terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Ano novo, vida velha e política de cabo de esquadra

 

O ano termina com diversos assuntos na ordem do dia, ocorridos apenas nos últimos oitos dias, e que ilustram bem o estado do país e o que os cidadãos comuns podem esperar para o novo ano que agora se inicia:

um secretário-geral que iria ganhar 15 mil euros por mês, depois da lei ter sido alterada para esse específico fim e pessoa, depois da polémica, o indigitado recua; sabe-se que em Portugal existem 50 fortunas acima dos 300 milhões de euros, em contra-partida, o número de sem-abrigo em Portugal continental subiu para mais de 13 mil; a rendibilidade dos bancos portugueses sobre para 16,1%, mas mais de 8 mil pessoas podem ficar sem trabalho em 2024 por despedimento colectivo;

89% das autorizações de residência para estrangeiros (ricos) foi para vistos gold, no entanto, o superintendente do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP afirma que o ambiente operacional mudou porque a comunidade migrante (pobre) cria desafios à polícia; os motins nos bairros, em consequência do assassínio de Odair Moniz, são considerados pelo jornal “Expresso” o acontecimento do ano, indiciando que a elite teme a revolta popular;

Plano de Emergência SNS, governo falha 60% das medidas, apenas 9 das 24 medidas prioritárias (a implementar até final de 2024) estão no terreno e a produzir resultados, frisa-se, segundo o governo; caos na saúde, há quem espere 18 horas para ser atendido nas urgências e a "a ministra da Saúde despreza o SNS": Observatório de Violência Obstétrica contra novo modelo de urgências de ginecologia; o líder da Generali Tranquilidade afirma que a Saúde pode vir a tornar-se a área mais importante para as seguradoras em cinco anos;

o arcebispo de Évora, na sua cruzada, agradece resistência ucraniana ao comunismo ateu; Costa condena a destruição deliberada no Báltico e promete combate à frota fantasma russa; Marcelo satisfeito por ter tido um primeiro-ministro mais de oito anos diz esperar que “o actual dure até ao fim do seu mandato”;

Gouveia e Melo denuncia tentativa de se politizar o processo disciplinar, após o Tribunal anular os processos sobre os marinheiros que recusaram embarcar do NRP Mondego, mas abandona a Marinha e prepara a sua candidatura a Belém depois de usar o cargo para promoção pessoal.

Portugal “farol de estabilidade”

Nos últimos dias, o tema mais falado e usado no combate político entre os diversos partidos do establishment foi indubitavelmente a operação policial no bairro multi-étnico de Martim Moniz em Lisboa. O primeiro-ministro foi e continua a ser acusado de assumir a agenda do partido da extrema-direita quanto às questões da segurança, ou da percepção que alguma parte da sociedade tem deste tema, e da imigração de tez mais escura, porque quanto à outra de tez mais clara, de olhos azuis ou com a carteira bem recheada, casos dos vistos gold, a polémica já não se coloca.

O PM depois de declarar que a segurança não é de esquerda nem de direita e que "Portugal é hoje um farol de estabilidade política, social e financeira", tem a suprema lábia de vir afirmar que também ficou incomodado com as cenas de dezenas de cidadãos encostados à parede e que não associa a criminalidade à imigração. Para além da hipocrisia, a cobardia será outra das suas inúmeras e ainda ocultas qualidades como político. A ideia de eleições antecipadas na segunda metade do ano que vem parece que não lhe sai da cabeça e há que conquistar votos à direita.

Claro que a acção da PSP no Martim Moniz não revela indícios de qualquer ilegalidade e que há serviços de fiscalização do estado para avaliar operação em causa, mesmo que não houvesse, o governo não teria qualquer engulho em alterar a lei com acabou de fazer para permitir que o secretário-geral do governo possa receber de vencimento o dobro do que aufere o Presidente da República, o mais elevado magistrado da Nação, e que estabelece o limiar máximo para vencimento em cargos da República Portuguesa. A lei é elástica, a chatice é a AD não ter maioria absoluta no Parlamento, porque ainda seria mais elástica, a oposição vai anular o decreto governamental que permite tal desmando, a ver vamos.

O governo queria, ainda por cima, que fosse o Banco de Portugal a continuar a arcar o encargo de um montante superior aos 15 mil euros mensais, já que o figurão era funcionário da instituição e não poderia ser prejudicado. Não deixa de ser irónico que tal abencerragem, um tal de Rosalino, foi quem deu a cara pela austeridade imposta pela troika e achava que os cortes nas pensões, reformas e vencimentos deveriam ser feitos a partir dos 600 euros e de forma permanente. Menos estado, mas para os outros. A relação do governo AD com o banco central, que é uma sucursal do BCE, não parece estar lá grande coisa. Marcelo que diz que o Centeno é um forreta quando este veio avisar que para o ano as contas públicas entrarão no negativo, já não haverá excedente.

