quarta-feira, 17 de junho de 2020

Portugal, uma região da Europa


Nos últimos dias alguns acontecimentos não deixaram de ter a sua relevância, foram eles: a indigitação pelo primeiro Costa de um tecnocrata para a elaboração de um plano de recuperação económica a 10 anos; a apresentação do orçamento suplementar para este ano; a esperada demissão de Centeno de ministro das Finanças; as comemorações confinadas do dia 10 de Junho; a manifestação anti-racista e a desocupação de uma habitação ocupada para apoio dos sem-abrigos por seguranças privadas. Acontecimentos diversos mas que são expressões de uma mesma e só realidade, a crise do sistema económico capitalista e da democracia parlamentar burguesa, ambos geridos pelo PS no Governo e na Assembleia da República, dita “casa da democracia”, e da forma, abraçada mas não abertamente assumida, pelas elites nacionais e partidos da ordem em transformar Portugal numa região da União Europeia.

Pode não parecer, mas o acontecimento mais importante, embora se venha a reconhecer essa relevância mais tarde, foi indubitavelmente a escolha do tecnocrata, que não teve a contestação dos parceiros PCP e BE que se mantêm como os principais apoios deste segundo governo PS/Costa. E a seguir em grau de importância a utilização das polícias privadas para fazer o trabalho sujo que deveria caber às polícias do Estado e a tentativa de criminalização de uma manifestação anti-racista pacífica, só pelo facto de um manifestante empunhar um cartaz onde se podia ler que “polícia bom, é o polícia morto”, e cuja legitimidade foi contestada à direita por os participantes não terem respeitado o tal “distanciamento social”. 

Ficaram indignados os partidos da direita que, apesar de trogloditas, ainda pretendem afivelar uma máscara de “social-democracia” e de “democracia cristã”, e os dirigentes associativos das polícias, gente visceralmente racista, pertencente a um partido neo-nazi cujo crescimento está a ser acarinhado por toda a imprensa de referência do sistema. Geralmente são os partidos ditos “socialistas” que preparam os instrumentos repressivos que mais tarde um governo de turno a seguir e formalmente de direita irá utilizar contra os trabalhadores em revolta. E a revolta será inevitável com centenas de milhares de trabalhadores já com os seus salários diminuídos, em termos nominais em cerca de um terço, para além dos milhares de desempregados que irão duplicar os números oficiais do desemprego até ao final do ano.

Desde há muito que o projecto da União Europeia é ir destruindo lentamente as nações e as nacionalidade existentes dentro do espaço europeu, como forma de fortalecer o poder de um Reich, o quarto, uma Europa germanificada, e de facilitar, por outro lado, a entrada do grande capital em todos os países sob o jugo. A liberdade de circulação de capitais e de mão-de-obra foi um primeiro passo, e a entrada de Portugal na então CEE, na condição de ser acompanhada pela Espanha, foi um outro passo. Agora, passado estes anos todos, se confirma que a economia portuguesa mais não é que um prolongamento da espanhola, já com mais de metade da banca dita “nacional” nas mãos de nuestros hermanos. A eco-economia será a nova roupagem de um capitalismo decrépito e a pandemia da Covid-19 é o argumento e o ponto de partida para o “novo capitalismo”. E é neste quadro que se deve entender para que servirá o dito “plano de recuperação económica a 10 anos” do Costa do PS.

Ora, a remodelação da economia capitalista mundial será feita segundo um plano já traçado, e esse plano no que concerne à Europa é a reorganização de toda a economia na base das denominadas “bio-regiões”, ou seja, “áreas supranacionais com particular homogeneidade e vocação industrial, agrícola, cultural”, fronteiras a serem delineadas para “aprimorar as actividades, as produções e as trocas internas”. O projecto está em estudo avançado e em teste na área Hauts-de-France, foi encomendado pela presidente Ursula von der Leyen ao professor Jeremy Rifkin, o guru norte-americano da economia mundial aplicada à ecologia. A posição de Portugal será a de fornecedor de mão-de-obra barata e de matérias primas, onde o lítio será a galinha de ovos de oiro para uma parte da burguesia nacional, uma mera e simples colónia, que poderá contar com alguma indústria residual e com fraco valor acrescentado, não será sequer a China do Sul da Europa como fora pensado há alguns anos, será pior do que isso, e os 26,3 mil milhões de euros já destinados ao país serão, para além da compra de equipamentos e de produtos à Alemanha, uma espécie de indemnização às elites e clientelas indígenas.

Lagarde, a presidente do BCE, já avisou que os países da União Europeia que irão sentir uma maior desvalorização salarial nominal per capita, e a maior de que haverá registo, serão os países onde há mais trabalho precário. Ora, Portugal tem cerca de um terço de trabalhadores nesta situação, são precisamente estes que já estão a sofrer com as medidas impostas pelo Governo PS/Costa com a argumentação do combate à pandemia pelo coronavirus, e diz o homem que não haverá mais medidas de austeridade como houve antes!, mas pelos vistos serão bem piores porque já estão a acontecer e a austeridade ainda não foi oficialmente declarada. E o choque de desemprego, anunciado pelo BCE (Banco Central Europeu), não se ficará por 2020, mas propagar-se-á por todo o ano de 2021, contrariando uma projecção feita por Bruxelas há cerca de um mês; ou melhor dizendo, o desemprego galopante e os salários miseráveis são para ficar e será na base destes que a burguesia pensa relançar e reformar a sua economia. E foi para levar a cabo esta tarefa que Costa foi desencantar o tecnocrata quase homónimo, pensando que é “Santo António” para ver se consegue fazer algum milagre.

O orçamento suplementar de 2020, a pretexto da Covid-19 – a partir de agora será sempre “devido à pandemia”, por exemplo, “crise económica devido à pandemia” –, destina-se inteiramente a injectar dinheiro nos bolsos ou contas bancárias dos patrões, incluindo os que fizeram batota com o lay-off obrigando os trabalhadores a trabalhar. São os 600 milhões de euros para um putativo “pacote de investimentos públicos” ou uma pretensa “renovação de linhas de crédito”, ou a diminuição ou isenção de IRC. E até os 504,4 milhões de euros destinados à Saúde, não serão para aumento dos salários dos trabalhadores nem para aquisição de mais equipamento, mas para enfiar na carteira dos negociantes da saúde privada a quem o Governo irá comprar mais serviços de saúde que ele próprio, o Estado, tem condições para fazer; no entanto, o bastonário da Ordem dos Médicos acha pouco, deveria ser o dobro, o mesmo que a TAP vai encaixar, sabendo que o principal problema do SNS é a promiscuidade cada vez maior entre o público e o privado; tudo embrulhado num palavreado hipócrita de “apoio às famílias e às empresas”. Este orçamento, a exemplo dos anteriores, é como a pescada, antes de o ser já o era, e será aprovado com os votos dos prestimosos BE e PCP, que como as mulheres (ou homens) que querem passar por sérias fazem-se de esquisitas a fim de subir o preço da bandeirada. A direita, embora faça algumas críticas, está de acordo porque este orçamento está dentro dos seus princípios: tirar aos trabalhadores para dar à burguesia.

Quanto à demissão de Centeno, nada de especial haverá a dizer, saída de sendeiro após entrada de leão, porque a partir daqui, as coisas serão mesmo a doer e sem possibilidade de qualquer prestidigitação, o “leão” que o vai substituir terá uma sorte ainda pior. E em relação ao Marcelo, rei momo de Portugal, teve as comemorações do 10 de Junho à sua imagem e à do país que representa, o país do dinheiro e da ganância, o espelho da decadência e ruína do capitalismo nacional.

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