terça-feira, 28 de outubro de 2025

O mito 'judaico-bolchevique'

O termo "judeu-bolchevique" foi cunhado durante a Revolução de 1917, fazendo renascer doutrinas reacionárias anteriores que acusavam os judeus de serem a causa das mobilizações sociais. A Revolução de Outubro tinha sido um golpe de Estado levado a cabo pelo judaísmo, duas correntes que partilhavam o mesmo pendor internacionalista. Pelo contrário, os reaccionários gabavam-se de patriotismo.

Após a Revolução Bolchevique, a reação política assumiu formas fascistas que afirmavam personificar o verdadeiro "espírito nacional", que, além disso, assimilava a religião dominante e desconfiava das outras por serem "estrangeiras". Na Espanha de Franco, esta fusão auto-intitulou-se "nacional-catolicismo". Os judeus não eram "nacionais", e os ateus também não.

Após a metamorfose correspondente, a mitologia permanece ativa até aos dias de hoje. Nos antigos impérios feudais, a dominação política não era diferente da dominação religiosa e baseava-se no princípio "Cuius regio eius religio": a religião de um país era imposta pelo imperador. Daí surgiram expressões como "Sacro Império Romano", que exprimiam a natureza religiosa do Estado. No feudalismo, a política nunca foi separada da religião. Num determinado território, a população tinha uma única religião, que fornecia a sua identidade, e o rei era quem decidia qual a religião. Os outros eram deixados de fora, e aqueles que professavam outras religiões tinham de sair com eles, que era a política seguida pelos "Reis Católicos" quando expulsavam os judeus e os muçulmanos, bem como os ciganos, que também não eram considerados indígenas.

O mesmo aconteceu no Império Russo, onde ocorreram vagas de pogroms ou perseguições contra judeus entre 1881 e 1884 após o assassinato do Czar Alexandre II, pelo qual foram acusados, embora o assassinato tenha sido, na verdade, executado pelos Socialistas Revolucionários (Seristas ou Socialistas Revolucionários, ou Narodnaya Volya). No entanto, isso não teve importância, pois os marxistas começavam a ser associados ao judaísmo, tal como o próprio Marx.

As perseguições brutais não foram espontâneas, mas foram fabricadas e disseminadas pelos dirigentes czaristas e pelo serviço secreto (Okhrana), com a sempre inestimável colaboração da imprensa.

Após o ataque, os elementos mais reaccionários do czarismo tentaram impedir qualquer reforma política. Neste contexto, entre 1897 e 1901, Matvei Golovinsky, um agente dos serviços secretos russos, escreveu o mais famoso panfleto de propaganda anti-semita: Os Protocolos dos Sábios de Sião. A obra data do Primeiro Congresso Sionista de Basileia, em 1897.

O texto plagia em grande parte um documento francês, "Diálogo no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu", de Maurice Joly, um panfleto satírico e antimonárquico de 1864 que descrevia um plano fictício de dominação mundial por Napoleão III. Incorpora também vários outros panfletos anti-semitas, e os seus capítulos são reimpressos pelo jornal russo reaccionário Znamya, que se reagrupou em 1905 sob o nome de "Centenas Negras".

Estes movimentos ocorreram no contexto do Caso Dreyfus em França, que fez renascer os antigos preconceitos da população europeia contra os judeus, sugerindo que os revolucionários faziam parte de uma "conspiração judaica internacional". A derrota da Rússia na Guerra Russo-Japonesa de 1905 foi utilizada pelo czarismo para encobrir o seu declínio: a derrota foi o resultado de sabotagem interna, que desencadeou uma segunda vaga de pogroms.

No contexto desta vaga, as populações religiosas judaicas insistiram ainda mais na mudança política, participando na Revolução Russa de 1905 e na luta pela independência da Polónia. Os judeus passaram a fazer parte dos principais movimentos políticos e sociais da Europa de Leste, bem como dos sindicatos, das cooperativas e da imprensa.

