segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Governar “seriamente” e a estabilidade do regime

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Com a maioria absoluta do governo esperava-se que haveria a possibilidade de se “governar seriamente este país”, era, e ainda será, a opinião de muitos portugueses, nomeadamente, os que fazem parte do que se considera a “classe média” – é mais ou menos esta a ideia generalizada que perpassa nas redes sociais, por exemplo. Esta expectativa tem sido abalada pelo surgimento, quase todas as semanas, de casos de corrupção ou de menos ética envolvendo membros do governo ou seus familiares mais directos, o que não deixa de fragilizar o governo PS/Costa e a sua imagem perante a opinião pública. Aliás, tem sido esta a tónica colocada pelos partidos da oposição e de alguns media mais ligados aos partidos da oposição ou de grupos económicos que vêm nesta pressão, em tempo de grandes obras públicas e de distribuição de fundos europeus, uma forma de obrigar o governo a ceder aos seus interesses. Mas, na realidade, e mais do que isso, trata-se da fragilização e descredibilização do próprio regime democrático burguês.

O governo e os partidos do poder temem mais as lutas dos trabalhadores (professores) do que a corrupção endémica

Ora, o governo não tem governado nem seriamente, na óptica e nos interesses de grande maioria do eleitorado português, nem apresenta a estabilidade e solidez que tantas figuras gradas nacionais reclamam. São os chefes das associações patronais que avisam: "estabilidade política é fundamental para desenvolvimento do país"; são os think tank preocupados: “SEDES quer mais escrutínio para aumentar a estabilidade e credibilidade no governo”; o supremo magistrado da Nação foi das primeiras vozes a alertar: “a democracia precisa, mais do que nunca, de ser cuidada”, ao mesmo tempo que promete retirar conclusões se remodelação do governo não funcionar, mais tarde afirma, como que num arrependimento da prolixidade, que não irá demitir o governo e convocar eleições antecipadas porque ficaria numa posição insustentável se o PS viesse a ganhar de novo com outra maioria, possivelmente ainda mais ampla. Por fim lá veio a segunda figura do Estado, e em quase anúncio da pré-candidatura presidencial, desabafar: "demissões estão a desgastar o governo", no entanto, ressalvando que “as mudanças complicam a vida ao Executivo, mas não destroem a confiança no Parlamento. E é aqui que está o cerne da preocupação: a descredibilização do regime, mais do que a do governo.

Ao mesmo tempo que se digladiam na luta pelo enfraquecimento do governo, descredibilizando paradoxalmente o regime, todos os contendores se unem quando se sentem ameaçados pelas lutas dos trabalhadores, é o que está a acontecer com a luta dos professores da escola pública. Os professores estão a ser atacados e vilipendiados porque ousaram romper com a paz podre da conciliação de classes e reivindicar as suas mais que justas reivindicações, desde melhoria salarial, dignificação da carreira, contagem do tempo roubado, melhores condições de trabalho até fim da precariedade e das deslocações para centenas de quilómetros do local de residência, coisa que não acontece, por exemplo, com os médicos que também são funcionários públicos. Agitam o espantalho do fim da democracia, mas eles, partidos do poder, é que são os coveiros; acenam com os populismos e “vem aí o fascismo!”, mas é essa gente, e não os professores, que clamam e anseiam por eles. 

Costa manter-se-á no poder se conseguir reprimir esta luta, como já fez com anteriores semelhantes, estivadores, motoristas de matérias perigosas e enfermeiros. A perenidade do governo Costa não estará directamente ligada aos casos de corrupção que existem ou possam surgir entre os seus membros actuais ou futuros, mas à sua capacidade de executar as políticas dimanadas de Bruxelas e simultaneamente manter a paz social, como aqui temos referido insistentemente; paz social que tem vigorado graças à prestimosa e “responsável” colaboração dos sindicatos afectos às duas centrais existentes. Não são as greves e manifestações fofinhas que assustam o governo do capital, mas as greves, como afirmou o Costa da Educação, que são "atípicas", "radicais", "desproporcionais" e "imprevisíveis" que se poderão tornar perigosas, eventualmente, derrubando governos e, mais grave ainda, levar à insurreição geral e à instituição de regimes sem amos nem salvadores da pátria - a velha toupeira a fazer o seu trabalho.

