quarta-feira, 25 de junho de 2025

Governo extremado e pouco moderado

Imagem: “Sem stress” - Henricartoon

Durante a campanha eleitoral falou-se muito da necessidade de um governo do “centro”, constituído por forças “moderadas”, e o foco propagandístico foi dirigido sobretudo para a classe média, para os filhos família que foram beneficiados com garantias do estado na aquisição de habitação. As promessas estão no programa do governo, menos 500 milhões de euros de IRS para os que mais ganham até ao fim do ano e menos 2 mil milhões até ao fim da legislatura, menos IRC para as empresas, que acabam de ser presenteadas com 315 milhões de euros, ao abrigo do famigerado PRR, com os benefícios fiscais a atingirem mais de 2 mil milhões nestes dois anos de governo, 2024 e 2025. No entanto, são prometidos 2% do PIB para a Defesa já para este ano, ou seja, para a indústria da guerra. Uns “miseráveis” 5,7 mil milhões de euros, que passarão para os “3,5% nos próximos 10 anos”, promessa de Montenegro, ou para os 5% ainda antes da data estabelecida. Política que tem o apoio do PS e dos partidos mais à direita no Parlamento. Este governo, mais extremado do que moderado, apostou lançar o povo português na miséria e na guerra, para salvação dos rendimentos da elite e na obediência servil e torpe perante os ditames da potência imperial e do seu braço armado NATO. Em simultâneo, protege e fomenta disfarçadamente os grupos neonazis na esperança que estes venham a ser a tropa de choque contra os trabalhadores em caso de revolta por esta política celerada.

A política migratória do governo só irá aumentar o número de ilegais

Antes de empoleirar-se no governo pela segunda vez, Montenegro e e a sua associação partidária não incluíram no programa, que então presentearam o eleitorado com a verba que iriam destinar aos negócios da guerra, nem com outras medidas que agora foram enfiadas no projecto governativo. Enganaram mais uma vez o povo português, parece que uma parte dele até nem desgosta, tirando da cartola as já anunciadas mudanças na lei da greve e nas leis laborais, a revisão da Lei de Bases da Saúde, para a privatização mais rápida e segura da saúde em Portugal, e a revisão da Lei da Imigração, em debate neste momento no Parlamento a pedido “urgente” do partido da extrema-direita, mas que já tinha sido prevista e planeada pelo governo e até debatida.

Imigração sim, mas para os especuladores imobiliários, as mafias que vêm lavar dinheiro através dos vistos gold, trabalhadores especializados que porventura tenham a triste ideia de para aqui virem viver, o que é pouco provável. Os próprios migrantes dos palops serão postergados para cidadãos de segunda e com mais dificuldade de adquirir autorização para trabalhar, reunir a família, ou adquirir a nacionalidade portuguesa, cidadãos que até 24 de Abril eram considerados portugueses. O travar da imigração ilegal ficará mais no papel do que na realidade prática, porque irá colidir com as necessidades dos empresários em abundante mão-de-obra barata e facilmente descartável, ou com a concretização de grandes projectos que não avançarão ou terão dificuldade em fazê-lo, como está já a acontecer em Sines, com a Administração do Porto de Sines a precisar de preencher 1800 postos de trabalho, mas com os concursos a ficarem desertos porque simplesmente não há oferta de casas. O capitalismo nacional para não soçobrar precisa urgentemente de escravos.

Ficou-se a saber há pouco tempo que um dos clientes da empresa familiar do primeiro-ministro Spinumviva tinha como sócia, em negócios imobiliários na cidade de Espinho, uma empresária moçambicana que tem sobre si um mandado de captura internacional, por acusação de associação criminosa, financiamento ao terrorismo, fraude fiscal e branqueamento de capitais, dando bem a ideia em que mundo se move a actividade profissional de Montenegro. Que se saiba esta empresária de sucesso não teve dificuldade de entrar no país, ter aqui as suas negociatas e viver sem ter problemas com a justiça.

À semelhança da empresária moçambicana, não consta que a famigerada, mas já esquecida, empresária angolana Isabel dos Santos tenha tido alguma vez problema com o então SEF, como, por exemplo, ser detida para interrogatório como aconteceu com o malogrado trabalhador imigrante ucraniano Ihor Homenyuk. Com a nova Lei da Imigração haverá via verde para os criminosos, clientes ou não da empresa familiar de lavagem de dinheiro, traficantes e afins; entretanto, os migrantes que entram em Portugal continuarão a ser ilegais e mão-de-obra escrava. E o número irá aumentar substancialmente, como afirmou o bispo do Porto, porque simplesmente é impossível impedir os movimentos migratórios.

Aumentar as restrições à entrada de trabalhadores imigrantes e dificultando a aquisição da nacionalidade portuguesa com a argumentação falaciosa de que já existe um grande número de estrangeiros em Portugal, o que poderá provocar maior conflitualidade social, tem sido apresentado, pelos comentadores avençados, como uma habilidade táctica de Montenegro de retirar capital político à extrema-direita. Ora, isto não passa de uma outra habilidade ou falácia, porque Montenegro ao elogiar o canoísta português: “É esta a raça lusitana” apenas deixou falar o coração de indivíduo de extrema-direita, embora disfarçado, e de um retinto reaccionário e racista. Iremos observar, ao longo da legislatura, o esbater das diferenças qua ainda possam haver entre o chefe do governo e o auto-intitulado chefete da oposição.

O racismo serve como instrumento para aumentar a divisão entre trabalhadores e intensificar a sua exploração, possui uma função económica, para além de constituir uma crença sem qualquer fundamento científico. No género Homo só existe uma linhagem ou raça que é o Homo Sapiens Sapiens, que saiu de África há cerca de 250 mil anos, e o povo português é o resultado de uma miscigenação ao longo dos séculos, onde os genes subsarianos, árabes e magrebinos são abundantes, atingindo os 20% no total. Os próprios europeus não passam de híbridos, como cerca de 3% de genes de neandertais, enquanto os “puros” sapiens são os !Kung San, um povo tradicional do deserto do Kalahari. Para quem não saiba, a heterozigotia é sinónimo de mais saúde, de ausência de doenças genéticas, ao contrário da “pureza da raça”, ou seja, da homozigotia. A família dos Habsburgos, que casavam entre si, são o bom exemplo das anomalias físicas e da extinção. Mas, não há nada a fazer, os políticos ignorantes são geneticamente racistas.

Canhões em vez de manteiga é a política típica dos partidos da guerra

A retirada do RASI (Relatório Anual de Segurança Interna) da informação sobre o perigo da actividade dos grupos neo-nazis em Portugal, não se deveu, como alguém do governo quis dar a entender, a ministra da Administração Interna se não estamos em erro, à actuação de vigilância sobre um desses grupos, mas a uma displicência sobre o assunto, é que estes grupos geralmente fazem o trabalho sujo das polícias e sempre foram monitorizados quando não protegidos pelos comandos policiais.

Não há motivo para qualquer admiração quando se soube que à frente do grupo Movimento Armilar Lusitano se encontrava um chefe da PSP, não deixando de ser interessante que a maior parte da imprensa de referência tenha escondido no início o posto do referido polícia, de possuir ramificações dentro da GNR a da Marinha. Em vez de ser a polícia a reprimir os trabalhadores imigrantes, são estes bandos de rufias e de jagunços, constituídos maioritariamente por lúmpenes, que executam as tarefas que repugnam às autoridades do establishment. E quanto à actuação destas imitações das Sturmabteilung sem farda, os trabalhadores emigrantes portugueses, nomeadamente na Alemanha, possuem alguma experiência bem sofrida na pele, incluindo mortes.

A par da repressão sobre os trabalhadores mais vulneráveis, para já, porque a “limitação” do direito à greve dos trabalhadores, maior controlo dos trabalhadores do sector estado, depressa a repressão se globalizará sobre todo o mundo do trabalho. O governo vai-se rebaixando perante os ditames de Bruxelas e das imposições do imperialismo norte-americano, através da sua máquina de guerra NATO. Fica bem à vista a natureza de um governo que aceita caninamente ultrapassar a despesa de 2% do PIB com a dita “Defesa”, rapidamente aumentada para 3,5% e de seguida para os 5%, quando desinveste na Saúde, na Educação, admite privatizar a Segurança Social e o resto dos transportes ferroviários, não resolve o problema da habitação para as famílias dos trabalhadores, deixando que se tenha regressado a situação muito semelhante à que existia durante o Estado Novo; só na Grande Lisboa já se contabilizam mais de 27 bairros de barracas ainda mais miseráveis que as de outrora. Vai-se gastar milhões em armas e soldados, mas não se contratam médicos, enfermeiros ou professores com salários dignos.

O governo foi interpelado pelos partidos da oposição de esquerda quanto à utilização da base das Lajes nos Açores e pelo embaixador do Irão em Lisboa "se alguém participa numa guerra, é parte dessa agressão". Em relação à primeira, demorou e não satisfez na resposta, apresentou a utilização como uma inevitabilidade do pseudo-contrato feito com os EUA, “pseudo” porque o Império nada paga pela ocupação de uma parcela do território nacional; em relação à segunda interpelação, o governo pouco ou nada terá dito refugiando-se no colo do Trump, à semelhança do que tem feito em relação à guerra da Ucrânia. Este governo mais não é que uma peça menor da estratégia belicista norte-americana e europeia. Tal como o governo PS, o governo PSD é arrogante com os fracos e subserviente perante os fortes, próprio de invertebrados e geneticamente lacaios. Desde há muito que o povo português reclama a saída de Portugal da NATO e a expulsão das tropas norte-americanas do território nacional. Não queremos ser nem protetorado nem colónia de ninguém, queremos ser soberanos.

Os quarenta anos de länder da Europa e a crise crónica da economia

Montenegro esteve na cerimónia dos 40 anos da assinatura do Tratado de Adesão à CEE, nos Jerónimos, tomando o lugar de Mário Soares, o homem de mão da Alemanha em Portugal, de quem recebeu um partido financiado pela social-democracia germânica. Ambos criados de libré, faltou-lhes o casaco branco e a toalha dobrada no braço. Ambos, como todos os primeiros-ministros que se sucederam entre os dois, são responsáveis pela degradação do aparelho produtivo do país, da nossa inaudita dependência económica e política, e pela criação de uma elite parasitária, de novos ricos, uma burguesia rentista, que terá custado “mais de 160 mil milhões de euros”, que são exactamente os fundos de “apoio europeu”, de que o povo não beneficiou mas que tem pagado durante este tempo todo com língua de palmo.

São as manchetes da imprensa mainstream que revelam a pobreza: endividamento da economia, empresas, famílias e estado, cresce para 829,5 mil milhões de euros, a maior de sempre; recuo nas exportações de bens em Abril agravando o défice da balança comercial; volume de negócios na indústria recua 3,4% em Abril; PIB português teve o terceiro pior desempenho da Zona Euro no primeiro trimestre; Cruz Vermelha apela à mobilização nacional para combater pobreza e solidão; 660 mil pessoas em Portugal vivem preocupadas por não terem comida suficiente, principalmente aquelas que têm crianças a cargo; turismo é o setor com mais trabalhadores pobres, mais de um quinto daqueles que trabalham no alojamento ou na restauração vivem na pobreza, a realidade na agricultura é também muito próxima, assim como na construção civil; quase um terço do país vive na pobreza ou perto disso, número de pobres e excluídos teima em rondar os dois milhões, mas, pouco acima do limiar da pobreza, há mais um milhão vulnerável; privações estão a subir entre os não pobres, incluindo na habitação e saúde; ranking anual do CWUR mostra uma degradação do panorama global das instituições de ensino superior portuguesas, entre as 13 representadas, só três sobem face a 2024.

Bruxelas não deixa margem para dúvidas na “recomendação”: a Comissão Europeia exige que Portugal “reforce as despesas globais com a defesa e a prontidão em consonância com as conclusões do Conselho Europeu de 6 de Março de 2025″, que classificou a guerra na Ucrânia como “um desafio existencial para a União Europeia”; e a englobar nos 5% do PIB impostos pela NATO/Trump. Mas, para continuar a enganar o eleitorado, o novo/velho governo PSD/Montenegro veio com as “10 medidas para mudar o país” para, diz ele, “valorizar o trabalho e a poupança, o mérito e a Justiça Social”, apontando para um salário mínimo de 1.100 euros, salário médio 2.000 euros, e nenhum pensionista terá rendimento abaixo de 870 euros durante a legislatura. Ora, não passam de rematadas mentiras que, por outro lado, têm como objectivo retirar as bandeiras aos partidos de esquerda. Em suma, apresentar-se perante a classe média como o salvador da pátria. Mas será mais o salvador dos empresários parasitas e do capitalismo nacional meio falido; contudo, sempre à custa de uma maior exploração do povo trabalhador e do empobrecimento do cidadão comum em geral.

Este governo é um governo de guerra contra o povo e de nós todos apenas merece o maior repúdio e combate.

quinta-feira, 19 de junho de 2025

O Estado e a Guerra

 

Por Giorgio Agamben

Aquilo a que chamamos Estado é, em última análise, uma máquina de fazer a guerra, e mais cedo ou mais tarde esta vocação constitutiva acaba por emergir para além de todos os propósitos mais ou menos edificantes que ela possa dar para justificar a sua existência. Isto é particularmente evidente hoje. Netanyahu, Zelenskiy, os governos europeus perseguem a todo o custo uma política de guerra para a qual se podem certamente identificar propósitos e justificações, mas cujo motivo último é inconsciente e assenta na própria natureza do Estado como máquina de guerra. Isto explica porque é que a guerra, como é evidente para Zelenskiy e para a Europa, mas também no caso de Israel, é travada mesmo à custa de enfrentar a sua própria possível autodestruição. E é vão esperar que uma máquina de guerra possa parar perante este risco. Continuará até ao fim, seja qual for o preço que tiver de pagar.

14 de junho de 2025

Quodlibet

Ucrânia: O gigante russo acordou! - Carlos Latuff

Fim da Ucrânia

A guerra na Ucrânia aproxima-se do seu fim, que, seja como for, coincidirá inevitavelmente com o colapso da "antiga República Socialista Soviética da Ucrânia" (antes da qual nunca existiu um Estado ucraniano, e convém lembrar que a Crimeia, que Zelensky insiste em afirmar, só foi unida à República Soviética da Ucrânia em 1954 por Khrushchev e, segundo o censo desse ano, era povoada por 72% de russos). Como a classe dirigente europeia tem repetido incansavelmente: estaremos com a Ucrânia até ao fim. Mas este fim envolverá inevitavelmente também o destino da Europa. O que fará e o que dirá a Europa quando o fim da Ucrânia, que ajudou a tornar catastrófico, for um facto consumado? De acordo com as previsões dos observadores políticos mais astutos, é provável que até a identidade da actual comunidade europeia, que não tem outra realidade jurídica que não seja a de um acordo internacional entre Estados, seja revogada e posta em causa. E esta é a única consequência positiva que podemos esperar da guerra na Ucrânia, caso contrário, como todas as guerras, é desastrosa.

13 de junho de 2025

Quodlibet

Imagem de destaque: Descobrindo a verdade - José Alberto Rodríguez Avila

quinta-feira, 12 de junho de 2025

Gente muito pouco patriótica na colónia à beira-mar plantada

 

Crónica republicada de 2016 sobre a subserviência da elite nacional ("nacional" somente no nome) e a situação de pobreza crescente do povo resultante da entrada de Portugal na então CEE, que na prática terá sido mais a anexação do País pela potência dominante, Alemanha. A partir de 1 de Janeiro de 1986, Portugal passou a ser uma colónia ou região (länder) europeia, no entanto, a elite enriqueceu, formando-se uma nova oligarquia, que neste momento aposta abertamente numa solução política de extrema-direita para melhor garantir os dividendos e privilégios.

Gente muito pouco patriótica

Marcelo foi a Roma ver o Papa e beijou-lhe o anel, segurando-lhe na mão sem se ajoelhar, como era costume antigo, convidando-o a visitar o país (cuja resposta ficou no segredo divino e presidencial) e de regresso visitou o rei Filipe VI de Espanha e VII de Portugal, a quem transmitiu a preocupação pelo domínio cada vez maior da banca nacional pela espanhola; foi a primeira saída ao estrangeiro do 20º, ou 19º se não contarmos Bernardino Machado duas vezes. O homem é católico e Espanha está aqui mesmo ao lado e há que velar pelas boas relações com os nuestros hermanos, já que eles são o principal parceiro económico, nas exportações e nas importações. Contudo, a viagem pode ser, e é na realidade, uma manifestação de subserviência, embora manhosa, como é habitual entre a nossa elite visceralmente provinciana.

Relacionado com esta visita de vassalagem e de validação externa, já antecipadamente efectuada por Bruxelas/Juncker, do cargo da personagem, ocorreram as manifestações dos produtores nacionais de leite e de carne de porco contra as também cada vez maiores importações daqueles produtos de países terceiros, à frente dos quais se encontra, outra coisa não seria de esperar, os produtores a vizinha Espanha. As reivindicações são elementares, a reposição do sistema de quotas leiteiras, favorecimento da distribuição da produção nacional por parte das grandes superfícies comerciais, etiquetagem dos produtores estrangeiros, benefícios fiscais por parte do governo e da segurança social, ou seja, proteccionismo contra a concorrência externa, em contradição aberta com as regras da UE, sem contudo colocarem em causa a permanência de Portugal nesta comunidade económica e política ou na zona euro.

Esperar que o ministro da agricultura, já experiente nestas andanças, e o governo de que faz parte façam alguma coisa de concreto para salvaguardar a produção nacional é qualquer coisa como ficar à espera de Godot, ou seja, esperem sentados, porque as medidas que aí virão serão medidas impostas por Bruxelas para proteger os grandes produtores europeus, franceses e alemães à cabeça, onde se enquadra a intenção de baixar a produção para teoricamente aumentar o preço, o que levará à aniquilação mais rápida das produções da periferia europeia. A entrada de Portugal para a então CEE teve exactamente esse pressuposto, o país deixaria de produzir para passar a comprar aos países do centro da Europa, e Bruxelas foi benevolente enviando milhões de marcos, e mais tarde milhões de euros (a mesma moeda com outro nome), a fim de indemnizar a burguesia nacional e comprar apoios internos; passados 30 anos, o resultado está à vista, mas se não tivesse acontecido essa dita "adesão", o resultado seria semelhante embora em tempo mais dilatado e sem o bónus das comissões. Temos de reconhecer que a burguesia nacional foi esperta, a nossa classe média é que não teve vistas largas e deixou-se enganar, agora é tarde.

Ora, a grande distribuição está-se nas tintas para o facto de "os agricultores estão a morrer no campo" e preferem comprar ao estrangeiro mais barato, com a subsequente maximização da margem do lucro, do que comprometer-se "a comprar a produção portuguesa". O chefe do grupo Pingo Doce/Jerónimo Martins é suficientemente claro ao afirmar, aquando da sua recente visita ao país do narcotráfico da América Latina, que o "peso do sector público em Portugal está a matar lentamente o peso do sector privado", o quer dizer que o governo deve baixar os impostos às empresas e fazer tudo o mais que estiver ao seu alcance para que os patrões nacionais aumentem o mais possível os seus lucros na competição que enfrentam com os restantes; ter a sede das empresas na Holanda, onde pagam metade dos impostos do que pagariam se estivessem em território nacional, não parece ser suficiente, quer mais, não deixando de frisar que "as empresas que não ganhem dinheiro são empresas sem futuro".

A partir da data de adesão à CEE/UE formou-se uma oligarquia rentista

Como se pode constatar, mais uma vez, os casos que o comprovam são muitos, se há uma classe média ou pequena parte da classe possidente em Portugal que aposta no proteccionismo, uma outra, que predomina, aposta numa maior liberalização e aposta na internacionalização dos seus negócios em mercados em ainda abertos do que o nosso e dirigidos por elites ainda mais corruptas. Contudo, não deixa de ser interessante ouvir da boca do Presidente da Associação Comercial de Lisboa – Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, um dos que faz negócio à custa do estado em termos de monopólio (foram claras as suas intenções em querer transformar os estivadores em escravos, aquando das últimas greves), defender que os capitalistas nacionais devem “comprar ou criar um banco” a fim de fazer frente à espanholização da banca portuguesa. Opinião que não parece ser compartilhada pelos seus comparsas da indústria do calçado, o tal sector da indústria nacional tão incensado pelos propagandistas do capital nacionais, que após investigação da polícia judiciária acabam de ser acusados pelo Ministério Público de lavagem de dinheiro e de terem escondido 2,6 milhões em off-shores, Ilhas Caimão e Reino Unido, defraudando assim o fisco e as contas públicas, o que nem sequer constituirá ponta de iceberg da verdadeira dimensão do patriotismo da nossa tão estimada e nacionalista burguesia.