A Revolução de Outubro

Após a Revolução de 1917, Lenine proclamou os fundamentos da política soviética de proteção dos judeus e das minorias religiosas. Os judeus não são inimigos dos trabalhadores, muito pelo contrário: ao contrário de um mito amplamente difundido, a maioria dos judeus são trabalhadores. "São os nossos irmãos, que, como nós, são oprimidos pelo capital; são os nossos camaradas na luta pelo socialismo", escreveu em 1919.

Assim se forjou a associação "judaico-bolchevique" entre os escalões mais obscuros da reacção política ocidental. O Partido Bolchevique era liderado por judeus. No Reino Unido, Churchill publicou um artigo em 1920 intitulado "Sionismo vs. Bolchevismo", no qual delirava com uma "conspiração mundial para derrubar a civilização", liderada na Rússia por "terroristas judeus".

A solução, disse Churchill, era o sionismo, que "em oposição ao comunismo internacional, apresenta aos judeus uma ideia nacional dominante". Este "movimento inspirador" está "em harmonia com os verdadeiros interesses do Império Britânico". Exortou todos os judeus a aderirem a este movimento político.

Nos Estados Unidos, o magnata dos negócios Henry Ford republicou os Protocolos de Sião no seu jornal entre 1920 e 1922. Os seus artigos foram compilados em quatro panfletos intitulados "O Judeu Internacional", que distribuíram centenas de milhares de exemplares. Na Alemanha, tiveram um impacto profundo no nascente movimento nazi, ao ponto de Hitler ter citado Ford como inspiração em "Mein Kampf". Foi Alfred Rosenberg, um alemão báltico que fugiu da Rússia em 1918, que introduziu a noção de judaico-bolchevismo a Hitler, tornando-se, mais tarde, o teórico mais importante dos nazis.

A combinação de anti-semitismo e anticomunismo tornar-se-ia o pilar ideológico da reacção europeia. No pós-guerra, apesar da derrota fascista, o mito judaico-bolchevique manteve-se vivo. Nos Estados Unidos, o senador McCarthy equiparou os judeus aos comunistas. Hoover, diretor do FBI de 1924 a 1972, era também antissemita.

Um grande número de criminosos de guerra nazis (Reinhard Gehlen, Klaus Barbie, Otto von Bolschwig) foi recrutado pelos serviços de informação americanos para a guerra contra o comunismo, apesar da sua responsabilidade directa pelos massacres da Segunda Guerra Mundial. No entanto, o conceito de judaico-bolchevismo foi relegado para segundo plano como marca dos fascistas e teve de se readaptar.

Reapareceu nas formas de colonialismo, racismo e xenofobia. Diz-se que a imigração árabe e africana foi orquestrada por "judeus globalistas" e grupos de pressão. A reação invoca regularmente "a grande substituição", organizada pelos "marxistas".

A expressão evoluiu de tal forma que, na defesa da Palestina, os progressistas se tornaram o seu oposto: agora são anti-semitas porque defendem a causa palestiniana.

Fonte

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

BPP (Banco Pinto Balsemão & Cia)

Crónica escrita em 2008 sobre a salvação do Banco Privado Português, onde Pinto Balsemão detinha uma quota de 6,02%, por intervenção do governo utilizando uma garantia pública de 450 milhões de euros. Estávamos em pleno governo de Sócrates/PS. Mais tarde, Balsemão, apresentando-se como “lesado” pela falência, ainda recebeu do Estado cerca de 2 milhões de euros. Rendeiro, que se suicidou na prisão na África do Sul, foi o bode expiatório e terá levado consigo os segredos da fraude.

O governo de Sócrates, após de dar o dito pelo não dito, acabou por ser a tábua de salvação da instituição gestora de fortunas que dá erradamente pelo nome de “Banco” Privado Português, revelando a sua verdadeira função, o de comité gestor dos negócios da burguesia e não de resolução dos problemas do povo português, como não se cansou de proclamar (o P”S”) durante a campanha eleitoral.

