segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

O sangue que revitaliza o capitalismo e a justiça de classe

 

Os temas da corrupção e da justiça têm feito os títulos principais dos jornais e as aberturas dos noticiários, rivalizando com as notícias do aumento dos casos de infecção (ou dos testes?), do aparecimento da dita “nova variante” ómicron e da vacinação de reforço dos já vacinados e das crianças que não manifestam nem morrem por covid. Todos os defensores da ordem social e dos bons costumes se esforçam por provar que a corrupção é um acessório externo ao regime político e uma excrescência nociva ao bom funcionamento da economia que, por curiosidade, assenta na maximização dos lucros dos detentores do capital, ou seja, dos ricos. E que a justiça não funciona tão bem como seria de desejar porque ainda não houve tempo nem oportunidade para se fazer as reformas necessárias, esquecendo-se que o 25 de Abril ocorreu há quase 48 anos.

A demagogia do combate à corrupção

Não deixa de ser cómico que, em plena campanha eleitoral, os partidos da oposição façam juras de ir combater a corrupção e agora que é que será feita a tão falada reforma da justiça. O PS, ainda no governo e em vésperas do encerramento do Parlamento, anunciou e parece ter aprovado legislação que nada ou pouco acrescentará ao que já existia no que concerne ao putativo combate à corrupção. E quanto à justiça, o governo continua a usar o Ministério Público, com a PGR Lucília Gago à cabeça, no interesse da sua agenda política, nomeadamente eleitoral, e no sentido de encobrir os apaniguados e perseguir os inimigos, ou que estão mais a jeito para servir de bodes expiatórios, querendo provar que até quer combater a corrupção e que a justiça também funciona. E se não é tão célere como deveria ser, é porque luta com falta de meios, não será devido a responsabilidade própria; contudo, ninguém se assume como responsável por essa dita “falta” de meios.

Será neste sentido que se pode entender que o Ministério Público tenha constituído ex-governantes do PS, Mário Lino, Teixeira dos Santos e António Mendonça, como arguidos, passado mais de 10 anos; isto é, demasiado tarde para agora poder responsabilizá-los por corrupção ou abuso de poder ou, melhor dizendo, por gatunagem contra o povo português, deixando prescrever os crimes pelos quais são acusados. Calcula-se que o desfalque terá atingido, e estimando por baixo, os 40 mil milhões de euros pelas PPP rodoviárias, que é o valor que os bancos, incluindo o BEI (Banco Europeu de Investimento) – exactamente para onde o cavaleiro da cruzada anti-corrupção Cravinho foi colocado depois de realizado o negócio –, irão receber durante algumas décadas, garantindo um juro exorbitante, muito acima do negócio do petróleo, para não dizer da droga. As auto-estradas, onde se incluem as famigeradas SCUTs que se pagavam a elas próprias, não valem, e segundo estimativa do Eurostat, um quinto desse valor. Para se questionar: de quanto foram as comissões que esses ex-governantes do governo PS/Sócrates embolsaram, incluindo este último?

A farsa do estado de “direito e democrático”