Portugal é dominado por uma burguesia compradora e inútil, verdadeira oligarquia, que vai sobrevivendo do parasitismo dos recursos públicos e do estado, que é também o seu instrumento de repressão sobe os trabalhadores, que defende o proteccionismo quando isso lhe interessa e o seu contrário, o ultra-liberalismo, sendo então mais papista que o Papa se isso lhe trouxer algumas vantagens. Uma classe com fim historicamente anunciado para breve, apesar de não ter morte datada, contorcendo-se por entre o processo de acumulação e concentração capitalistas, temendo menos a concorrência brutal e desapiedada, que está na alma do capitalismo, do que a eventualidade, mais do que certa, de uma nova forma de organização da economia e da sociedade a que podemos dar o nome de socialismo.

Os pequenos agricultores nacionais para sobreviver terão de se organizar e o socialismo é a saída

Mais do que ser "indispensável a regulação legislativa e a fiscalização da actividade dos hipermercados", como reclamam os suinicultores e os produtores de leite, cada vez se torna necessário, não havendo outro caminho, o controlo da grande distribuição pelo próprio estado, o único capaz de exercer um controlo severo e eficaz sobre as importações, venham elas de Espanha ou de outro país; mas, para se atingir este objectivo, o país terá de sair do euro e da União Europeia, mesmo que ainda durante algum tempo e para as trocas comerciais com o exterior venha a manter o euro.

Será com o apoio do estado que os produtores se poderão organizar para fazer frente à concorrência estrangeira e não "morrerem" de forma violenta, como acontecerá com a UE capitalista; o socialismo será também a única alternativa. Para os nossos propagandistas e partidos do poder, só é problema se houver mais estado na economia se for português, porque se for chinês não parece haver qualquer problema atendendo às chorudas comissões pela venda dos activos públicos e, com alguma sorte, para gestão dos mesmos já sob propriedade estrangeira: "Estado chinês ganha quase 400 mil euros por dia na EDP" (é título na imprensa/propaganda nacional, tal como "Aumento do salário do presidente da EDP para 6.800 euros por dia...").

A pobreza é o indicador que mais se desenvolveu após a adesão à União

Enquanto tudo isso, ficamos a saber que: uma em cada 14 famílias portuguesas salta refeições por não ter dinheiro, ou seja, sofre de "insegurança alimentar grave", um eufemismo elegante para designar simplesmente "fome sem disfarces”; o governo PS/Costa fez as contas e entendeu que atribuir os extintos passes "4-18" e "sub 23" a todos os jovens portugueses, independentemente das respectivas condições socioeconómicas, "custaria 20 milhões de euros"; no entanto, vai dar 17 milhões de euros aos taxistas, mas que pode ir até ao 22 milhões, para se calarem e aceitarem a concorrência da Uber, que o governo conta em legalizar dentro em breve (mais um sector tradicional condenado a desaparecer, mas, diga-se em abono de verdade, os próprios nada têm feito para o evitar, bem pelo contrário).

No seu conjunto, a dita "economia nacional" não dá sinais de reanimação, se as importações tiveram uma ligeira diminuição em Janeiro, menos 1% em relação a Janeiro do ano passado, as exportações para os mercados extra-comunitários tiveram uma queda a pique, de 18,8% face ao mesmo mês de 2015 (e de 25,2% na comparação com Dezembro), não sendo compensadas com a ligeira subida para os países da União Europeia, apenas 4,5%. Claro que as explicações oficiais não se fizeram esperar: é devido à "volatilidade nos mercados financeiros" e à crise de alguns países como Angola dependentes do preço do petróleo; mas não à crise capitalista global de superprodução, da qual a Europa do Centro, rica e desenvolvida, não conseguiu ultrapassar, levando a OCDE e o FMI a reverem em baixa as previsões de crescimento mundial para este ano de 2016.

