João Botelho em entrevista ao jornal “Eco”, na apresentação do seu último
filme, “Um Filme em
Forma de Assim”, diz que “os
portugueses ainda são piores do que a Pide” e que “este é um país de chibos”,
referindo-se ao medo pelo Outro facilmente aceite aquando dos estados de
emergência, impostos com o pretexto do combate à pandemia, chegando a citar o
poeta Alexandre O’Neill. Para o cineasta, as pessoas habituadas às maneiras de
vida exibicionista perderam não só a coragem mas igualmente a capacidade de
viver de forma clandestina, aceitando pacificamente as regras que a partir de
agora se impõem em todo o lado, lembrando o fascismo de antes de 25 de Abril.
Assim, “a liberdade será coisa muito difícil de se achar, até na noite”, e “o
desejo de liberdade” terá sido convertido na facilidade da vida fútil; ou seja,
terá acabado na prática e muito por iniciativa dos portugueses. Este pessimismo
reflecte a impotência de alguma pequena-burguesia intelectual perante o
processo de fascização a ocorrer neste momento em Portugal; processo este que
não deixa de ter inspiração europeia.
Estado
de direito e democrático… mas pouco
O
governo PS do mister Costa, gelatinoso perante todos os ditames de Bruxelas e
mais recentemente da Nato (Otan) a propósito da guerra da Ucrânia, tem
discretamente tentado em colocar em forma lei a situação de facto criada em
nome da pandemia Covid-19 e a bem daquilo que antes do 25 de Abril se
convencionava por “nação”. São diversos os exemplos. É a Lei dos Metadados cuja
revisão é considerada insustentável porque violará direitos da União Europeia,
segundo opinião do bastonário da Ordem dos Advogados, como a própria lei é tida
como ilegal desde 2009, ano em que foi criada, pelo Tribunal Constitucional. Ora
como o sapato não cabe no pé, vamos então cortar o pé e não modificar o sapato,
tendo de imediato surgido alguém a sugerir a necessidade de se rever a
Constituição. O primeiro-ministro teve a ideia, a segunda figura do estado,
para não deixar os pergaminhos de caceteiro por mão alheias, também já
alvitrara que o combate à desinformação requer revisão
constitucional. O PR Marcelo, parecendo gostar mais da Constituição de 1933 e
sem abrir por completo a alma, responde a Costa, afiançando que as revisões cirúrgicas
da Lei Fundamental são impossíveis, elas terão de ser mais gerais e profundas.
Costa, em suprema hipocrisia, não deixou de
declarar ainda há pouco que sobre a gestão da pandemia: “as medidas não foram
sempre coerentes”, e talvez para estabelecer a coerência perdida vem desta vez
com a Lei de Emergência Sanitária, teoricamente para lidar com futuras
pandemias sem ferir a Constituição, e cujo projecto já foi considerando
“aberrante e inconstitucional” por diversos juristas, e Marcelo, sempre em cima
dos acontecimentos, já prometeu enviar a futura lei para o Tribunal Constitucional,
adivinhando-se facilmente mais um chumbo e não tardando que aquele órgão
institucional venha a ser considerado mais uma “força de bloqueio”, à
semelhança do que acontecera com o governo de má memória PSD/PP/Coelho/Portas.
Parece-nos que será mais um motivo para a revisão da Constitucional tão
reclamada pelos partidos colocados formalmente mais à direita no sentido da
fascização.
O governo PS/Costa já ensaiara, em termos
legislativos, outras manobras para fazer retroceder os direitos e liberdades
dos cidadãos, mais concretamente em relação às mulheres. A inclusão do aborto e
das doenças sexualmente transmissíveis como critérios na avaliação dos médicos
de família tinha por objectivo mais atacar as mulheres do que propriamente
exigir uma medicina preventiva de qualidade. E foi a forte e justamente
indignada reacção da quase totalidade da classe médica, bem como de outros
sectores da dita sociedade civil, que fez com que o governo recuasse, com a
retirada imediata de tais incompreensíveis critérios, e obrigasse a que a
ministra Marta Temido, como porta-voz e relações públicas de Costa, viesse a
terreiro justificar-se com o “sentir social” (ao que parece só acontece às
vezes) e de longe a ideia “de estar em causa o direito das mulheres”. Para se ficar
com alguma luz sobre a natureza e o que move esta gente que gere a máquina do
estado, soube-se que o candidato a juiz do TC, António Almeida Costa, recusa a legalização
do aborto; o homenzinho, que terá sido indicado pela "ala direita" (não
se diz fascista porque é feio!), escreveu em 1984 que “as mulheres violadas
raramente engravidam”. Os fascistas não terão acabado no 25 de Abril.
O aparelho de estado é um instrumento de
domínio de uma classe por outra
Esta fascização do país, através do reforço do
figurino legislativo e aparelho judiciário, não será tarefa muito difícil
atendendo à distracção e alguma indiferença dos cidadãos, que nunca confiaram
nesta justiça, e ao facto do 25 de Abril jamais ter passado por este sector da
máquina do estado; lembremo-nos que os juízes do antigo tribunal político da
Boa Hora, que sentenciavam os presos políticos pelas indicações directas da Pide
e de Salazar, não foram sequer sancionados criminalmente pelo regime
democrático, saído da dita revolução, como ainda foram agraciados com chorudas
reformas e deixados viver em feliz e bonançosa velhice. A justiça que se herdou
do fascismo sempre foi fascista e a democratização nem de adorno chegou a ser;
os juízes consideram-se acima da plebe… e da lei, jamais escrutinados pelo voto
do cidadão e funcionam em perfeita sintonia, senão simbiose, com o poder
político, quer executivo quer legislativo, tornando a tão incensada “separação
de poderes” uma rematada mentira, uma autêntica fraude.
