Com a maioria absoluta do governo esperava-se
que haveria a possibilidade de se “governar seriamente este país”, era, e ainda
será, a opinião de muitos portugueses, nomeadamente, os que fazem parte do que
se considera a “classe média” – é mais ou menos esta a ideia generalizada que
perpassa nas redes sociais, por exemplo. Esta expectativa tem sido abalada pelo
surgimento, quase todas as semanas, de casos de corrupção ou de menos ética envolvendo
membros do governo ou seus familiares mais directos, o que não deixa de
fragilizar o governo PS/Costa e a sua imagem perante a opinião pública. Aliás,
tem sido esta a tónica colocada pelos partidos da oposição e de alguns media mais
ligados aos partidos da oposição ou de grupos económicos que vêm nesta pressão,
em tempo de grandes obras públicas e de distribuição de fundos europeus, uma
forma de obrigar o governo a ceder aos seus interesses. Mas, na realidade, e
mais do que isso, trata-se da fragilização e descredibilização do próprio regime
democrático burguês.
O governo e os partidos do poder temem mais
as lutas dos trabalhadores (professores) do que a corrupção endémica
Ora, o governo não tem governado nem
seriamente, na óptica e nos interesses de grande maioria do eleitorado
português, nem apresenta a estabilidade e solidez que tantas figuras gradas
nacionais reclamam. São os chefes das associações patronais que avisam: "estabilidade
política é fundamental para desenvolvimento do país"; são os think tank
preocupados: “SEDES quer mais escrutínio para aumentar a estabilidade e credibilidade
no governo”; o supremo magistrado da Nação foi das primeiras vozes a alertar: “a
democracia precisa, mais do que nunca, de ser cuidada”, ao mesmo tempo que promete
retirar conclusões se remodelação do governo não funcionar, mais tarde afirma,
como que num arrependimento da prolixidade, que não irá demitir o governo e
convocar eleições antecipadas porque ficaria numa posição insustentável se o PS
viesse a ganhar de novo com outra maioria, possivelmente ainda mais ampla. Por fim
lá veio a segunda figura do Estado, e em quase anúncio da pré-candidatura presidencial,
desabafar: "demissões estão a desgastar o governo", no entanto,
ressalvando que “as mudanças complicam a vida ao Executivo, mas não destroem a
confiança no Parlamento. E é aqui que está o cerne da preocupação: a descredibilização
do regime, mais do que a do governo.
Ao mesmo tempo que se digladiam na luta pelo enfraquecimento do governo, descredibilizando paradoxalmente o regime, todos os contendores se unem quando se sentem ameaçados pelas lutas dos trabalhadores, é o que está a acontecer com a luta dos professores da escola pública. Os professores estão a ser atacados e vilipendiados porque ousaram romper com a paz podre da conciliação de classes e reivindicar as suas mais que justas reivindicações, desde melhoria salarial, dignificação da carreira, contagem do tempo roubado, melhores condições de trabalho até fim da precariedade e das deslocações para centenas de quilómetros do local de residência, coisa que não acontece, por exemplo, com os médicos que também são funcionários públicos. Agitam o espantalho do fim da democracia, mas eles, partidos do poder, é que são os coveiros; acenam com os populismos e “vem aí o fascismo!”, mas é essa gente, e não os professores, que clamam e anseiam por eles.
Costa manter-se-á no poder se conseguir reprimir esta luta, como já fez com anteriores semelhantes, estivadores, motoristas de matérias perigosas e enfermeiros. A perenidade do governo Costa não estará directamente ligada aos casos de corrupção que existem ou possam surgir entre os seus membros actuais ou futuros, mas à sua capacidade de executar as políticas dimanadas de Bruxelas e simultaneamente manter a paz social, como aqui temos referido insistentemente; paz social que tem vigorado graças à prestimosa e “responsável” colaboração dos sindicatos afectos às duas centrais existentes. Não são as greves e manifestações fofinhas que assustam o governo do capital, mas as greves, como afirmou o Costa da Educação, que são "atípicas", "radicais", "desproporcionais" e "imprevisíveis" que se poderão tornar perigosas, eventualmente, derrubando governos e, mais grave ainda, levar à insurreição geral e à instituição de regimes sem amos nem salvadores da pátria - a velha toupeira a fazer o seu trabalho.
