sexta-feira, 3 de abril de 2020

O 25 de Abril acaba de finar-se!


Abel Manta
O Parlamento reuniu-se com 149 deputados e aprovou a renovação do estado de emergência, por aconselhamento do executivo e com o regozijo do Presidente Marcelo e da direita nacional, e precisamente no dia em que se assinala o 44º aniversário da aprovação da Constituição da República Portuguesa, o que não deixa de ser tremendamente simbólico. Os partidos que se abstiveram, PCP, PEV, Chega e deputada não inscrita Joacine Katar Moreira, acabaram por dar aval à situação de anormalidade para os trabalhadores e regularizadora para os interesses dos grandes capitalistas e da União Europeia - uma abstenção que vale por um sim - e o que é mau para a maioria, é sempre bom para a minoria (1%) possidente e dominante. Com o prolongamento do estado de emergência, a partir de agora em versão hard, a democracia burguesa saída do golpe de estado do 25 de Abril finou-se, e os seus representantes máximos assinaram a certidão de óbito. A partir de agora, não só em termos económicos e sociais, mas essencialmente políticos, nada será igual. O problema é que será pior para os trabalhadores e o povo, mas igualmente para um grande número de pequeno-burgueses que serão proletarizados de forma rápida, violenta e inesperada, pelo menos no tempo. A pandemia pelo coronavirus teve somente o condão de acelerar o processo de concentração capitalista e deu azo à burguesia, com o pretexto de salvaguarda da Saúde Pública, para utilizar os meios, já há algum tempo preparados, de controlo e de repressão do povo

É fácil desmontar a argumentação apresentada pelos diversos intervenientes na Assembleia da República, a começar pelo primeiro-ministro Costa que em vez de se lamentar de que haverá patrões a aproveitar-se da situação, para "abusar nas relações laborais" e da "tentativa de aproveitamento económico", deveria proibir liminarmente qualquer despedimento independentemente do pretexto, com a pena da propriedade dessas empresas passar ou para os trabalhadores ou para o Estado e responsabilização criminal e cível dos patrões e com a expropriação do património pessoal, ou até mesmo familiar. Só assim se impedirá o desemprego em massa e se avaliaria se as falências e os lay-offs são verdadeiros ou fraudulentos. Mas estas medidas seriam possíveis se o PS fosse exactamente um partido socialista, na verdadeira acepção da palavra, contudo, na prática, não haverá outra solução que não traga mais miséria aos trabalhadores e mesmo a alguns pequenos patrões que trabalham por conta própria. Em situações de falência irrefutável, o Governo deverá pagar os salários a esses trabalhadores e exigir a Bruxelas uma compensação a fundo perdido, como indemnização pela destruição da nossa economia por força de entrada do euro, já para não falar na então CEE. As palavras do Governo e do PS, por muito “duras” que pareçam, mais não serão que demagogia para encobrir a real e verdadeira intenção de beneficiar as grandes empresas e os bancos, que não final serão sempre eles a ganhar.

Passando do Costa para os partidos que se abstiveram, PCP, por exemplo, que chora, lambendo as lágrimas de eventualmente vir a perder o acesso ao pote, perora que é preciso travar "a lei da selva contra os trabalhadores" e "os despedimentos abusivos com recurso a coação e ameaças"; lamento semelhante "o Governo tem é que proteger o emprego e os salários" (BE, que aprovou pela segunda vez o estado de emergência), sem querer beliscar a estabilidade governativa ou a paz social. Ambos os partidos se sentem unidos numa “frente nacional” contra a crise, não lhes repugnando a entrada do PSD ou do CDS, ou qualquer outro partido, num bloco central alargado. Na preocupação de salvar a democracia, só temporária e parcialmente suspensa, no seu entender, estes partidos ajudaram a cavar a sua sepultura, colaborando activamente na implementação das “restrições injustificadas de direitos, liberdades e garantias" que dizem temer e evitar. Aqui, o deputado da Iniciativa Liberal foi mais inteligente, não deixando de ser igualmente demagógico, ao votar contra a renovação do estado de emergência.

O dito “principal partido da oposição", PSD, esquecendo-de dos muitos milhões que enfiou na banca e da trafulhice que foi a falência do grupo Espírito Santo, veio defender, armado em social-democrata e a salivar pelo pote, não só a declaração do estado de emergência, que "evitou uma tragédia", mas criticar, com aparente severidade, que "a Banca não pode ganhar dinheiro com a crise... lucro zero em 2020”, porque “se a Banca apresentar, em 2020 e 2021, lucros avultados, esses lucros serão uma vergonha" (Rui Rio). A lata deste sujeito não fica atrás da do Costa, estão bem um para o outro. Em relação ao par do PSD, o CDS, o descaramento e a filho-da-putice não é menor, esquecendo-se que é corresponsável pela descapitalização do SNS, tendo mandado emigrar enfermeiros e médicos, durante quase cinco anos, "a prioridade é a saúde pública" (Telmo Correia, o ministro dos 300 despachos em último ano de mandato). Quanto ao idiota útil do deputado do Chega, ao serviço do grupo Cofina e da extrema-direita, incluindo a que se encontra infiltrada nas polícias, mostrou a sua verdadeira natureza de moleque para todo o serviço e de ausência de programa político coerente. Por fim, o PAN, que passou de 1 deputado para 1 grupo parlamentar nas eleições de Outubro, não consegue esconder o objectivo para que foi engendrado, misturando ideias de direita e de extrema-direita à pála da defesa dos animais e da ecologia (agenda esta agora tão ao gosto do grande capital internacional), o de apoio de emergência ao Governo, não se coibindo de afirmar que estádisposto, caso seja necessário, a “ir mais longe em alguns aspetos". “Proteger a economia é proteger acima de tudo as pessoas", afirmou a chefe de bancada do PS, e que quererá dizer as "pessoas dos capitalistas" de quem é serventuária. E assim se finou a excelsa democracia da dita “Revolução dos Cravos”.

A grave crise económica por detrás da pandemia

Por detrás da crise parlamentar e da sanitária pela pandemia, uma crise de natureza económica há muito se avolumava e que agora se limitou a mostrar-se, como a erupção de um vulcão que nunca deixou de estar activo. E os números da situação catastrófica para a vida dos trabalhadores estão aí bem visíveis e não enganam:

O Governo já terá recebido mais de 3600 pedidos de empresas para aderirem ao regime "lay off"; a TAP vai avançar com um processo de "lay-off" para 90% dos trabalhadores; milhares de queixas de trabalhadores já chegaram aos sindicatos e aos partidos de “esquerda” com assento parlamentar sobre despedimentos, não renovação de contratos, férias forçadas, lay-off com perda de rendimentos, mudança de local de trabalho, ou de denúncias sobre especulação de preços ou sobre insuficiências nos serviços públicos; músicos da Orquestra do Norte não recebem salário desde Janeiro; 350 mil trabalhadores a recibo verde correm o risco de ficaram no desemprego em termos imediatos; 76 mil trabalhadores estavam em lay-off há dois dias e o Governo calcula que o número passará em breve para 1 milhão de trabalhadores, muitos deles passarão para o desemprego (a taxa de desemprego de 6% de Fevereiro passará ainda antes do final do ano para mais do dobro, senão o triplo!); o ministro da Economia advogado dos negócios foi claro: “Governo não sabe se poderá manter a promessa de aumentos salariais de 1% na Função Pública”; as concessionárias das auto-estradas já vieram reivindicar compensação por parte do Estado devido à queda do tráfego (-80%); mais recentemente, a Groundforce vai colocar em lay-off mais de 2400 trabalhadores e a Transdev cerca de 2000; A CIP, pela voz do ex-militante do PS António Saraiva não fez esperar a chantagem: “salvar as empresas neste período, mais ou menos longo...”; e a verborreica Directora Geral da Saúde veio alertar que a situação pandémica vai prolongar-se por muitos meses... até que surja uma vacina para a população, ou seja, até quando calhar.

E, para completar, a Presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, não engoliu as palavras ao afirmar que todas as alternativas estão em aberto, mas dentro da legalidade imposta pelo Tratado; ou seja, haverá mais do mesmo de 2008: os países que se endividem e logo se verá! Portugal com uma dívida pública e privada já quase insuportável terá que se endividar ainda mais, o que inevitavelmente irá provocar o descontentamento e a revolta do povo, razão pela qual o Governo PS/Costa, depois de ter nomeado um oficial de extrema-direita para o comando da PSP, pensa controlar os portugueses através dos telemóveis e de câmaras portáteis de vigilância, à semelhança do governo sionista de Israel que terá sido pioneiro no assunto e aproveitando-se da pandemia, e intensificar as operações de controlo pela PSP e GNR que, neste momento, já detiveram 90 cidadãos que ousaram desrespeitar o recolher obrigatório, numa manobra de intimidação sobre os trabalhadores, com medo que este saiam à rua em manifestação ou greves, revoltados pela suspensão dos salários e pelos despedimentos. O combate ao coronavírus e a salvaguarda da Saúde Pública vão ter costas bem largas, tal como está a fazer, mas sem disfarces, o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán que passou a governar por decreto, numa aberta deriva autoritária, afinal com a complacência de Bruxelas, e perante as críticas vem acusando a oposição de esta querer defender o vírus. Mais perigoso que o coronavírus, é o vírus do fascismo, e ele já está aí; aliás, sempre aqui esteve. Este sim é que é o principal inimigo que deve ser combatido por todos nós e sem complacência, mas para o exterminar teremos de acabar com o capitalismo, que é o terreno fértil onde ele nasce e se desenvolve.

Se no ano passado as comemorações do 25 de Abril foram umas comemorações rançosas, este ano não se farão, ou a serem feitas, serão dentro do Palácio de São Bento com os deputados com fumos na lapela em vez de cravos, porque estes há muito já murcharam.

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