que o PS já prometera limitar em sectores chave da economia, o direito à saúde, à educação ou habitação estão em causa, mas a tentativa de transformar o país num imenso campo de trabalho escravo, muito semelhante ao que está a acontecer na Argentina, para multiplicação desmesurada das mais valias acumuladas pelos capitalistas. Para mudar a economia e não apenas a política, tarefa que ficou incompleta no Verão de 1975, haverá de se criar instrumentos organizativos e políticos à altura da tarefa, e o operariado e demais trabalhadores assalariados irão fazê-lo no momento oportuno, porque necessário.

Relacionado:

Nove meses depois, o secretário demitido e o deputado cleptomaníaco

É o bonapartismo, habituem-se!

Democracia portuguesa e o seu passado fascista

Eleições presidenciais e o regime apodrece

quinta-feira, 15 de maio de 2025

A flexibilidade política do capitalismo para maximização dos lucros

Dr. Jacques Pauwels: “Para promover os seus objectivos de maximização de lucros, o capitalismo está disposto a usar a “cenoura” da democracia, bem como o “pau” do fascismo” - Entrevista realizada por Mohsen Abdelmoumen 

«É efectivamente um mito que o capitalismo seja uma espécie de gémeo siamês da democracia. Por outras palavras, que o ambiente político favorito do capitalismo seja a democracia. A história mostra-nos que o capitalismo floresceu em sistemas altamente autoritários e apoiou entusiasticamente esses sistemas.» Isso verifica-se de Bismark a Pinochet passando por Hitler, e não ficará por aí, se isso lhe for permitido.

Mohsen Abdelmoumen: No seu livro “Big Business and Hitler”, fala da colaboração da elite económica, industrial e financeira mundial com Hitler. Hitler era um produto puro, um instrumento do sistema capitalista?

Dr. Jacques Pauwels: o chamado “Nacional-Socialismo” de Hitler, na realidade nenhuma forma de socialismo, era a variedade alemã do fascismo, e o fascismo era uma manifestação do capitalismo, a forma brutal e sórdida com que o capitalismo se manifestou no período entre guerras em resposta à ameaça de mudança revolucionária, personificada pelo comunismo, e a crise económica da Grande Depressão. Na medida em que Hitler personificou a variedade alemã de fascismo, ele pode de facto ser chamado “instrumento” do capitalismo; entretanto, como mencionei no meu livro, o termo “instrumento” é realmente demasiado simplista. Seria mais exacto definir Hitler como uma espécie de “agente”, um ser humano complexo com uma mente própria, agindo em nome do capitalismo alemão, mas nem sempre de acordo com os desejos dos capitalistas, ao invés de um mero “instrumento” ou “ferramenta” do capitalismo alemão. Isso explica por que os capitalistas alemães nem sempre estiveram perfeitamente satisfeitos com os serviços de Hitler. Mas a vantagem desse arranjo era que, após o colapso da Alemanha nazi, eles poderiam culpar o “agente” por todos os crimes que havia cometido em seu nome.

Tem o capitalismo uma necessidade vital do nazismo e do fascismo?

O capitalismo é um sistema socioeconómico muito flexível, capaz de funcionar em diferentes contextos políticos. É certamente um mito que o capitalismo, eufemisticamente conhecido como “mercado livre”, seja uma espécie de gémeo siamês da democracia, em outras palavras, que o ambiente político favorito do capitalismo seja a democracia. A história mostra-nos que o capitalismo floresceu em sistemas altamente autoritários e apoiou entusiasticamente esses sistemas. Na Alemanha, o capitalismo saiu-se extremamente bem quando Bismarck governava o Reich com punho de ferro. A Alemanha permaneceu 100% capitalista sob Hitler, e o capitalismo floresceu sob Hitler, antes e durante a guerra, como demonstrei no meu livro. O capitalismo também pode e deseja fazer parceria com a democracia, especialmente se as reformas democráticas parecem necessárias para dissipar a ameaça de mudança revolucionária, como por exemplo depois da Segunda Guerra Mundial, quando reformas políticas e sociais democráticas (o Welfare State) foram introduzidas na Europa Ocidental para inviabilizar as reivindicações muito mais radicais, até mesmo revolucionárias, formuladas por movimentos de resistência em países como a Itália e a França. Pode dizer-se que, para promover os seus objectivos de maximização de lucros, o capitalismo está disposto a usar a “cenoura” da democracia, bem como o “pau” do fascismo e outras formas de autoritarismo, como as ditaduras militares.

