Só o roubo
pode salvar a sociedade burguesa! Só o roubo, a bastardia, a família, a
desordem, a ordem!
Karl
Marx, O 18 Brumário de Luís Bonaparte
Os sucessos do governo de Costa
Costa, na entrevista, elenca os feitos do seu
governo nestes nove meses de mandato, esquecendo-se que este governo mais não
passa da continuidade do anterior sem os parceiros geringonços. A principal
façanha terá sido a “recuperação” da economia pós-pandemia, aprovação de dois
orçamentos de estado e dois acordos de concertação com os “parceiros sociais”,
patrões e trabalhadores, incluindo os da função pública, o que irá, em
princípio, garantir a paz social e a estabilidade, tão de agrado das elites e do
PR monárquico Marcelo; a redução dos impostos sobre as empresas e a distribuição
do bodo aos pobres que foram os subsídios dos 60 euros e mais tarde de 150 e
agora de 240 euros, que abrangeram não só os mais economicamente vulneráveis como
a classe média cada vez mais proletarizada. Costa tem conseguido manter e até aumentar
os lucros das grandes empresas com a subsidiação do poder de compra dos mais
pobres, como bem tem aconselhado tanto o FMI como o BCE, em vez de tabelar os
preços e intervir directamente na economia, a fim de impedir a escalada dos
preços, e aumentar os salários e as reformas e pensões ao mesmo nível, pelo
menos, da taxa da inflação. A glória de Costa está, e na entrevista orgulha-se
disso, em ser um bom “gestor de crises”, ou seja, gestor da crise do
capitalismo e manter o povo calmo.
Os críticos de Costa falam do acessório,
criticam o estilo de Costa, “arrogante”, “presunção”, “insegurança”, de “cansaço”
e “precisar de férias”, e chegam a jogar com eventuais divisões internas do PS
apresentando alguns socialistas “desconfortáveis” com o tom de António Costa,
nunca com o conteúdo do discurso do entrevistado, pela simples razão de que
todos concordam com a política levado a cabo pelo governo; a própria oposição
não apresenta nada de diferente, razão pela qual Costa pode facilmente acusar
os eus oponentes de “falta de ideias”. Ao cabo e ao resto, trata-se de saber
quem é que no momento seria o melhor servidor do capital, não mais do que isso.
Com maioria absoluta, Costa pode, como se costuma dizer, arrotar postas de pescada,
porque a oposição não existe, do lado da direita e da esquerda, os dois
ex-parceiros da geringonça ficaram sem capital político, limitando-se o BE e o
PCP, e mais o primeiro do que o segundo, a atacar o governo em questões
pontuais como seja o SNS que se encontra a dar o último suspiro, ou seja, nas
palavras de Catarina Martins, no “princípio do fim”.
Costa – e não é despiciendo enfatizar – perante
as câmaras, ufana-se: “se não fossemos nós a gerir a crise, quem o faria?” Não
deixa de ter orgulho pela confiança que as elites nacionais e o grande capital
financeiro, representado por Bruxelas, até agora lhe têm garantido. É a
confiança do servo que presta serviço com zelo e se esforça diariamente para que
essa relação de entendimento não esmoreça ou quebre. Só que esta ligação só se
manterá com esforço acrescido e, temos de reconhecer, o homem tem tido o seu
mérito. Não nos devemos esquecer como se formou o primeiro governo do PS
liderado por Costa, que só foi possível graças à colaboração dos dois partidos
que lhe ficam mais à esquerda, convencidos com a léria de reposição dos
salários e reformas, das condições de vida em geral e das leis do trabalho em
particular, que foram retiradas por imposição da troika e do governo PSD/PP,
que também se vangloriou do facto de ter além do que lhe terá sido exigido,
fazendo o papel de idiotas úteis do regime. Depois de “comer” o eleitorado daqueles
dois partidos, conhecidos por “muletas” da “geringonça”, Costa e o PS
facilmente ganharam as eleições por maioria absoluta de facto, porque a maioria
já o era mas de jure.
Os bonapartismos em sociedades pré-industriais ou pouco industrializadas
Estes dois partidos, apesar do rótulo de esquerda,
mais não são que organizações que representam os interesses de sectores distintos
da mesma classe média, ou seja, a pequena burguesia que, descontente com as
injustiças e os exageros do capitalismo, tem mais medo da revolução ou da
mudança brusca e radical do seu estilo de vida do que qualquer outra coisa. São
partidos que de “radicais” só possuem o nome, um deles em questões internas e
externas alinham abertamente pelo lado do capitalismo e do imperialismo, o outro
difere pelo facto de a nível externo ainda combater os crimes e desmandos do
imperialismo norte-americano e algumas vezes da União Europeia. Mas não só o
apoio a Costa vem de parte do eleitorado destes partidos e das suas direcções como
vem sobretudo da classe média em geral, seguindo o que acontece usualmente no fenómeno
político conhecido por “bonapartismo”. Este constitui uma tendência,
principalmente em sociedade onde não se fez a revolução industrial e onde ainda
predomina um sector social de pequena propriedade, quando se verifica um
período prolongado de crise económica e os partidos do poder se encontram em
forte declínio de credibilidade. Nestas condições é fácil que surja um “Salvador”
da Pátria, um Messias que se irá impor pela figura em si ou pelo que possa
representar no imaginário dos pequenos burgueses assustados e não pelo programa
político apresentado, que muitas das vezes nem existe e quando levado à prática
é bem pior daquele que se encontra em vigor e imposto pelo partido de turno no
governo. O objectivo último será sempre o de salvar, não o povo, mas as elites
e seu sistema de exploração.
Candidatos a Bonaparte sempre houve em
Portugal, desde o D. Sebastião, que haveria de vir numa manhã de nevoeiro para
salvar o Império, ao Sidónio, o presidente rei, que teve vida curta e preanunciou
o regime fascista instituído pelo golpe de estado de 1926, aos actuais
candidatos, e vários nomes se poderão apontar: Cavaco, Marcelo, Costa, ou o
almirante das vacinas que tem sido ultimamente apontado como sucessor de
Marcelo, talvez um Américo Tomas mais moderno e proactivo. No entanto, e por
agora, vai-se assistindo à coexistência pacífica, pelo menos à superfície, de
dois venenosos, entre o primeiro-ministro Costa e o Presidente da República
Marcelo, na justa medida em que a economia vai-se aguentando menos mal e povo
mantem-se pacífico. E tudo é utilizado para manter a paz social e a
estabilidade, desde o apoio de patriotismo balofo à selecção nacional de
futebol, no campeonato do mundo, até ao folclore inócuo das manifestações e
algumas greves, feitas a prestações pelos sindicatos das duas centrais
sindicais do regime. Não parece haver nenhum repúdio, que a existir deveria ser
veemente e generalizado, pelo comportamento displicente e perdulário dos
dinheiros públicos de Marcelo nas suas constantes deslocações ao estrangeiro e
da substituição da frota automóvel que o estado lhe colocou ao serviço e que irá
ficar em mais 500 mil euros, a transição energética já está a ficar cara com a
descarbonização do PR, substituindo automóveis a gasóleo por eléctricos.
Depois de ir à bola à custa do Zé, depois de
ir dar um mergulho no mar em Cabo Verde, porque é tradição em dia de
aniversário; agora, projecta ir à tomada de posse de Lula e, aproveitando a
deixa, passará o Fim de Ano no Brasil. Para perguntar, será em casa de Ricardo
Salgado? Em princípio não precisará, as despesas estão antecipadamente pagas. Se
Costa foi à Ucrânia cumprimentar o colega da vassalagem ao Tio Sam, porque
carga de água não irá Marcelo fazer o mesmo? Assim, Marcelo já anunciou a sua
peregrinação a Kiev “certamente no próximo ano”, a questão é saber se a Ucrânia
ainda existirá e se existir como estará nessa altura. O anúncio terá sido feito
na sua visita à tropa mercenária portuguesa que se encontra destacada na
Roménia por obrigação perante a Otan/Nato. Quanto a subserviência ao
imperialismo americano e à sua sucursal europeia (UE) Marcelo faz questão de
ombrear com Costa, que na entrevista não se esqueceu de dizer que a paz só será
possível com a ”derrota da Rússia”. Marcelo está bem para o Costa e vice-versa.
As próprias sondagens mostram esta equivalência, Costa não afunda na popularidade
e apoio do eleitorado sondado e nem Marcelo fica com imagem negativa apesar de
toda a sua inclinação turística; aliás, a imprensa amiga continua, a contento
dos fãs, a dar uma imagem simpática, mas invertida, do seu papel: “Marcelo nem
fala demasiado nem fiscaliza o suficiente” (Sondagem Expresso/SIC); afinal, o
Balsemão é um amigalhaço e o “papagaio-mor” ainda continua a ser “o político
mais popular do país”… e nem fala demasiado!
Quanto ao aparecimento do bonapartismo em
França, Marx (O 18 Brumário de Luís Bonaparte) caracterizava o novo regime como
o governo da gatunagem e da corrupção e, recordando a Regência ou Luís XV, “… a
França já conheceu um número bastante considerável de favoritas, mas nunca um
governo de chulos.” Em Portugal a gatunagem, a corrupção e os chulos já são
endémicos e sem Bonaparte, mas a partir de agora, com a profunda e arrastada crise
do capitalismo e a guerra inter-imperialista à porta, a situação irá
exponenciar-se. Não é coincidência que todos os partidos com assento na Assembleia
da República se encontram de acordo quanto a uma nova revisão da Constituição da
República, será a oitava se não estamos em erro, poderão quanto muito discordar
em alguma questão de pormenor, mas no essencial estão de acordo: há que dar
mais poder ao órgão executivo, esvaziando ainda mais o Parlamento do seu poder –
os deputados irão assinar a sua certidão de óbito. É a musculação do regime com
o argumento de agilização da acção governativa em situações de excepção, como
pandemias, catástrofes naturais repentinas, as putativas “alterações climáticas”
vêm a calhar, etc., tudo a bem da saúde de todos ou do país em geral.
No entanto, seja qual for o Bonaparte, e o quadro político em que venha a surgir, nunca deixará de ser, como também referiu Marx, “Le roi des drôles”.
Imagem: Montagem da capa da "Visão" na net.
Texto interessante, mas com uma particularidade. Mete tudo no mesmo saco. Em politica, tem de se ir ao pormenor, separando o trigo do joio.
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