Por Gideon Levyin
Não é a primeira vez que a Globalbridge tem
sido um — digamos, um imperativo "moral" — traduzir e publicar um
comentário do jornalista israelita Gideon Levy. Levy, cujos pais fugiram da
Boémia para Israel em 1939 para escapar aos nazis alemães, lança luz sobre a
actual política alemã em relação a Israel. (Editor)
A Alemanha traiu a memória do Holocausto e as
suas lições. Um país que considerava o seu maior dever não esquecer, esqueceu.
Um país que prometeu a si próprio nunca se calar permanece em silêncio. Um país
que outrora disse "Nunca mais" diz agora "outra vez", com
armas, com dinheiro, com silêncio. Nenhum país deveria ser melhor do que a
Alemanha a "reconhecer processos repugnantes". Todo o alemão sabe
muito mais sobre eles do que Yair Golan. Aqui em Israel, estão a todo o vapor,
mas a Alemanha ainda não os reconheceu pelo que são. Só recentemente acordou
tarde demais e muito pouco.
Quando a Alemanha vê a marcha da bandeira em Jerusalém, precisa de ver a Kristallnacht. Se não vir os paralelos,
trai a memória do Holocausto. Quando olha para Gaza, precisa de ver os campos
de concentração e os guetos que ela própria criou. Quando vê a população
faminta em Gaza, precisa de ver os miseráveis sobreviventes
dos campos. Quando ouve as declarações fascistas de ministros israelitas e de
outras figuras públicas sobre assassinatos e troca de populações, sobre
"nenhum inocente" e sobre matar bebés, precisa de ouvir
as vozes aterradoras do seu passado que diziam a mesma coisa em alemão.
Não tem o direito de permanecer em silêncio.
Deve erguer bem alto a bandeira da resistência europeia ao que se passa na
Faixa de Gaza. No entanto, continua a ficar para trás do resto da Europa, ainda
que desconfortavelmente, não só pelo seu passado, mas também pela sua responsabilidade indirecta pela
Nakba, que provavelmente não teria acontecido
sem o Holocausto. A Alemanha tem também uma dívida moral parcial para com o
povo palestiniano.
Sem o apoio dos Estados Unidos e da Alemanha,
a ocupação israelita não teria acontecido. Durante todo este tempo, a Alemanha
foi considerada a segunda melhor amiga de Israel. Era inclusiva e incondicional. Agora, a Alemanha vai pagar os seus longos anos de rigorosa
autocensura, durante os quais foi proibida de criticar Israel, a santa vítima.
Qualquer crítica a Israel era
rotulada de anti-semitismo. A justa luta pelos direitos palestinianos era criminalizada. Um país
onde um grande império mediático (Springer, org.) exige que os seus
jornalistas, como condição para o emprego, nunca questionem o direito de Israel
à existência não pode alegar respeitar a liberdade de expressão. E se as
actuais políticas de Israel ameaçam a sua existência, não se deveria ter o direito
de o criticar?
Na Alemanha, é difícil, senão impossível,
criticar Israel, independentemente do que se faça. Isto não é amizade; é a
escravatura a um passado e, à luz dos acontecimentos em Gaza, esta tem de acabar. A "relação especial" não pode incluir a
condescendência com crimes de guerra. A Alemanha não tem o direito de ignorar o
Tribunal Penal Internacional, criado em resposta aos seus crimes, debatendo
quando convidar um primeiro-ministro israelita procurado por crimes de guerra.
Não tem o direito de repetir os clichés do passado e depositar flores em Yad
Vashem, a 90 minutos de carro de Khan Yunis.
A Alemanha enfrenta agora o seu mais sério
teste moral desde o Holocausto. Poucas semanas após a invasão da Ucrânia por
Vladimir Putin, a Alemanha liderou as sanções contra a Rússia. Vinte meses após
a invasão da Faixa de Gaza, a Alemanha ainda não tomou qualquer medida contra
Israel, para além das mesmas declarações vazias de outros países europeus.
A Alemanha precisa de mudar, não apesar do seu
passado, mas precisamente por causa dele. Não basta que o Chanceler Friedrich
Merz diga que o bombardeamento da Faixa de Gaza já não se
justifica. Ele precisa de tomar medidas para o
impedir. Não basta que o Ministro
dos Negócios Estrangeiros Johann Wadephul diga que a Alemanha não se deixará
"levar a uma situação em que tenhamos de demonstrar uma solidariedade
forçada".
É tempo de a Alemanha demonstrar solidariedade
para com as vítimas e libertar-se das amarras do passado que a afastam das
lições do Holocausto. A Alemanha não pode mais ficar de braços cruzados e
contentar-se com condenações tíbias. Dada a terrível situação em Gaza, isto é
silêncio — o silêncio vergonhoso da Alemanha.
O que é que este bebé fez de errado para
agora morrer de fome? (Captura de ecrã de um vídeo publicado pela BBC News.)
Leia o artigo original de Gideon Levy no Haaretz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário