quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Portugal 2020: mais pobreza... e mais compressão dos direitos e liberdades

 

Walker Evans, 1937

O ano de 2020 está a chegar ao fim e a pobreza, uma realidade endémica entre nós, teve um surto bem maior que o número de doentes ou de mortes causados pela doença do ano e da década covid-19. Os números são iniludíveis e são as insuspeitas organizações, algumas delas ligadas directamente ao capitalismo que o afirmam: “Portugal é o país europeu onde os salários mais caíram por causa da pandemia, entre o primeiro e o segundo trimestre de 2020, os salários praticados em Portugal recuaram 13,5%, é a maior quebra entre os países europeus”, cuja média é de 6,5%; “trabalhadores com salários baixos foram os que mais perderam empregos na pandemia”; “mulheres portuguesas perderam 16% de massa salarial em 2020”; “estudo europeu feito em plena pandemia coloca Portugal no antepenúltimo lugar de uma tabela com 24 países sobre a capacidade de pagar contas”; “Portugal foi em 2019 o quarto país com nível mais elevado de despesas domésticas como água, alimentação, electricidade, gás e habitação” e cuja situação terá piorado; “mais de 600 novos pobres em Lisboa com segunda vaga da pandemia de Covid-19”. E para rematar: “OCDE arrasa retoma portuguesa, nem fundos europeus dão a volta à pandemia”, se o governo do PS/Costa baseou o OE para 2021 num crescimento de 5,4%, a mesma OCDE prevê apenas 1,7%, desse modo a retoma da economia em 2021 e 2022 não vai chegar, nem de longe nem de perto, para reverter a destruição provocada este ano com o pretexto de combate à pandemia; crise que já vinha de trás por força das contradições do capitalismo. O futuro será forçosamente de mais desemprego, mais precariedade, mais fome e mais miséria. Daí os contínuos estados de emergência e as medidas de reforço das forças policiais, estas cada vez mais arrogantes e prepotentes, contando com a impunidade, incluindo nos casos de tortura e homicídio, com o objectivo de afastar a revolta popular que fácil e rapidamente se anuncia.

Portugal recebeu uma tranche de três mil milhões de euros do programa europeu SURE, é a primeira tranche do programa que diz que é “de protecção dos trabalhadores e empresas”. No entanto, todos sabemos que a protecção ao emprego é uma falácia, um engano para esconder que a verdadeira protecção é a dos accionistas das empresas, das grandes empresas e dos grandes patrões que não podem ver os lucros a baixar. Quanto ao lay-off, este está a ser suportado graças aos fundos da Segurança Social, que irá também financiar os “prejuízos” dos patrões com a reles e mísera subida de 30 euros do Salário Mínimo Nacional, uma cedência do governo aos patrões, representados pelas grandes associações que não se cansam de vir às televisões ameaçar com as falências em massa, através da redução da TSU (Taxa Social Única); uma tentativa que fracassou no tempo do governo Passos/Coelho/PSD/PP, mas que parece que irá ser bem sucedida com um governo que se diz de esquerda e que ainda vai tendo o apoio dos outros partidos da putativa esquerda: BE e PCP. Não esquecer que os dinheiros de Bruxelas, independentemente da proveniência específica, não são, nunca foram e jamais serão a fundo perdido. Mais tarde ou mais cedo, tudo esse dinheiro será pago pelos trabalhadores e pelo povo com língua de palmo e sempre com juros acrescidos. Na Europa do capital, não há “solidariedade”, como refere o “nosso” primeiro ou o ministro das cativações, apenas negócios e lucros.

Se a média salarial em Portugal, segundo os números oficiais do INE, anda pelos 1019 euros mensais brutos, contudo, verifica-se uma grande variação conforme o sector de acitividade e, assim, constata-se que a maioria dos salários são bastantes baixos em sectores como na construção civil (-23,4% em relação à média), na restauração (-32,3%), na agricultura (-33,9%) e na industria extractiva é que são superiores à média (apenas +1,2%). E se a criação de riqueza no país (PIB) tem vindo a crescer, aumentando, em preços correntes, em mais 21,6% (29.767,7 milhões de euros), entre 2009 e 2019, verifica-se que a repartição entre o Capital (Excedente Bruto de Exploração) e o Trabalho (ordenados e salários) tem sido cada vez mais desigual: o Excedente Bruto de Exploração cresceu em 12.224,9 milhões de euros (+20,8%) e os ordenados e salários subiram apenas 5.649,9 milhões (+13,8%), ou seja, menos de metade. Em conclusão: em 2019, apenas 35% da riqueza criada no país revertia para trabalhadores, que eram 4.009.600, enquanto 41% revertia para os patrões, que eram 224.700, isto é, vinte vezes menos. Não só existe uma enorme disparidade de salário entre os diversos sectores dos trabalhadores como a desigualdade económica e social na sociedade portuguesa não cessa de crescer, nomeadamente em tempo de governos “socialistas”. Estes números, coligidos pelo economista Eugénio Rosa, são como a prova do algodão, não enganam. Nem será preciso vir a OIT dizer que “o terramoto económico e laboral trazido pela pandemia está a conduzir a um aumento da desigualdade de rendimentos” - já o era!

Enquanto o povo português vai empobrecendo, agora com a excelente desculpa de que a responsabilidade é da doença covid-19 e de que o governo não faz mais e melhor é porque não pode, a realidade segue o seu curso sem olhar para a mentira e a manipulação do Costa e da sua trupe: “a dívida pública, na óptica de Maastricht, subiu 1,1 mil milhões de euros em outubro para os 268,14 mil milhões de euros, atingindo um novo recorde”; concretamente, 130,6% no terceiro trimestre, subindo face aos 126% do PIB no segundo trimestre. A subida para um novo e triste recorde deve-se, em parte, às emissões de títulos de dívida, no valor de 1,1 mil milhões de euros“, segundo explicação do Banco de Portugal. Também é notícia que “Portugal empurra 1.376 milhões de euros em dívida para 2028 e 2029. O quer dizer, em linguagem mais popular, o governo PS/Costa vai empurrando com a barriga a dívida pública, à espera do que nunca virá a acontecer que seria uma grande retoma da economia (capitalista) nacional. E facilmente se prevê o que irá acontecer já no futuro próximo, para além do que já aconteceu: os trabalhadores irão ter salários mais baixos, mais contas para pagar ao fim do mês, os que ainda tiverem emprego, e os desempregados deparar-se-ão com mais fome e miséria. O exército de mão-de-obra de reserva aumentará não só pela consequência directa da crise do capitalismo, através da destruição massiva das forças de produção, mas, o que não deixa de ser irónico, pelo reinicio anunciado do capitalismo, sob o slogan do verde e da protecção do meio ambiente, que será com menos trabalhadores, seja pela robotização ou pelo teletrabalho, e com jornadas de trabalho mais longas e salários mais curtos. Quando a pandemia se for, como todas as outras que aconteceram no passado, com ou sem vacina, os estados de emergência ficarão... para meter os trabalhadores na ordem.

Ainda antes da repressão pura e dura, como já está a acontecer em França, os trabalhadores deparam-se com mais doença, seja pela incerteza do futuro, como refere o European Consumer Payment Report 2020, seja pela paralisação do SNS, com o pretexto do combate à pandemia, e a sua subsequente rápida destruição com a inclusão dos privados e do sector dito “social”. O Relatório Anual de Pagamento ao Consumidor Europeu 2020 (em português), realizado em plena pandemia pela empresa sueca especialista na gestão de créditos Intrum, mostra que 59% dos portugueses inquiridos afirmam ficar com menos de 20% do rendimento após pagar as contas”, um valor que é “superior à média europeia, de 41%”, e que “a preocupação com o futuro e o aumento do stress e ansiedade atinge cada vez mais os portugueses” e que estes estão, neste momento, “mais preocupadas com o seu bem-estar financeiro do que em qualquer outro momento da sua vida”. O governo PS/Costa, através das ARS está afazer contratos com os privados para a realização das cirurgias, consultas e outros cuidados de saúde, com o pretexto da pandemia, listas que antes da covid-19 já eram assaz longas, devido à cumplicidade das administrações hospitalares com os médicos que, acumulando o público e o privado, sempre sabotaram o seu trabalho no SNS para o fazerem no privado e ganharem pelos dois lados; a Saúde deve ser o único sector em que o estado/patrão incentiva os seus trabalhadores a fazer-lhe concorrência desleal. O propalado reforço de pessoal do SNS não passa de um logro já que o total de horas extra no SNS atinge o valor mais alto de sempre, cerca de 15,4 milhões de horas suplementares, até o mês de Novembro, ou seja, mais 860.344 que o valor registado em todo o ano passado. E até foram realizadas menos 9 milhões de consultas presenciais nos centros de saúde até Outubro e nos hospitais, as consultas presenciais sofreram uma redução de 2,7 milhões entre Janeiro e Outubro de 2020, face ao mesmo período de 2019. E, assim sendo, os negociantes privados da saúde (doença) esfregam as mãos de contentes, a seguir à ARSN é agora a ARS Lisboa e Vale do Tejo com o Hospital de Santa Maria que vai operar 500 doentes não covid-19 em hospitais privados, num plano que engloba cinco unidades, quatro privadas e uma do sector social, com “a contratação de 250 camas, das quais 50 de cuidados intensivos, bem como outros recursos, anestesistas, equipas técnicas, medicamentos e urgências, caso sejam necessários”. É o fartar vilanagem!

Enquanto os ricos ficam mais ricos e os pobres ficam mais pobres, é demitida ou demite-se a directora nacional do SEF nove (!) meses depois do homicídio do trabalhador imigrante Ihor Homenyuk às mãos dos torturadores daquela polícia com laivos de política. Poderemos dizer que se Ihor Homenyuk fosse algum oligarca ucraniano nada daquilo teria acontecido, bem pelo contrário, teria adquirido um visto gold (golden visa) e à sua espera estaria algum ministro ou secretário de estado e com a polícia do SEF a fazer-lhe continência. A propósito desta questão da repressão sobre o trabalhador, seja ele nacional ou imigrante, é o relatório Estado Global da Democracia, do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA Internacional), que diz que “muitas democracias usaram medidas ilegais ou desnecessárias durante a pandemia”. E vai mais longe: “um ano após os primeiros surtos do novo coronavírus, a pandemia parece ter aprofundado os regimes autocráticos em países não-democráticos e retirou liberdades e direitos nos regimes democráticos”. Como se vê, a pandemia serve para tudo e mais alguma coisa e, para quem ainda tivesses dúvidas, e é um organismo insuspeito que o afirma: “dois dos aspectos mais afectados pelas medidas de (pretensa) contenção contra a pandemia foram a liberdade de expressão e a integridade dos 'media' e 43% das democracias aplicaram medidas de combate contra a crise sanitária que prejudicaram valores políticos e cívicos essenciais. E ainda mais: “Tribunal de Almeida diz ser impossível punir infectados que tenham saído de casa durante o primeiro estado de emergência, com a juíza do Tribunal de Almeida a subscrever o entendimento do acórdão da Relação de Guimarães de que o Governo exorbitou as suas competências ao criar um novo tipo de crime e que este é inconstitucional”. Ou como Costa está a seguir os passos do seu antecessor João Franco que, ao governar por decreto, instituiu em Portugal o que ficou conhecido por “ditadura franquista” (1906-1908) e que levou ao regicídio e à queda da monarquia. É que, embora não pareça, a História repete-se.

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