por Manuel António Pina
Talvez a verdade não venha sempre ao de cima
(não vem de certeza), mas às vezes lá vai emergindo, aqui e ali. Dessa, a que
tem chegado nos últimos tempos aos jornais é suficiente para termos perdido as
últimas réstias de confiança, os que ainda tínhamos alguma, na boa fé dos
governos cuja propaganda constantemente nos fala de valores (a “democracia”, a
"civilização ocidental", os "direitos humanos", a "liberdade"...).
Os relatórios da Amnistia Internacional e da Human Rights Watch sobre as políticas
de tortura sistemática adoptadas por EUA e Reino Unido na "guerra suja
" contra o terrorismo são a ponta do "iceberg" de uma realidade
que não é, infelizmente, de hoje.
Sabe-se agora que, enquanto, em Nuremberg,
julgavam os nazis, ingleses e americanos tinham, ali ao lado, os seus próprios
e secretos "Auschwitzs". O do Reino Unido, revela o
"Guardian", era em Bad Nenndorf (perto de Hanover). Aí eram presos e sujeitos
a tortura homens e mulheres suspeitos de "simpatias comunistas" e as
chocantes fotografias desses prisioneiros que o "Guardian " publica
não são diferentes das dos "esqueletos vivos" dos campos de
concentração nazis ou do “gulag” soviético. A diferença é que os nazis perderam
a guerra e eles é que foram julgados...
(in JN, 05/04/2006)
A
Grã-Bretanha possuía programa secreto de tortura de presumíveis comunistas
durante a Guerra Fria
Segundo o mesmo jornal diário, as fotos
mostram homens torturados, privados durante vários dias do sono e de alimentos,
submetidos a espancamentos e a temperaturas extremas em centros de detenção do
ministério da Guerra britânico.
Alguns destes cidadãos acusados de
“actividades e simpatias comunistas” morreram de inanição e vítimas de maus
tratos e de tortura; esta praticada por instrumentos que tinham sido
encontrados em prisões pertencentes à Gestapo nazi.
Os indivíduos que aparecem nestas fotografias
eram supostos comunistas, detidos em 1946, e manifestando simpatia pela União
Soviética, que, pouco tempo antes, era aliada da Grã-Bretanha na luta contra o
III Reich. O governo britânico de então (e não só) acreditava na
inevitabilidade de uma guerra com o bloco soviético, o que justificava o uso de
todos e quaisquer métodos para a obtenção de informações sobre o outro lado.
Os militares britânicos torturaram também
dezenas de mulheres, bem como agentes soviéticos e alguns cidadãos suspeitos de
simpatias nazis. Foi tudo metido no mesmo saco. Afinal, a tortura não é de
agora e não são só os americanos que torturam, os súbditos de Sua Majestade
Britânica possuem também as mãos sujas de sangue.
Logo que a notícia foi publicada, o porta-voz
do Partido Liberal para os assuntos militares, Nick Harvey, na oposição,
insistiu que o Ministério da Defesa reconheça o ocorrido, não deixando de
dizer, ao mesmo tempo, que “ainda que seja demasiado tarde para se exigir
responsabilidades concretas”. No entanto, Sherman Carroll, da Fundação Médica
para o Cuidado das Vítimas da Tortura, pediu às autoridades britânicas que
apresentem as devidas desculpas e recompensem financeiramente os sobreviventes.
As fotos foram tiradas em Fevereiro de 1947
por um oficial da Marinha Britânica, desejoso que o governo britânico pusesse
fim ao programa secreto de torturas. Só agora as fotos foram tornadas públicas
porque se quis fazer tarde (dar conhecimento público) o que nunca deveria ter
acontecido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário