A silly season acabou, começou a época da caça
ao ministro por parte da oposição e dos diversos lóbis que se encontram
descontentes com a insuficiência da parte que lhes tem cabido no saque ao
erário público e aos bolsos dos incautos cidadãos portugueses. E o momento que
marca o fim da estação, que nem fui tão tola como isso, foi indubitavelmente a
demissão, no início da noite, da ministra da Saúde, Marta Temido, que não
esperou pelo raiar do dia para apresentar o pedido de desistência. Parece que o
zelo e a fidelidade ao chefe não compensaram.
São azares da vida e da política e a reacção
de Costa dá a entender que as razões ficarão, pelo menos para já, no limbo da
dúvida e tudo o que se diga poderá passar por simples pretextos e especulação.
Contudo, fica-se com a ideia de que a campanha, que começou em Junho, de ataque
e de descredibilização do SNS já fez uma baixa, mas o objectivo não será só
este. Praticamente todo o Verão foi atravessado pela feroz campanha onde os
media corporativos, incluindo a estação televisiva pública, e a ordem dos
médicos, com o seu inenarrável bastonário a assumir o papel de chefe da oposição
ao governo, desempenharam (e ainda continuam na demonização da ministra) um
papel relevante.
Ouvir as declarações dos diversos figurantes
da trágico-comédia, desde o já referido
bastonário/médico/acumula/público/privado, que chegou a ameaçar com a greve
total e ilegal de "há risco de haver urgências sem médicos para
trabalhar", ou a cavaquista bastonária dos enfermeiros, aos dirigentes dos
sindicatos quer de médicos e enfermeiros, para além dos patrões directos do
negócio, não há dúvidas de que existe unanimidade quanto à privatização da
saúde no país, poderá haver alguma diferença apenas no que toca ao grau. E
assim será, independentemente da figura de substituição, se o povo português
não lutar contra o crime.
Torna-se claro que o cepo das marradas é o
governo, acabar de vez com o SNS, com a entrada em força de todos os lóbis da
indústria da doença no sector da saúde em Portugal, é uma parte da estratégia.
Iremos ter um “sistema” em vez de um serviço, cujos lucros estão mais do que
garantidos, a clientela é certa, a que acrescenta os clientes estrangeiros que
virão para cá fazer turismo de saúde. Negócio mais lucrativo?, provavelmente só
a indústria do armamento ou do tráfico de droga. Quanto ao governo a estratégia
é clara, empurrá-lo para uma política abertamente neo-liberal, de capitalismo
selvagem, à moda da troika; a seguir à privatização da saúde virá a
privatização dos dinheiros da Segurança Social e o mote já foi dado: “Pensões
de velhice sofrem dura penalização e valem apenas 38% do salário daqui a 48
anos”. Objectivo final, acabar com o próprio PS.
Este assalto ao SNS, sob o alto patrocínio de
Marcelo o rei/presidente, deve ser visto no contexto da grave, profunda e
arrastada crise económica que o país atravessa, juntamente com toda a União
Europeia e o mundo global capitalista, sem meio de desaparecer ou sequer
esbater, e à qual se encontra indissociável a guerra na Ucrânia e o confronto
entre as diversas principais potências capitalistas. A dura realidade é
incontornável: “A alimentação, habitação e energia, restaurantes e hotéis são
os produtos e serviços cujos preços mais aumentaram entre Janeiro e Julho,
variando, respetivamente, 11,47%, 12,92% e 13,08%, segundo o Índice de preços
do INE”, ou “Material escolar está 16,5% mais caro este ano do que em 2021”.
Aumentos, todos eles, na casa dos dois dígitos, falar em inflação desceu de
9,1% para 9% não deixa de ser irónico. E vamos lá ver como vão ser os aumentos
do gás no próximo dia 1 de Outubro!