Tudo já terá sido dito sobre esta operação de salvação dos lucros de um punhado de capitalistas, ao que parece maioritariamente portugueses, excepto sobre a verdadeira razão da atitude do governo, motivo de ser desta nossa opinião. Como quase toda a gente sabe, Sócrates foi catapultado para o poder da governação após a incineração política do seu correligionário Ferro Rodrigues, na sequência do caso da Casa Pia, e seguindo a decisão de um pequeno grupo de figuras influentes pertencentes à Maçonaria; com a incumbência principal: aplicar as medidas necessárias e urgentes à salvação do capitalismo português, ameaçado pela concorrência imposta pela UE e pela globalização mais geral. Sócrates tem sido o homem de mão dos capitalistas portugueses e o homem tem-se esforçado, conseguiu retirar espaço ao PSD, o partido por excelência da burguesia nacional; assim como o P”S” tem cumprido bem com a sua missão histórica, a de bombeiro de serviço do grande capital. E é a esta luz que temos de perceber a decisão do Governo em avalizar o empréstimo ao BPP.

O argumento levantado pelo Governo de que seria a “imagem” do país que estaria em causa se o BPP fosse à falência, diminuindo eventualmente a credibilidade da banca portuguesa na obtenção de novos empréstimos na praça financeira internacional, é mais que falacioso, quer pelo peso desta instituição no mercado financeiro, quer pelo tipo de actividade a que se dedica, a de gestão de fundos de investimento, e não propriamente a de bancária a retalho. A “imagem” que aqui se trata é a dos capitais pertencentes a uns figurões que dão pelo nome de João Rendeiro, presidente do BPP, que detém 12,5% do capital, João Vaz Guedes (5,81%), Joaquim Coimbra (2%), Stefano Saviotti, italiano, (5,83%), João de Deus Pinheiro, ex-ministro do PSD, Ferreira dos Santos, José Miguel Júdice ou de um Pinto Balsemão, presidente do conselho consultivo do banco (6,02%). Motivo, que não é de estranhar, para que o seu jornal, o inefável Expresso, tenha referido a título de 1ª página as razões invocadas pelo governo para a salvação do BPP.

O povo português pode pôr já as barbas de molho porque não escapará ao inevitável: o BPP não vai ter capacidade para reembolsar os credores do empréstimo agora concedido e vai ser o Estado, ou melhor, todos nós contribuintes, a pagar as perdas da especulação financeira de uns tantos parasitas nacionais. E a procissão ainda vai no adro, porque outros bancos, mais importantes do que este, em termos de quota de mercado bancário, estão na calha para a falência: serão como as cerejas, virão uns agarrados aos outros. A crise veio para ficar, e em Portugal será bem pior que no resto da União Europeia, atendendo ao grau de dependência económica do país e do endividamento externo. Esperemos que os portugueses saibam tirar as devidas conclusões destes factos e dêem a resposta adequada ao partido o governo, quer em termos eleitorais, mais imediatos, quer em termos políticos a mais longo prazo, ou seja, quanto ao destino a dar a este sistema explorador e desumano. Porque são os trabalhadores que irão pagar as favas!

08 de Dezembro 2008

in osbarbaros.org

terça-feira, 14 de outubro de 2025

A segunda volta das eleições legislativas

 

O governo de Montenegro transformou, ou pelos menos é essa a sua intenção, as recentes eleições autárquicas em reforço do apoio que conseguiu há cerca de cinco meses. A vitória autárquica é considerada um “factor de confiança” no órgão e nas suas políticas seguidas e aplicadas, ou em vias disso, com o próximo Orçamento de Estado, já apresentado e com garantia de aprovação com os votos do partido da extrema-direita e a abstenção já prometida do PS. A alteração da lei laboral é certa e executada segundo os desejos e interesses da classe patronal e os serviços públicos sofrerão corte radical. O governo pensa “congelar” o número de funcionários do estado em 2026; assim, segundo o seu entender, não há falta de professores, médicos ou enfermeiros, porque todos os alunos já têm aulas garantidas, as listas para cirurgias e consultas desapareceram e já não há serviços de urgência encerrados. Os mais de 133 mil processos pendentes no Tribunal Administrativo contra a AIMA não precisam de quem os resolva.

