sexta-feira, 2 de setembro de 2022

“Quem quer mudança de política tem de derrubar o Governo” – Costa dixit

 

Imagem: Um gigante judeu em casa com os pais no Bronx – Diane Arbus, 1970

A silly season acabou, começou a época da caça ao ministro por parte da oposição e dos diversos lóbis que se encontram descontentes com a insuficiência da parte que lhes tem cabido no saque ao erário público e aos bolsos dos incautos cidadãos portugueses. E o momento que marca o fim da estação, que nem fui tão tola como isso, foi indubitavelmente a demissão, no início da noite, da ministra da Saúde, Marta Temido, que não esperou pelo raiar do dia para apresentar o pedido de desistência. Parece que o zelo e a fidelidade ao chefe não compensaram.

São azares da vida e da política e a reacção de Costa dá a entender que as razões ficarão, pelo menos para já, no limbo da dúvida e tudo o que se diga poderá passar por simples pretextos e especulação. Contudo, fica-se com a ideia de que a campanha, que começou em Junho, de ataque e de descredibilização do SNS já fez uma baixa, mas o objectivo não será só este. Praticamente todo o Verão foi atravessado pela feroz campanha onde os media corporativos, incluindo a estação televisiva pública, e a ordem dos médicos, com o seu inenarrável bastonário a assumir o papel de chefe da oposição ao governo, desempenharam (e ainda continuam na demonização da ministra) um papel relevante.

Ouvir as declarações dos diversos figurantes da trágico-comédia, desde o já referido bastonário/médico/acumula/público/privado, que chegou a ameaçar com a greve total e ilegal de "há risco de haver urgências sem médicos para trabalhar", ou a cavaquista bastonária dos enfermeiros, aos dirigentes dos sindicatos quer de médicos e enfermeiros, para além dos patrões directos do negócio, não há dúvidas de que existe unanimidade quanto à privatização da saúde no país, poderá haver alguma diferença apenas no que toca ao grau. E assim será, independentemente da figura de substituição, se o povo português não lutar contra o crime.

Torna-se claro que o cepo das marradas é o governo, acabar de vez com o SNS, com a entrada em força de todos os lóbis da indústria da doença no sector da saúde em Portugal, é uma parte da estratégia. Iremos ter um “sistema” em vez de um serviço, cujos lucros estão mais do que garantidos, a clientela é certa, a que acrescenta os clientes estrangeiros que virão para cá fazer turismo de saúde. Negócio mais lucrativo?, provavelmente só a indústria do armamento ou do tráfico de droga. Quanto ao governo a estratégia é clara, empurrá-lo para uma política abertamente neo-liberal, de capitalismo selvagem, à moda da troika; a seguir à privatização da saúde virá a privatização dos dinheiros da Segurança Social e o mote já foi dado: “Pensões de velhice sofrem dura penalização e valem apenas 38% do salário daqui a 48 anos”. Objectivo final, acabar com o próprio PS.

Este assalto ao SNS, sob o alto patrocínio de Marcelo o rei/presidente, deve ser visto no contexto da grave, profunda e arrastada crise económica que o país atravessa, juntamente com toda a União Europeia e o mundo global capitalista, sem meio de desaparecer ou sequer esbater, e à qual se encontra indissociável a guerra na Ucrânia e o confronto entre as diversas principais potências capitalistas. A dura realidade é incontornável: “A alimentação, habitação e energia, restaurantes e hotéis são os produtos e serviços cujos preços mais aumentaram entre Janeiro e Julho, variando, respetivamente, 11,47%, 12,92% e 13,08%, segundo o Índice de preços do INE”, ou “Material escolar está 16,5% mais caro este ano do que em 2021”. Aumentos, todos eles, na casa dos dois dígitos, falar em inflação desceu de 9,1% para 9% não deixa de ser irónico. E vamos lá ver como vão ser os aumentos do gás no próximo dia 1 de Outubro!