Tanto o PR Marcelo como os partidos da
oposição mais à direita querem tirar o PS do governo, mas todos têm medo de o
fazer
Os “casos e casinhos”, de que fala Costa, mais
não são que a guerrilha desencadeada contra o governo com o objectivo claro de
o desgastar e descredibilizar para que, em próximas eleições legislativas, o PS
seja derrotado inapelavelmente e os partidos da oposição, da direita, possam
aceder ao pote. A motivação não está em se saber se o PS governa bem ou mal,
com seriedade ou sem ela, mas quem saber que enfia a mão na massa, porque a
política está há muito definida em Bruxelas e é para ser executada seja por
quem for que esteja no turno da governação. Não deixa de ser enternecedor ouvir
da boca do novo secretário-geral do PCP a hipótese de um projecto governativo, incluindo
o PS e o PCP, auto-denominado de “"alternativa patriótica e de
esquerda", sabendo-se de antemão da sua inviabilidade no quadro do euro e
da União Europeia. O que é válido para o BE, na justa medida em que o seguro de
vida destes dois partidos situados “à esquerda” é a de defender uma
social-democracia, são partidos tipo flor de lapela que irão para o governo
pendurados nas costas do PS. Tanto uns como outros querem aceder ao pote só que
ninguém ousa derrubar o governo porque temem os resultados de mais umas
eleições antecipadas.
Usar os casos de corrupção para fragilizar o
governo PS e ainda por cima por parte do outro parceiro do Bloco Central de
interesses não deixa de ser caricato, para não dizer pornográfico. E se os
casos trazidos à luz do dia, parte deles pela “investigação” de órgãos de
informação do género Correio da Manhã (propriedade do grupos Cofina do oligarca
Paulo Fernandes, envolvido nos Pandora Papers, que desde há muitos anos tem
vindo a fugir ao fisco e gozando de perdões fiscais de muitos milhões de euros)
têm flagelado as fileiras do governo PS, cujas demissões de secretários e
ministros irão já em treze, outros casos têm surgido conspurcando a honorabilidade
de figuras do principal partido da oposição, incluindo o chefe que, se ainda
não foi acusado de corrupção, não se livra da fama de ser um advogado
chico-esperto que tem enriquecido com os ajustes directos entre seu escritório
de advogado e algumas câmaras, uma legalidade feita à medida para o engrandecimento
de uma burguesia oportunista emergente e, sempre ou quase sempre, à custa dos
dinheiros públicos. Esta gente forma uma mafia e que se protege quando ameaçada
e onde se esbate a fronteira entre uma classe política corrupta e venal e uma burguesia
inútil e rentista.
A disputa é pelo acesso ao pote e não
quanto à justeza das políticas para o povo português
A corrupção é o lubrificante que oleia as
juntas e as rodas de engrenagem da economia capitalista e que assegura a
lealdade dos políticos ao serviço da burguesia, o Salazar já fazia o mesmo
porque sabia que gato com rabo preso não arranha, e verifica-se que ela é
transversal aos partidos do poder e há políticos que se vendem por pouco. Os ministros
são substituídos não porque os primeiros eram mais corruptos e menos competentes,
mas porque não deveriam garantir as mesmas certezas quanto a quem irá beneficiar
das benesses do governo, nos casos em concreto de obras do novo aeroporto, linha
de alta velocidade, energias verdes e distribuição dos dinheiros do PRR (Plano
de Recuperação e Resiliência). E para não deixar dúvidas, António Costa é
peremptório sobre os “novos ministros”: são “pessoas com experiência” e dão “garantia
de continuidade” … na gestão dos negócios da burguesia doméstica e dos
interesses do grande capital financeiro representado por Bruxelas. Será nesta
linha de preocupação que haverá algum lóbi, falando pela boca do chefe da
oposição, que deseja o ministro das Finanças substituído, não pelo facto de
eventualmente ser um “peso morto”, mas pela razão de que não será suficientemente
diligente, só que a sua diligência é aquela que Bruxelas entender e não outra.
Nãos nos cansamos de relembrar que devemos aprender
sempre com a História, mas a amnésia do passado, e passado relativamente
recente, é lixada e impede que a nossa classe média e os trabalhadores aprendam
alguma coisa. Foi quando os governos da I República, nomeadamente os de um
outro Costa, que ficou conhecido por “raxa-sindicalistas”, começaram a atacar o
movimento operário que socavou o apoio popular e assinou a sua certidão de
óbito. Reprimir a classe operária depauperada e abandonar a arruinada classe
dos pequenos proprietários criou rapidamente as condições para o pronunciamento
militar de 28 de Maio de 1926. A classe operária ficou no desnorte por ausência
de uma organização e direcção revolucionárias e a classe média, principalmente a
da província, foi um forte apoio para a longevidade do fascismo. São os partidos e governos de cariz social-democrata
que, reprimindo as lutas do povo e assassinando os seus líderes, com o fim de
deixar o movimento revolucionária sem direcção, facilitam assim a instauração
da ditadura sem intermediação do grande capital. Em vésperas do PS comemorar os
seus 50 anos, partido fundado na Alemanha pelos dinheiros da Fundação Friedrich
Ebert, é bom relembrar que foi o governo deste social-democrata alemão, Friedrich
Ebert, República de Weimar, que ordenou e financiou as milícias Freikorps
para assassinar os dirigentes revolucionários Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht,
fez agora 104 anos (15 de Janeiro).
Estamos a tempo de impedir a repetição da
História.
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