sábado, 11 de abril de 2020

O Acordo Histórico... que irá trazer mais endividamento e austeridade


"Snap the Varnish" - Vasco Gargalo

São os jornalistas, são os opinantes e paineleiros, é o Costa e é o Marcelo, todos são unânimes: o pior está para vir. Contudo, todos eles se referem a uma possível vaga da covid-19 caso o povo não respeite as regras de confinamento, porque o abrandamento do aumento do número de infectados e de mortes pelo coronavírus, dizem eles, pode ser enganador. Mas verdadeiramente enganador é quem manipula os números, disseminado o pânico, e grita que o acordo alcançado pelos ministros das Finanças da União Europeia marca “um dia histórico da vida europeia”. O PS engana e mente, pela voz do seu secretário-geral adjunto, quanto ao acordo, cujos pormenores ainda estarão para ser discutidos ou já o estando ainda são desconhecidos do grande público, e que necessariamente se traduzirá por um maior endividamento do Estado português, e de todos os restantes estados da União que não sejam os 4 satélites da Alemanha, França, Holanda, Áustria e Finlândia. O pior que ainda estará para vir será antes o que está contido no ultimato dado a Portugal pela UE, algum tempo antes do já famigerado “acordo”: salários dos trabalhadores da Função Pública, pensões, despesa com a Saúde e estabilidade financeira, ainda mais abalada pelo endividamento agora imposto, estarão sob forte pressão. O que significa, a curto prazo, mais austeridade e em dose a dobrar para os próximos anos, para não se dizer ad eternum.

Enquanto países com autonomia monetária podem auto-financiar-se para fazer frente aos custos sanitários da pandemia e às consequências mais gerais na economia e na sociedade, os estados mais periféricos e mais pobres da UE vão ficar ainda mais endividados com o acordo "histórico" acertado pelo Eurogrupo, embora possam estar sujeitos, pelo menos teoricamente, a taxas de juro mais baixas, mas que estarão sempre nas mãos dos ditos “mercados”, ou seja, grandes grupos financeiros prestamistas. As desigualdades económicas entre estados irão agravar-se, como se irão agravar e fortemente as desigualdades dentro de cada país por força do aumento rápido e descontrolado do desemprego. As medidas de austeridade já estarão delineadas e programadas a esta hora, e desta vez a austeridade será por décadas. Para quem tiver dúvidas é fazer o favor de atentar às palavras do chefe da CIP, António Saraiva, que não se fez rogado em exigir ao Governo do Costa uma linha, no mínimo, de 20 mil milhões de euros a fundo perdido e, perante a interrogação do jornalista/comentador televisivo, não hesitou em dizer que será um problema para o Governo resolver, ou com aumento da dívida pública ou com outra gestão do Orçamento do Estado. Depois do ultimato em forma de aviso de Bruxelas, não há dúvidas de que as partes já estão concertadas e que a burguesia nacional faz seu o projecto europeu, naquela perspectiva de que mais vale partilhar a exploração dos trabalhadores portugueses com terceiros do que perder a competição, ficando sem nada, caso se colocasse fora da carroça europeia.

O PS e o seu secretário e chefe do Governo colocam-se de gatas perante Bruxelas/Alemanha, apesar de quererem dar uma imagem de coragem e de firmeza perante os ditames. A indignação verbalizada pelo Costa em reacção à provocação proferida pelo ministro das Finanças holandês dirigida ao governo de Espanha foi apenas para consumo interno, para ficar bem na fotografia, porque nos actos, e vale mais um acto do que mil palavras, segundo diz o ditado, a posição é de lacaio manso. É bom salientar que esta posição vem no seguimento de outra provocação semelhante, mas dirigida ao governo de Portugal e também vomitada por outro ministro das Finanças e igualmente holandês, há alguns anos, acusando o povo, e não exactamente a elite, de imprevidente e de perdulário, o que significa, e outra interpretação não se poderá fazer atendendo às circunstâncias e aos protagonistas, que a Holanda funciona como porta-voz e cão de trela da Alemanha, diz o que a esta não interessa dizer abertamente de momento. A posição inicialmente ambígua da Alemanha quanto aos coronabonds e ainda antes da reunião do Eurogrupo, deixando o cão ladrar livremente, tornou-se clara, abrindo o jogo, logo após o acordo “histórico”, confirma o que acabamos de dizer.

Diz a imprensa corporativa nacional, não menos lacaia que o Governo, que o “Eurogrupo acertou termos para uma linha de crédito do Mecanismo Europeu de Estabilidade que vai financiar despesas directas e indirectas com o sistema de saúde”, o que nos poderá indiciar que o sector da Saúde em Portugal irá continuar a ser privatizado, em detrimento do SNS que acabará por ficar completamente destruído, reduzido a uma expressão mínima para assistência aos indigentes, como acontecia antes do 25 de Abril, com os seus trabalhadores a auferir salários ainda mais baixos, com as carreiras profissionais não congeladas temporariamente como aconteceu com a intervenção da troika, mas destruídas como o SNS, e todos eles trabalhadores remetidos a contrato individual de trabalho, os célebres CITs, em precariedade absoluta: o que irá acontecer caso estes trabalhadores não lutem a fim de abortar planos tão sinistros. A imprensa também diz: “fundos para apoio à liquidez das PME e protecção de postos de trabalho também foram aprovados”; ora, estes fundos serão quase exclusivamente para grandes e algumas médias empresas exportadoras, de produtos que fiquem mais baratos sendo produzidos em Portugal e de que o mercado europeu necessite, porque as restantes empresas, micro e pequenas, que constituem mais de 90% do universo empresarial nacional, serão inapelavelmente condenadas a falirem e também a breve prazo, por não conseguirem suportar mais endividamento. É o processo de “depuração” capitalista, que se traduz numa concentração inaudita do capital; aliás, um processo que se acelera em tempo de crise.

Não deixa de ser confrangedor a reacção dos partidos da oposição: o PSD fala muito, mas não esconde que teria a mesma posição se estivesse no Governo; o PCP indigna-se, aponta os malefícios do monstro, mas não propõe e nem ousa a sua destruição; o BE lamenta que as decisões resultem do já conhecido “consenso franco-alemão”, estreitando o recurso ao MEE (Mecanismo de Estabilidade Europeu), lamentando a não mutualização de dívida pública e o não financiamento monetário da despesa pública no combate à crise; em relação aos outros partidos nem vale a pena comentar dada a trivialidade ou a vacuidade das considerações. Todos eles ficam pela lamentação impotente dos serventuários pela falta de solidariedade dos países mais fortes da União com os países da periferia e do Sul, e depois de terem passado todo o tempo a gabar as virtudes e benefícios da “Europa dos cidadãos”, “das liberdades e direitos humanos”, uma figura virtual que só existe nas mentes dos dirigentes oportunistas daqueles partidos, que, afinal e a exemplo dos nossos empresários de sucesso, também se venderam por uma cerveja e um cachorro (“prato de lentilhas” ou “dez réis de mel coado” já são clichés mais que estafados), em vez de exigir a saída de Portugal da União Europeia e reconquistar, para já, a autonomia financeira e monetária, única forma de possuir os meios eficazes para combater a crise sem sobrecarregar a exploração dos trabalhadores e do povo. Como já alguém disse, esta cena dos ministros das Finanças da zona euro a bater palmas, no final da reunião do Eurogrupo, “faz lembrar os passageiros da 1ª classe do Titanic a aplaudir a valsa acabada de tocar pela orquestra, enquanto o navio se afundava”. A crise do coronavírus, que mais não é que a erupção da crise latente e profunda do sistema capitalista, marcará o princípio do fim da União Europeia. E será preferível sair a bem (com minimização dos prejuízos), e seria agora, do que sair mais tarde e a mal.

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