A derrota do PS não foi a estrondosa hecatombe que os seus dirigentes tanto temiam e os comentadores ao serviço da extrema-direita vaticinavam – o partido do pastorinho iria ter mais câmaras que o velho partido fundado por Mário Soares na Alemanha. A vitória do partido do governo também não foi retumbante, embora tenha conquistado as cinco maiores câmaras e possa vir a controlar as associações nacionais dos municípios e das freguesias, só conseguiu ganhar sozinho 78 das 136 câmaras conquistadas, ao contrário do PS. O número de câmaras perdido por um foi o mesmo das ganhas pelo outro, 22, e parte desse número foi para listas ditas “independentes”, constituídas por dissidentes do PS, ou seja, o caciquismo imperou. Mais de 160 presidentes de câmara foram recandidatos e apenas 23 falharam a reeleição, um deles foi o Silva de Coimbra que considerava a vitória como favas contadas.

Ao tentar “nacionalizar” as eleições do passado dia 12, o PSD não consegue esconder que estas eleições possuem uma lógica própria, onde os autarcas eleitos obedecem mais aos interesses de diferentes e variadíssimos lóbis estabelecidos no seu concelho ou freguesia do que às orientações das direcções partidárias, porque são aqueles que lhes financiam e motivam as respectivas campanhas eleitorais. Desde há muito que a indústria da construção civil, empreiteiros, imobiliárias, investidores e bancos, ou círculos de compadrios pessoais e familiares, que tomaram conta do poder autárquico. Ao presidente da autarquia compete-lhe satisfazer e gerir os diferentes apetites e resolver possíveis choques competitivos. É a tal “obra feita”, e correspondente compra dos votos, que faz ganhar as eleições locais. É o lema “rouba, mas faz”, do famigerado Isaltino, que, depois de condenado e de ter saído do partido que o pariu, continua a vencer eleições.

A entrada em cena de outros partidos do establishment e a erosão dos dois principais partidos do bloco central de interesses fizeram a dita “fragmentação” com a maior representação partidária e tornando mais difícil a existência de maiorias absolutas. Em muitas destas câmaras “fragmentas”, cerca de 25%, será o partido da extrema-direita que irá decidir o desempate, um bom exemplo será Coimbra. O PS tem o mesmo número de eleitos que o PSD e será o partido de extrema-direita que irá permitir a governação da ex-ministra ou então bloquear por completo a gestão camarária, como será expectável irá vender os serviços a quem melhor pagar. Lógica semelhante para um partido dos animaizinhos que ora se juntou ao PSD, em Sintra, ou ao PS, em Coimbra, podendo vangloriar-se de que foi graças a si que a vitória foi possível. Depois do 25 de Abril surgiram partidos cuja missão é servir de muleta aos grandes partidos do regime quando as coisas corre menos bem, evitando o desperdício de votos de eleitores descontentes com a desgovernação.

As coligações e alianças dos grandes partidos com os pequenos terão como resultado inevitável – e a experiência recente tem-no demonstrado, basta olhar o que aconteceu com o governo da “geringonça” – a fagocitose dos segundos pelos primeiros. Estes viram e continuam a ver a sua representação a minguar a olhos vistos de eleição para eleição, os melhores exemplos são o BE e PCP. Estes partidos vão-se apagando em termos de apoio de votos porque renunciam aos seus programas, deixam-se usar para que os caciques de fraca qualidade dos dois partidos principais do sistema alcancem o poder. PS perde em Lisboa não pelo facto de o PCP não ter integrado a candidatura, mas pela simples razão de que a candidata apresentada era uma fraca candidata. Conciliou com o nanico presidente na perpetuação do poder, vangloriando-se da sua moderação ao não exigir a demissão imediata do pilantra, consequência óbvia do desastre do elevador da Glória, que fez 16 vítimas mortais e mais de duas dezenas de feridos graves – quem o inimigo poupa, às mãos lhe morre.

