quarta-feira, 1 de novembro de 2023

O país está melhor…

  

O OE-2024 foi aprovado pela maioria absoluta do PS na Assembleia da República, com a abstenção das duas flores de lapela do regime e votos contra de todos os demais partidos, que, eventualmente, terão votado neste sentido porque a aprovação era certa – este orçamento é o orçamento de estado do regime que antecipadamente merece o aval de Bruxelas –, fazendo-nos lembrar quando o bando PSD estava no governo e afirmava que “a vida das pessoas não está melhor, mas o país está muito melhor” e o empobrecimento de grande parte dos portugueses avançava a grande vapor – agora não será mais lento.

Escrita em 24 de Fevereiro 2014

Na cimeira do principal bando governativo, que se realizou neste fim de semana, o chefe não esteve de modas e foi claro: “o país está melhor que em 2011”; já um dia antes, o chefe da bancada dos paus mandados na Assembleia da República tinha dito: “a vida das pessoas não está melhor, mas o país está muito melhor”; deve-se salientar a parte da frase: o país está muito melhor. Que “país” esta gente está a referir-se? De certeza que não é o país que trabalha, porque este encontra-se bem pior, salários mais baixos, quer na Função Pública quer no sector privado, e aposentados com reformas bem menores.

Cerca de 80% dos pensionistas recebem uma reforma de 364 euros, enquanto há cerca de 5 mil reformas milionárias, isto é, acima dos 4 mil euros e cerca de 60 indivíduos com reformas de quase 17 mil euros por mês. