O ano termina com diversos assuntos na ordem
do dia, ocorridos apenas nos últimos oitos dias, e que ilustram bem o estado do
país e o que os cidadãos comuns podem esperar para o novo ano que agora se
inicia:
um secretário-geral que iria ganhar 15 mil
euros por mês, depois da lei ter sido alterada para esse específico fim e
pessoa, depois da polémica, o indigitado recua; sabe-se que em Portugal existem
50 fortunas acima dos 300 milhões de euros, em contra-partida, o número de
sem-abrigo em Portugal continental subiu para mais de 13 mil; a rendibilidade
dos bancos portugueses sobre para 16,1%, mas mais de 8 mil pessoas podem ficar
sem trabalho em 2024 por despedimento colectivo;
89% das autorizações de residência para
estrangeiros (ricos) foi para vistos gold, no entanto, o superintendente do
Comando Metropolitano de Lisboa da PSP afirma que o ambiente operacional mudou
porque a comunidade migrante (pobre) cria desafios à polícia; os motins nos
bairros, em consequência do assassínio de Odair Moniz, são considerados pelo
jornal “Expresso” o acontecimento do ano, indiciando que a elite teme a revolta
popular;
Plano de Emergência SNS, governo falha 60%
das medidas, apenas 9 das 24 medidas prioritárias (a implementar até final
de 2024) estão no terreno e a produzir resultados, frisa-se, segundo o governo;
caos na saúde, há quem espere 18 horas para ser atendido nas urgências e a "a
ministra da Saúde despreza o SNS": Observatório de Violência Obstétrica
contra novo modelo de urgências de ginecologia; o líder da Generali
Tranquilidade afirma que a Saúde pode vir a tornar-se a área mais importante
para as seguradoras em cinco anos;
o arcebispo de Évora, na sua cruzada, agradece
resistência ucraniana ao comunismo ateu; Costa condena a destruição deliberada
no Báltico e promete combate à frota fantasma russa; Marcelo satisfeito por ter
tido um primeiro-ministro mais de oito anos diz esperar que “o actual dure até
ao fim do seu mandato”;
Gouveia e Melo denuncia tentativa de se
politizar o processo disciplinar, após o Tribunal anular os processos sobre os
marinheiros que recusaram embarcar do NRP Mondego, mas abandona a Marinha e
prepara a sua candidatura a Belém depois de usar o cargo para promoção pessoal.
Portugal “farol de estabilidade”
Nos últimos dias, o tema mais falado e usado
no combate político entre os diversos partidos do establishment foi
indubitavelmente a operação policial no bairro multi-étnico de Martim Moniz em
Lisboa. O primeiro-ministro foi e continua a ser acusado de assumir a agenda do
partido da extrema-direita quanto às questões da segurança, ou da percepção que
alguma parte da sociedade tem deste tema, e da imigração de tez mais escura,
porque quanto à outra de tez mais clara, de olhos azuis ou com a carteira bem
recheada, casos dos vistos gold, a polémica já não se coloca.
O PM depois de declarar que a segurança não é
de esquerda nem de direita e que "Portugal é hoje um farol de estabilidade
política, social e financeira", tem a suprema lábia de vir afirmar que
também ficou incomodado com as cenas de dezenas de cidadãos encostados à parede
e que não associa a criminalidade à imigração. Para além da hipocrisia, a
cobardia será outra das suas inúmeras e ainda ocultas qualidades como político.
A ideia de eleições antecipadas na segunda metade do ano que vem parece que não
lhe sai da cabeça e há que conquistar votos à direita.
Claro que a acção da PSP no Martim Moniz não revela
indícios de qualquer ilegalidade e que há serviços de fiscalização do estado
para avaliar operação em causa, mesmo que não houvesse, o governo não teria
qualquer engulho em alterar a lei com acabou de fazer para permitir que o
secretário-geral do governo possa receber de vencimento o dobro do que aufere o
Presidente da República, o mais elevado magistrado da Nação, e que estabelece o
limiar máximo para vencimento em cargos da República Portuguesa. A lei é elástica,
a chatice é a AD não ter maioria absoluta no Parlamento, porque ainda seria
mais elástica, a oposição vai anular o decreto governamental que permite tal
desmando, a ver vamos.
O governo queria, ainda por cima, que fosse o
Banco de Portugal a continuar a arcar o encargo de um montante superior aos 15
mil euros mensais, já que o figurão era funcionário da instituição e não
poderia ser prejudicado. Não deixa de ser irónico que tal abencerragem, um tal
de Rosalino, foi quem deu a cara pela austeridade imposta pela troika e achava
que os cortes nas pensões, reformas e vencimentos deveriam ser feitos a partir
dos 600 euros e de forma permanente. Menos estado, mas para os outros. A
relação do governo AD com o banco central, que é uma sucursal do BCE, não
parece estar lá grande coisa. Marcelo que diz que o Centeno é um forreta quando
este veio avisar que para o ano as contas públicas entrarão no negativo, já não
haverá excedente.
Economia em estado calamitoso
A economia nacional está de rastos e o ano de
2025 não vai ser nada bom, é de esperar que as causas sejam atribuídas a forças
externas globais, mas os factos cá dentro não enganam. Se mais de 8 mil pessoas
podem ficar sem trabalho em 2024 por despedimento colectivo, o que não será em
2025? Por exemplo, a empresa Simoldes apresentou perdas de 100 milhões e admite
despedimentos, assim estarão as restantes, nomeadamente nos sectores automóvel
e têxtil onde se concentra a maioria dos despedimentos colectivos. Na Coindu foram
350 trabalhadores, uma das últimas a fechar, e no final do ano serão contabilizadas
mais de trezentas empresas a despedir.
É a lógica do excesso de produção para a
capacidade de absorção do mercado, uma das contradições do capitalismo. A produção
industrial em Portugal diminuiu 3,2% em 2023, e no ano que agora finda continua
a encolher; não só no país como em toda a zona euro e União Europeia. A “locomotiva”
pifou de vez, a Alemanha não sabe como sair da crise em que se encontra enredada,
e leva todos por arrasto. Se vendem menos, as empresas tenderão a vender mais
caro, a inflação ultrapassará em muito os números oficiais, mas como os
salários não acompanham a inflação, então, o poder de compra de quem trabalha
diminui, outra das contradições do capitalismo, e o mercado retrai-se. 2025 vai
ser ano de aumentos generalizados, nomeadamente, dos alimentos.
Perante o desastre anunciado, o governo AD
recorre ao mais do mesmo: recapitalizar as empresas à beira da falência,
começando pelas maiores e/ou de capital estrangeiro. Diminuir o IRC, não ficará
apenas pelo 1%, será mais, e já pensa em rever a TSU (Taxa Social Única),
medida que contribuiu para a revolta popular que ditou o fim do governo de
Passos Coelho/Portas e que, por sua vez, constitui um ataque brutal à
sustentabilidade da Segurança Social, que o governo visa privatizar um dia
destes.
Mais uma vez, os trabalhadores irão suportar a
crise pela qual não são responsáveis e será bem pior que no tempo da troika. Já
depois da saída do país dos défices orçamentais crónicos, o bom pretexto de
financiar os bancos falidos, a austeridade manteve-se em tempo de governos
PS/Costa por via do combate à pandemia, outra forma engenhosa de financiar a
economia privada com dinheiros públicos: o Tribunal de Contas estimou em pelo
menos 12.688 milhões de euros o impacto financeiro nas contas públicas das “medidas
adoptadas para fazer face aos efeitos da pandemia em Portugal”.
As empresas já não vão em lay-off, mas em despedimentos
pura e simplesmente, é mais seguro e porque não vêem alternativa em futuro próximo.
Agora, será mesmo a doer, apesar de Montenegro dizer que Portugal “aprendeu
mesmo” com “processo de recuperação doloroso”. Se as medidas anunciadas para
2025 são ainda brandas é porque, e já o dissemos várias vezes, o
primeiro-ministro aposta em novas eleições legislativas para obter maioria
absoluta, e Marcelo estará de acordo.
A crise de habitação chegou a ponto jamais
visto. A variação dos preços da habitação em Portugal é mais do dobro da OCDE,
paragona dos jornais, e, segundo estudo, Portugal tem uma das maiores crises
habitacionais da Europa, Lisboa será a quarta cidade mais cara da Europa em
2024. E as medidas planeadas e algumas já aplicadas irão agravar ainda mais o
problema para quem precisa de uma habitação, mas não para quem vive da especulação.
A lei recentemente promulgada pelo PR de se poder construir em solos rústicos
vai gerar mais-valias fabulosas para os bancos, fundos de investimento internacionais
e algumas clientelas partidárias. Será o fartar vilanagem! Mais ainda, autarcas
do PS, que se dizem d esquerda, procedem a despejos de famílias pobres, para
regozijo da extrema-direita, usando os mesmos argumentos: “Leão diz que estão a
ocorrer desocupações e não despejos em Santa Iria da Azoia”.
Falamos da habitação, está é das questões mais
gritantes, como poderíamos falar da educação, da saúde e bem-estar, da
segurança social, como da própria liberdade e garantias do cidadão, são
direitos fundamentais, consagrados na Constituição da República, que não estão
a ser respeitados. Ora, não foi para isto que se fez o 25 de Abril, ao que
dizem, e estamos no cinquentenário da efeméride, coloca-se a interrogação: para
que serve um regime que nega um direito elementar necessário à vida e ao
bem-estar de um povo, entre outros, que é o direito à habitação? Decididamente,
este regime está a dar as últimas e quando acabar não haverá nenhum trabalhador
ou cidadão sério a lamentar-se pelo facto.
Anedonia social
É notório que o regime faliu na promoção
social dos estratos economicamente mais débeis. O número de pobres aumentou, os
sem-abrigo ultrapassa o número dos 13 mil; apenas 22% dos alunos que concluíram
um curso profissional seguiram para o superior; um quarto dos estudantes sente
mal-estar psicológico, com a perceção da qualidade de vida baixa a aumentar o
stress e a ansiedade; e nos professores os números não são melhores, 52% sentem
tristeza ou depressão.
Os casos de crimes dentro da família aumentam
em número e gravidade. Casal detido por suspeita do homicídio de uma mulher de
98 anos, mãe do detido, que foi deixada à fome, amarrada a uma cama e com uma
fratura antiga numa perna, em casa; ex-namorado vingativo manda matar mulher e
paga 10.600 euros por encomenda mortal; inconformado com separação, homem ataca
mulher com faca dentro de carro. As pessoas viram para dentro a ira em vez de a
dirigir contra o establishment e os poderosos.
No país dos brandos costumes, mata-se por
motivo fútil. Polícia Judiciária de Setúbal deteve um jovem estudante, de 18
anos e sem cadastro criminal, por ter matado, à pancada, um homem sem-abrigo,
de 47 anos, que momentos antes lhe tinha furtado o telemóvel, num posto de
combustível. Mas perante a justiça nem todos os crimes são iguais, e é branda
quando se trata do desprotegido e vulnerável: MP pede absolvição e são
libertados arguidos acusados de tráfico de imigrantes.
Na Saúde, o negócio e o lucro ditam as leis. Plano
de Emergência para o SNS, o governo AD falha 60% das medidas; no entanto, o
governo dá “via verde” aos privados para comprarem equipamento médico pesado, hospitais
públicos queixam-se de “concorrência desleal”; criança encaminhada para
urgência que estava fechada, Ministra da Saúde diz que foi aberta auditoria
interna; tempo de espera nas urgências ultrapassa 12 horas na região de Lisboa
e Vale do Tejo; INEM com operadores abaixo do mínimo em mais de metade do ano
desde 2022; governo vai “retomar caminho” de transferir gestão de hospitais
para Misericórdias; em 2025, governo recorre a privados para médicos de família
e cirurgias; FNAM apela a escusas de responsabilidade massivas e decide
prolongar greve às horas extra; "há famílias inteiras a precisar de ajuda
para comprar medicamentos"; Eurico Castro Alves sai da comissão que avalia
o plano de emergência da saúde, por conflito de interesses insanável (homem de
mão para a privatização do SNS); aborto: no ano passado, mais de 40% das IVG
feitas pelo privado foram encaminhadas por hospitais públicos; líder da Generali Tranquilidade: "Saúde pode vir a
tornar-se a área mais importante para as seguradoras em cinco anos". No final,
nós, portugueses, teremos um sistema de saúde igual ou pior ao dos Estados
Unidos.
Em 2025, e ao longo de todo o ano, iremos ser massacrados pela corrida a Belém por vários candidatos a candidatos, com o almirante das vacinas ao colo de toda a imprensa mainstream, campanha que irá ofuscar as eleições autárquicas que irão ocorrer no último trimestre do ano e poderão servir a um teste para as legislativas que se preparam, embora todos os partidos digam que nelas não estão interessados, já que o país é o “farol da estabilidade política e social” que leva a que os investidores estrangeiros possam descansadamente aqui apostar. O plano é básico e linear: o governo AD de maioria absoluta (2025) e um militar caceteiro no Palácio de Belém (2026) a dizer esfola enquanto aquele mata. Ao contrário do que afirma o primeiro-ministro-cabo-de-esquadra, a segurança (da elite e do seu sistema de exploração do trabalho) é uma questão aberta e indisfarçavelmente de direita, a repressão é dirigida contra quem trabalha, seja gente de cá ou gente que vem de fora – todos fazem parte da mesma classe trabalhadora. A questão é uma questão de luta entre classes.
Vai ser
assim o ano de 2025. E 2026 ainda será pior. Entretanto,
dirão que a culpa é da guerra da Ucrânia e do Médio Oriente e de outros “factores
externos globais”. Uma última nota: o plano poderá abortar por elementos "externos" à elite… a velha toupeira não deixará de fazer o seu trabalho.
Imagem de destaque: encontrada in facebook
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