Tanto o PR Marcelo como os partidos da oposição mais à direita querem tirar o PS do governo, mas todos têm medo de o fazer

Os “casos e casinhos”, de que fala Costa, mais não são que a guerrilha desencadeada contra o governo com o objectivo claro de o desgastar e descredibilizar para que, em próximas eleições legislativas, o PS seja derrotado inapelavelmente e os partidos da oposição, da direita, possam aceder ao pote. A motivação não está em se saber se o PS governa bem ou mal, com seriedade ou sem ela, mas quem saber que enfia a mão na massa, porque a política está há muito definida em Bruxelas e é para ser executada seja por quem for que esteja no turno da governação. Não deixa de ser enternecedor ouvir da boca do novo secretário-geral do PCP a hipótese de um projecto governativo, incluindo o PS e o PCP, auto-denominado de “"alternativa patriótica e de esquerda", sabendo-se de antemão da sua inviabilidade no quadro do euro e da União Europeia. O que é válido para o BE, na justa medida em que o seguro de vida destes dois partidos situados “à esquerda” é a de defender uma social-democracia, são partidos tipo flor de lapela que irão para o governo pendurados nas costas do PS. Tanto uns como outros querem aceder ao pote só que ninguém ousa derrubar o governo porque temem os resultados de mais umas eleições antecipadas.

Usar os casos de corrupção para fragilizar o governo PS e ainda por cima por parte do outro parceiro do Bloco Central de interesses não deixa de ser caricato, para não dizer pornográfico. E se os casos trazidos à luz do dia, parte deles pela “investigação” de órgãos de informação do género Correio da Manhã (propriedade do grupos Cofina do oligarca Paulo Fernandes, envolvido nos Pandora Papers, que desde há muitos anos tem vindo a fugir ao fisco e gozando de perdões fiscais de muitos milhões de euros) têm flagelado as fileiras do governo PS, cujas demissões de secretários e ministros irão já em treze, outros casos têm surgido conspurcando a honorabilidade de figuras do principal partido da oposição, incluindo o chefe que, se ainda não foi acusado de corrupção, não se livra da fama de ser um advogado chico-esperto que tem enriquecido com os ajustes directos entre seu escritório de advogado e algumas câmaras, uma legalidade feita à medida para o engrandecimento de uma burguesia oportunista emergente e, sempre ou quase sempre, à custa dos dinheiros públicos. Esta gente forma uma mafia e que se protege quando ameaçada e onde se esbate a fronteira entre uma classe política corrupta e venal e uma burguesia inútil e rentista.

A disputa é pelo acesso ao pote e não quanto à justeza das políticas para o povo português

A corrupção é o lubrificante que oleia as juntas e as rodas de engrenagem da economia capitalista e que assegura a lealdade dos políticos ao serviço da burguesia, o Salazar já fazia o mesmo porque sabia que gato com rabo preso não arranha, e verifica-se que ela é transversal aos partidos do poder e há políticos que se vendem por pouco. Os ministros são substituídos não porque os primeiros eram mais corruptos e menos competentes, mas porque não deveriam garantir as mesmas certezas quanto a quem irá beneficiar das benesses do governo, nos casos em concreto de obras do novo aeroporto, linha de alta velocidade, energias verdes e distribuição dos dinheiros do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência). E para não deixar dúvidas, António Costa é peremptório sobre os “novos ministros”: são “pessoas com experiência” e dão “garantia de continuidade” … na gestão dos negócios da burguesia doméstica e dos interesses do grande capital financeiro representado por Bruxelas. Será nesta linha de preocupação que haverá algum lóbi, falando pela boca do chefe da oposição, que deseja o ministro das Finanças substituído, não pelo facto de eventualmente ser um “peso morto”, mas pela razão de que não será suficientemente diligente, só que a sua diligência é aquela que Bruxelas entender e não outra.

Nãos nos cansamos de relembrar que devemos aprender sempre com a História, mas a amnésia do passado, e passado relativamente recente, é lixada e impede que a nossa classe média e os trabalhadores aprendam alguma coisa. Foi quando os governos da I República, nomeadamente os de um outro Costa, que ficou conhecido por “raxa-sindicalistas”, começaram a atacar o movimento operário que socavou o apoio popular e assinou a sua certidão de óbito. Reprimir a classe operária depauperada e abandonar a arruinada classe dos pequenos proprietários criou rapidamente as condições para o pronunciamento militar de 28 de Maio de 1926. A classe operária ficou no desnorte por ausência de uma organização e direcção revolucionárias e a classe média, principalmente a da província, foi um forte apoio para a longevidade do fascismo.  São os partidos e governos de cariz social-democrata que, reprimindo as lutas do povo e assassinando os seus líderes, com o fim de deixar o movimento revolucionária sem direcção, facilitam assim a instauração da ditadura sem intermediação do grande capital. Em vésperas do PS comemorar os seus 50 anos, partido fundado na Alemanha pelos dinheiros da Fundação Friedrich Ebert, é bom relembrar que foi o governo deste social-democrata alemão, Friedrich Ebert, República de Weimar, que ordenou e financiou as milícias Freikorps para assassinar os dirigentes revolucionários Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, fez agora 104 anos (15 de Janeiro).

Estamos a tempo de impedir a repetição da História.

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