quinta-feira, 12 de junho de 2025

Gente muito pouco patriótica na colónia à beira-mar plantada

 

Crónica republicada de 2016 sobre a subserviência da elite nacional ("nacional" somente no nome) e a situação de pobreza crescente do povo resultante da entrada de Portugal na então CEE, que na prática terá sido mais a anexação do País pela potência dominante, Alemanha. A partir de 1 de Janeiro de 1986, Portugal passou a ser uma colónia ou região (länder) europeia, no entanto, a elite enriqueceu, formando-se uma nova oligarquia, que neste momento aposta abertamente numa solução política de extrema-direita para melhor garantir os dividendos e privilégios.

Gente muito pouco patriótica

Marcelo foi a Roma ver o Papa e beijou-lhe o anel, segurando-lhe na mão sem se ajoelhar, como era costume antigo, convidando-o a visitar o país (cuja resposta ficou no segredo divino e presidencial) e de regresso visitou o rei Filipe VI de Espanha e VII de Portugal, a quem transmitiu a preocupação pelo domínio cada vez maior da banca nacional pela espanhola; foi a primeira saída ao estrangeiro do 20º, ou 19º se não contarmos Bernardino Machado duas vezes. O homem é católico e Espanha está aqui mesmo ao lado e há que velar pelas boas relações com os nuestros hermanos, já que eles são o principal parceiro económico, nas exportações e nas importações. Contudo, a viagem pode ser, e é na realidade, uma manifestação de subserviência, embora manhosa, como é habitual entre a nossa elite visceralmente provinciana.

Relacionado com esta visita de vassalagem e de validação externa, já antecipadamente efectuada por Bruxelas/Juncker, do cargo da personagem, ocorreram as manifestações dos produtores nacionais de leite e de carne de porco contra as também cada vez maiores importações daqueles produtos de países terceiros, à frente dos quais se encontra, outra coisa não seria de esperar, os produtores a vizinha Espanha. As reivindicações são elementares, a reposição do sistema de quotas leiteiras, favorecimento da distribuição da produção nacional por parte das grandes superfícies comerciais, etiquetagem dos produtores estrangeiros, benefícios fiscais por parte do governo e da segurança social, ou seja, proteccionismo contra a concorrência externa, em contradição aberta com as regras da UE, sem contudo colocarem em causa a permanência de Portugal nesta comunidade económica e política ou na zona euro.

Esperar que o ministro da agricultura, já experiente nestas andanças, e o governo de que faz parte façam alguma coisa de concreto para salvaguardar a produção nacional é qualquer coisa como ficar à espera de Godot, ou seja, esperem sentados, porque as medidas que aí virão serão medidas impostas por Bruxelas para proteger os grandes produtores europeus, franceses e alemães à cabeça, onde se enquadra a intenção de baixar a produção para teoricamente aumentar o preço, o que levará à aniquilação mais rápida das produções da periferia europeia. A entrada de Portugal para a então CEE teve exactamente esse pressuposto, o país deixaria de produzir para passar a comprar aos países do centro da Europa, e Bruxelas foi benevolente enviando milhões de marcos, e mais tarde milhões de euros (a mesma moeda com outro nome), a fim de indemnizar a burguesia nacional e comprar apoios internos; passados 30 anos, o resultado está à vista, mas se não tivesse acontecido essa dita "adesão", o resultado seria semelhante embora em tempo mais dilatado e sem o bónus das comissões. Temos de reconhecer que a burguesia nacional foi esperta, a nossa classe média é que não teve vistas largas e deixou-se enganar, agora é tarde.

Ora, a grande distribuição está-se nas tintas para o facto de "os agricultores estão a morrer no campo" e preferem comprar ao estrangeiro mais barato, com a subsequente maximização da margem do lucro, do que comprometer-se "a comprar a produção portuguesa". O chefe do grupo Pingo Doce/Jerónimo Martins é suficientemente claro ao afirmar, aquando da sua recente visita ao país do narcotráfico da América Latina, que o "peso do sector público em Portugal está a matar lentamente o peso do sector privado", o quer dizer que o governo deve baixar os impostos às empresas e fazer tudo o mais que estiver ao seu alcance para que os patrões nacionais aumentem o mais possível os seus lucros na competição que enfrentam com os restantes; ter a sede das empresas na Holanda, onde pagam metade dos impostos do que pagariam se estivessem em território nacional, não parece ser suficiente, quer mais, não deixando de frisar que "as empresas que não ganhem dinheiro são empresas sem futuro".

A partir da data de adesão à CEE/UE formou-se uma oligarquia rentista

Como se pode constatar, mais uma vez, os casos que o comprovam são muitos, se há uma classe média ou pequena parte da classe possidente em Portugal que aposta no proteccionismo, uma outra, que predomina, aposta numa maior liberalização e aposta na internacionalização dos seus negócios em mercados em ainda abertos do que o nosso e dirigidos por elites ainda mais corruptas. Contudo, não deixa de ser interessante ouvir da boca do Presidente da Associação Comercial de Lisboa – Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, um dos que faz negócio à custa do estado em termos de monopólio (foram claras as suas intenções em querer transformar os estivadores em escravos, aquando das últimas greves), defender que os capitalistas nacionais devem “comprar ou criar um banco” a fim de fazer frente à espanholização da banca portuguesa. Opinião que não parece ser compartilhada pelos seus comparsas da indústria do calçado, o tal sector da indústria nacional tão incensado pelos propagandistas do capital nacionais, que após investigação da polícia judiciária acabam de ser acusados pelo Ministério Público de lavagem de dinheiro e de terem escondido 2,6 milhões em off-shores, Ilhas Caimão e Reino Unido, defraudando assim o fisco e as contas públicas, o que nem sequer constituirá ponta de iceberg da verdadeira dimensão do patriotismo da nossa tão estimada e nacionalista burguesia.

Portugal é dominado por uma burguesia compradora e inútil, verdadeira oligarquia, que vai sobrevivendo do parasitismo dos recursos públicos e do estado, que é também o seu instrumento de repressão sobe os trabalhadores, que defende o proteccionismo quando isso lhe interessa e o seu contrário, o ultra-liberalismo, sendo então mais papista que o Papa se isso lhe trouxer algumas vantagens. Uma classe com fim historicamente anunciado para breve, apesar de não ter morte datada, contorcendo-se por entre o processo de acumulação e concentração capitalistas, temendo menos a concorrência brutal e desapiedada, que está na alma do capitalismo, do que a eventualidade, mais do que certa, de uma nova forma de organização da economia e da sociedade a que podemos dar o nome de socialismo.

Os pequenos agricultores nacionais para sobreviver terão de se organizar e o socialismo é a saída

Mais do que ser "indispensável a regulação legislativa e a fiscalização da actividade dos hipermercados", como reclamam os suinicultores e os produtores de leite, cada vez se torna necessário, não havendo outro caminho, o controlo da grande distribuição pelo próprio estado, o único capaz de exercer um controlo severo e eficaz sobre as importações, venham elas de Espanha ou de outro país; mas, para se atingir este objectivo, o país terá de sair do euro e da União Europeia, mesmo que ainda durante algum tempo e para as trocas comerciais com o exterior venha a manter o euro.

Será com o apoio do estado que os produtores se poderão organizar para fazer frente à concorrência estrangeira e não "morrerem" de forma violenta, como acontecerá com a UE capitalista; o socialismo será também a única alternativa. Para os nossos propagandistas e partidos do poder, só é problema se houver mais estado na economia se for português, porque se for chinês não parece haver qualquer problema atendendo às chorudas comissões pela venda dos activos públicos e, com alguma sorte, para gestão dos mesmos já sob propriedade estrangeira: "Estado chinês ganha quase 400 mil euros por dia na EDP" (é título na imprensa/propaganda nacional, tal como "Aumento do salário do presidente da EDP para 6.800 euros por dia...").

A pobreza é o indicador que mais se desenvolveu após a adesão à União

Enquanto tudo isso, ficamos a saber que: uma em cada 14 famílias portuguesas salta refeições por não ter dinheiro, ou seja, sofre de "insegurança alimentar grave", um eufemismo elegante para designar simplesmente "fome sem disfarces”; o governo PS/Costa fez as contas e entendeu que atribuir os extintos passes "4-18" e "sub 23" a todos os jovens portugueses, independentemente das respectivas condições socioeconómicas, "custaria 20 milhões de euros"; no entanto, vai dar 17 milhões de euros aos taxistas, mas que pode ir até ao 22 milhões, para se calarem e aceitarem a concorrência da Uber, que o governo conta em legalizar dentro em breve (mais um sector tradicional condenado a desaparecer, mas, diga-se em abono de verdade, os próprios nada têm feito para o evitar, bem pelo contrário).