Os partidos do establishment enveredaram por uma de “moderação”, desde um PSD até a um BE, uns mais para extrema-direita, outros mais para o centro nebuloso da social-democracia, cada um deles empurra o outro mais para a sua direita. Foi e é o PSD que tomou em mãos algumas bandeiras do partido da extrema-direita, ataque aos imigrantes e aos trabalhadores em geral, enquanto governo; agora, o PS vê  no vencedor das eleições em Loures a via a seguir: atacar os imigrantes e o direito à habitação por parte dos moradores pobres. O resultado está bem á vista, se estes partidos imitam o partido do quarto pastorinho qual então a razão da sua existência e porque não votar no original em vez nas duas cópias já puídas? A mesma lógica irá ser transporta para as próximas eleições para a Presidência da República.

Parece que o PS irá formalizar o apoio ao candidato Seguro (de nome), o tal que ficou célebre aquando da oposição ao governo de Passos Coelho/Paulo Portas/PSD/CDS com a sua “abstenção violenta”, e que estará longe de aglutinar o eleitorado de esquerda e que muito dificilmente irá disputar uma segunda volta. Será mais um tiro no pé e cujo resultado, se for bastante negativo, irá deprimir ainda mais o partido e atirá-lo não para a direita mas para a extinção. Acompanhará o congénere francês, que se prepara para aprovar o orçamento e viabilizar o governo de napoleão Macron. O que, diga-se de passagem, não virá grande mal ao mundo, porque não deixará de ser o resultado natural da luta de classes, já não estamos no tempo da guerra fria que justificou a fundação por Soares de um partido de “socialismo democrático”, contrapondo ao partido de socialismo não democrático de Cunhal, onde tinha feito a sua instrução política. Com concorrentes deste género o almirante do barco avariado ganhará a eleição com uma perna às costas.

As obras simplesmente anunciadas foi o timbre da Câmara de Coimbra nas mãos da coligação "Juntos Somos Coimbra", liderada pelo médico José Silva/PSD, obras quando acabadas seriam entregues à gestão privada.

E voltando à lavagem do cesto das eleições autárquicas, mais alguns apontamentos poderemos fazer. O "esta não era a vitória que queríamos" do partido dos arruaceiros não deve ser desconsiderado, não tiveram trinta câmaras mas somente três, no entanto os ovos de víbora espalharam-se e irão chocar. O presidente eleito na Madeira no próprio dia das eleições parece que andou à pancada com elemento do PSD, foi um bom começo.  Se em política o que depressa nasce, também rapidamente desaparece; contudo, ficam o estilo, os métodos e a política. Por outro lado, partidos que se reivindicam de esquerda ou de esquerda mais radical mas que na prática seguem uma estratégia social democrata, de moderação, de colaboracionismo, podem ter a certeza que o seu fim é certo e garantido. E mais, devido ao agravamento da crise económica e social que está neste momento a erguer-se, o fim será rápido e mais próximo do que se possa pensar. Isto acontece quando se intensifica a luta de classes e a classe média (pequena-burguesia), que é a principal base de apoio destes partidos, se proletariza. Estará para breve o tempo dos partidos radicais.

domingo, 5 de outubro de 2025

O significado do fim dos feriados de 1 de Dezembro e 5 de Outubro

  

Relembrar quando o PSD e CDS no governo acabaram com os feriados de 1 de Dezembro e de 5 de Outubro, e porquê estes e não outros?