Não se deve igualmente ocultar que só 6,1% das empresas a operar no mercado português são exportadoras, e dizemos a "operar" porque muitas delas são empresas de capital estrangeiro, ou seja, não são portuguesas. E outra realidade, ainda mais importante e que também não deve ser minimizada ou iludida: nos primeiros dois meses do ano, 1.064 pessoas perderam o seu posto de trabalho na sequência de despedimentos colectivos, um aumento de 35,5% face ao mesmo período do ano passado (os dados são da Direcção Geral do Emprego e das Relações do Trabalho). Mais uma vez se constata que crescimento económico não é sinónimo de mais emprego, bem pelo contrário, nem de salários mais elevados, pela simples razão de que a economia de que se trata é a economia capitalista, a que não se pode mudar a natureza.

PS e PSD os dois agentes ao serviço de Bruxelas e do grande capital europeu

O mesmo se pode dizer em relação ao governo do Costa/PS, assim se compreende o que o Costa diz, e o Costa diz que banca precisa de "capital estrangeiro, seja ele espanhol, angolano, alemão ou americano”, isto é, ter um sistema financeiro “estabilizado e devidamente capitalizado”, salientando que Portugal é “uma economia aberta”. Costa vai reunir com a dita "empresária" angolana, filha do presidente do estado/máfia/corrupção de Angola, a fim de ultrapassar o também dito "impasse" no BPI, mais propriamente como entregar este banco, que já foi ex-libris da burguesia nacional do norte, à catalã La Caixa; acontecimento que parece ter agastado o Coelho da "Social-democracia, sempre!". É para se perguntar: qual será a comissão?

PS e PSD funcionam como dois partidos de angariação de emprego para a clientela e recebimento das comissões, para além, como é óbvio, de bem gerir os negócios do capital, independentemente da cor nacional; o PSD e PS chegam a aldrabar a inscrição de militantes na disputa entre caciques a ver quem alcança o pote: dirigentes do PS são condenados por falsificação de documentos no preenchimento de fichas de adesão ao partido; no PSD de Aveiro, secção de Ovar, num mês foram inscritos 418 novos militantes, 217 da freguesia de Esmoriz, dos quais 80 viviam na mesma rua e 17 na exacta mesma morada; são as peripécias dos partidos que vivem metendo a mão na massa, ao mesmo tempo que se desacreditam, desacreditam o próprio regime democrático burguês.

Em última hora, um acontecimento que bem revela que o PR Marcelo e o primeiro Costa estão, por enquanto, em sintonia na gestão dos interesses do capitalismo, foi o presidencial puxar de orelhas ao Coelho por este criticar a intervenção do governo nos negócios do BPI. Marcelo considera que está de acordo com a Constituição "a submissão do poder económico ao poder político", na prestidigitação de inverter a realidade e continuar a enganar os trabalhadores portugueses, simultaneamente chama a atenção para o facto de que não passa cheques em branco; se, por um lado, quer estar em sintonia com o governo no que concerne à política externa, e nesse sentido se deve entender a sua visita ao estrangeiro, e apoia algumas das suas diligências para a boa gestão dos negócios dos senhores do capital, não quer dizer que isso vá durar para sempre. O governo do Costa manterá por algum tempo o estado de graça… até ao dia que o povo e os trabalhadores portugueses percam a paciência.

23 de Março 2016


sexta-feira, 6 de junho de 2025

A escravatura da Alemanha pelo seu passado manteve-a em silêncio sobre Gaza durante muito tempo

Por Gideon Levyin 

Não é a primeira vez que a Globalbridge tem sido um — digamos, um imperativo "moral" — traduzir e publicar um comentário do jornalista israelita Gideon Levy. Levy, cujos pais fugiram da Boémia para Israel em 1939 para escapar aos nazis alemães, lança luz sobre a actual política alemã em relação a Israel. (Editor)

A Alemanha traiu a memória do Holocausto e as suas lições. Um país que considerava o seu maior dever não esquecer, esqueceu. Um país que prometeu a si próprio nunca se calar permanece em silêncio. Um país que outrora disse "Nunca mais" diz agora "outra vez", com armas, com dinheiro, com silêncio. Nenhum país deveria ser melhor do que a Alemanha a "reconhecer processos repugnantes". Todo o alemão sabe muito mais sobre eles do que Yair Golan. Aqui em Israel, estão a todo o vapor, mas a Alemanha ainda não os reconheceu pelo que são. Só recentemente acordou tarde demais e muito pouco.