Economia em estado calamitoso

A economia nacional está de rastos e o ano de 2025 não vai ser nada bom, é de esperar que as causas sejam atribuídas a forças externas globais, mas os factos cá dentro não enganam. Se mais de 8 mil pessoas podem ficar sem trabalho em 2024 por despedimento colectivo, o que não será em 2025? Por exemplo, a empresa Simoldes apresentou perdas de 100 milhões e admite despedimentos, assim estarão as restantes, nomeadamente nos sectores automóvel e têxtil onde se concentra a maioria dos despedimentos colectivos. Na Coindu foram 350 trabalhadores, uma das últimas a fechar, e no final do ano serão contabilizadas mais de trezentas empresas a despedir.

É a lógica do excesso de produção para a capacidade de absorção do mercado, uma das contradições do capitalismo. A produção industrial em Portugal diminuiu 3,2% em 2023, e no ano que agora finda continua a encolher; não só no país como em toda a zona euro e União Europeia. A “locomotiva” pifou de vez, a Alemanha não sabe como sair da crise em que se encontra enredada, e leva todos por arrasto. Se vendem menos, as empresas tenderão a vender mais caro, a inflação ultrapassará em muito os números oficiais, mas como os salários não acompanham a inflação, então, o poder de compra de quem trabalha diminui, outra das contradições do capitalismo, e o mercado retrai-se. 2025 vai ser ano de aumentos generalizados, nomeadamente, dos alimentos.

Perante o desastre anunciado, o governo AD recorre ao mais do mesmo: recapitalizar as empresas à beira da falência, começando pelas maiores e/ou de capital estrangeiro. Diminuir o IRC, não ficará apenas pelo 1%, será mais, e já pensa em rever a TSU (Taxa Social Única), medida que contribuiu para a revolta popular que ditou o fim do governo de Passos Coelho/Portas e que, por sua vez, constitui um ataque brutal à sustentabilidade da Segurança Social, que o governo visa privatizar um dia destes.

Mais uma vez, os trabalhadores irão suportar a crise pela qual não são responsáveis e será bem pior que no tempo da troika. Já depois da saída do país dos défices orçamentais crónicos, o bom pretexto de financiar os bancos falidos, a austeridade manteve-se em tempo de governos PS/Costa por via do combate à pandemia, outra forma engenhosa de financiar a economia privada com dinheiros públicos: o Tribunal de Contas estimou em pelo menos 12.688 milhões de euros o impacto financeiro nas contas públicas das “medidas adoptadas para fazer face aos efeitos da pandemia em Portugal”.

As empresas já não vão em lay-off, mas em despedimentos pura e simplesmente, é mais seguro e porque não vêem alternativa em futuro próximo. Agora, será mesmo a doer, apesar de Montenegro dizer que Portugal “aprendeu mesmo” com “processo de recuperação doloroso”. Se as medidas anunciadas para 2025 são ainda brandas é porque, e já o dissemos várias vezes, o primeiro-ministro aposta em novas eleições legislativas para obter maioria absoluta, e Marcelo estará de acordo.

A crise de habitação chegou a ponto jamais visto. A variação dos preços da habitação em Portugal é mais do dobro da OCDE, paragona dos jornais, e, segundo estudo, Portugal tem uma das maiores crises habitacionais da Europa, Lisboa será a quarta cidade mais cara da Europa em 2024. E as medidas planeadas e algumas já aplicadas irão agravar ainda mais o problema para quem precisa de uma habitação, mas não para quem vive da especulação. A lei recentemente promulgada pelo PR de se poder construir em solos rústicos vai gerar mais-valias fabulosas para os bancos, fundos de investimento internacionais e algumas clientelas partidárias. Será o fartar vilanagem! Mais ainda, autarcas do PS, que se dizem d esquerda, procedem a despejos de famílias pobres, para regozijo da extrema-direita, usando os mesmos argumentos: “Leão diz que estão a ocorrer desocupações e não despejos em Santa Iria da Azoia”.

Falamos da habitação, está é das questões mais gritantes, como poderíamos falar da educação, da saúde e bem-estar, da segurança social, como da própria liberdade e garantias do cidadão, são direitos fundamentais, consagrados na Constituição da República, que não estão a ser respeitados. Ora, não foi para isto que se fez o 25 de Abril, ao que dizem, e estamos no cinquentenário da efeméride, coloca-se a interrogação: para que serve um regime que nega um direito elementar necessário à vida e ao bem-estar de um povo, entre outros, que é o direito à habitação? Decididamente, este regime está a dar as últimas e quando acabar não haverá nenhum trabalhador ou cidadão sério a lamentar-se pelo facto.

Anedonia social

É notório que o regime faliu na promoção social dos estratos economicamente mais débeis. O número de pobres aumentou, os sem-abrigo ultrapassa o número dos 13 mil; apenas 22% dos alunos que concluíram um curso profissional seguiram para o superior; um quarto dos estudantes sente mal-estar psicológico, com a perceção da qualidade de vida baixa a aumentar o stress e a ansiedade; e nos professores os números não são melhores, 52% sentem tristeza ou depressão.

Os casos de crimes dentro da família aumentam em número e gravidade. Casal detido por suspeita do homicídio de uma mulher de 98 anos, mãe do detido, que foi deixada à fome, amarrada a uma cama e com uma fratura antiga numa perna, em casa; ex-namorado vingativo manda matar mulher e paga 10.600 euros por encomenda mortal; inconformado com separação, homem ataca mulher com faca dentro de carro. As pessoas viram para dentro a ira em vez de a dirigir contra o establishment e os poderosos.

No país dos brandos costumes, mata-se por motivo fútil. Polícia Judiciária de Setúbal deteve um jovem estudante, de 18 anos e sem cadastro criminal, por ter matado, à pancada, um homem sem-abrigo, de 47 anos, que momentos antes lhe tinha furtado o telemóvel, num posto de combustível. Mas perante a justiça nem todos os crimes são iguais, e é branda quando se trata do desprotegido e vulnerável: MP pede absolvição e são libertados arguidos acusados de tráfico de imigrantes.

Na Saúde, o negócio e o lucro ditam as leis. Plano de Emergência para o SNS, o governo AD falha 60% das medidas; no entanto, o governo dá “via verde” aos privados para comprarem equipamento médico pesado, hospitais públicos queixam-se de “concorrência desleal”; criança encaminhada para urgência que estava fechada, Ministra da Saúde diz que foi aberta auditoria interna; tempo de espera nas urgências ultrapassa 12 horas na região de Lisboa e Vale do Tejo; INEM com operadores abaixo do mínimo em mais de metade do ano desde 2022; governo vai “retomar caminho” de transferir gestão de hospitais para Misericórdias; em 2025, governo recorre a privados para médicos de família e cirurgias; FNAM apela a escusas de responsabilidade massivas e decide prolongar greve às horas extra; "há famílias inteiras a precisar de ajuda para comprar medicamentos"; Eurico Castro Alves sai da comissão que avalia o plano de emergência da saúde, por conflito de interesses insanável (homem de mão para a privatização do SNS); aborto: no ano passado, mais de 40% das IVG feitas pelo privado foram encaminhadas por hospitais públicos; líder da Generali Tranquilidade: "Saúde pode vir a tornar-se a área mais importante para as seguradoras em cinco anos". No final, nós, portugueses, teremos um sistema de saúde igual ou pior ao dos Estados Unidos.

henricartoon

Em 2025, e ao longo de todo o ano, iremos ser massacrados pela corrida a Belém por vários candidatos a candidatos, com o almirante das vacinas ao colo de toda a imprensa mainstream, campanha que irá ofuscar as eleições autárquicas que irão ocorrer no último trimestre do ano e poderão servir a um teste para as legislativas que se preparam, embora todos os partidos digam que nelas não estão interessados, já que o país é o “farol da estabilidade política e social” que leva a que os investidores estrangeiros possam descansadamente aqui apostar. O plano é básico e linear: o governo AD de maioria absoluta (2025) e um militar caceteiro no Palácio de Belém (2026) a dizer esfola enquanto aquele mata. Ao contrário do que afirma o primeiro-ministro-cabo-de-esquadra, a segurança (da elite e do seu sistema de exploração do trabalho) é uma questão aberta e indisfarçavelmente de direita, a repressão é dirigida contra quem trabalha, seja gente de cá ou gente que vem de fora – todos fazem parte da mesma classe trabalhadora. A questão é uma questão de luta entre classes.

Vai ser assim o ano de 2025. E 2026 ainda será pior. Entretanto, dirão que a culpa é da guerra da Ucrânia e do Médio Oriente e de outros “factores externos globais”. Uma última nota: o plano poderá abortar por elementos "externos" à elite… a velha toupeira não deixará de fazer o seu trabalho.

Imagem de destaque: encontrada in facebook

Nenhum comentário:

Postar um comentário