Os
temas da corrupção e da justiça têm feito os títulos principais dos jornais e
as aberturas dos noticiários, rivalizando com as notícias do aumento dos casos
de infecção (ou dos testes?), do aparecimento da dita “nova variante” ómicron e
da vacinação de reforço dos já vacinados e das crianças que não manifestam nem
morrem por covid. Todos os defensores da ordem social e dos bons costumes se
esforçam por provar que a corrupção é um acessório externo ao regime político e
uma excrescência nociva ao bom funcionamento da economia que, por curiosidade,
assenta na maximização dos lucros dos detentores do capital, ou seja, dos
ricos. E que a justiça não funciona tão bem como seria de desejar porque ainda
não houve tempo nem oportunidade para se fazer as reformas necessárias,
esquecendo-se que o 25 de Abril ocorreu há quase 48 anos.
A
demagogia do combate à corrupção
Não
deixa de ser cómico que, em plena campanha eleitoral, os partidos da oposição
façam juras de ir combater a corrupção e agora que é que será feita a tão
falada reforma da justiça. O PS, ainda no governo e em vésperas do encerramento
do Parlamento, anunciou e parece ter aprovado legislação que nada ou pouco
acrescentará ao que já existia no que concerne ao putativo combate à corrupção.
E quanto à justiça, o governo continua a usar o Ministério Público, com a PGR
Lucília Gago à cabeça, no interesse da sua agenda política, nomeadamente
eleitoral, e no sentido de encobrir os apaniguados e perseguir os inimigos, ou
que estão mais a jeito para servir de bodes expiatórios, querendo provar que até
quer combater a corrupção e que a justiça também funciona. E se não é tão
célere como deveria ser, é porque luta com falta de meios, não será devido a
responsabilidade própria; contudo, ninguém se assume como responsável por essa
dita “falta” de meios.
Será
neste sentido que se pode entender que o Ministério Público tenha constituído
ex-governantes do PS, Mário Lino, Teixeira dos Santos e António Mendonça, como
arguidos, passado mais de 10 anos; isto é, demasiado tarde para agora poder
responsabilizá-los por corrupção ou abuso de poder ou, melhor dizendo, por
gatunagem contra o povo português, deixando prescrever os crimes pelos quais
são acusados. Calcula-se que o desfalque terá atingido, e estimando por baixo,
os 40 mil milhões de euros pelas PPP rodoviárias, que é o valor que os bancos,
incluindo o BEI (Banco Europeu de Investimento) – exactamente para onde o
cavaleiro da cruzada anti-corrupção Cravinho foi colocado depois de realizado o
negócio –, irão receber durante algumas décadas, garantindo um juro
exorbitante, muito acima do negócio do petróleo, para não dizer da droga. As
auto-estradas, onde se incluem as famigeradas SCUTs que se pagavam a elas
próprias, não valem, e segundo estimativa do Eurostat, um quinto desse valor.
Para se questionar: de quanto foram as comissões que esses ex-governantes do
governo PS/Sócrates embolsaram, incluindo este último?
A farsa
do estado de “direito e democrático”
Para
fazer figura e em tempo de campanha eleitoral, o governo, ao mesmo tempo que
esconde e de certo modo promove a corrupção, vê-se obrigado mostrar que está de
alma e coração na cruzada moralista e que a justiça, apesar de perra, ainda
funciona. O que explica o espectáculo a que estamos a assistir, porque outra
coisa não se trata, da detenção do bankster Rendeiro na África do Sul, depois de
a justiça portuguesa o ter deixado fugir e de muitos anos de litígio na barra
dos tribunais, numa lentidão mais que suspeita, e do ex-ministro dos corninhos
Pinho que fica em prisão domiciliária, num caso que já se arrasta desde 2009,
data dos acontecimentos que deram origem a todo o processo, embora a denúncia
dos factos tenha acontecido só em 2012. O ex-ministro, que nem é homem do
partido, é acusado de corrupção, branqueamento de capitais e fuga ao fisco, no
âmbito do caso EDP. Para além dele, foram acusados, pelo menos inicialmente,
mais dois ex-gestores da EDP, António Mexia e João Manso Neto. As rendas
excessivas recebidas pela EDP, com a eventual “distorção do mercado”, e os
benefícios fiscais relacionados com a venda das centrais elétricas, que foram
entregues a esta empresa a preço da uva mijona, serão escandalosos e lesivos do
erário público. O Ministério Público fala em 1,2 mil milhões de euros de
“prejuízos” para os cidadãos e de 4,5 milhões de euros de luvas recebidas pelo
ex-responsável pela pasta da economia nacional por parte da EDP e do BES. Mas
não é esta a função de um ministro de um governo burguês, fazer enriquecer os
grandes acionistas à custa da pobreza dos cidadãos?