A ascensão de grupos neonazis e fascistas ao redor do mundo serve ao grande capital e à oligarquia que governa o mundo?

Como mencionado anteriormente, o fascismo é uma manifestação do capitalismo. Em outras palavras, é a forma pela qual o capitalismo, como um camaleão, ajusta a sua cor a um ambiente social e político em mudança. O fascismo histórico dos anos 30, personificado por gente como Mussolini e Hitler, reflectiu a resposta do capitalismo, na Itália e na Alemanha, à ameaça dupla da mudança revolucionária ao estilo russo e da Grande Depressão. Após a Segunda Guerra Mundial, quando o fascismo estava presumivelmente morto e enterrado, o capitalismo, especialmente o capitalismo americano, apoiou-se em sistemas neo, quase ou cripto-fascistas para neutralizar ameaças semelhantes. Por exemplo no Chile, onde Pinochet foi levado ao poder para bloquear reformas radicais e manter o país seguro para o capital de investimento dos EUA. Hoje, problemas económicos e sociais cada vez maiores, juntamente com ameaças revolucionárias reais ou percebidas, fizeram com que o capitalismo em vários países gerasse partidos e movimentos fascistas ou, se preferir, quase ou neofascistas. De momento, o capitalismo não precisa de levar esses fascistas ao poder; mas eles são muito úteis porque, como Hitler com seu anti-semitismo, desviam a atenção do público das deficiências do sistema capitalista culpando todas as coisas desagradáveis em bodes expiatórios (de preferência de cor), como muçulmanos, refugiados, os chineses e os Russkis. O escritor alemão Bertolt Brecht nos alertou poeticamente, aludindo ao fascismo hitlerista e à capacidade inalterada do capitalismo de gerar novas formas de fascismo:

“So was hätt einmal fast die Welt regiert! (O mundo quase era governado por tal monstro!)
Die Völker wurden seiner Herr, jedoch (Felizmente, as nações derrotaram-no)
dass keiner von uns zu früh da triunphiert (Mas não nos alegremos demasiado cedo)
Der Schoss ist fruchtbar noch (O útero de onde rastejou ainda é fértil.)
Aus dem das kroch”
(“A resistível ascensão de Arturo Ui”)

A União Europeia culpa a URSS por iniciar a Segunda Guerra Mundial. O que acha disso?

Culpar a URSS e, por implicação, o seu estado-sucessor russo pela Segunda Guerra Mundial, é uma declaração puramente política. Constitui uma distorção monstruosa e vergonhosa da história. Nos anos 30, a União Soviética procurou durante anos estabelecer uma aliança anti-Hitler com a França e a Grã-Bretanha, mas foi sucessivamente rejeitada. A razão para isso é que os cavalheiros no poder em Londres e Paris não queriam ir para a guerra ao lado dos soviéticos contra Hitler, mas queriam que Hitler usasse o poderio militar da Alemanha para marchar para o leste e destruir a União Soviética enquanto assistiriam alegremente do lado de fora. Hitler certamente queria a guerra, e é justamente culpado por iniciar a Segunda Guerra Mundial. Mas os líderes franceses e britânicos merecem uma parte da culpa porque encorajaram Hitler e o apoiaram com sua política de “Apaziguamento”, por exemplo, oferecendo-lhe a Tcheco-Eslováquia numa bandeja de prata no infame pacto que concluíram com ele em Munique em 1938.

