Neste
rincão a Ocidente plantado não se passa nada de novo, para além
dos 100 dias: o estado de emergência foi prorrogado, mas com
menos restrições para reabertura da economia de forma
progressiva e sustentada; o nosso primeiro em pose de estado
declara que não vai haver austeridade para já, mais adiante
acrescentou: talvez; a ministra da Saúde esclarece por voz
estridente que o pico da pandemia já passou, possivelmente entre
23 e 25 de Março. As novidades, que não trazem nada de novo, não
terão ficado por aqui: o Governo prometeu comprar antecipadamente
15 milhões de publicidade aos principais órgãos de informação,
o triplo do que estava previsto; haverá luz verde para o Estado
ser avalista de um empréstimo de 400 milhões de euros a contrair
na banca pela TAP; o Governo obteve autorização de Bruxelas para
a criação de linhas de crédito no montante de 13 mil milhões
de euros, com o Estado a assumir a garantia, como é habitual,
enquanto os empresários não serão responsabilizados, em caso de
incumprimento, com o seu património pessoal nem familiar; Ursula
von der Leyen afirma que “não haverá cortes na coesão”,
Bruxelas poderá ir aos mercados financiar-se, porque “temos
empresas saudáveis em Portugal e é bom investir nestas empresas
saudáveis”. Como recompensa do bom comportamento e desempenho,
o PS vê subir o “grau de satisfação” dos portugueses: em
recente inquérito, 88% dos inquiridos dão “avaliação
positiva” ao Governo.
Mas
há sempre o reverso da medalha, o que é bom para uns, geralmente
é mau para outros, e se estas notícias são boas para o Governo,
e este se comporta segundo as regras que lhe são impostas e ainda
consegue iludir uma boa fatia dos portugueses graças à
intoxicação permanente feita pelos órgãos de informação
(propaganda) corporativos, são no entanto más para os
trabalhadores e o povo. Os patrões, eufemisticamente denominados
de “empresários”, através dos órgãos de informação de
que são proprietários, sempre arengaram que deve haver “menos
estado”, não sabendo bem quais os meios a inventar para acabar
com o Estado que acusam de ser perdulário quando vêm “demasiado”
rendimento a ser distribuído pelos trabalhadores. Os que
reclamavam são agora recompensados com 15 milhões de euros em
publicidade institucional, o triplo do que estava previsto e já
era usual nos outros anos; está é uma maneira do Governo comprar
o apoio da imprensa e o PS continuar a beneficiar da confiança da
burguesia.
Mas
os proprietários dos grandes grupos privados dos media ainda
acham pouco, vêem o ramo mole e então carregam. Os grupos são
conhecidos: Grupo Cofina (Paulo Fernandes), o maior de todos,
Global Media (Joaquim Oliveira), Impresa (Pinto Balsemão),
Sonaecom (família Azevedo), Observador (Luís Amaral), Renascença
(Igreja Católica), Media Capital (Grupo Prisa) ou Eco (Swip
News/António Mota), são grandes empresas que não consta que
estejam falidas e cujos principais acionistas possuem fortunas de
muitas centenas de milhões de euros; mas já se manifestaram que
querem mais. Tempos atrás e com o mesmo intuito de aliciar o
apoio desses mesmos órgãos de informação e pensando numa ida a
breve trecho para o governo, o BE já tinha avançado com a mesma
quantia de 15 milhões de euros de apoio para os próximos três
meses, quantia equivalente à receita do “imposto google”
durante o mesmo período; imposto a lançar sobre as plataformas
digitais concorrentes dos media tradicionais. PS e BE não estão
em meias tintas no que concerne à competição pelos apoios da
burguesia, além da confiança, a fim de poderem meter as mãos no
pote.
O
estado de emergência foi decretado logo de início com a intenção
clara de aumentar os lucros dos patrões sem a obrigação de
respeitar a lei, os direitos, as liberdades e as garantias dos
trabalhadores, entretanto suspensos, assim se pode baixar
salários, criar desemprego, aumentar horários e ritmos de
trabalho, sempre com a incontornável desculpa de defesa da saúde
pública; coisa que esteve sempre longe da mente dos nossos
governantes e empresários já que nunca deixaram de lenta e
paulatinamente destruir o Serviço Nacional de Saúde. Mais uma
prova de que o Governo PS/Costa continua a empenhar-se na
destruição do SNS e mais não é que um instrumento fiel dos
interesses do capital é o facto de ainda não ter procedido à
requisição civil dos hospitais privados para o tratamento de
doentes com a doença covid-19, ou como hospitais de rectaguarda
em vez de miseráveis hospitais de campanha sem quaisquer
condições, e de estar neste momento a reactivar o antigo
Hospital Militar de Belém, especializado em doenças
infecto-contagiosas, não para o destinar ao tratamento de doentes
infectados pelo coronavirus, mas para o entregar a privados para
cuidados continuados, um dos principais negócios dos empresários
da saúde privada devido à demissão do Estado. Enquanto isto se
passa, os accionistas da EDP aprovam a distribuição de 694,7
milhões de euros em dividendos, montante superior aos lucros
consolidados de 512 milhões de euros obtidos em 2019. É o fartar
vilanagem!
A
crise do modelo económico capitalista há muito que se encontra
em estado moribundo, a pretexto da pandemia decretaram-se medidas
lesivas dos interesses dos trabalhadores que em altura dita normal
não seria aceites facilmente ou de todo por estes. A covid-19
veio, por outro lado, pôr a nu as mazelas e fraquezas desta
economia baseada na propriedade privada dos principais meios de
produção e de distribuição e no extorquir da mais-valia
produzida pelos operários, como também evidenciou a natureza dos
governos que servem o capital, embora de digam do “socialismo”.
É o caso do PS que, nunca tendo acabado por completo com a
austeridade, a mantem em lume brando e agora espevita-lhe o lume
com o lay-off que já atingiu ou irá atingir em breve mais de 1
milhão de trabalhadores (com a diminuição, nos melhores dos
hipóteses, de um terço do rendimento líquido) e está a lançar
no desemprego uma média de 4 mil trabalhadores por dia.
Desemprego que, antes do fim do ano, atingirá bem à vontade uma
cifra superior à prevista dos 14%, mesmo assim mais do dobro em
relação a Fevereiro. O Costa diz que "a despesa de hoje é
o imposto de amanhã", repetindo a ladainha dos seus
ministros das Finanças e da Economia, só que todos mentem e
mentem duas vezes, é que já há austeridade e em breve, seja
ainda este anos seja para 2021, irá aumentar, a diferença em
relação a 2008 está no facto de não ser lançada a eito sobre
as classes trabalhadores, mas a ser doseada, pelo menos por
enquanto, pelas diferentes camadas dos trabalhadores.
Os
trabalhadores que já estão a sentir o aumento da austeridade, ao
mesmo tempo que o Governo PS/Costa diz que a austeridade não será
para imediato, são os trabalhadores em regime de contrato,
recibos verdes, estagiários ou à experiência, trabalhadores
informais, pequenos trabalhadores por conta própria ou pequenos
empresários, que são ainda algumas centenas de milhar ou talvez
um milhão de trabalhadores. A primeira tranche da austeridade
está a recair sobre elementos do povo que, em largo número, não
votam no PS ou não votam de todo; ou seja, o PS ainda não
atingiu o grosso do seu eleitorado tradicional, a
pequena-burguesia, a dita "classe média", razão pela
qual as sondagens atribuem uma confortável “avaliação
positiva” por parte de 88% dos inquiridos (universo que não é
conhecido em termos de rendimentos ou estrato social) ao
“desempenho do Governo” durante este tempo de coronavirus
SARS-Cov-02; e de 74,2 pontos para o PR Marcelo que se não se
cansa, em vez da distribuição dos afectos e selfies, de se
arvorar em órgão governativo. No entanto, a expectativa sobre a
situação económica pessoal e do país, o índice de Expectativa
Económica, mantém-se em baixa (18,9%), apesar de ter subido
ligeiramente. O apertar do garrote a estas camadas de
trabalhadores tem sido um dos factores, entre outros, para o
aparecimento e fortalecimento dos partidos fascistas, agora
candidamente designados por “populistas”. A pequena-burguesia
será o senhor (no caso, senhora) que se segue, para esta o
garrote talvez só venha lá para 2021, e os funcionários
públicos estarão incluídos, porque aumentos salariais... já
foram!
Mas
a sentença condenatória, e não haja dúvidas quanto a isso, já
foi lançada pela presidente da Comissão Europeia, a fräulein
Ursula: “temos empresas saudáveis em Portugal e é bom investir
nestas empresas saudáveis”. Ora, que empresas são essas? Ela
explica, são as empresas que “são importantes para o Mercado
Único” e trocando a coisa por miúdos é fácil chegar lá: do
universo de 1.244.495 microempresas poucas restarão, e das
restantes ficarão as empresas exportadores de produtos que aos
países mais ricos da UE não interessa produzir, com escasso
valor acrescentado, continuando o país remetido na sua
dependência ao exterior, com uma mão-de-obra barata e
excendentária que agora com a agravante de não ter para onde
emigrar. Será indeferente para a burguesia que parte dos
trabalhadores morra por pandemia ou por falta de cuidados de saúde
atempados e de qualidade, até será um bem, visto que aquela
nunca abandonou os seus intentos malthusianos e genocidas, daí
constantemente ouvirmos a “previsão” de que Portugal só terá
8 milhões de habitantes no final do século; uma previsão que é
mais um desejo e faz parte de um plano mais geral. É o produto
resultante da rasoira capitalista que se faz mais sentir em
situação de crise aguda e que o BE pensa minimizar com mais
empréstimos, com mais endividamento do país, desta feita com um
empréstimo a juro baixo, género 0,8%, por um período alargado
de 80 anos; ou seja, pagar sempre a dívida pública mas em suaves
prestações, o que na prática significa pagar mais e enriquecer
ainda mais os avarentos prestamistas, tal é desejo de servir os
amos capitalistas por parte de um partido pequeno-burguês,
oportunista e reaccionário!
O
nó górdio da questão é sempre o mesmo: suspender
o pagamento da dívida soberana odiosa e ilegítima a até ilegal,
enquanto se procede à auditoria cidadã e independente, e aplicar
o dinheiro referente aos encargos e juros em despesas de saúde
agora acrescidos, e saída
do euro e da União Europeia.
O caso da TAP é um bom exemplo em como as empresas de referência
e de sectores estratégicos para o país jamais deveriam ter sido
privatizadas, a TAP como todas as outras empresas, a começar
pelos bancos, em primeiro pelos que esbulharam os dinheiros
públicos em resultado da crise de 2008, deverão ser
nacionalizadas. Portugal deve retomar a soberania económica e
financeira, não há outro caminho; não será possível num
quadro nacional e capitalista, então se faça num quadro
socialista e europeu. O socialismo também se globalizará.
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"É que os Bárbaros chegam hoje. Que leis haveriam de fazer agora os senadores? Os Bárbaros, quando vierem, ditarão as leis." - Konstantínos Kaváfis
domingo, 19 de abril de 2020
Os 100 dias da pandemia... ou a Oeste nada de novo
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