Karl Marx, 1891
Quando o capital cresce, a massa do trabalho assalariado engrossa, o número de operários assalariados aumenta, numa palavra: a dominação do capital estende-se a uma massa maior de indivíduos. Vamos supor o caso mais favorável: quando o capital produtivo cresce, a procura de trabalho aumenta. Sobe, portanto, o preço do trabalho, o salário.
Pode uma casa ser grande ou pequena, enquanto
as casas que a rodeiam forem também pequenas, ela satisfaz todas as exigências
sociais de uma casa. Mas, se ao lado da casa pequena se erguer um palácio, a
casa pequena passa à categoria de cabana. A casa pequena é, então, a prova de
que o seu proprietário não pode ser exigente ou que só pode ter exigências
muito modestas. E por muito que ela cresça, no decurso da civilização, se o
palácio vizinho crescer na mesma proporção ou ainda mais depressa, o habitante
da casa relativamente pequena sentir-se-á cada vez menos à vontade, mais
descontente, mais acanhado entre as suas quatro paredes.
Um aumento sensível do salário pressupõe um
crescimento rápido do capital produtivo. O crescimento rápido do capital
produtivo provoca um crescimento igualmente rápido da riqueza, do luxo, das
necessidades e das fruições sociais. Por conseguinte, mesmo que as fruições do
operário tenham aumentado, a satisfação social que proporcionam terá diminuído,
em comparação com as maiores fruições do capitalista que são inacessíveis ao
operário, em comparação com o estádio de desenvolvimento da sociedade em geral.
As nossas necessidades e as nossas fruições têm a sua origem na sociedade; em
consequência, nós medimo-las pela sociedade e não pelos objectos da nossa
satisfação. Sendo de natureza social, são de natureza relativa.
Portanto, o salário, ao fim e ao cabo, não é
determinado apenas pela quantidade de mercadorias que se podem obter em troca.
Implica diversas relações.
O que os operários recebem, antes de mais,
pela sua força de trabalho, é uma determinada quantia em dinheiro. Acaso é o
salário determinado apenas por este preço em dinheiro?
No século XVI, o ouro e a prata em circulação
na Europa aumentaram em consequência da descoberta na América de minas mais
ricas e mais fáceis de explorar. Por esta razão, o valor do ouro e da prata
baixou em relação às outras mercadorias. Os operários continuaram a receber o
mesmo montante de prata cunhada pela sua força de trabalho. O preço em dinheiro
do seu trabalho ficou na mesma e, no entanto, o seu salário tinha baixado, pois
em troca da mesma quantidade de dinheiro recebiam uma quantidade menor de
outras mercadorias. Esta foi uma das circunstâncias que favoreceram o
crescimento do capital, o desenvolvimento da burguesia no século XVI.
Consideremos outro caso. No Inverno de 1847,
os produtos alimentares mais indispensáveis, o trigo, a carne, a manteiga, o
queijo, etc., em virtude de uma colheita fraca tinham aumentado
consideravelmente de preço. Suponhamos que os operários tenham continuado a
receber pela sua força de trabalho a mesma quantia em dinheiro. Não teria o seu
salário baixado? Claro que sim. Pela mesma quantidade de dinheiro, eles
recebiam em troca menos pão, menos carne, etc. O salário tinha decido não
porque tivesse diminuído o valor do dinheiro, mas porque tinha aumentado o
valor dos meios de subsistência.
Suponhamos, finalmente, que o preço em
dinheiro do trabalho se mantenha o mesmo enquanto todos os produtos agrícolas e
manufacturados baixaram de preço, pelo emprego de novas máquinas, por uma
colheita mais favorável, etc. Pela mesma quantidade de dinheiro, os operários
podem passar a comprar mais mercadorias de todo o género. O seu salário,
portanto, terá subido precisamente não se ter alterado o seu valor em dinheiro.
Como vemos, o preço em dinheiro do trabalho, o
salário nominal, não coincide com o salário real, quer dizer, com a quantidade
de mercadorias que realmente se obtêm a troco do salário. Por conseguinte,
quando falamos de altas ou de baixas do salário, não devemos considerar somente
o preço em dinheiro do trabalho, o salário nominal.
Mas as relações contidas no salário não se
esgotam com o salário nominal - a quantia de dinheiro pela qual o operário se
vende ao capitalista – e o salário real – a quantidade de mercadorias que pode
realmente comprar com esse dinheiro.
O salário é ainda determinado, em primeiro
lugar, pela sua relação com o ganho, com o lucro do capitalista; o salário é
relativo, proporcional.
O salário real exprime o preço do trabalho
relativamente ao preço de outras mercadorias; o salário relativo, em
contrapartida exprime a parte do trabalho imediato no novo valor que criou em
relação à parte que cabe ao trabalho ao trabalho acumulado, ao capital.
Dizíamos mais acima, na página 20: «O salário
não é a parte do operário na mercadoria que este produz. O salário é a parte
das mercadorias já existentes com a qual o capitalista compra uma determinada
quantidade de força de trabalho produtiva». Mas o capitalista tem que recuperar
novamente este salário no preço por que vende o produto fabricado pelo
operário; precisa de o recuperar, de modo a que, regra geral, ainda sobre para
ele um excedente sobre o custo de produção dispendido, um lucro. O preço de venda
da mercadoria produzida pelo operário divide-se, para o capitalista, e três
partes: primeira , a reposição do preço das ma matérias-primas
adiantadas bem como a reposição do desgaste dos instrumentos, máquinas e outros
meios de trabalho também adiantados por ele; segunda , a reposição do
salário que adiantou; terceira, a parte que resta, o lucro do
capitalista. Enquanto a primeira parte apenas repõe valores já existentes
anteriormente , é evidente que tanto a repôs ição do salário como o
excedente que forma o lucro do capitalista provêm, ao fim e ao cabo, do novo
valor criado pelo trabalho do operário e acrescentado às matérias-primas.
E só neste sentido podemos considerar quer o salário quer o lucro,
quando os comparamos em conjunto, como participações do operário no produto.
Pode acontecer que o salário real continue a
ser o mesmo e, inclusivamente, que aumente, sem que por isso o salário relativo
deixe de diminuir. Suponhamos, por exemplo, que o preço de todos os meios de
subsistência tenha baixado 2/3 e o salário diário apenas 1/3, ou seja, por
exemplo, de 3 marcos para 2. Embora o operário disponha, com os seus 2 marcos,
de uma maior quantidade de mercadorias que anteriormente com 3 marcos, o seu
salário, entretanto, terá diminuído em relação ao ganho do capitalista. O lucro
do capitalista (do fabricante, por exemplo) aumentou 1 marco, o que significa
que o operário, por uma quantidade menor de valores de troca que lhe paga o
capitalista, precisa de produzir uma quantidade de valores de troca superior à
precedente. A parte do capital aumentou em relação à parte do trabalho. A
repartição da riqueza social entre o capital e o trabalho tornou-se ainda mais desigual.
Com o mesmo capital, o capitalista é senhor de uma maior quantidade de
trabalho. O poder da classe capitalista sobre a classe operária aumentou, a
situação social do operário piorou, desceu mais um grau abaixo da do
capitalista.
Qual é então a lei geral que determina a alta
e a baixa do salário e do lucro nas suas relações recíprocas?
Estão na razão inversa. A parte do capital, o
lucro, sobe na mesma proporção em que baixa a parte do trabalho, o salário
diário, e reciprocamente. O lucro sobe na medida em que o salário baixa, e
baixa na medida em que o salário sobe.
Objectar-se-á talvez que o capitalista pode
realizar lucros graças a uma troca vantajosa dos seus produtos com outros
capitalistas, quando aumenta a procura da sua mercadoria, seja em consequência
da abertura de novos mercados, seja devido ao aumento momentâneo das
necessidades nos antigos mercados, etc.; que, portanto, o lucro do capitalista
pode crescer à custa de outros capitalistas, independentemente da alta ou da
baixa do salário, do valor de troca da força de trabalho; ou que o lucro pode
crescer igualmente graças ao aperfeiçoamento dos instrumentos de trabalho,
graças a uma nova utilização das forças naturais, etc.
Em primeiro lugar, deverá reconhecer-se que o
resultado é o mesmo, ainda que se chegue lá por um caminho inverso. É certo que
o lucro não terá aumentado porque o salário tenha diminuído, mas o salário terá
diminuído por o lucro ter aumentado. Com a mesma quantidade de trabalho alheio,
o capitalista terá comprado uma maior quantidade de valores de troca sem, com
isso, pagar mais caro o trabalho; quer dizer, o trabalho terá sido pior
remunerado em relação ao lucro líquido que dá ao capitalista.
Lembremos, além disso, que, a despeito das
oscilações dos preços das mercadorias, o preço médio de cada mercadoria, a
relação pela qual se troca por outras mercadorias, é determinado pelo seu custo
de produção . As aldrabices mútuas no seio da classe capitalista
compensam-se, portanto, necessariamente. O aperfeiçoamento das máquinas, o uso
de novas forças naturais ao serviço da produção permitem, num dado tempo de
trabalho, com a mesma quantidade de trabalho e de capital, criar uma maior
massa de produtos, mas de modo algum uma maior massa de valores de troca. Se,
graças à utilização da máquina de fiar, eu posso fabricar numa hora duas vezes
mais fio que antes da sua invenção, por exemplo, cem libras em vez de
cinquenta, acabo por não receber em troca mais mercadorias que as que
anteriormente recebia por cinquenta, por o custo de produção se reduzir a
metade ou por, com o mesmo custo, poder fabricar o dobro do produto.
Finalmente, qualquer que seja a proporção em
que a classe capitalista, a burguesia (seja de um país, seja de todo o mercado
mundial), reparta entre os seus membros o lucro líquido da produção, o montante
total desse lucro líquido representa sempre, de forma geral, o montante que o
trabalho vivo acrescentou ao trabalho acumulado. Esta soma total cresce,
portanto, na medida em que o trabalho aumenta o capital, quer dizer, na medida
em que o lucro cresce em relação ao salário.
Estamos portanto a ver que, mesmo se nos
limitarmos às relações entre o capital e o trabalho assalariado, os
interesses do capital e os interesses do trabalho assalariado são
diametralmente opostos.
Um crescimento rápido do capital equivale a um
crescimento rápido do lucro. O lucro só pode crescer rapidamente se o preço do
trabalho, o salário relativo diminuir com a mesma rapidez. O salário relativo
pode baixar mesmo que o salário real suba simultaneamente com o salário
nominal, com o valor em dinheiro do trabalho, desde que estes não subam na
mesma proporção que o lucro. Se, por exemplo, numa época de bons negócios, o
salário aumenta 5% e o lucro, por seu lado, 30%, o salário proporcional, o
salário relativo, em vez de aumentar, diminuiu .
Portanto, se o rendimento do operário aumenta
com o crescimento rápido do capital, o abismo social que separa o operário do
capitalista aprofunda-se ao mesmo tempo e aumenta, a par disso, o poder do
capital sobre o trabalho, o estado de dependência do trabalho face ao capital.
Dizer que o operário está interessado num
crescimento rápido do capital significa simplesmente que, quanto mais
rapidamente o operário aumenta a riqueza alheia, mais substanciais são as
migalhas que recolhe do banquete; quanto mais operários puderem encontrar
emprego e reproduzir-se, mais se pode multiplicar a massa dos escravos na
dependência do capital.
Portanto, nós verificámos:
Que mesmo a situação mais favorável para
classe operária, o crescimento mais rápido possível do capital ,
ainda que traga alguma melhoria à vida material do operário, não suprime o
antagonismo entre os seus interesses e os interesses do burguês, do
capitalista. Lucro e salário continuarão, exactamente como
antes, a estar na razão inversa um do outro .
Quando o capital cresce rapidamente, o salário
pode aumentar, mas incomparavelmente mais depressa aumenta o lucro do capital.
A situação material do operário melhorou, mas à custa da sua situação social
que o separa do capitalista.
Finalmente:
Dizer que a condição mais favorável para o
trabalho assalariado é um crescimento tão rápido quanto possível do capital
significa somente o seguinte: quanto mais a classe operária aumentar e
acrescentar o poder que lhe é hostil, a riqueza alheia que o domina, tanto mais
favoráveis são as circunstâncias em que lhe será permitido trabalhar de novo no
aumento da riqueza burguesa, no reforço do poder do capital, contente por
forjar ela própria as cadeias douradas com que a burguesia a leva a reboque.
(Capítulo IV de “Trabalho Assalariado e Capital” de Karl Marx, 1891)
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