Nos
últimos dias alguns acontecimentos não deixaram de ter a sua
relevância, foram eles: a indigitação pelo primeiro Costa de um
tecnocrata para a elaboração de um plano de recuperação económica
a 10 anos; a apresentação do orçamento suplementar para este ano;
a esperada demissão de Centeno de ministro das Finanças; as
comemorações confinadas do dia 10 de Junho; a manifestação
anti-racista e a desocupação de uma habitação ocupada para apoio
dos sem-abrigos por seguranças privadas. Acontecimentos diversos mas
que são expressões de uma mesma e só realidade, a crise do sistema
económico capitalista e da democracia parlamentar burguesa, ambos
geridos pelo PS no Governo e na Assembleia da República, dita “casa
da democracia”, e da forma, abraçada mas não abertamente
assumida, pelas elites nacionais e partidos da ordem em transformar
Portugal numa região da União Europeia.
Pode
não parecer, mas o acontecimento mais importante, embora se venha a
reconhecer essa relevância mais tarde, foi indubitavelmente a
escolha do tecnocrata, que não teve a contestação dos parceiros
PCP e BE que se mantêm como os principais apoios deste segundo
governo PS/Costa. E a seguir em grau de importância a utilização
das polícias privadas para fazer o trabalho sujo que deveria caber
às polícias do Estado e a tentativa de criminalização de uma
manifestação anti-racista pacífica, só pelo facto de um
manifestante empunhar um cartaz onde se podia ler que “polícia
bom, é o polícia morto”, e cuja legitimidade foi contestada à
direita por os participantes não terem respeitado o tal
“distanciamento social”.
Ficaram indignados os partidos da
direita que, apesar de trogloditas, ainda pretendem afivelar uma
máscara de “social-democracia” e de “democracia cristã”, e
os dirigentes associativos das polícias, gente visceralmente
racista, pertencente a um partido neo-nazi cujo crescimento está a
ser acarinhado por toda a imprensa de referência do sistema.
Geralmente são os partidos ditos “socialistas” que preparam os
instrumentos repressivos que mais tarde um governo de turno a seguir
e formalmente de direita irá utilizar contra os trabalhadores em
revolta. E a revolta será inevitável com centenas de milhares de
trabalhadores já com os seus salários diminuídos, em termos
nominais em cerca de um terço, para além dos milhares de
desempregados que irão duplicar os números oficiais do desemprego
até ao final do ano.
Desde
há muito que o projecto da União Europeia é ir destruindo
lentamente as nações e as nacionalidade existentes dentro do espaço
europeu, como forma de fortalecer o poder de um Reich, o quarto, uma
Europa germanificada, e de facilitar, por outro lado, a entrada do
grande capital em todos os países sob o jugo. A liberdade de
circulação de capitais e de mão-de-obra foi um primeiro passo, e a
entrada de Portugal na então CEE, na condição de ser acompanhada
pela Espanha, foi um outro passo. Agora, passado estes anos todos, se
confirma que a economia portuguesa mais não é que um prolongamento
da espanhola, já com mais de metade da banca dita “nacional” nas
mãos de nuestros hermanos. A eco-economia será a nova roupagem de
um capitalismo decrépito e a pandemia da Covid-19 é o argumento e o
ponto de partida para o “novo capitalismo”. E é neste quadro que
se deve entender para que servirá o dito “plano de recuperação
económica a 10 anos” do Costa do PS.
Ora,
a remodelação da economia capitalista mundial será feita segundo
um plano já traçado, e esse plano no que concerne à Europa é a
reorganização de toda a economia na base das denominadas
“bio-regiões”, ou seja, “áreas supranacionais com particular
homogeneidade e vocação industrial, agrícola, cultural”,
fronteiras a serem delineadas para “aprimorar as actividades, as
produções e as trocas internas”. O projecto está em estudo
avançado e em teste na área Hauts-de-France, foi encomendado pela
presidente Ursula von der Leyen ao professor Jeremy Rifkin, o guru
norte-americano da economia mundial aplicada à ecologia. A posição
de Portugal será a de fornecedor de mão-de-obra barata e de
matérias primas, onde o lítio será a galinha de ovos de oiro para
uma parte da burguesia nacional, uma mera e simples colónia, que
poderá contar com alguma indústria residual e com fraco valor
acrescentado, não será sequer a China do Sul da Europa como fora
pensado há alguns anos, será pior do que isso, e os 26,3 mil
milhões de euros já destinados ao país serão, para além da
compra de equipamentos e de produtos à Alemanha, uma espécie de
indemnização às elites e clientelas indígenas.
Lagarde,
a presidente do BCE, já avisou que os países da União Europeia que
irão sentir uma maior desvalorização salarial nominal per capita,
e a maior de que haverá registo, serão os países onde há mais
trabalho precário. Ora, Portugal tem cerca de um terço de
trabalhadores nesta situação, são precisamente estes que já estão
a sofrer com as medidas impostas pelo Governo PS/Costa com a
argumentação do combate à pandemia pelo coronavirus, e diz o homem
que não haverá mais medidas de austeridade como houve antes!, mas
pelos vistos serão bem piores porque já estão a acontecer e a
austeridade ainda não foi oficialmente declarada. E o choque de
desemprego, anunciado pelo BCE (Banco Central Europeu), não se
ficará por 2020, mas propagar-se-á por todo o ano de 2021,
contrariando uma projecção feita por Bruxelas há cerca de um mês;
ou melhor dizendo, o desemprego galopante e os salários miseráveis
são para ficar e será na base destes que a burguesia pensa relançar
e reformar a sua economia. E foi para levar a cabo esta tarefa que
Costa foi desencantar o tecnocrata quase homónimo, pensando que é “Santo António” para ver se consegue fazer algum
milagre.
O
orçamento suplementar de 2020, a pretexto da Covid-19 – a partir
de agora será sempre “devido à pandemia”, por exemplo, “crise
económica devido à pandemia” –, destina-se inteiramente a
injectar dinheiro nos bolsos ou contas bancárias dos patrões,
incluindo os que fizeram batota com o lay-off obrigando os
trabalhadores a trabalhar. São os 600 milhões de euros para um
putativo “pacote de investimentos públicos” ou uma pretensa
“renovação de linhas de crédito”, ou a diminuição ou isenção
de IRC. E até os 504,4 milhões de euros destinados à Saúde, não
serão para aumento dos salários dos trabalhadores nem para
aquisição de mais equipamento, mas para enfiar na carteira dos
negociantes da saúde privada a quem o Governo irá comprar mais
serviços de saúde que ele próprio, o Estado, tem condições para
fazer; no entanto, o bastonário da Ordem dos Médicos acha pouco,
deveria ser o dobro, o mesmo que a TAP vai encaixar, sabendo que o
principal problema do SNS é a promiscuidade cada vez maior entre o
público e o privado; tudo embrulhado num palavreado hipócrita de
“apoio às famílias e às empresas”. Este orçamento, a exemplo
dos anteriores, é como a pescada, antes de o ser já o era, e será
aprovado com os votos dos prestimosos BE e PCP, que como as mulheres
(ou homens) que querem passar por sérias fazem-se de esquisitas a
fim de subir o preço da bandeirada. A direita, embora faça algumas
críticas, está de acordo porque este orçamento está dentro dos
seus princípios: tirar aos trabalhadores para dar à burguesia.
Quanto
à demissão de Centeno, nada de especial haverá a dizer, saída de
sendeiro após entrada de leão, porque a partir daqui, as coisas
serão mesmo a doer e sem possibilidade de qualquer prestidigitação,
o “leão” que o vai substituir terá uma sorte ainda pior. E em
relação ao Marcelo, rei momo de Portugal, teve as comemorações do
10 de Junho à sua imagem e à do país que representa, o país do
dinheiro e da ganância, o espelho da decadência e ruína do
capitalismo nacional.
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