Ao culpar a URSS, os políticos e os media ocidentais não procuram encobrir a sua própria horrível história de colaboração com Hitler e o nazismo?

Na verdade, culpando a União Soviética os países “ocidentais”, ou pelo menos seus líderes, procuram desviar a atenção do seu próprio papel na eclosão da Segunda Guerra Mundial. Por meio da sua infame política de apaziguamento, os líderes britânicos e franceses encorajaram e facilitaram os planos de Hitler para uma “cruzada” contra a União Soviética. E a elite corporativa e financeira dos países ocidentais, incluindo os Estados Unidos, colaborou de forma muito próxima - e muito lucrativa - com Hitler, como demonstrei nos meus livros, “Big Business and Hitler” e “The Myth of the Good War”.

Nos seus livros “Big Business and Hitler” e “Myth of the Good War: America and the Second World War”, desmantela o mito da “libertação” da Europa pelos Estados Unidos quando sabemos que foi a vitória soviética de Stalingrado que foi o ponto de viragem da guerra. Não é outra mentira histórica dizer que os Estados Unidos libertaram a Europa? Os Estados Unidos simplesmente não colonizaram a Europa? Como explica a dependência da Europa em relação aos EUA e o facto de os europeus ainda seguirem a política imperialista dos EUA? A NATO não se tornou obsoleta?

É verdade que a União Soviética deu, de longe, a maior contribuição para a vitória dos Aliados. Se o Exército Vermelho não tivesse conseguido deter o rolo compressor nazi em frente a Moscovo em 1941 e obter grandes vitórias em Stalingrado e outros lugares, Hitler teria vencido a guerra. Mas os nazis tinham a máquina de guerra mais poderosa que o mundo já vira, e derrotá-la exigiu contribuições de todos os exércitos aliados e também de movimentos de resistência. Que o exército norte-americano deu também uma contribuição importante não pode ser negado; entretanto, os líderes americanos aproveitaram a presença de seu exército na Europa Ocidental para estabelecer a sua hegemonia sobre aquela parte do mundo. Em muitos aspectos, realmente não “libertaram” os países da Europa Ocidental. Mesmo hoje, a Alemanha não é “livre” para pedir que as tropas americanas deixem o seu solo, e a Bélgica e a Holanda devem tolerar a presença de bombas atómicas norte-americanas no interior das suas fronteiras. O presidente da França, Charles de Gaulle, não estava longe do alvo quando descreveu a libertação norte-americana da França como uma segunda “ocupação”, seguindo os passos da ocupação alemã. Ao contrário dos alemães e belgas, ele teve a coragem de exigir que as tropas dos Estados Unidos deixassem a França, e essa foi uma das razões pelas quais a CIA parece ter-se envolvido em vários atentados contra a sua vida. Mas mesmo de Gaulle verificou ser impossível evitar a adesão à NATO, que não é de todo uma aliança de iguais, mas um clube de “satélites” europeus dos EUA, estritamente controlado pelo Pentágono, e funcionando como um departamento de vendas e relações públicas do “complexo militar-industrial” norte-americano. A NATO foi originalmente criada para defender a Europa Ocidental contra uma totalmente fictícia ameaça proveniente da União Soviética e, portanto, deveria ter sido dissolvida após o colapso do “império do mal”. Para os Estados Unidos, entretanto, a OTAN é um muito útil e poderoso instrumento de controlo da Europa. E, de facto, esse controlo, essa hegemonia, foi estabelecido pelos EUA nos meses que se seguiram ao desembarque das suas tropas na Normandia em 1944. Ironicamente, essa conquista não teria sido possível se o Exército Vermelho não tivesse anteriormente assestado golpes mortais à Alemanha nazi.

A intervenção norte-americana na Europa durante a Segunda Guerra Mundial não foi simplesmente uma guerra capitalista? Não serve principalmente aos interesses do imperialismo norte-americano e do seu complexo militar-industrial?

A Segunda Guerra Mundial resultou em duas guerras reunidas numa só. Por um lado, foi efectivamente uma guerra “capitalista”, ou melhor, uma guerra “imperialista”. O imperialismo foi/é a manifestação internacional e mundial do capitalismo, envolvendo competição e conflito entre as principais potências capitalistas/imperialistas sobre territórios repletos de desiderata como matérias-primas (como o petróleo) e mão de obra barata. A Primeira Guerra Mundial foi um conflito imperialista, mas não resolveu as coisas, por isso as potências imperialistas foram à guerra uma segunda vez. Os EUA sairiam desse conflito como o grande vencedor, graças, ironicamente, à derrota esmagadora do outro candidato à supremacia imperialista, a Alemanha nazi, perante a União Soviética. Ao mesmo tempo, a Segunda Guerra Mundial foi também um conflito entre capitalismo/imperialismo e socialismo, personificado pela União Soviética. É uma ironia da história que os dois tipos de conflito se tenham fundido, produzindo contradições como a aliança de facto da União Soviética socialista, intrinsecamente anticapitalista e anti-imperialista, com duas potências imperialistas anti-socialistas, os EUA e a Grã-Bretanha. A guerra serviu os interesses do imperialismo dos EUA ao permitir que os EUA emergissem como o número um indiscutível do imperialismo. Mas o resultado da guerra foi imperfeito porque também significou um triunfo para a União Soviética anti-imperialista. É por isso que, imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, Washington iniciou uma nova guerra, a “Guerra Fria”, com o objectivo de nada menos que a eliminação da União Soviética.

O imperialismo dos EUA nunca cessou uma política de guerra e golpes em todo o mundo. As guerras imperialistas no Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria, Iémen, etc. não são um sintoma da barbárie do imperialismo norte-americano?

Historicamente, o imperialismo norte-americano perseguiu seus objectivos de maneira sistemática, implacável e, pode acrescentar-se, não apenas abertamente mas também furtivamente, por meio de guerra aberta, guerra económica, desestabilização, sabotagem e tentativas de assassínio. Exemplos dessa crueldade incluem o desnecessário bombardeamento nuclear de Hiroshima, guerra química contra os vietnamitas, tentativas de assassínio bem ou mal sucedidas de líderes recalcitrantes como Fidel Castro e Lumumba e sanções económicas que custaram a vida de dezenas, senão centenas de milhares de mulheres e crianças, como Madeleine Albright infamemente reconheceu numa referência ao Iraque. Então, sim, as guerras iniciadas pelos EUA no Iraque, Afeganistão, Líbia, etc., são sintomáticas dessa crueldade ou barbárie, como lhe chama.

Jacques R. Pauwels é historiador, investigador e escritor, nascido em Ghent, Bélgica. Emigrou para o Canadá em 1969 após estudar história na Universidade de Ghent e instalou-se perto da cidade de Toronto. Fez estudos de doutoramento na York University em Toronto, especializando-se na história social da Alemanha nazi, e recebeu seu PhD em 1976. Tornou-se professor de história em várias universidades canadianas, incluindo a University of Toronto e a University of Guelph. Em 1995 obteve um Ph.D. em ciência política na especialidade de regulamentação do investimento estrangeiro no Canadá. É professor em várias universidades de Ontário, incluindo a University of Toronto, Waterloo, Guelph, e publicou numerosos artigos.

É autor de vários livros traduzidos em várias línguas, incluindo “Women, Nazis, and Universities : Women University Students in Nazi Germany, 1933-1945”; “The Myth of the Good War”; “The Great Class War”; “Big Business and Hitler”.

