sábado, 24 de dezembro de 2022

Liberdade e insegurança

 

Giorgio Agamben

John Barclay, no seu romance profético Argenis (1621), definiu nestes termos o paradigma de segurança que os governos europeus viriam a adotar progressivamente: «Ou dá aos homens a sua liberdade ou dá-lhes segurança, pela qual abandonarão a liberdade». Em outras palavras, liberdade e segurança são dois paradigmas antitéticos de governo, entre os quais o Estado deve sempre fazer sua escolha. Se quiser prometer segurança a seus súditos, o soberano terá que sacrificar a liberdade deles e, inversamente, se quiser liberdade, terá que sacrificar a segurança deles. Michel Foucault mostrou, no entanto, como a segurança deve ser entendida (la sureté publique) que os governos fisiocratas, a começar por Quesnay, foram os primeiros a assumir explicitamente entre suas tarefas na França do século XVIII. Não se tratava - então como agora - de prevenir as catástrofes, que na Europa daqueles anos eram essencialmente fomes, mas de deixá-las ocorrer para então poder intervir imediatamente para governá-las na direção mais útil. Governar recupera aqui o seu significado etimológico, ou seja, «cibernético»: um bom piloto (kibernes) não pode evitar as tempestades, mas, quando estas ocorrem, deve em todo o caso saber conduzir o seu navio de acordo com os seus interesses. Nesta perspetiva, era essencial espalhar um sentimento de segurança entre os cidadãos, através da crença de que o governo zelava pela sua tranquilidade e pelo seu futuro.

O que assistimos hoje é um desenvolvimento extremo desse paradigma e, ao mesmo tempo, sua derrubada pontual. A principal tarefa dos governos parece ter sido a difusão generalizada entre os cidadãos de um sentimento de insegurança e até de pânico, que coincide com uma extrema compressão de suas liberdades, que encontra sua justificativa justamente nessa insegurança. Os paradigmas antitéticos hoje não são mais liberdade e segurança; em vez disso, nos termos de Barclay, deve-se dizer hoje: 'dê insegurança aos homens e eles abrirão mão da liberdade'. Assim, já não é necessário que os governos se mostrem capazes de gerir os problemas e as catástrofes: a insegurança e a emergência, que constituem agora o único fundamento da sua legitimidade, não podem em caso algum ser eliminadas, mas – como vemos hoje com a substituição da guerra entre a Rússia e a Ucrânia pela guerra contra o vírus – apenas articulada segundo métodos convergentes, mas cada vez diferentes. Um governo desse tipo é essencialmente anárquico, no sentido de que não tem nenhum princípio a respeitar, exceto a emergência que ele mesmo produz e mantém.

É provável, porém, que a dialética cibernética entre a anarquia e a emergência chegue a um limiar, além do qual nenhum piloto conseguirá pilotar o navio e os homens, no já inevitável naufrágio, terão de voltar a questionar as liberdades de que gozam. tão imprudentemente sacrificado.

8 de Dezembro de 2022

Imagem:  Menez (Maria Inês da Silva Carmona Ribeiro da Fonseca, 1926-1995): Sem título, 1994. “Uma cena do Apocalipse, uma espécie de luta entre o Bem e o Mal, entre a Luz e as Trevas”, segundo Teresa de Vasconcelos. Em setemargens

Fonte: quodlibet

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