Não é
motivo de admiração que o ex-banqueiro e o ex-ministro se tenham manifestado
indignados, por se considerarem injustiçados e estarem a ser bodes expiatórios.
Vendo bem as coisas, até poderão ter alguma razão. Rendeiro era o principal
acionista do Banco Privado Português, mas não era o único, tinha como companhia
Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital que, juntamente com Rendeiro, foram
absolvidos do crime de burla qualificada em 2015, e algumas figuras
públicas e de grande influência política. Por exemplo, Pinto Balsemão,
empresário dos media e senador do regime; José Miguel Júdice, advogado e
comentador político; Jaime Antunes, economista ligado aos negócios e ao
futebol, entre outros. Mas o interessante é que estes últimos, para além de não
terem sido acusados, ainda puderam arvorar-se em vítimas, tendo o sócio nº1 do PSD
recebido do estado 4 milhões de euros de indemnização. A vigarice pôde ser
feita sem ninguém reparar, nem governantes nem a pessoa mais directamente
responsável por este tipo de casos, Vítor Constâncio, à frente do Banco de
Portugal nessa altura e ex-secretário-geral do PS. O homem não viu, não deu por
nada e, como “castigo”, até foi nomeado para vice-presidente do BCE (Banco
Central Europeu). No meio de toda a máfia, mais gente deveria estar no mocho ao
lado de Rendeiro. Fica-se com a sensação de que esta justiça serve mais para
absolver e encobrir do que para julgar e condenar, quando se trata de figurões
da política e da economia.
O
bloco central da corrupção
Situação
semelhante se passou com o ex-ministro, será para perguntar: então o homem
estava sozinho, não havia mais ministros? E, então, o primeiro-ministro
Sócrates não sabia do que se passava num dos seus ministérios mais importantes,
tendo sido ele próprio que terá convidado a figura para o governo? Devemos
lembrar-nos que o actual primeiro-ministro Costa era então ministro da
Administração Interna e o agora ministro dos Negócios Estrangeiros, se não
estamos em erro, também era ministro dos Assuntos Parlamentares e mais tarde
ministro da Defesa Nacional, também não deram por nada, nada? E depois com a
coligação Paf/PSD/PP, também não tiveram tempo para travar os negócios e, pelo
contrário, continuaram com o processo da privatização da EDP? Operação esta
realizada sobre arranjo de cambalachos e tachos, envolvendo figuras importantes
do PSD (Catroga ficará célebre com o seu vencimento de 40 mil euros mensais) e
com certeza despudorada corrupção; aliás, como todas as privatizações. Falar na
corrupção do PS teremos forçosamente de referir a corrupção do PSD. O episódio
de duas figuras de destaque, uma do PS e outra do PSD, terem dedicado prefácio
a livros de Rendeiro é mais do que simbólico. João Cravinho elogia:
"Chegar mais alto pelo seu próprio mérito, com toda a limpeza, é também
apontar caminhos aos outros". Em outro livro, David Justino não fica atrás
no encómio: "João Rendeiro conhece bem os meandros da política e dos
negócios". Os dois partidos do bloco central são bandos de salteadores que
se têm alternado no saque e na exploração do povo português vai quase para meio
século. É tempo demais!