No seu conjunto, a dita "economia nacional" não dá sinais de reanimação, se as importações tiveram uma ligeira diminuição em Janeiro, menos 1% em relação a Janeiro do ano passado, as exportações para os mercados extra-comunitários tiveram uma queda a pique, de 18,8% face ao mesmo mês de 2015 (e de 25,2% na comparação com Dezembro), não sendo compensadas com a ligeira subida para os países da União Europeia, apenas 4,5%. Claro que as explicações oficiais não se fizeram esperar: é devido à "volatilidade nos mercados financeiros" e à crise de alguns países como Angola dependentes do preço do petróleo; mas não à crise capitalista global de superprodução, da qual a Europa do Centro, rica e desenvolvida, não conseguiu ultrapassar, levando a OCDE e o FMI a reverem em baixa as previsões de crescimento mundial para este ano de 2016.

Não se deve igualmente ocultar que só 6,1% das empresas a operar no mercado português são exportadoras, e dizemos a "operar" porque muitas delas são empresas de capital estrangeiro, ou seja, não são portuguesas. E outra realidade, ainda mais importante e que também não deve ser minimizada ou iludida: nos primeiros dois meses do ano, 1.064 pessoas perderam o seu posto de trabalho na sequência de despedimentos colectivos, um aumento de 35,5% face ao mesmo período do ano passado (os dados são da Direcção Geral do Emprego e das Relações do Trabalho). Mais uma vez se constata que crescimento económico não é sinónimo de mais emprego, bem pelo contrário, nem de salários mais elevados, pela simples razão de que a economia de que se trata é a economia capitalista, a que não se pode mudar a natureza.

PS e PSD os dois agentes ao serviço de Bruxelas e do grande capital europeu

O mesmo se pode dizer em relação ao governo do Costa/PS, assim se compreende o que o Costa diz, e o Costa diz que banca precisa de "capital estrangeiro, seja ele espanhol, angolano, alemão ou americano”, isto é, ter um sistema financeiro “estabilizado e devidamente capitalizado”, salientando que Portugal é “uma economia aberta”. Costa vai reunir com a dita "empresária" angolana, filha do presidente do estado/máfia/corrupção de Angola, a fim de ultrapassar o também dito "impasse" no BPI, mais propriamente como entregar este banco, que já foi ex-libris da burguesia nacional do norte, à catalã La Caixa; acontecimento que parece ter agastado o Coelho da "Social-democracia, sempre!". É para se perguntar: qual será a comissão?

PS e PSD funcionam como dois partidos de angariação de emprego para a clientela e recebimento das comissões, para além, como é óbvio, de bem gerir os negócios do capital, independentemente da cor nacional; o PSD e PS chegam a aldrabar a inscrição de militantes na disputa entre caciques a ver quem alcança o pote: dirigentes do PS são condenados por falsificação de documentos no preenchimento de fichas de adesão ao partido; no PSD de Aveiro, secção de Ovar, num mês foram inscritos 418 novos militantes, 217 da freguesia de Esmoriz, dos quais 80 viviam na mesma rua e 17 na exacta mesma morada; são as peripécias dos partidos que vivem metendo a mão na massa, ao mesmo tempo que se desacreditam, desacreditam o próprio regime democrático burguês.

Em última hora, um acontecimento que bem revela que o PR Marcelo e o primeiro Costa estão, por enquanto, em sintonia na gestão dos interesses do capitalismo, foi o presidencial puxar de orelhas ao Coelho por este criticar a intervenção do governo nos negócios do BPI. Marcelo considera que está de acordo com a Constituição "a submissão do poder económico ao poder político", na prestidigitação de inverter a realidade e continuar a enganar os trabalhadores portugueses, simultaneamente chama a atenção para o facto de que não passa cheques em branco; se, por um lado, quer estar em sintonia com o governo no que concerne à política externa, e nesse sentido se deve entender a sua visita ao estrangeiro, e apoia algumas das suas diligências para a boa gestão dos negócios dos senhores do capital, não quer dizer que isso vá durar para sempre. O governo do Costa manterá por algum tempo o estado de graça… até ao dia que o povo e os trabalhadores portugueses percam a paciência.