O seu website contém conferências e entrevistas em que participou, bem como as suas numerosas publicações: http://www.jacquespauwels.net/

Entrevista: Aqui

Imagem: “Capitalismo” - Nani Lucas, 10 Julho 2021

Fonte

sexta-feira, 9 de maio de 2025

Memória Selectiva: O Papel Esquecido da União Soviética na Libertação da Europa

Por Marc Vandepitte 

Os dias 8 e 9 de maio marcam o 80º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial na Europa. No entanto, o papel central da União Soviética nesta vitória — e o terrível preço que pagou por ela — está a ser cada vez mais esquecido ou minimizado no Ocidente devido à memória selectiva e ao oportunismo geopolítico.

O Exército Vermelho: motor da libertação da Europa

Em maio de 1945, o Exército Vermelho marchou em direção à capital alemã. A 2 de maio, Berlim foi tomada. A bandeira vermelha, símbolo da destruição do III Reich de Hitler, foi hasteada no edifício do Reichstag.

Os combates que o antecederam foram de uma magnitude e brutalidade sem precedentes. Desde 1941 que a União Soviética trava uma guerra de aniquilamento contra a Alemanha nazi. Mais de 26 milhões de cidadãos soviéticos perderam a vida, tanto soldados como civis. Nenhum outro país pagou um preço tão elevado.

As batalhas decisivas da guerra foram travadas na Frente Leste: Moscovo, Leninegrado, Estalinegrado, Kursk, campos de extermínio que mudaram o rumo do conflito. Os historiadores concordam que sem os esforços e sacrifícios do Exército Vermelho e a resistência heróica do povo da União Soviética, a máquina de guerra nazi nunca teria sido travada.

O papel dos Estados Unidos

No entanto, este papel crucial é frequentemente subestimado nos países ocidentais. A razão? A história da guerra não se enquadra na imagem simplista da "boa guerra", na qual os EUA foram o farol moral e derrotaram o fascismo através do altruísmo.

O papel dos Estados Unidos era muito ambíguo. Como descreve o historiador Jacques Pauwels, as empresas americanas continuaram a negociar com o regime nazi até à década de 1930. Grandes corporações como a IBM, a Standard Oil e a Ford obtiveram enormes lucros com o rearmamento e a produção alemã. Até dezembro de 1941, as empresas americanas forneciam produtos petrolíferos à Alemanha nazi.

Dentro do establishment havia uma simpatia aberta pela Alemanha nazi e outros regimes fascistas. Henry Ford, por exemplo, era um grande admirador de Adolf Hitler. Um amplo movimento dentro dos EUA, denominado "America First", opôs-se fortemente à intervenção americana nos conflitos europeus.

Mesmo depois de a Alemanha ter invadido a Polónia em Setembro de 1939, não houve apoio financeiro imediato nem fornecimento de armas por parte dos EUA. Tudo mudou depois do ataque a Pearl Harbor, a 7 de dezembro de 1941. Ou seja, os EUA esperaram dois anos até se juntarem aos Aliados.

Nascido do grande capital

Muitas vezes esquecido ou escondido, o fascismo, tanto em Itália como na Alemanha, nasceu do capitalismo. Era uma ferramenta para reprimir o movimento operário e as forças de esquerda. Sem o apoio das grandes empresas, Hitler nunca teria sido capaz de desenvolver o seu partido fascista nem teria sido eleito. A mesma coisa acontece com Mussolini.

Foto: Fotomontagem de John Heartfield para a revista AIZ, Berlim, 16 de outubro de 1932, "O significado da saudação de Hitler. Há milhões atrás de mim."

Depois da guerra, estas relações foram cuidadosamente ocultadas. Os industriais com ligações nazis recebiam frequentemente penas leves ou eram completamente absolvidos nos julgamentos de Nuremberga. A elite alemã de banqueiros e donos de fábricas que ajudaram Hitler a chegar ao poder permaneceu em grande parte impune graças à protecção da força de ocupação americana.

As heroínas e os heróis silenciados

Não só o Exército Soviético, mas também milhões de civis, guerrilheiros e civis contribuíram para a derrota do fascismo. A resistência foi muito forte na Jugoslávia, França, Itália, Grécia e outros países europeus.

Comunistas, sindicalistas, trabalhadores e estudantes arriscaram a vida em actos de sabotagem, greves, redes clandestinas e resistência armada. Os combatentes da resistência contrabandeavam alimentos, escondiam fugitivos e resistiam numa época em que resistir significava tortura ou morte.

Esta resistência teve um amplo apoio popular. A célebre greve de Maio de 1941 na Bélgica (10 a 18 de Maio), na qual centenas de milhares de trabalhadores abandonaram o trabalho em protesto contra os nazis, foi um dos maiores actos de resistência na Europa ocupada.

No entanto, estes actos desapareceram muitas vezes da historiografia oficial, tal como o papel dos comunistas na resistência é sistematicamente silenciado ou negado.

Para homenagear estes heróis e heroínas da resistência e manter a sua memória viva, a Bélgica lançou a iniciativa Heróis da Resistência , fundada pelo historiador Dany Neudt e pelo escritor Tim Van Steendam. Desde agosto de 2022 que a organização publica diariamente pequenas biografias de combatentes da resistência no seu website e nas redes sociais para partilhar as suas histórias.

A importância da memória

As lições dessa época são mais relevantes do que nunca hoje. A ascensão da extrema-direita na Europa, a normalização do discurso de ódio e a ascensão de líderes autoritários representam uma ameaça às liberdades duramente conquistadas pelas quais tantos deram a vida.

Além disso, a guerra na Ucrânia levou a uma perigosa forma de reescrita histórica. Em nome da luta contra Putin, qualquer referência ao passado soviético torna-se suspeita, pelo que comemorar a vitória soviética sobre a Alemanha nazi é subitamente considerado uma "glorificação da Rússia".

Assim, a homenagem aos libertadores da Europa corre o risco de ser substituída por uma amnésia selectiva e por uma distorção que alimenta o extremismo em vez de o combater. A verdade histórica não deve ser vítima de inimizade geopolítica.

A Segunda Guerra Mundial não foi um choque de nações, mas um confronto direto entre ideologias. De um lado: fascismo, racismo, colonialismo e genocídio. Do outro: a resistência antifascista, a solidariedade internacional e a justiça social.

Por conseguinte, a comemoração não é um ritual facultativo, mas um ato político. Se nos esquecermos de quem realmente derrotou o fascismo, esqueceremos também quem está hoje ameaçado. E que mais uma vez beneficiam do ódio, da opressão e da divisão.

Por isso, em vários países europeus há um clamor crescente para voltar a declarar o dia 8 de maio (Dia da Vitória) como feriado legal e remunerado; não como um dia de folclore, mas como um dia de memória, reflexão e vigilância.

Celebra não só a queda de Hitler, mas também a força da resistência popular, a solidariedade entre os povos e as lições da experiência socialista que conseguiu derrotar o fascismo.

O que o dia 8 de maio nos ensina é que a liberdade não é algo óbvio, mas o resultado da luta. Foi a União Soviética que fez os maiores sacrifícios. Foram os comunistas e os trabalhadores que lideraram a resistência. Foi a solidariedade internacional que derrotou o fascismo.

Não podemos esquecer esta história. Não por nostalgia, mas por necessidade.

Marc Vandepitte é membro da Rede de Intelectuais, Artistas e Movimentos Sociais em Defesa da Humanidade (REDH).

Fonte

terça-feira, 6 de maio de 2025

O Despertar do Pesadelo da Civilização Ocidental

Por Caitlin Johnstone

Não precisamos de filmes de terror. Estamos a criar os nossos próprios horrores em locais como Gaza. Não precisamos de ficção distópica. Estamos a viver uma distopia aqui mesmo na nossa própria sociedade. Não precisamos de histórias fantásticas sobre monstros assustadores. Os monstros assustadores controlam o nosso governo.