O
fenómeno da corrupção é endémico ao sistema capitalista e aos seus regimes
políticos, sendo mais notório quando estes são mais democráticos, na medida em
que há mais informação disponível. E é transversal a todas as actividades
económicas ou sociais. É a corrupção nas Forças Armadas, envolvendo altas
patentes na Força Aérea e no Exército; é na Justiça, com juízes condenados e
expulsos da magistratura, e alguns outros vão passando pelo intervalo dos
pingos, não se pode agitar muita as águas por estes sítios, lá se iria a
honorabilidade; é no futebol, envolvendo os principais clubes e estando em
causa muitas dezenas e até centenas de milhões de euros de corrupção, fraude,
branqueamento de capitais e de fuga ao fisco. E são, porque não deixa de ser
corrupção e de roubo ao erário público, as dívidas fiscais dos patrões que não
pagam pura e simplesmente ou vão beneficiando de uns oportunos perdões fiscais,
que a própria OCDE, no seu último relatório, não deixa de chamar a atenção. É o
Tribunal de Contas que alerta para “o elevado valor de receita por cobrar” e
mostra-se preocupado com a sustentabilidade das finanças públicas, porque, no
final do ano passado, o Fisco tinha 22 mil milhões de euros de impostos de
dívidas por cobrar e já em fase avançada em incumprimento. O que representa
cerca de metade dos impostos que o Estado amealha anualmente, e terá crescido
882 milhões de euros só num ano!
A
elite mais rica e o povo mais pobre
Se as
elites vão enriquecendo e os seus funcionários no governo as vão imitando,
usando todos os truques e expedientes mesmo que pouco legais e nada legítimos,
o povo português vai empobrecendo, com especial destaque para as ditas “classes
médias”, geralmente suporte principal do capitalismo e dos seus regimes
políticos, sejam mais ou menos democráticos. O poder de compra em Portugal caiu
2,2 pontos percentuais em 2020 face a 2019, situando-se em 76,4% da média
europeia. Claro que a “pandemia” é que leva com as culpas e não o capitalismo
na sua ânsia do lucro e da concentração imparável: “Quase 230 mil portugueses
caíram na pobreza em 2020. Pode ser um efeito transitório da pandemia?” ou
“Covid baixa rendimento de 50% das famílias trabalhadoras mais pobres” - diz a
imprensa mainstream. No entanto, ninguém pode negar que: “Mais de 38 mil
famílias com habitação indigna identificadas em 124 municípios" e uma
população que decresceu 2% e mais idosa, porque é o Censos 2021 que o diz.
Perante a euforia do ministro das Finanças de que o PIB português irá disparar
em 2022 para os 5,8%, Lagarde e Centeno já vieram refrear o entusiasmo: a
primeira, com a suspensão da compra de “dívida pandémica”; o segundo,
responsabilizando as medias restritivas decretadas para o putativo combate da
pandemia, mais concretamente a nível do turismo e das viagens. Mas a razão será
outra, a crise económica irá continuar, com o excesso de produção que o capital
não consegue gerir, com a subida dos juros das dívidas pública e privada, com a
mais que expectável inflação, que será elevada e por tempo indeterminado,
porque outra forma dos capitalistas poderem recuperar os lucros.
Enquanto
as nuvens se avolumam no horizonte, a ministra promete que o “PS faz aposta
'fundamental' na subida do salário médio” e Costa promete tirar da pobreza 660
mil pessoas, objectivo da “Estratégia Nacional de Combate à Pobreza”, um dos
últimos diplomas aprovados pelo governo em modo propaganda eleitoral. Para
perguntar: o que andou Costa a fazer durante estes 6 anos? Aonde chega a falta
de vergonha da corja socialista?
Ah! Ficou-se também a saber que o vice-almirante herói nacional da vacinação admite a sua candidatura a Belém em 2026 (cem anos do golpe fascista de 28 de Maio).
18 de Dezembro 2021
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