23 de Março 2016


sexta-feira, 6 de junho de 2025

A escravatura da Alemanha pelo seu passado manteve-a em silêncio sobre Gaza durante muito tempo

Por Gideon Levyin 

Não é a primeira vez que a Globalbridge tem sido um — digamos, um imperativo "moral" — traduzir e publicar um comentário do jornalista israelita Gideon Levy. Levy, cujos pais fugiram da Boémia para Israel em 1939 para escapar aos nazis alemães, lança luz sobre a actual política alemã em relação a Israel. (Editor)

A Alemanha traiu a memória do Holocausto e as suas lições. Um país que considerava o seu maior dever não esquecer, esqueceu. Um país que prometeu a si próprio nunca se calar permanece em silêncio. Um país que outrora disse "Nunca mais" diz agora "outra vez", com armas, com dinheiro, com silêncio. Nenhum país deveria ser melhor do que a Alemanha a "reconhecer processos repugnantes". Todo o alemão sabe muito mais sobre eles do que Yair Golan. Aqui em Israel, estão a todo o vapor, mas a Alemanha ainda não os reconheceu pelo que são. Só recentemente acordou tarde demais e muito pouco.

Quando a Alemanha vê a  marcha da bandeira em Jerusalém, precisa de ver a Kristallnacht. Se não vir os paralelos, trai a memória do Holocausto. Quando olha para Gaza, precisa de ver os campos de concentração e os guetos que ela própria criou. Quando vê a população faminta em Gaza, precisa de ver os miseráveis ​​sobreviventes dos campos. Quando ouve as declarações fascistas de ministros israelitas e de outras figuras públicas sobre assassinatos e troca de populações, sobre "nenhum inocente" e sobre matar bebés, precisa de ouvir as vozes aterradoras do seu passado que diziam a mesma coisa em alemão. 

Não tem o direito de permanecer em silêncio. Deve erguer bem alto a bandeira da resistência europeia ao que se passa na Faixa de Gaza. No entanto, continua a ficar para trás do resto da Europa, ainda que desconfortavelmente, não só pelo seu passado, mas também pela sua  responsabilidade indirecta pela Nakba, que provavelmente não teria acontecido sem o Holocausto. A Alemanha tem também uma dívida moral parcial para com o povo palestiniano.

Sem o apoio dos Estados Unidos e da Alemanha, a ocupação israelita não teria acontecido. Durante todo este tempo, a Alemanha foi considerada a segunda melhor amiga de Israel.  Era inclusiva e incondicional.  Agora, a Alemanha vai pagar os seus longos anos de rigorosa autocensura, durante os quais foi proibida de criticar Israel, a santa vítima.

Qualquer crítica a Israel era  rotulada de anti-semitismo. A justa luta pelos direitos palestinianos era criminalizada. Um país onde um grande império mediático (Springer, org.) exige que os seus jornalistas, como condição para o emprego, nunca questionem o direito de Israel à existência não pode alegar respeitar a liberdade de expressão. E se as actuais políticas de Israel ameaçam a sua existência, não se deveria ter o direito de o criticar?

Na Alemanha, é difícil, senão impossível, criticar Israel, independentemente do que se faça. Isto não é amizade; é a escravatura a um passado e, à luz dos  acontecimentos em Gaza, esta tem de acabar. A "relação especial" não pode incluir a condescendência com crimes de guerra. A Alemanha não tem o direito de ignorar o Tribunal Penal Internacional, criado em resposta aos seus crimes, debatendo quando convidar um primeiro-ministro israelita procurado por crimes de guerra. Não tem o direito de repetir os clichés do passado e depositar flores em Yad Vashem, a 90 minutos de carro de Khan Yunis.

A Alemanha enfrenta agora o seu mais sério teste moral desde o Holocausto. Poucas semanas após a invasão da Ucrânia por Vladimir Putin, a Alemanha liderou as sanções contra a Rússia. Vinte meses após a invasão da Faixa de Gaza, a Alemanha ainda não tomou qualquer medida contra Israel, para além das mesmas declarações vazias de outros países europeus.

A Alemanha precisa de mudar, não apesar do seu passado, mas precisamente por causa dele. Não basta que o Chanceler Friedrich Merz diga que o bombardeamento da Faixa de Gaza já não se justifica.  Ele precisa de tomar medidas para o impedir.  Não basta que o Ministro dos Negócios Estrangeiros Johann Wadephul diga que a Alemanha não se deixará "levar a uma situação em que tenhamos de demonstrar uma solidariedade forçada".

É tempo de a Alemanha demonstrar solidariedade para com as vítimas e libertar-se das amarras do passado que a afastam das lições do Holocausto. A Alemanha não pode mais ficar de braços cruzados e contentar-se com condenações tíbias. Dada a terrível situação em Gaza, isto é silêncio — o silêncio vergonhoso da Alemanha.

O que é que este bebé fez de errado para agora morrer de fome? (Captura de ecrã de um vídeo publicado pela BBC News.)

Leia o artigo original de Gideon Levy no Haaretz.

Fonte