Imagem Manuel de Almeida/LUSA/Sapo24
A degradação da escola pública, à semelhança
do que acontece no SNS e na Administração Pública em geral, começa pelas
condições de trabalho dos seus profissionais, a começar no salário e acabar no
congelamento das carreiras e crescimento da precariedade. Natural e compreensível
que a luta nas escolas facilmente tenha juntado todos aqueles que ali trabalham
e que tenham sido novas organizações sindicais a agarrar nas reivindicações,
bem sentidas pelos trabalhadores e sempre desprezadas pelo poder instituído, e
não as velhas, já que desagastadas pela conciliação e fretes feitos aos
governos – lembremo-nos do acordo feito pela Fenprof/CGTP com a ministra Lurdes
Rodrigues após as heróicas lutas dos professores em 2008, ao tempo do governo
Sócrates e também PS, que mais não representou que uma clara traição à classe,
tendo-se mantido todos os problemas que agora os professores pretendem ver resolvidos.
Os trabalhadores
foram desarmados em termos políticos e ideológicos
A situação dos professores não difere muito da
dos trabalhadores da transportadora aérea, ainda, nacional, TAP, que viram o
despedimento colectivo, o corte dos salários, a intensificação dos ritmos de
trabalho e a degradação geral das suas condições de trabalho como a única
solução para a “reestruturação” da empresa a fim de, também um dia destes, ser
entregue de mão beijada a alguma grande transportadora europeia, que o ministro
da Economia gostaria que fosse a espanhola Iberia, mas que tudo leva a crer que
venha a ser a alemã Lufthansa, não sendo por acaso que esta reestruturação, e até
pela maneira como está a ser feita, se encontra sob total controlo de Bruxelas.
E a situação não difere, como dizíamos, porque à custa dos trabalhadores e com
estes, por acção das suas organizações sindicais, a serem divididos e
encostados à parede como não houvesse qualquer outra alternativa, como que
colaborando com a sua exploração e da qual se sentem dependentes, quase um síndrome
de Estocolmo, tal como refere o filósofo Byung-Chul Han: (o cidadão consumidor) Limita-se a reagir de
forma passiva à política, protestando e queixando-se, do
mesmo modo que o consumidor perante as mercadorias e os serviços que lhe
desagradam. Os trabalhadores foram desarmados em termos políticos e ideológicos
Quando os
trabalhadores tentam romper com estas grilhetas e procuram outras formas de
luta, e se organizam, logo o poder se encrespa e lança os seus colaboradores
habituais, jornalistas, comentadores e sindicalistas profissionais, na difamação
dos trabalhadores e dos seus eventuais novos dirigentes; quando esta manobra
não resulta, ou simultaneamente, lança a repressão. Como já avisáramos no início
da luta dos professores, o governo PS iria lançar a repressão e que a abertura
para o diálogo não passava de uma forma de empatar para desmobilização; ora, o
governo PS, através do Tribunal Arbitral, acaba de decretar a obrigatoriedade de
serviços mínimos para os professores, uma paródia se não fosse séria a questão.
Os professores e os restantes trabalhadores das escolas não lidam com situações
de vida ou de morte de seres humanos, à semelhança de médicos ou de
enfermeiros, a imposição de serviços mínimos tem como objectivo intimidar e ver
como reagem não só os trabalhadores como os seus dirigentes sindicais. Em resposta,
realizou-se em Lisboa uma manifestação como nunca se tinha visto até agora e
mais dois dias de greve total foram agendados para antes da entrada em vigor dos
tais pretensos serviços mínimos. Se a medida não resultar ou porque os
trabalhadores a irão recusar, todos esperamos que venha aí a requisição civil,
e o governo PS ficará para a história como aquele que mais vezes lançou esta
medida contra os trabalhadores em democracia pós-25 de Abril – e diz-se
socialista, ora se não fosse?!
A
velha oligarquia sindical
Logo que que foi conhecida a medida de
serviços mínimos para as escolas, dirigentes sindicais e partidários afectos às
duas centrais sindicais repudiaram a atitude do governo, contudo os seus
representantes no Tribunal Arbitral foram unânimes naquela decisão, a decisão
foi unânime – saliente-se. CGTP e UGT criticam por um lado, mas apoiam pelo
outro, numa hipocrisia muito semelhante à dos políticos dos partidos do poder. Mas
há quem não consiga esconder mais o jogo de divisão e de apoio ao governo, e Mário
Nogueira, o eterno secretário-geral da Fenprof, sentiu-se obrigado a vir a
terreiro afirmar que "se o novo sindicalismo passa por levar assistentes
operacionais a fazer a greve, não fazemos isso"; ou seja, parece
que não quere a união dos diversos sectores dos trabalhadores da escola, contrariando
o slogan tão repetido de “povo unido, jamais será vencido”; assim, na prática, impedem
que esta luta tenha mais força e possa vir a ter sucesso. Os dirigentes
sindicais do establishment dão a entender que não desejam os problemas dos
trabalhadores resolvidos, e estamos a falar de problemas muitas vezes de
natureza meramente economicista, terão medo de ficar sem assunto para as
sucessivas e folclóricas lutas a que nos habituaram. Foi neste sentido, aqui
algum tempo, que um dirigente sindical de um sindicato nacional afecto à CGTP
que nos falou sobre a estratégia seguida, a de “guerrilha”, a ideia não era ir
para uma luta aberta e rápida mas manter as reivindicações em lume brando; esse
sindicalista há muitos anos que estava, e ainda está, em actividade exclusiva
sindical embora continue a receber o vencimento pela entidade empregadora. É
uma velha oligarquia sindical.
São os sindicalistas do regime que agora também
se vêem ameaçados e foi graças a essa inércia deliberada que se abriram as
portas para o aparecimento de outros sindicatos, primeiro para os sindicatos da
UGT, central sindical que foi fundada com os dinheiros da social-democracia
alemã, Fundação Friedrich Ebert, tal como o PS, para retirar poder à CGTP, e
mais recentemente para outros sindicatos que se auto-intitulam “independentes”; esperemos que o sejam em relação ao governo e ao regime políticos, porque os
outros desde há muito, ou desde sempre, nunca o foram. O secretário da Fenprof,
quanto a esta questão, já tinha sido claro quando o atacam de ser um sindicalista
ou defender um sindicalismo ligado ao “sistema”, respondendo que tem muito
orgulho nisso porque se trata do “regime democrático”; contudo, não diz que o “regime”,
a que se refere, é o regime “democrático, burguês e capitalista”. O homem tem
trabalhado e, ao que parece, bem, mas ao serviço dos governos que nos têm
desgovernado, principalmente dos governos PS, e fica assustado, a par do
ministro e do resto da nossa elite, quando há uma luta a fugir ao controlo. Greves
ou lutas sem controlo das centrais sindicais do regime, denominadas de “inorgânicas”
e “imprevisíveis”, são odiadas por ministros, capitalistas e seus agentes de
propaganda, como se pode ver na imprensa mainstream e nas redes sociais, e os próprios
trabalhadores e dirigentes fora de caixa são de imediato alcunhados de “arruaceiros”,
gente perigosa que é preciso aniquilar. A luta de classes, ao contrário da
opinião dos conciliadores profissionais, é mesmo uma luta entre classes… e de
morte.
O contexto das lutas dos trabalhadores é um
contexto de guerra
Temos de perceber em que contexto estas lutas
se estão a travar. A nível interno, principalmente em situação de crise mais
aguda do sistema capitalista nacional e ou de seu regime de democracia de faz
de conta, é o PS que é catapultado para o poder governativo, mesmo quando não
ganha as eleições, como aconteceu em 2015; mas desta vez, e contrariando até alguma
expectativa, ganha com maioria absoluta; o que não agradou, como era de
esperar, à concorrência. Daí a constante guerrilha travada pelos partidos da
dita “oposição”, cujo diferendo com o PS está apenas e só em saber quem é que mete
a mão no pote; e o pote está bem atulhado com os dinheiros do PRR; quanto a
novas eleições só no fim do mandato, e esperar que o governo caia por falta de
apoio parlamentar, poderão esperar sentados; então, haverá que criar factos e
moer lentamente o governo. O PR Marcelo hesita em dissolver o Parlamento com
base na diminuta honestidade ou fraco currículo dos ministros ou secretários de
estado porque, em hipóteses de o PS voltar a ganhar as eleições com maioria
absoluta, seria ele que ficaria em maus lençóis, de maneira que o governo
PS/Costa será para manter. Ora, lutas deste género, que estiveram em hibernação
durante tantos anos se agora ressurgirem não deixam de ser bem-vindas para
enfraquecer o governo e criar algum capital para os partidos da oposição, seja
de “esquerda” ou de “direita”, contudo, não devem esticar-se muito porque haverá
sempre o risco de se deitar abaixo o próprio regime.
E é com o argumento do enfraquecimento do
regime democrático que se agita o espantalho do fascismo, foi assim durante o
PREC, em 1974 e 75, agora é o espantalho, no sentido literal do termo,
do Chega e do seu chefe, para assustar a pequena-burguesia receosa de perder o
seu estilo de vida. Esta gente tem andando ao colo dos órgãos da informação
mainstream, financiada pelos oligarcas emergentes do regime democrático, e tem
servido para retirar votos e influência ao PSD (o CDS já foi) e deixar o PS
governar à vontade. Com o agitar de espantalho dividem-se os trabalhadores, e
os trabalhadores da TAP foram divididos, manipulados e comprados; agora, são os
pilotos da SPAC que se queixam da “falta de preparação” do ministro (homem de
mão dos lóbis do lítio e do hidrogénio dito “verde”) por ter acabado a reunião
de forma abrupta sem ter deixado qualquer sombra de resolução do quer que fosse
destes trabalhadores que, previamente convencidos de que estão a ser os bodes expiatórios
para o “emagrecimento” da empresa, ainda continuam a acreditar no Pai Natal; ou
seja, que existe um mínimo de vontade por parte do governo em atender às suas revindicações,
parecendo que nada aprenderam até agora, nomeadamente com os seus colgas de
cabine que se deixaram comprar por umas reles migalhas de 8 milhões de euros, enquanto
a CEO estrangeira irá embolsar só de bónus mais de 2 milhões de euros caso leve
a bom porto o seu trabalho de limpeza dos custos, onde se incluem os
trabalhadores, da transportadora aérea nacional. É sempre o resultado
inevitável da inexistência de uma direcção revolucionária e clarividente por
parte dos trabalhadores, são o cordeiro sacrificial.
O mantra do “não há dinheiro” (para os
trabalhadores)
Há e sobra muitos milhões de euros quando se
trata de fazer a guerra, e a nível externo não nos podemos abstrair de que nos
encontramos em situação de pré terceira guerra mundial que, a acontecer, será
inevitavelmente nuclear. Os governos PS têm sido ao longo da história os
governos que aprovam os créditos de guerra e enfiam os seus países nas guerras
inter-imperialistas, e o PS português não é excepção à regra. Não há dinheiro
para os professores nem para o SNS, por exemplo, mas há, contudo, para a ICAR,
cujo apetite insaciável de riqueza e privilégios é mais que conspícuo, 160
milhões de euros na famigerada Jornada Mundial da Juventude, embora diga que
irá arcar com a metade das despesas, o que não será verdade conhecendo-se o modus
operandi desta igreja ao longo dos tempos. Não há dinheiro para aumentar de
forma digna os trabalhadores da administração pública em geral e dos
pensionistas em particular que recebem reformas de miséria, mas há para a
guerra na Ucrânia, onde já foram queimados mais de 200 milhões de euros e
preparando-se o governo do PS/Costa em enviar mais equipamento militar e outro,
e que não ficará por aqui.
Não há mais dinheiro, este ano, para os
trabalhadores, já diz o Medina, que da suspeição de "corrupção" já não se
livra, e o Centeno governador do Banco de Portugal não se engasga ao afirmar
que “a zona euro não vai entrar em recessão técnica”, e por extensão, Portugal,
porque as empresas portuguesas não estão endividadas como estavam em 2019 (palavras
no Fórum de Davos), o que não é para admirar já que receberam a maior fatia dos
4135 milhões de euros que o governo diz ter gastado em 2022 com a pandemia, e
em 2021 não terá sido muito menos. Ficamos assim a saber, mais uma vez, para
que serviu a pandemia, um pretexto para recapitalizar as falidas empresas
nacionais e engordar os lucros das grandes empresas estrangeiras que por cá vão
enchendo o saco. Não há dinheiro para os trabalhadores que na sua maioria ganharam
menos de mil euros mensais, em média, em 2022, e, nomeadamente, para os
trabalhadores mais jovens, 65% dos quais receberam ainda menos que os miseráveis
1000 euros. Mas há dinheiro para suportar 1640 militares profissionais em
missões internacionais em 2023, despesa que chegará a muitas dezenas de milhões
de euros, para defender os interesses de grandes empresas da União Europeia, na
sua tarefa de exploração e de saque, em países estrangeiros, na sua maioria em
África – o velho tique de ex-potência colonial que vem sempre ao de cimo.
Sindicalismo não colaboracionista e revolucionário
é necessário
Perante a situação intolerável, esperamos que
não sejam só palavras o “Não nos podem calar, isto só se vê nas ditaduras”, que
haja força e determinação suficientes para levar até ao fim a luta que deverá
terminar, só e quando, todas as reivindicações ficarem satisfeitas e terá de
ser agora. Não como refere o chefe da Fenprof que admite que “o descongelamento
do tempo de serviço vá além da legislatura”, preparando, mais uma vez, o
boicote à luta dos trabalhadores. Os trabalhadores da educação, e não só, não
podem esperar nada por parte do PR Marcelo que, nestas questões de ameaça
existencial para o regime, está unido com o governo – o S.TO.P não se engana
quando diz que "se Presidente continuar com posição neutra, não é
neutralidade". A força dos trabalhadores está na sua unidade, na unidade
entre todos independentemente da classe profissional, unidade entre todos os
trabalhadores do estado, unidade entre os trabalhadores do sector público e do
sector privado, porque há reivindicações e problemas comuns e o inimigo também
é o mesmo: o governo PS/Costa, instrumento dos negócios dos capitalistas, e o
sistema de exploração capitalista, para quem os trabalhadores são números e uma
despesa a descartar. Novos sindicatos, dirigentes aguerridos e corajosos que
não se deixem corromper, um sindicalismo revolucionário, são possíveis, porque
necessários. Os sindicatos devem ser independentes, mas do governo e dos
patrões e dos partidos do establishment, porque a falha está em não haver entre
nós um partido revolucionário que agarre em mãos, como objectivo último, o fim
do capitalismo. Este é que é o cerne da questão.
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