Para fazer figura e em tempo de campanha eleitoral, o governo, ao mesmo tempo que esconde e de certo modo promove a corrupção, vê-se obrigado mostrar que está de alma e coração na cruzada moralista e que a justiça, apesar de perra, ainda funciona. O que explica o espectáculo a que estamos a assistir, porque outra coisa não se trata, da detenção do bankster Rendeiro na África do Sul, depois de a justiça portuguesa o ter deixado fugir e de muitos anos de litígio na barra dos tribunais, numa lentidão mais que suspeita, e do ex-ministro dos corninhos Pinho que fica em prisão domiciliária, num caso que já se arrasta desde 2009, data dos acontecimentos que deram origem a todo o processo, embora a denúncia dos factos tenha acontecido só em 2012. O ex-ministro, que nem é homem do partido, é acusado de corrupção, branqueamento de capitais e fuga ao fisco, no âmbito do caso EDP. Para além dele, foram acusados, pelo menos inicialmente, mais dois ex-gestores da EDP, António Mexia e João Manso Neto. As rendas excessivas recebidas pela EDP, com a eventual “distorção do mercado”, e os benefícios fiscais relacionados com a venda das centrais elétricas, que foram entregues a esta empresa a preço da uva mijona, serão escandalosos e lesivos do erário público. O Ministério Público fala em 1,2 mil milhões de euros de “prejuízos” para os cidadãos e de 4,5 milhões de euros de luvas recebidas pelo ex-responsável pela pasta da economia nacional por parte da EDP e do BES. Mas não é esta a função de um ministro de um governo burguês, fazer enriquecer os grandes acionistas à custa da pobreza dos cidadãos?

Não é motivo de admiração que o ex-banqueiro e o ex-ministro se tenham manifestado indignados, por se considerarem injustiçados e estarem a ser bodes expiatórios. Vendo bem as coisas, até poderão ter alguma razão. Rendeiro era o principal acionista do Banco Privado Português, mas não era o único, tinha como companhia Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital que, juntamente com Rendeiro, foram absolvidos do crime de burla qualificada em 2015, e algumas figuras públicas e de grande influência política. Por exemplo, Pinto Balsemão, empresário dos media e senador do regime; José Miguel Júdice, advogado e comentador político; Jaime Antunes, economista ligado aos negócios e ao futebol, entre outros. Mas o interessante é que estes últimos, para além de não terem sido acusados, ainda puderam arvorar-se em vítimas, tendo o sócio nº1 do PSD recebido do estado 4 milhões de euros de indemnização. A vigarice pôde ser feita sem ninguém reparar, nem governantes nem a pessoa mais directamente responsável por este tipo de casos, Vítor Constâncio, à frente do Banco de Portugal nessa altura e ex-secretário-geral do PS. O homem não viu, não deu por nada e, como “castigo”, até foi nomeado para vice-presidente do BCE (Banco Central Europeu). No meio de toda a máfia, mais gente deveria estar no mocho ao lado de Rendeiro. Fica-se com a sensação de que esta justiça serve mais para absolver e encobrir do que para julgar e condenar, quando se trata de figurões da política e da economia.

O bloco central da corrupção

Situação semelhante se passou com o ex-ministro, será para perguntar: então o homem estava sozinho, não havia mais ministros? E, então, o primeiro-ministro Sócrates não sabia do que se passava num dos seus ministérios mais importantes, tendo sido ele próprio que terá convidado a figura para o governo? Devemos lembrar-nos que o actual primeiro-ministro Costa era então ministro da Administração Interna e o agora ministro dos Negócios Estrangeiros, se não estamos em erro, também era ministro dos Assuntos Parlamentares e mais tarde ministro da Defesa Nacional, também não deram por nada, nada? E depois com a coligação Paf/PSD/PP, também não tiveram tempo para travar os negócios e, pelo contrário, continuaram com o processo da privatização da EDP? Operação esta realizada sobre arranjo de cambalachos e tachos, envolvendo figuras importantes do PSD (Catroga ficará célebre com o seu vencimento de 40 mil euros mensais) e com certeza despudorada corrupção; aliás, como todas as privatizações. Falar na corrupção do PS teremos forçosamente de referir a corrupção do PSD. O episódio de duas figuras de destaque, uma do PS e outra do PSD, terem dedicado prefácio a livros de Rendeiro é mais do que simbólico. João Cravinho elogia: "Chegar mais alto pelo seu próprio mérito, com toda a limpeza, é também apontar caminhos aos outros". Em outro livro, David Justino não fica atrás no encómio: "João Rendeiro conhece bem os meandros da política e dos negócios". Os dois partidos do bloco central são bandos de salteadores que se têm alternado no saque e na exploração do povo português vai quase para meio século. É tempo demais!

O fenómeno da corrupção é endémico ao sistema capitalista e aos seus regimes políticos, sendo mais notório quando estes são mais democráticos, na medida em que há mais informação disponível. E é transversal a todas as actividades económicas ou sociais. É a corrupção nas Forças Armadas, envolvendo altas patentes na Força Aérea e no Exército; é na Justiça, com juízes condenados e expulsos da magistratura, e alguns outros vão passando pelo intervalo dos pingos, não se pode agitar muita as águas por estes sítios, lá se iria a honorabilidade; é no futebol, envolvendo os principais clubes e estando em causa muitas dezenas e até centenas de milhões de euros de corrupção, fraude, branqueamento de capitais e de fuga ao fisco. E são, porque não deixa de ser corrupção e de roubo ao erário público, as dívidas fiscais dos patrões que não pagam pura e simplesmente ou vão beneficiando de uns oportunos perdões fiscais, que a própria OCDE, no seu último relatório, não deixa de chamar a atenção. É o Tribunal de Contas que alerta para “o elevado valor de receita por cobrar” e mostra-se preocupado com a sustentabilidade das finanças públicas, porque, no final do ano passado, o Fisco tinha 22 mil milhões de euros de impostos de dívidas por cobrar e já em fase avançada em incumprimento. O que representa cerca de metade dos impostos que o Estado amealha anualmente, e terá crescido 882 milhões de euros só num ano!

A elite mais rica e o povo mais pobre

Se as elites vão enriquecendo e os seus funcionários no governo as vão imitando, usando todos os truques e expedientes mesmo que pouco legais e nada legítimos, o povo português vai empobrecendo, com especial destaque para as ditas “classes médias”, geralmente suporte principal do capitalismo e dos seus regimes políticos, sejam mais ou menos democráticos. O poder de compra em Portugal caiu 2,2 pontos percentuais em 2020 face a 2019, situando-se em 76,4% da média europeia. Claro que a “pandemia” é que leva com as culpas e não o capitalismo na sua ânsia do lucro e da concentração imparável: “Quase 230 mil portugueses caíram na pobreza em 2020. Pode ser um efeito transitório da pandemia?” ou “Covid baixa rendimento de 50% das famílias trabalhadoras mais pobres” - diz a imprensa mainstream. No entanto, ninguém pode negar que: “Mais de 38 mil famílias com habitação indigna identificadas em 124 municípios" e uma população que decresceu 2% e mais idosa, porque é o Censos 2021 que o diz. Perante a euforia do ministro das Finanças de que o PIB português irá disparar em 2022 para os 5,8%, Lagarde e Centeno já vieram refrear o entusiasmo: a primeira, com a suspensão da compra de “dívida pandémica”; o segundo, responsabilizando as medias restritivas decretadas para o putativo combate da pandemia, mais concretamente a nível do turismo e das viagens. Mas a razão será outra, a crise económica irá continuar, com o excesso de produção que o capital não consegue gerir, com a subida dos juros das dívidas pública e privada, com a mais que expectável inflação, que será elevada e por tempo indeterminado, porque outra forma dos capitalistas poderem recuperar os lucros.

Enquanto as nuvens se avolumam no horizonte, a ministra promete que o “PS faz aposta 'fundamental' na subida do salário médio” e Costa promete tirar da pobreza 660 mil pessoas, objectivo da “Estratégia Nacional de Combate à Pobreza”, um dos últimos diplomas aprovados pelo governo em modo propaganda eleitoral. Para perguntar: o que andou Costa a fazer durante estes 6 anos? Aonde chega a falta de vergonha da corja socialista?

Ah! Ficou-se também a saber que o vice-almirante herói nacional da vacinação admite a sua candidatura a Belém em 2026 (cem anos do golpe fascista de 28 de Maio).

18 de Dezembro 2021

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