domingo, 19 de abril de 2020

Os 100 dias da pandemia... ou a Oeste nada de novo




Neste rincão a Ocidente plantado não se passa nada de novo, para além dos 100 dias: o estado de emergência foi prorrogado, mas com menos restrições para reabertura da economia de forma progressiva e sustentada; o nosso primeiro em pose de estado declara que não vai haver austeridade para já, mais adiante acrescentou: talvez; a ministra da Saúde esclarece por voz estridente que o pico da pandemia já passou, possivelmente entre 23 e 25 de Março. As novidades, que não trazem nada de novo, não terão ficado por aqui: o Governo prometeu comprar antecipadamente 15 milhões de publicidade aos principais órgãos de informação, o triplo do que estava previsto; haverá luz verde para o Estado ser avalista de um empréstimo de 400 milhões de euros a contrair na banca pela TAP; o Governo obteve autorização de Bruxelas para a criação de linhas de crédito no montante de 13 mil milhões de euros, com o Estado a assumir a garantia, como é habitual, enquanto os empresários não serão responsabilizados, em caso de incumprimento, com o seu património pessoal nem familiar; Ursula von der Leyen afirma que “não haverá cortes na coesão”, Bruxelas poderá ir aos mercados financiar-se, porque “temos empresas saudáveis em Portugal e é bom investir nestas empresas saudáveis”. Como recompensa do bom comportamento e desempenho, o PS vê subir o “grau de satisfação” dos portugueses: em recente inquérito, 88% dos inquiridos dão “avaliação positiva” ao Governo.

Mas há sempre o reverso da medalha, o que é bom para uns, geralmente é mau para outros, e se estas notícias são boas para o Governo, e este se comporta segundo as regras que lhe são impostas e ainda consegue iludir uma boa fatia dos portugueses graças à intoxicação permanente feita pelos órgãos de informação (propaganda) corporativos, são no entanto más para os trabalhadores e o povo. Os patrões, eufemisticamente denominados de “empresários”, através dos órgãos de informação de que são proprietários, sempre arengaram que deve haver “menos estado”, não sabendo bem quais os meios a inventar para acabar com o Estado que acusam de ser perdulário quando vêm “demasiado” rendimento a ser distribuído pelos trabalhadores. Os que reclamavam são agora recompensados com 15 milhões de euros em publicidade institucional, o triplo do que estava previsto e já era usual nos outros anos; está é uma maneira do Governo comprar o apoio da imprensa e o PS continuar a beneficiar da confiança da burguesia.

Mas os proprietários dos grandes grupos privados dos media ainda acham pouco, vêem o ramo mole e então carregam. Os grupos são conhecidos: Grupo Cofina (Paulo Fernandes), o maior de todos, Global Media (Joaquim Oliveira), Impresa (Pinto Balsemão), Sonaecom (família Azevedo), Observador (Luís Amaral), Renascença (Igreja Católica), Media Capital (Grupo Prisa) ou Eco (Swip News/António Mota), são grandes empresas que não consta que estejam falidas e cujos principais acionistas possuem fortunas de muitas centenas de milhões de euros; mas já se manifestaram que querem mais. Tempos atrás e com o mesmo intuito de aliciar o apoio desses mesmos órgãos de informação e pensando numa ida a breve trecho para o governo, o BE já tinha avançado com a mesma quantia de 15 milhões de euros de apoio para os próximos três meses, quantia equivalente à receita do “imposto google” durante o mesmo período; imposto a lançar sobre as plataformas digitais concorrentes dos media tradicionais. PS e BE não estão em meias tintas no que concerne à competição pelos apoios da burguesia, além da confiança, a fim de poderem meter as mãos no pote.

O estado de emergência foi decretado logo de início com a intenção clara de aumentar os lucros dos patrões sem a obrigação de respeitar a lei, os direitos, as liberdades e as garantias dos trabalhadores, entretanto suspensos, assim se pode baixar salários, criar desemprego, aumentar horários e ritmos de trabalho, sempre com a incontornável desculpa de defesa da saúde pública; coisa que esteve sempre longe da mente dos nossos governantes e empresários já que nunca deixaram de lenta e paulatinamente destruir o Serviço Nacional de Saúde. Mais uma prova de que o Governo PS/Costa continua a empenhar-se na destruição do SNS e mais não é que um instrumento fiel dos interesses do capital é o facto de ainda não ter procedido à requisição civil dos hospitais privados para o tratamento de doentes com a doença covid-19, ou como hospitais de rectaguarda em vez de miseráveis hospitais de campanha sem quaisquer condições, e de estar neste momento a reactivar o antigo Hospital Militar de Belém, especializado em doenças infecto-contagiosas, não para o destinar ao tratamento de doentes infectados pelo coronavirus, mas para o entregar a privados para cuidados continuados, um dos principais negócios dos empresários da saúde privada devido à demissão do Estado. Enquanto isto se passa, os accionistas da EDP aprovam a distribuição de 694,7 milhões de euros em dividendos, montante superior aos lucros consolidados de 512 milhões de euros obtidos em 2019. É o fartar vilanagem!

A crise do modelo económico capitalista há muito que se encontra em estado moribundo, a pretexto da pandemia decretaram-se medidas lesivas dos interesses dos trabalhadores que em altura dita normal não seria aceites facilmente ou de todo por estes. A covid-19 veio, por outro lado, pôr a nu as mazelas e fraquezas desta economia baseada na propriedade privada dos principais meios de produção e de distribuição e no extorquir da mais-valia produzida pelos operários, como também evidenciou a natureza dos governos que servem o capital, embora de digam do “socialismo”. É o caso do PS que, nunca tendo acabado por completo com a austeridade, a mantem em lume brando e agora espevita-lhe o lume com o lay-off que já atingiu ou irá atingir em breve mais de 1 milhão de trabalhadores (com a diminuição, nos melhores dos hipóteses, de um terço do rendimento líquido) e está a lançar no desemprego uma média de 4 mil trabalhadores por dia. Desemprego que, antes do fim do ano, atingirá bem à vontade uma cifra superior à prevista dos 14%, mesmo assim mais do dobro em relação a Fevereiro. O Costa diz que "a despesa de hoje é o imposto de amanhã", repetindo a ladainha dos seus ministros das Finanças e da Economia, só que todos mentem e mentem duas vezes, é que já há austeridade e em breve, seja ainda este anos seja para 2021, irá aumentar, a diferença em relação a 2008 está no facto de não ser lançada a eito sobre as classes trabalhadores, mas a ser doseada, pelo menos por enquanto, pelas diferentes camadas dos trabalhadores.

Os trabalhadores que já estão a sentir o aumento da austeridade, ao mesmo tempo que o Governo PS/Costa diz que a austeridade não será para imediato, são os trabalhadores em regime de contrato, recibos verdes, estagiários ou à experiência, trabalhadores informais, pequenos trabalhadores por conta própria ou pequenos empresários, que são ainda algumas centenas de milhar ou talvez um milhão de trabalhadores. A primeira tranche da austeridade está a recair sobre elementos do povo que, em largo número, não votam no PS ou não votam de todo; ou seja, o PS ainda não atingiu o grosso do seu eleitorado tradicional, a pequena-burguesia, a dita "classe média", razão pela qual as sondagens atribuem uma confortável “avaliação positiva” por parte de 88% dos inquiridos (universo que não é conhecido em termos de rendimentos ou estrato social) ao “desempenho do Governo” durante este tempo de coronavirus SARS-Cov-02; e de 74,2 pontos para o PR Marcelo que se não se cansa, em vez da distribuição dos afectos e selfies, de se arvorar em órgão governativo. No entanto, a expectativa sobre a situação económica pessoal e do país, o índice de Expectativa Económica, mantém-se em baixa (18,9%), apesar de ter subido ligeiramente. O apertar do garrote a estas camadas de trabalhadores tem sido um dos factores, entre outros, para o aparecimento e fortalecimento dos partidos fascistas, agora candidamente designados por “populistas”. A pequena-burguesia será o senhor (no caso, senhora) que se segue, para esta o garrote talvez só venha lá para 2021, e os funcionários públicos estarão incluídos, porque aumentos salariais... já foram!

Mas a sentença condenatória, e não haja dúvidas quanto a isso, já foi lançada pela presidente da Comissão Europeia, a fräulein Ursula: “temos empresas saudáveis em Portugal e é bom investir nestas empresas saudáveis”. Ora, que empresas são essas? Ela explica, são as empresas que “são importantes para o Mercado Único” e trocando a coisa por miúdos é fácil chegar lá: do universo de 1.244.495 microempresas poucas restarão, e das restantes ficarão as empresas exportadores de produtos que aos países mais ricos da UE não interessa produzir, com escasso valor acrescentado, continuando o país remetido na sua dependência ao exterior, com uma mão-de-obra barata e excendentária que agora com a agravante de não ter para onde emigrar. Será indeferente para a burguesia que parte dos trabalhadores morra por pandemia ou por falta de cuidados de saúde atempados e de qualidade, até será um bem, visto que aquela nunca abandonou os seus intentos malthusianos e genocidas, daí constantemente ouvirmos a “previsão” de que Portugal só terá 8 milhões de habitantes no final do século; uma previsão que é mais um desejo e faz parte de um plano mais geral. É o produto resultante da rasoira capitalista que se faz mais sentir em situação de crise aguda e que o BE pensa minimizar com mais empréstimos, com mais endividamento do país, desta feita com um empréstimo a juro baixo, género 0,8%, por um período alargado de 80 anos; ou seja, pagar sempre a dívida pública mas em suaves prestações, o que na prática significa pagar mais e enriquecer ainda mais os avarentos prestamistas, tal é desejo de servir os amos capitalistas por parte de um partido pequeno-burguês, oportunista e reaccionário!

O nó górdio da questão é sempre o mesmo: suspender o pagamento da dívida soberana odiosa e ilegítima a até ilegal, enquanto se procede à auditoria cidadã e independente, e aplicar o dinheiro referente aos encargos e juros em despesas de saúde agora acrescidos, e saída do euro e da União Europeia. O caso da TAP é um bom exemplo em como as empresas de referência e de sectores estratégicos para o país jamais deveriam ter sido privatizadas, a TAP como todas as outras empresas, a começar pelos bancos, em primeiro pelos que esbulharam os dinheiros públicos em resultado da crise de 2008, deverão ser nacionalizadas. Portugal deve retomar a soberania económica e financeira, não há outro caminho; não será possível num quadro nacional e capitalista, então se faça num quadro socialista e europeu. O socialismo também se globalizará.

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