Mas o panorama torna-se dramático se olharmos para uma Alemanha, o país mais rico da UE, mas à custa do empobrecimento dos restantes e em particular dos mais periféricos: “A inflação na Alemanha subiu para o nível mais elevado em quase meio século, o que dá força para o Banco Central Europeu (BCE) anunciar um grande aumento das taxas de juro no próximo mês” – os países mais endividados que se acautelem. E o índice (harmonizado) de preços no consumidor aumentou para 8,8% em Agosto, depois a subida inesperada para 8,5% em Julho, de acordo com o gabinete de estatísticas alemão; ou seja, a pior situação em cerca de 50 anos. A crise é anterior à guerra e á pandemia, estas servem de justificação para as medidas austeritárias e para a própria crise, tiveram somente o condão de a expor mais ao vivo; no entanto: “PIB da Zona Euro perde 1,1% sem gás russo em 2023”. Será o descalabro.

Se passarmos para a velha e velhaca Albion, que saiu da União Europeia para levar a cabo as suas fantasias imperiais mas às costas dos EUA, então entrou-se em situação de fome declarada: “supermercados do Reino Unido estão a eliminar datas de validade dos alimentos”. E de revolta generalizada, com o regulador britânico a aumentar em 80% preço máximo da energia, desculpando-se com o boicote russo no fornecimento do gás e do petróleo, o que já provocou diversas e persistentes greves em diversos sectores, transportes, recolha do lixo, correios e portos, cujos trabalhadores exigem aumentos salariais que cubram a perda do poder de compra, que vai já em 10,1% no mês de Julho. E mais: surge o movimento "Don't Pay" ("Não Pagues") que pretende mobilizar no mínimo um milhão de pessoas a não pagarem as contas de energia (gás e eletricidade) a partir do dia 1 de Outubro.

Por cá os trabalhadores, manietados pelos sindicatos reformistas, vão olhando para o governo do PS/Costa como um paizinho que eventualmente andará distraído e que poderá salvar o país dos que trabalham da miséria e da fome. Só que será a “espera de Godot”, esperar pelo que nunca virá, nem prometeu. Se a miséria, por enquanto encoberta, vai aumentando com os pedidos de ajuda alimentar a subir – a Cáritas prevê maior pressão nos pedidos e diminuição da qualidade alimentar –, o estado/governo PS abdica de mais de 25% da receita fiscal: “em 2021, os benefícios fiscais atingiram um valor superior a 13 mil milhões de euros, cerca de 26,4% dos impostos cobrados”. Conclusão: o povo empobrece, os ricos não pagam impostos. E o chefe dos grandes patrões não come as palavras: “Caminhamos de facto para a recessão”. E o Saraiva presidente da CIP acrescenta ainda, quanto ao possível acordo salarial: "não pensem que as empresas são vacas leiteiras". Se os patrões não estão dispostos a abrir os cordões à bolsa para pagar melhor aos trabalhadores, contudo (os senhorios) regozijam com “rendas das casas vão aumentar 5,43% em Janeiro”.

Por parte dos partidos da “oposição” as posições são lastimáveis e Costa como que goza, na sua sobranceria, afirmando que “quem quer mudança de política tem de derrubar o Governo”, afastando uma remodelação alargada, mostra-lhes a sua incapacidade e até covardia política. É à direita e é à esquerda. Na direita nem vale a pena falar. Do outro lado, com uma Catarina Martins que se limita a repetir as palavras do funcionário da família Rothschild à frente do governo francês: "chegou o fim da época da abundância”, para justificar a miséria e a fome que serão impostas à classe operária e ao povo franceses ao mesmo tempo que se multiplicam os lucros das grandes corporações, com as do sector energético à cabeça (Total Energies quase triplica o lucro somando 70,4 mil milhões de dólares entre Abril e Junho, subida de 69% na comparação anual), ou com um PCP hesitante, virar-se contra o governo ou perder as benesses do regime, Costa poderá dormir descansado.

Se o governo de Herr Costa é forte com os fracos, por outro lado, é fraco e subserviente com os fortes. Foi vê-lo a joelhar-se perante os ditames da Nato no aniversário da “independência” da Ucrânia, assessorado pelo amorfo ministro dos Negócios Estrangeiros e coadjuvado pelo grande “patriota” Marcelo, que nem coragem teve para cumprir o serviço militar. É o que temos…. até um dia em que o governo Costa/PS seja descartado por Bruxelas por já imprestável… ou derrubado pelo povo, na rua.

 

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