domingo, 29 de janeiro de 2023

A luta dos professores e o sindicalismo colaboracionista

  

Imagem Manuel de Almeida/LUSA/Sapo24

A degradação da escola pública, à semelhança do que acontece no SNS e na Administração Pública em geral, começa pelas condições de trabalho dos seus profissionais, a começar no salário e acabar no congelamento das carreiras e crescimento da precariedade. Natural e compreensível que a luta nas escolas facilmente tenha juntado todos aqueles que ali trabalham e que tenham sido novas organizações sindicais a agarrar nas reivindicações, bem sentidas pelos trabalhadores e sempre desprezadas pelo poder instituído, e não as velhas, já que desagastadas pela conciliação e fretes feitos aos governos – lembremo-nos do acordo feito pela Fenprof/CGTP com a ministra Lurdes Rodrigues após as heróicas lutas dos professores em 2008, ao tempo do governo Sócrates e também PS, que mais não representou que uma clara traição à classe, tendo-se mantido todos os problemas que agora os professores pretendem ver resolvidos.

Os trabalhadores foram desarmados em termos políticos e ideológicos

A situação dos professores não difere muito da dos trabalhadores da transportadora aérea, ainda, nacional, TAP, que viram o despedimento colectivo, o corte dos salários, a intensificação dos ritmos de trabalho e a degradação geral das suas condições de trabalho como a única solução para a “reestruturação” da empresa a fim de, também um dia destes, ser entregue de mão beijada a alguma grande transportadora europeia, que o ministro da Economia gostaria que fosse a espanhola Iberia, mas que tudo leva a crer que venha a ser a alemã Lufthansa, não sendo por acaso que esta reestruturação, e até pela maneira como está a ser feita, se encontra sob total controlo de Bruxelas. E a situação não difere, como dizíamos, porque à custa dos trabalhadores e com estes, por acção das suas organizações sindicais, a serem divididos e encostados à parede como não houvesse qualquer outra alternativa, como que colaborando com a sua exploração e da qual se sentem dependentes, quase um síndrome de Estocolmo, tal como refere o filósofo Byung-Chul Han: (o cidadão consumidor) Limita-se a reagir de forma passiva à política, protestando e queixando-se, do mesmo modo que o consumidor perante as mercadorias e os serviços que lhe desagradam. Os trabalhadores foram desarmados em termos políticos e ideológicos

Quando os trabalhadores tentam romper com estas grilhetas e procuram outras formas de luta, e se organizam, logo o poder se encrespa e lança os seus colaboradores habituais, jornalistas, comentadores e sindicalistas profissionais, na difamação dos trabalhadores e dos seus eventuais novos dirigentes; quando esta manobra não resulta, ou simultaneamente, lança a repressão. Como já avisáramos no início da luta dos professores, o governo PS iria lançar a repressão e que a abertura para o diálogo não passava de uma forma de empatar para desmobilização; ora, o governo PS, através do Tribunal Arbitral, acaba de decretar a obrigatoriedade de serviços mínimos para os professores, uma paródia se não fosse séria a questão. Os professores e os restantes trabalhadores das escolas não lidam com situações de vida ou de morte de seres humanos, à semelhança de médicos ou de enfermeiros, a imposição de serviços mínimos tem como objectivo intimidar e ver como reagem não só os trabalhadores como os seus dirigentes sindicais. Em resposta, realizou-se em Lisboa uma manifestação como nunca se tinha visto até agora e mais dois dias de greve total foram agendados para antes da entrada em vigor dos tais pretensos serviços mínimos. Se a medida não resultar ou porque os trabalhadores a irão recusar, todos esperamos que venha aí a requisição civil, e o governo PS ficará para a história como aquele que mais vezes lançou esta medida contra os trabalhadores em democracia pós-25 de Abril – e diz-se socialista, ora se não fosse?!

A velha oligarquia sindical

Logo que que foi conhecida a medida de serviços mínimos para as escolas, dirigentes sindicais e partidários afectos às duas centrais sindicais repudiaram a atitude do governo, contudo os seus representantes no Tribunal Arbitral foram unânimes naquela decisão, a decisão foi unânime – saliente-se. CGTP e UGT criticam por um lado, mas apoiam pelo outro, numa hipocrisia muito semelhante à dos políticos dos partidos do poder. Mas há quem não consiga esconder mais o jogo de divisão e de apoio ao governo, e Mário Nogueira, o eterno secretário-geral da Fenprof, sentiu-se obrigado a vir a terreiro afirmar que "se o novo sindicalismo passa por levar assistentes operacionais a fazer a greve, não fazemos isso"; ou seja, parece que não quere a união dos diversos sectores dos trabalhadores da escola, contrariando o slogan tão repetido de “povo unido, jamais será vencido”; assim, na prática, impedem que esta luta tenha mais força e possa vir a ter sucesso. Os dirigentes sindicais do establishment dão a entender que não desejam os problemas dos trabalhadores resolvidos, e estamos a falar de problemas muitas vezes de natureza meramente economicista, terão medo de ficar sem assunto para as sucessivas e folclóricas lutas a que nos habituaram. Foi neste sentido, aqui algum tempo, que um dirigente sindical de um sindicato nacional afecto à CGTP que nos falou sobre a estratégia seguida, a de “guerrilha”, a ideia não era ir para uma luta aberta e rápida mas manter as reivindicações em lume brando; esse sindicalista há muitos anos que estava, e ainda está, em actividade exclusiva sindical embora continue a receber o vencimento pela entidade empregadora. É uma velha oligarquia sindical.

São os sindicalistas do regime que agora também se vêem ameaçados e foi graças a essa inércia deliberada que se abriram as portas para o aparecimento de outros sindicatos, primeiro para os sindicatos da UGT, central sindical que foi fundada com os dinheiros da social-democracia alemã, Fundação Friedrich Ebert, tal como o PS, para retirar poder à CGTP, e mais recentemente para outros sindicatos que se auto-intitulam “independentes”; esperemos que o sejam em relação ao governo e ao regime políticos, porque os outros desde há muito, ou desde sempre, nunca o foram. O secretário da Fenprof, quanto a esta questão, já tinha sido claro quando o atacam de ser um sindicalista ou defender um sindicalismo ligado ao “sistema”, respondendo que tem muito orgulho nisso porque se trata do “regime democrático”; contudo, não diz que o “regime”, a que se refere, é o regime “democrático, burguês e capitalista”. O homem tem trabalhado e, ao que parece, bem, mas ao serviço dos governos que nos têm desgovernado, principalmente dos governos PS, e fica assustado, a par do ministro e do resto da nossa elite, quando há uma luta a fugir ao controlo. Greves ou lutas sem controlo das centrais sindicais do regime, denominadas de “inorgânicas” e “imprevisíveis”, são odiadas por ministros, capitalistas e seus agentes de propaganda, como se pode ver na imprensa mainstream e nas redes sociais, e os próprios trabalhadores e dirigentes fora de caixa são de imediato alcunhados de “arruaceiros”, gente perigosa que é preciso aniquilar. A luta de classes, ao contrário da opinião dos conciliadores profissionais, é mesmo uma luta entre classes… e de morte.

O contexto das lutas dos trabalhadores é um contexto de guerra

Temos de perceber em que contexto estas lutas se estão a travar. A nível interno, principalmente em situação de crise mais aguda do sistema capitalista nacional e ou de seu regime de democracia de faz de conta, é o PS que é catapultado para o poder governativo, mesmo quando não ganha as eleições, como aconteceu em 2015; mas desta vez, e contrariando até alguma expectativa, ganha com maioria absoluta; o que não agradou, como era de esperar, à concorrência. Daí a constante guerrilha travada pelos partidos da dita “oposição”, cujo diferendo com o PS está apenas e só em saber quem é que mete a mão no pote; e o pote está bem atulhado com os dinheiros do PRR; quanto a novas eleições só no fim do mandato, e esperar que o governo caia por falta de apoio parlamentar, poderão esperar sentados; então, haverá que criar factos e moer lentamente o governo. O PR Marcelo hesita em dissolver o Parlamento com base na diminuta honestidade ou fraco currículo dos ministros ou secretários de estado porque, em hipóteses de o PS voltar a ganhar as eleições com maioria absoluta, seria ele que ficaria em maus lençóis, de maneira que o governo PS/Costa será para manter. Ora, lutas deste género, que estiveram em hibernação durante tantos anos se agora ressurgirem não deixam de ser bem-vindas para enfraquecer o governo e criar algum capital para os partidos da oposição, seja de “esquerda” ou de “direita”, contudo, não devem esticar-se muito porque haverá sempre o risco de se deitar abaixo o próprio regime.

E é com o argumento do enfraquecimento do regime democrático que se agita o espantalho do fascismo, foi assim durante o PREC, em 1974 e 75, agora é o espantalho, no sentido literal do termo, do Chega e do seu chefe, para assustar a pequena-burguesia receosa de perder o seu estilo de vida. Esta gente tem andando ao colo dos órgãos da informação mainstream, financiada pelos oligarcas emergentes do regime democrático, e tem servido para retirar votos e influência ao PSD (o CDS já foi) e deixar o PS governar à vontade. Com o agitar de espantalho dividem-se os trabalhadores, e os trabalhadores da TAP foram divididos, manipulados e comprados; agora, são os pilotos da SPAC que se queixam da “falta de preparação” do ministro (homem de mão dos lóbis do lítio e do hidrogénio dito “verde”) por ter acabado a reunião de forma abrupta sem ter deixado qualquer sombra de resolução do quer que fosse destes trabalhadores que, previamente convencidos de que estão a ser os bodes expiatórios para o “emagrecimento” da empresa, ainda continuam a acreditar no Pai Natal; ou seja, que existe um mínimo de vontade por parte do governo em atender às suas revindicações, parecendo que nada aprenderam até agora, nomeadamente com os seus colgas de cabine que se deixaram comprar por umas reles migalhas de 8 milhões de euros, enquanto a CEO estrangeira irá embolsar só de bónus mais de 2 milhões de euros caso leve a bom porto o seu trabalho de limpeza dos custos, onde se incluem os trabalhadores, da transportadora aérea nacional. É sempre o resultado inevitável da inexistência de uma direcção revolucionária e clarividente por parte dos trabalhadores, são o cordeiro sacrificial.

O mantra do “não há dinheiro” (para os trabalhadores)

Há e sobra muitos milhões de euros quando se trata de fazer a guerra, e a nível externo não nos podemos abstrair de que nos encontramos em situação de pré terceira guerra mundial que, a acontecer, será inevitavelmente nuclear. Os governos PS têm sido ao longo da história os governos que aprovam os créditos de guerra e enfiam os seus países nas guerras inter-imperialistas, e o PS português não é excepção à regra. Não há dinheiro para os professores nem para o SNS, por exemplo, mas há, contudo, para a ICAR, cujo apetite insaciável de riqueza e privilégios é mais que conspícuo, 160 milhões de euros na famigerada Jornada Mundial da Juventude, embora diga que irá arcar com a metade das despesas, o que não será verdade conhecendo-se o modus operandi desta igreja ao longo dos tempos. Não há dinheiro para aumentar de forma digna os trabalhadores da administração pública em geral e dos pensionistas em particular que recebem reformas de miséria, mas há para a guerra na Ucrânia, onde já foram queimados mais de 200 milhões de euros e preparando-se o governo do PS/Costa em enviar mais equipamento militar e outro, e que não ficará por aqui.

Não há mais dinheiro, este ano, para os trabalhadores, já diz o Medina, que da suspeição de "corrupção" já não se livra, e o Centeno governador do Banco de Portugal não se engasga ao afirmar que “a zona euro não vai entrar em recessão técnica”, e por extensão, Portugal, porque as empresas portuguesas não estão endividadas como estavam em 2019 (palavras no Fórum de Davos), o que não é para admirar já que receberam a maior fatia dos 4135 milhões de euros que o governo diz ter gastado em 2022 com a pandemia, e em 2021 não terá sido muito menos. Ficamos assim a saber, mais uma vez, para que serviu a pandemia, um pretexto para recapitalizar as falidas empresas nacionais e engordar os lucros das grandes empresas estrangeiras que por cá vão enchendo o saco. Não há dinheiro para os trabalhadores que na sua maioria ganharam menos de mil euros mensais, em média, em 2022, e, nomeadamente, para os trabalhadores mais jovens, 65% dos quais receberam ainda menos que os miseráveis 1000 euros. Mas há dinheiro para suportar 1640 militares profissionais em missões internacionais em 2023, despesa que chegará a muitas dezenas de milhões de euros, para defender os interesses de grandes empresas da União Europeia, na sua tarefa de exploração e de saque, em países estrangeiros, na sua maioria em África – o velho tique de ex-potência colonial que vem sempre ao de cimo.

Sindicalismo não colaboracionista e revolucionário é necessário

Perante a situação intolerável, esperamos que não sejam só palavras o “Não nos podem calar, isto só se vê nas ditaduras”, que haja força e determinação suficientes para levar até ao fim a luta que deverá terminar, só e quando, todas as reivindicações ficarem satisfeitas e terá de ser agora. Não como refere o chefe da Fenprof que admite que “o descongelamento do tempo de serviço vá além da legislatura”, preparando, mais uma vez, o boicote à luta dos trabalhadores. Os trabalhadores da educação, e não só, não podem esperar nada por parte do PR Marcelo que, nestas questões de ameaça existencial para o regime, está unido com o governo – o S.TO.P não se engana quando diz que "se Presidente continuar com posição neutra, não é neutralidade". A força dos trabalhadores está na sua unidade, na unidade entre todos independentemente da classe profissional, unidade entre todos os trabalhadores do estado, unidade entre os trabalhadores do sector público e do sector privado, porque há reivindicações e problemas comuns e o inimigo também é o mesmo: o governo PS/Costa, instrumento dos negócios dos capitalistas, e o sistema de exploração capitalista, para quem os trabalhadores são números e uma despesa a descartar. Novos sindicatos, dirigentes aguerridos e corajosos que não se deixem corromper, um sindicalismo revolucionário, são possíveis, porque necessários. Os sindicatos devem ser independentes, mas do governo e dos patrões e dos partidos do establishment, porque a falha está em não haver entre nós um partido revolucionário que agarre em mãos, como objectivo último, o fim do capitalismo. Este é que é o cerne da questão.

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