O governo fascista PSD/PP/Passos Coelho/Paulo Portas veio demagogicamente cortar os feriados nacionais de 1 de Dezembro e 5 de Outubro com o pretexto de se aumentar a produtividade e assim retirar o país da crise, para a qual estes dois partidos contribuíram de forma esforçada e intencional, diga-se de passagem; e não é por acaso que escolheu estas duas datas e não outras: uma refere-se à restauração da independência perante o domínio castelhano, a outra marca o fim da monarquia e a instauração da I República. Compreendem-se as razões da escolha, Portugal passou a estatuto de protectorado da UE (a curto caminho de IV Reich) e quem se encontra no governo está saudoso dos bons tempos da monarquia em que liberdade, democracia e independência nacional nem chegavam a ser figuras formais.

Esta extinção de feriados, que relembram datas ligadas à existência de um país soberano, tenha sido efectuada por um governo constituído pelos dois partidos que mais se reivindicam do patriotismo e cuja existência a devem à democracia republicana, não deixa de ser curiosa. Esta sanha de destruição e de extinção, se não for refreada e os seus autores extintos, irá estender-se num futuro próximo, e com o mesmo pretexto de combate à crise, aos feriados do 25 de Abril e do 1º de Maio – está na lógica!

Portugal nem é dos países que tem mais feriados nacionais, e os que tem ou são referentes a datas com muita simbologia e significado histórico ou ligados ao calendário da igreja católica que, por essa via, pretende manter uma presença na sociedade portuguesa que está muito além da sua real influência. Mais razão haveria para extinguir a maioria dos feriados religiosos católicos, que, à excepção talvez do natal e do ano novo, poderiam ser todos extintos.

A arrogância manifestada pela hierarquia da igreja católica portuguesa, que de vez em quando gosta de alardear o seu nacionalismo e apego a outros valores pátrios, de abdicar de dois feriados em troca (?) de outros dois civis, não deixa de ser grotesca e ao mesmo tempo revela o grau de dependência deste governo em relação a interesses que pouco ou nada têm a ver com o povo trabalhador. Até parece que a estado português, ou a dita II República, não é um estado laico, mas confessional e a igreja católica não se sujeita às leis republicanas e à Constituição.

O 1º de Dezembro, como toda a gente deveria saber, é o dia em que se comemora a Restauração da Independência Nacional, relembrando os acontecimentos do 1º de Dezembro de 1640, em que os portugueses reconquistaram a sua independência depois de quase 40 anos de dominação espanhola (castelhana). Apesar de se ter procedido a uma substituição de elites, o povo português apostou na elite representada pela família Bragança e regateou esse apoio, como comprovam os protestos, apresentados pelos seus representantes nas Cortes, sobre os sacrifícios que lhe eram exigidos enquanto a nobreza e o clero se eximiam a eles e com a agravante de se aproveitarem da guerra para enriquecerem ainda mais. E a prova de que o descontentamento, no seio do povo, era profundo e o desejo de mudança era premente foi a defenestração de Miguel de Vasconcelos.

O secretário de Estado (primeiro-ministro) da duquesa de Mântua, vice-Rainha de Portugal em nome do Rei Filipe IV de Espanha (Filipe III de Portugal), era uma figura odiada pelo povo por, sendo português, colaborar com a representante da dominação filipina: expressava a subjugação e a exploração do povo pela potência estrangeira ocupante. Miguel de Vasconcelos foi a primeira vítima tendo sido defenestrado pelo grupo de fidalgos portugueses e acabado de ser morto pelo povo em fúria em plena praça pública.

Em outra época de profunda crise política – crise de 1383-85, em que se jogava a independência do país e a afirmação da burguesia mercantil contra a velha nobreza enfeudada aos interesses da monarquia castelhana –, o bispo de Lisboa, D. Martinho de Zamora, foi atirado pelas janelas da Sé de Lisboa pelo povo enraivecido, em 6 de Dezembro de 1383, sendo morto e depois abandonado na rua, onde é comido pelos cães. Quando é que os Migueis de Vasconcelos e os D. Martinhos actuais serão igualmente defenestrados pelo povo revoltado? Esperamos que não sejam, à semelhança dos seus anteriores, comidos pelos cães, porque coitados dos cães!

2 de Dezembro de 2011