quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

A verdade e o nome de Deus

Giorgio Agamben

Os filósofos falam da morte de Deus há quase um século e, como muitas vezes acontece, esta verdade parece hoje tácita e quase inconscientemente aceite pelo homem comum, sem contudo medir e compreender as consequências. Uma delas - e certamente não a menos relevante - é que Deus - ou melhor, seu nome - foi a primeira e última garantia da ligação entre a linguagem e o mundo, entre as palavras e as coisas. Daí a importância decisiva em nossa cultura do argumento ontológico, que uniu indissoluvelmente Deus e a linguagem, e do juramento feito em nome de Deus, que nos obrigou a responder pela transgressão do vínculo entre nossas palavras e coisas.

Se a morte de Deus só pode significar a perda desse vínculo, isso significa que em nossa sociedade a linguagem tornou-se constitutivamente uma mentira. Sem a garantia do nome de Deus, todo discurso, como o juramento que garantiu sua veracidade, não passa de vaidade e perjúrio. Isso é o que vimos aparecer em plena luz nos últimos anos, quando cada palavra dita pelas instituições e pelos media não passava de vacuidade e impostura.

Hoje chega ao fim uma era de quase 2.000 anos da cultura ocidental, que baseava sua verdade e seu conhecimento no vínculo entre Deus e o logos, entre o sacrossanto nome de Deus e os simples nomes das coisas. E certamente não é por acaso que apenas algoritmos e não palavras ainda parecem manter alguma conexão com o mundo, mas isso apenas na forma de probabilidade e estatística, porque mesmo números podem, em última análise, apenas se referir a um homem falante, eles ainda implicam alguns nomes.

Se perdemos a fé no nome de Deus, se não podemos mais acreditar no Deus do juramento e do argumento ontológico, não se exclui, porém, que seja possível outra figura de verdade, que não seja apenas a figura teologicamente correspondência obrigatória entre a palavra e a coisa. Uma verdade que não se esgota em garantir a eficácia do logos, mas nele salva a infância do homem e conserva o que nele ainda é mudo como o conteúdo mais íntimo e verdadeiro das suas palavras. Ainda podemos acreditar em um Deus infantil, como aquele menino Jesus que, como nos ensinaram, os poderosos quiseram e querem matar a todo custo.

(Tradução livre)

Fonte: quodlibet

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