É possível que a questão da Lei dos Metadados
provoque alguma confusão, especialmente entre a nossa temerosa classe média, já
que se ameaça com a possibilidade de muitos criminosos condenados e com os
processos transitados em julgado possam vir a ser libertados e os processos
considerados nulos, mas a razão é outra e perfeitamente clara: usar as escutas
telefónicas como principal meio de prova, aliviar o trabalho de investigação e,
quiçá, alguma incompetência das polícias que são responsáveis por este
trabalho, e, fundamentalmente, usar esses dados para espiolhar todo o inocente
e incauto cidadão em verdadeiro e mundo kafkiano de controlo social. Vem isto
também a propósito da questão levantada pelo jornal “Expresso” quanto à
utilização de dois cidadãos russos na recepção dos refugiados ucranianos na
Câmara de Setúbal e de hipoteticamente terem fornecido os dados à embaixada da
Rússia; fica-se com a ideia de que há boas relações entre os media do grupo
Impresa/Balsemão e as secretas portuguesas e que para bufos chegam os
portugueses, não sendo necessário cidadãos estrangeiros porque até daria mais
nas vistas. Será bom relembrar que a Pide possuía 50 mil informadores e muitos
deles eram-no por iniciativa própria e não renumerados, umas das razões pela
qual o regime durou quase meio século. A pequena burguesia teme mais a
revolução proletária do que o fascismo… até um dia.
O aparelho de estado é um instrumento de domínio
de uma classe por outra, tem sempre um carácter de classe, e não é neutro,
embora pareça; o seu objectivo e natureza é a repressão das classes subjugadas,
em relação ao qual o povo português sempre teve uma profunda e antiga aversão,
para não dizer ódio. A História diz-nos de inúmeras revoltas ao longo do tempo,
desde que o estado moderno foi instituído a partir dos meados do século XIX,
logo após as lutas liberais quando a domínio político da burguesia se torna
efectivo, passando pelo fascismo, até aos dias de hoje. E a luta tem sido
sempre contra as tentativas desse estado em extorquir os diversos estratos da
classe trabalhadora, incluindo pequenos proprietários e camponeses. Neste
momento assiste-se ao repor a recapitalização de empresas nacionais,
nomeadamente as ligadas à saúde e as estrangeiras do negócio das vacinas,
justificando com o aparente inusitado aumento do número de casos de covid-19,
mas que mais não são do que “casos” de testes positivos, na enorme maioria
falsos positivos. É a quarta dose para os idosos com mais de 80 anos e para os
trabalhadores da saúde; e a quinta dose está prometida para o final do Verão.
Há quem, com as mãos bem untadas pelo governo e farmacêuticas, defenda o
retrocesso no aliviar das restrições e… mais vacinas numa população, segundo
dizem as entidades oficiais, está quase 90% vacinada, o que é um paradoxo. Mas
alguém mais avisado já alertou: "Se houver recuo nas restrições, não sei
como as pessoas reagirão" (psiquiatra Júlio Machado Vaz). O Costa não se
acautele, porque o cocktail é perigoso: restrições+estados de emergência+inflação+escassez
de alimentos+desemprego….
Este Portugal é um país muito pouco
recomendável
No país onde campeia a corrupção e a
impunidade, possa não parecer porque o povo é até de brandos costumes (como
dizia o “botas”), a revolta poderá estar ao virar da esquina. E não é para mais
no país onde: «Tribunal Europeu vem a Portugal preocupado com
"escassez" na produção de lítio» visto que foi um dos que mais
financiamento recebeu para a exploração do dito; «MP arquiva processo contra
Eduardo Cabrita no caso do atropelamento. A justiça mantém apenas a acusação ao
motorista do veículo que seguia na A6 e que vitimou mortalmente um funcionário
de uma empresa que fazia limpeza de bermas»; «Abusos na Igreja: Comissão já
recolheu 326 testemunhos, mas o número de potenciais vítimas pode chegar às
“muitas centenas”»; «PJ deteve filho de Marco ‘Orelhas’, suspeito da morte de
um jovem na noite dos festejos do título do FC Porto»; «Adiado julgamento de
casal acusado de sujeitar 14 pessoas a trabalho escravo»; «"Patrão dos
patrões" analisa salários: "Portugal está a pagar cada vez melhor"»
quando se sabe que «Mercado de trabalho: Não trabalhávamos tanto há mais de uma
década. Salários já estão a travar. Com o emprego a bater recordes, está também
em máximos o número daqueles que acumulam mais do que um trabalho»; e para
cúmulo da desfaçatez e da provocação «Berardo avança contra bancos e pede 900
milhões de indemnização. Queixa recai sobre BCP, CGD, BES e NB, que acusa de
terem lesado a Fundação e a Metalgest ao não terem dado informação sobre o
risco real das instituições…».
Para se dizer: se nada mudar, este Portugal é
um país muito pouco recomendável; e quanto ao tão propalado “estado de direito”,
estamos conversados.
Título: empréstimo sem pedir de Alexandre O'neill
Imagem: do blog mirante
Nenhum comentário:
Postar um comentário