Quando a Alemanha vê a  marcha da bandeira em Jerusalém, precisa de ver a Kristallnacht. Se não vir os paralelos, trai a memória do Holocausto. Quando olha para Gaza, precisa de ver os campos de concentração e os guetos que ela própria criou. Quando vê a população faminta em Gaza, precisa de ver os miseráveis ​​sobreviventes dos campos. Quando ouve as declarações fascistas de ministros israelitas e de outras figuras públicas sobre assassinatos e troca de populações, sobre "nenhum inocente" e sobre matar bebés, precisa de ouvir as vozes aterradoras do seu passado que diziam a mesma coisa em alemão. 

Não tem o direito de permanecer em silêncio. Deve erguer bem alto a bandeira da resistência europeia ao que se passa na Faixa de Gaza. No entanto, continua a ficar para trás do resto da Europa, ainda que desconfortavelmente, não só pelo seu passado, mas também pela sua  responsabilidade indirecta pela Nakba, que provavelmente não teria acontecido sem o Holocausto. A Alemanha tem também uma dívida moral parcial para com o povo palestiniano.

Sem o apoio dos Estados Unidos e da Alemanha, a ocupação israelita não teria acontecido. Durante todo este tempo, a Alemanha foi considerada a segunda melhor amiga de Israel.  Era inclusiva e incondicional.  Agora, a Alemanha vai pagar os seus longos anos de rigorosa autocensura, durante os quais foi proibida de criticar Israel, a santa vítima.

Qualquer crítica a Israel era  rotulada de anti-semitismo. A justa luta pelos direitos palestinianos era criminalizada. Um país onde um grande império mediático (Springer, org.) exige que os seus jornalistas, como condição para o emprego, nunca questionem o direito de Israel à existência não pode alegar respeitar a liberdade de expressão. E se as actuais políticas de Israel ameaçam a sua existência, não se deveria ter o direito de o criticar?

Na Alemanha, é difícil, senão impossível, criticar Israel, independentemente do que se faça. Isto não é amizade; é a escravatura a um passado e, à luz dos  acontecimentos em Gaza, esta tem de acabar. A "relação especial" não pode incluir a condescendência com crimes de guerra. A Alemanha não tem o direito de ignorar o Tribunal Penal Internacional, criado em resposta aos seus crimes, debatendo quando convidar um primeiro-ministro israelita procurado por crimes de guerra. Não tem o direito de repetir os clichés do passado e depositar flores em Yad Vashem, a 90 minutos de carro de Khan Yunis.

A Alemanha enfrenta agora o seu mais sério teste moral desde o Holocausto. Poucas semanas após a invasão da Ucrânia por Vladimir Putin, a Alemanha liderou as sanções contra a Rússia. Vinte meses após a invasão da Faixa de Gaza, a Alemanha ainda não tomou qualquer medida contra Israel, para além das mesmas declarações vazias de outros países europeus.

A Alemanha precisa de mudar, não apesar do seu passado, mas precisamente por causa dele. Não basta que o Chanceler Friedrich Merz diga que o bombardeamento da Faixa de Gaza já não se justifica.  Ele precisa de tomar medidas para o impedir.  Não basta que o Ministro dos Negócios Estrangeiros Johann Wadephul diga que a Alemanha não se deixará "levar a uma situação em que tenhamos de demonstrar uma solidariedade forçada".

É tempo de a Alemanha demonstrar solidariedade para com as vítimas e libertar-se das amarras do passado que a afastam das lições do Holocausto. A Alemanha não pode mais ficar de braços cruzados e contentar-se com condenações tíbias. Dada a terrível situação em Gaza, isto é silêncio — o silêncio vergonhoso da Alemanha.

O que é que este bebé fez de errado para agora morrer de fome? (Captura de ecrã de um vídeo publicado pela BBC News.)

Leia o artigo original de Gideon Levy no Haaretz.

Fonte