Duquesas de Mântua e Migueis de Vasconcelos
O PS e o chefe Costa encontram-se no governo
vai para sete anos, mas a vida não lhes está a ser muito fácil apesar de
beneficiarem de maioria absoluta. Costa tem-se revelado um hábil executor das directivas
de Bruxelas e de satisfazer, ainda, os desejos da nossa classe dominante no que
concerne do acesso ao pote do orçamento de estado. No entanto, o governo de
maioria absoluta parece estar a ficar como governo de dificuldade absoluta.
Costa, que governou praticamente por decreto no
tempo da pandemia, à semelhança do seu antecessor João Franco, o que terá contribuído
para o colapso da monarquia (é sempre bom relembrar), armou-se de novo em
manhoso e invocou uma constipação (terá sido covid-19?) para não ir assistir ao
jogo da selecção portuguesa de futebol com a sul-coreana no paraíso da
democracia, que é o Qatar (1). A polémica que envolveu o PR Marcelo, quanto à
defesa dos direitos humanos e do intervalo amnésico dos ditos por ele defendido
durante o campeonato mundial da bola para poder ir apoiar a selecção e em tom
patriótico, colocou o PM de sobreaviso.
A disputa pelo pote
Marcelo e Costa, ou Costa e Marcelo, como
Dupond & Dupont, ou vice-versa e ao contrário, ainda não arranjaram uns
momentos, nas suas preenchidíssimas agendas, para visitar os trabalhadores imigrantes
que são desumanamente explorados, abaixo de escravos, no sudoeste alentejano ou
em outros pontos do país, já que esta realidade infelizmente não se circunscreve
àquele pedaço do território nacional. Seria uma boa maneira de praticarem o
exercício político, que é a defesa dos direitos humanos, começando pela casa, e
resolverem o problema de forma prática e rápida, como se impõe. Mas, como se
alevantam outros interesses da nossa burguesia esclavagista, a lei continua a
não penalizar quem emprega trabalhadores escravos. Aqui os deputados da nação
também possuem elevada quota de responsabilidade porque são eles que fazem as
leis.
A outra justificação para Costa não ir amanhã
ao Qatar prender-se-á com “a tomada de posse dos novos secretários de Estado”
no mesmo dia. Não se pode deixar de referir que em oito meses de vida, este governo
PS/Costa já soma sete demissões, o que poderá revelar que no seu seio a unanimidade
será coisa que não é lá muito bem-vinda. E a questão prender-se-á, atendendo à
área de onde os últimos secretários de estado foram demitidos, a da economia, a
questões de dinheiro. Os acontecimentos dão a entender que a disputa pelo pote
se tem incendiado nos últimos tempos.
Por exemplo, é necessário, entre outas coisas,
um novo aeroporto, cuja localização é questionada, quer pelos interesses de
Lisboa, quer pelos do Porto. Os primeiros querem-no ao norte do rio Tejo e os
segundos desejam-no o mais afastado possível do de Pedras Rubras para não fazer
concorrência. É que são muitos milhares de milhões de euros em jogo. A pressa
do ministro das Infra-estruturas não foi uma gafe, terá sido quanto muito uma
precipitação que não contou com os diferentes interesses em jogo, o que levou à
intervenção rápida e conciliadora de Costa.
Quanto ao OE-2023, o colectivo dos oligarcas
nacionais, agora dirigido por um ex-militante do PS na Lisnave e “afilhado” do
antigo dono, já veio dizer pela boca do dito que o orçamento “ficou aquém da
ambição que a CIP colocou nas suas propostas”. E, em relação aos dinheiros do
PRR, a incontornável e respeitosa organização já deu o mote de que o PRR deve
chegar à "economia real", tendo simultaneamente elogiado o demitido secretário
de Estado João Neves, o que quer dizer em politiquês: já vais tarde e não
voltes. Relembrar que este, tal como Rita Marques, secretária de estado do
Turismo, também demitida, discordou da diminuição transversal do IRC – uma clara
vitória para a nossa rentista oligarquia.
Mais importante que os direitos, liberdades e
garantias dos cidadãos, é a conta bancária desta gente, dos autocratas do
petróleo… e dos nossos políticos do poder e dos seus amos e parceiros
oligarcas. Para esconder a pérfida realidade haverá que encher a boca com as
palavras sedutoras e simpáticas dos direitos humanos, do patriotismo e de outras
banalidades politicamente correctas. Facilmente entram na demagogia e no
populismo, este no sentido perigoso de se abrir a porta a formas autoritárias
de governação, embora antes e depois se critique os tais populismos que a existirem,
só existem nos outros ou nos considerados inimigos.
