segunda-feira, 21 de agosto de 2023

A indústria dos incêndios em Portugal

 

Escrita há meia dúzia de anos mas cada vez mais actual graças ao governo PS, com ilustração actualizada de henricartoon

Nem tudo são boas notícias e agora quando o governo PS/Costa se regozijava com a saída do país do Procedimento por Défice Excessivo e com a agência de notação financeira Fitch a rever a perspectiva da dívida pública portuguesa de estável para positiva, embora a nota em BB+, ou seja, "lixo" (do bom), tiveram de vir de lá os incêndios, este ano a época começou mais cedo e com maior violência, com o acrescento trágico de várias dezenas de mortes e de feridos (ao momento: 61 mortos e 62 feridos).

É mesmo para dizer que os governos do PS atraem a desgraça, lembremo-nos da queda da ponte Entre-Rios com 59 mortes, no governo PS/Guterres, tragédia cuja responsabilidade morreu solteira; o mesmo acontecerá agora. Há 16 anos foi o pilar da ponte Hintze Ribeiro que estava velho, desta vez, foi a trovoada seca; é sempre culpa da natureza, quando não é de algum trabalhador mais distraído. O governo? o sistema capitalista explorador cuja ganância pelo lucro tudo destrói?, esses nem sequer são mencionados.

Portugal tem sido há uns vinte anos o país com mais incêndios por habitante e maior área ardida na Europa; há anos em que mais de metade da área flagelada da UE é em Portugal. Não é por acaso que visto do espaço o nosso país é o mais desertificado da Europa e com a mancha florestal sempre a diminuir, ao contrário do que acontece nos outros países da Europa do Sul, igualmente sujeitos a altas temperaturas durante grande parte do ano. Não se admirem, portanto, que chova cada vez menos e que as temperaturas sejam cada vez mais altas de ano para ano, porque é o resultado lógico da desflorestação do país. E com uma causa última: o capitalismo, por natureza, predador. Há incêndios por uma simples razão: de uma maneira ou de outra, dão lucro a alguém e um lucro fácil sem grande investimento.

Andam por aí umas boas almas a queixarem-se das razões dos incêndios e, em particular, da desertificação humana do interior do país. Ora, se os governos do PS e do PSD não têm feito outra coisa, principalmente desde a entrada do país na então CEE, senão encerrar escolas, caminhos-de-ferro, estações dos CTT e da CGD, e encerrar ou limitar a actividade de centros de saúde e de hospitais, o que esperar então da demografia da população de regiões cujas carências, a todos os níveis, não tem cessado de progredir? Como autêntico incêndio, a desertificação humana explicada também pela falta de empregos e baixos salários que, por sua vez, causa de aumento da emigração não só para os grandes centros urbanos do litoral como principalmente para o estrangeiro.

O governo e restantes ditas "autoridades responsáveis" continuam a bater na tecla das "causas naturais", desta feita foi a "trovoada seca", foi uma "árvore" que, atingida por um raio, deu inicio à tragédia, facilitada pela pouca humidade existente no ar e pela vegetação ressequida. Só que há um simples "senão", o chefe da PJ não disse que espécie de árvore é que deu o início à ignição – foi um eucalipto?, foi um pinheiro?, o homem não diz! – e quase ninguém, com excepção de um jornalista da RTP, falou qual a espécie arbórea mais ardida; ora, toda agente sabe que o país tem sido transformado há umas duas ou três décadas num imenso eucaliptal (32% de toda a área florestal, já à frente do pinheiro bravo), substituindo o pinhal imposto à força pelo Salazar, no benefício das grandes empresas da indústria da pasta do papel. E mais ainda: não se ouviu, pelo menos até agora, ninguém questionar o governo PS/Costa se já revogou ou não a tristemente celebre lei da Cristas/Passos Coelho que liberalizou a plantação do eucalipto por todo o país. Vimos e ouvimos, sim, sem contraditório avançado pelos jornalistas, as palavras falsamente pesarosas e absolutamente hipócritas daqueles dois crápulas políticos.

Mas não são só os concelhos de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Góis e Penela, os distritos de Leiria, Coimbra e Castelo Branco, e outras regiões do país, que estão a arder, tendo até este momento mobilizado 2.605 operacionais, 764 viaturas e 26 meios aéreos, para fazer frente a 51 fogos, 14 em curso, 32 em conclusão e cinco em resolução (dados da Protecção Civil, às 15 horas e 15 minutos, no dia 18 de Junho de 2017, era DC, para que conste), é todo o país. É o povo trabalhador português que sofre. São os baixos salários: no início do ano havia cerca de 730 mil trabalhadores abrangidos pelo SM, mais 13,9% do que em Março de 2016, e o salário médio oferecido nos novos contratos efectivos rondava 810 euros brutos por mês e a prazo era 665 euros, o que dá uma diferença de apenas 145 euros, enquanto, no início de 2014, essa diferença era mais do dobro (384 euros).

É a precariedade permanente e crescente: na Feira do Livro de Lisboa, que ocorreu no início do mês, os trabalhadores que, dentro dos contentores, vendiam os livros, ganhavam 3 euros à hora e com contrato por duas semanas; algumas caves de vinho do Porto estão a contratar gente a 2,5 euros à hora e a recibo verde; e o Pingo Doce, que foge ao pagamento dos impostos, propôs aos familiares dos seus trabalhadores um “estágio” durante o Verão, no Algarve, a trabalhar 10 horas por dia, com turnos rotativos, a troco de 500 euros. As exportações aumentaram 0,4% e as importações subiram 10,8% em Abril face ao período homólogo, o que se traduziu num agravamento do défice da balança comercial para 1.239 milhões de euros. E a dívida pública aumentou em Março para 243,5 mil milhões de euros, mais 23 milhões de euros por comparação com Fevereiro; dívida que está e vai continuar a ser paga pelo povo trabalhador com língua de palmo.

Podem vir, pela enésima vez, falar de falta de meios para apagar os incêndios, de falta de acessos no terreno, da má gestão da floresta, da falta de emparcelamento e de outras tretas do género, que de tantas vezes repetidas já ninguém as ouve porque ineficazes e, mesmos estas, sem que haja a mínima vontade política de as implementar, porque quem detém o poder sabe das verdadeiras razões e deixará mais uma vez as coisas como sempre estiveram. E o PS é hábil em querer contentar gregos e troianos, mas sempre beneficiando os mesmos de sempre, no caso, quem lucra com os incêndios.

Numa primeira análise duas ou três medidas resolveriam o problema: gestão colectiva e pública da floresta; reintrodução de espécies nativas a fim de restabelecer a flora original e proibição total do eucalipto e do pinheiro bravo, duas espécies estranhas que vieram ajudar à destruição do ecossistema mediterrânico (antes da nacionalidade, o território era coberto de norte a sul, incluindo o Alentejo, por floresta e vegetação característica desta parte da Península Ibérica); todos os meios de combate aos incêndios são propriedade do estado. E, acima de tudo, substituir a economia capitalista, predadora dos recursos da natureza e exploradora do ser humano, por uma economia socialista a fim de satisfazer as necessidades do povo português, nas diversas áreas da vida.

Leitura interessante sobre a floresta portuguesa:

http://www.jornalmapa.pt/2015/07/01/a-floresta-que-nos-resta/

18 de Junho 2017

Imagem em: https://henricartoon.pt/tragica-recorrencia-1545240 

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