Os ocidentais criam um pesadelo acordado, compartimentam psicologicamente a sua existência e depois vão ver um filme sobre um pesadelo acordado fictício para se emocionarem.

Ficaremos sentados na ponta da cadeira a ver histórias inventadas sobre assassinos psicopatas enquanto assassinos psicopatas dominam o mundo.

Viraremos as costas a atos horríveis de carnificina humana e, em seguida, assistiremos a atos fictícios de carnificina humana, superando qualquer desconforto que possamos sentir, lembrando-nos que aquilo a que estamos a assistir não está a acontecer na vida real.

Alguém nos meus comentários do Substack acabou de me perguntar se eu tinha considerado a possibilidade de que o mundo poderia ser melhor sem a humanidade, por causa de todas as coisas horríveis que estão a acontecer enquanto a grande maioria de nós não faz nada para o impedir.

Há certamente muitas coisas feias no comportamento humano, e há forças dentro de nós que não merecem absolutamente existir. O nosso egocentrismo. A nossa competitividade. O nosso ódio e preconceito. A nossa tolerância aparentemente ilimitada por abusos insondáveis, desde que sejam infligidos a pessoas noutros países, cujos rostos angustiados não precisamos de olhar. As ilusões e os padrões de condicionamento baseados no trauma que temos transmitido de geração em geração desde o início da civilização. O mundo seria melhor sem estas coisas.

Mas, ao longo dos anos, também me familiarizei com dinâmicas dentro do organismo humano que poderiam transformar este mundo num paraíso, se conseguíssemos sair do nosso condicionamento baseado em ilusões o suficiente para as percebermos. Dentro de cada ser humano existe o potencial para ações altruístas e uma vasta compaixão. Todos nós temos dentro de nós a capacidade de curar. Todos nós temos dentro de nós a capacidade de nos livrarmos da consciência egoica, tal como um réptil se livra de escamas velhas.

Talvez seja disparatado, mas gosto de pensar nesta potencialidade como uma espécie de arma de Tchekov para a nossa espécie, ali no palco à espera de disparar enquanto a história da humanidade se desenrola. Sei com certeza que os humanos têm o potencial de despertar do transe do ego de formas profundamente transformadoras, e escolho acreditar que o dramaturgo colocou esse potencial aí por uma razão.

Toda a espécie acaba por chegar a um ponto em que precisa de se adaptar a condições mutáveis ​​que ameaçam a sua existência ou então serão extintas. Acontece que, no caso da humanidade, as condições mutáveis ​​que ameaçam a nossa existência são criações das nossas próprias mentes. Ecocídio. Temeridade nuclear. IA armada. Guerra biológica. Quanto mais os nossos egos nos conduzem pelo caminho da competição e da dominação, mais provável é que abramos a nós próprios algum perigo existencial do qual não há volta a dar.

Ou faremos as adaptações necessárias e encontraremos uma forma de desbloquear colectivamente o nosso potencial adormecido de funcionamento altruísta neste planeta, ou seguiremos o caminho dos dinossauros. Continuo a pensar assim porque já vi coisas estranhas e demasiado milagrosas na minha vida para acreditar que tal despertar seja impossível.

E a boa notícia é que temos a verdade do nosso lado. O ego humano é uma ilusão; o eu não existe. A iluminação já está aqui, mais perto de nós do que a nossa própria respiração, apenas a ser esquecida no meio dos devaneios da mente iludida. A publicidade é enganosa, e a verdade está cada vez mais exposta. Os humanos são cada vez melhores a partilhar ideias e informações sobre o que realmente está a acontecer no nosso mundo.

Só precisamos de abrir os olhos. Precisamos apenas de deixar a verdade falar. É tudo o que é necessário acontecer.

Precisamos de parar de nos fixar em todas estas histórias inventadas nas nossas cabeças e nos nossos ecrãs, e olhar profundamente para o que realmente está a acontecer.

 Fonte