Como politicamente correcto, agora é de bom
tom vir apelar para a celebração da "força da bandeira nacional” e
agradecer aos ciganos que "deram a vida pela independência", no caso
do inefável PR monárquico, ou homenagear a "memória dos que lutaram e
contribuíram" para a restauração da independência de Portugal, na verve do
PM Costa, que não se cansa, a par com o parceiro, de prosternar-se aos pés de
Bruxelas. E quanto aos direitos humanos, em particular os dos cidadãos da etnia
cigana, ficamos suficientemente elucidados quando assistimos ao seu isolamento
em verdadeiros campos de concentração, de onde não podiam sair nem comunicar,
durante os confinamentos e estados de emergência (dita) sanitária aquando da
pandemia.
Com a crise económica as democracias liberais
conduzem sempre aos fascismos
A esta gente parece que não há espelhos para mirar
a sua verdadeira natureza e pensam que o povo português é estúpido, talvez um
dia tenham alguma surpresa desagradável. É cada vez mais notório, e não somos nós
que o dizemos, que este governo e apesar da maioria absoluta “não teve estado
de graça e está em erosão" (André Freire). A razão do lento e gradual descalabro
do governo não se prende exactamente pelo “descontentamento com a governação”
resultante dos “sucessivos casos que (o) têm abalado” ou, até, com a “má gestão
da crise económica” em si, conforme a opinião daquele cientista político,
mas pela degradação da situação económica do povo que trabalha e que resulta
das contradições da economia capitalista, que lhe estão no cerne. Porque a “gestão
socialista” da crise tem sido aquela que mais interessa à nossa burguesia e aos
interesses do grande capital financeiro europeu representado por Bruxelas; e,
quanto a isso, não há alternativa – o povo tem que aguentar.
O agravamento da crise económica tem levado ao
endurecimento de regimes tidos como “democráticos”, é à musculação das
democracias liberais, a uma espécie de transição pacífica da democracia para o
autoritarismo que temos estado a assistir nos últimos tempos, e principalmente
nos países da União Europeia, isto é, na velha e civilizada Europa. Relembrar que
as duas guerras mundiais com a sua enorme devastação de bens e pessoas
começaram aqui na Europa e aqui tiveram o seu epicentro e o seu fim. Tem sido
na judaico-cristã Europa que mais guerras e conflitos se têm sucedido, desde a Guerra
dos Cem Anos até à recente Guerra dos Balcãs e a presente Guerra da Ucrânia,
passando pela Guerra Napoleónica e Guerra Franco-Prussiana. Uma velha e pérfida
Europa que agora se está a ser transformada no 51º Estado da União, sem
soberania política e em breve sem soberania económica ou outra.
Será no quadro atrás referido que temos de compreender
o facto, e que foi notícia há poucos dias, de “mais de um terço das democracias
em todo o mundo estão em declínio e Portugal não é exceção”. No nosso caso, não
é somente a “falta de mais participação cívica, imparcialidade da administração
pública e menos corrupção”, será mais na forma de governar deste governo,
atente-se ao que aconteceu durante a pandemia, e à tentativa, já em curso e com
o apoio ou colaboração de todos os partidos com assento no Parlamento, de se rever
a Constituição da República. A preparação da opinião pública doméstica também já
se iniciou com a operação de desculpabilização das “três altas figuras do
estado” que entenderam, a pretexto da defesa dos “interesses da nação”, ir
fazer turismo para o Qatar e à custa do orçamento público – Marcelo, é mais o
tempo que está fora do que no país. Assim como a falta de democracia por esse
mundo fora, em particular o considerado ocidental: “Não é só o Catar: quase
todos os países do Mundial têm derrotas no campeonato dos direitos humanos” (“Expresso”,
o principal jornal do regime e propriedade do sócio nº1 do PSD). Ficamos entendidos.
Os sinais de apodrecimento do regime saído do
golpe de estado de 25 de Abril são mais que evidentes, como por diversas já
afirmamos, o que não quer dizer que o seu colapso esteja para breve, só não
sabemos quando; contudo, será certo e feito com dor para os que trabalham neste
país. E a sobrevivência do governo PS/Costa, como de igual modo alertamos,
dependerá do agravamento da situação económica não só do país mas do povo que
trabalha, ou seja, do mundo do trabalho. É que neste país há duas economias, a
dos ricos e das grandes empresas, medida pelo anódino PIB, e a economia dos que
trabalham, por sua vez, medida pela taxa de inflação, pelo montante de impostos
que lhe são cobrados, pelas carências no campo da educação, da saúde, da
habitação e do apoio social. Por exemplo, a notícia de “Portugal pode ter
falhas no abastecimento de comida devido à seca e é dos piores em pobreza
energética” (“DN”) significa que a fome virá com certeza, mas só para os pobres
e trabalhadores e, isso sim, devido à crise do capitalismo. E é este que terá
de ser erradicado, causa também da pandemia e da seca.
Entretanto, os nossos Duquesa de Mântua e Miguel de Vasconcelos continuam nos seus papeis.
(1) No dia seguinte a este escrito, Costa anuncia a ida ao jogo dos oitavos de final da selecção, o impulso sobrepôs-se à razão - distúrbio de personalidade?
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