Mas o panorama torna-se dramático se olharmos
para uma Alemanha, o país mais rico da UE, mas à custa do empobrecimento dos
restantes e em particular dos mais periféricos: “A inflação na Alemanha subiu
para o nível mais elevado em quase meio século, o que dá força para o Banco
Central Europeu (BCE) anunciar um grande aumento das taxas de juro no próximo
mês” – os países mais endividados que se acautelem. E o índice
(harmonizado) de preços no consumidor aumentou para 8,8% em Agosto, depois a
subida inesperada para 8,5% em Julho, de acordo com o gabinete de estatísticas
alemão; ou seja, a pior situação em cerca de 50 anos. A crise é anterior à
guerra e á pandemia, estas servem de justificação para as medidas austeritárias
e para a própria crise, tiveram somente o condão de a expor mais ao vivo; no
entanto: “PIB da Zona Euro perde 1,1% sem gás russo em 2023”. Será o
descalabro.
Se passarmos para a velha e velhaca Albion,
que saiu da União Europeia para levar a cabo as suas fantasias imperiais mas às
costas dos EUA, então entrou-se em situação de fome declarada: “supermercados
do Reino Unido estão a eliminar datas de validade dos alimentos”. E de revolta
generalizada, com o regulador britânico a aumentar em 80% preço máximo da
energia, desculpando-se com o boicote russo no fornecimento do gás e do
petróleo, o que já provocou diversas e persistentes greves em diversos
sectores, transportes, recolha do lixo, correios e portos, cujos trabalhadores
exigem aumentos salariais que cubram a perda do poder de compra, que vai já em
10,1% no mês de Julho. E mais: surge o movimento "Don't Pay"
("Não Pagues") que pretende mobilizar no mínimo um milhão de pessoas
a não pagarem as contas de energia (gás e eletricidade) a partir do dia 1 de
Outubro.
Por cá os trabalhadores, manietados pelos
sindicatos reformistas, vão olhando para o governo do PS/Costa como um paizinho
que eventualmente andará distraído e que poderá salvar o país dos que trabalham
da miséria e da fome. Só que será a “espera de Godot”, esperar pelo que nunca
virá, nem prometeu. Se a miséria, por enquanto encoberta, vai aumentando com os
pedidos de ajuda alimentar a subir – a Cáritas prevê maior pressão nos pedidos
e diminuição da qualidade alimentar –, o estado/governo PS abdica de mais de
25% da receita fiscal: “em 2021, os benefícios fiscais atingiram um valor superior
a 13 mil milhões de euros, cerca de 26,4% dos impostos cobrados”. Conclusão: o
povo empobrece, os ricos não pagam impostos. E o chefe dos grandes patrões não
come as palavras: “Caminhamos de facto para a recessão”. E o Saraiva presidente
da CIP acrescenta ainda, quanto ao possível acordo salarial: "não pensem
que as empresas são vacas leiteiras". Se os patrões não estão dispostos a
abrir os cordões à bolsa para pagar melhor aos trabalhadores, contudo (os
senhorios) regozijam com “rendas das casas vão aumentar 5,43% em Janeiro”.
Por parte dos partidos da “oposição” as
posições são lastimáveis e Costa como que goza, na sua sobranceria, afirmando
que “quem quer mudança de política tem de derrubar o Governo”, afastando uma
remodelação alargada, mostra-lhes a sua incapacidade e até covardia política. É
à direita e é à esquerda. Na direita nem vale a pena falar. Do outro lado, com
uma Catarina Martins que se limita a repetir as palavras do funcionário da
família Rothschild à frente do governo francês: "chegou o fim da época da
abundância”, para justificar a miséria e a fome que serão impostas à classe
operária e ao povo franceses ao mesmo tempo que se multiplicam os lucros das
grandes corporações, com as do sector energético à cabeça (Total Energies quase
triplica o lucro somando 70,4 mil milhões de dólares entre Abril e Junho,
subida de 69% na comparação anual), ou com um PCP hesitante, virar-se contra o
governo ou perder as benesses do regime, Costa poderá dormir descansado.
Se o governo de Herr Costa é forte com os fracos, por outro lado, é fraco e subserviente com os fortes. Foi vê-lo a joelhar-se perante os ditames da Nato no aniversário da “independência” da Ucrânia, assessorado pelo amorfo ministro dos Negócios Estrangeiros e coadjuvado pelo grande “patriota” Marcelo, que nem coragem teve para cumprir o serviço militar. É o que temos…. até um dia em que o governo Costa/PS seja descartado por Bruxelas por já imprestável… ou derrubado pelo povo, na rua.
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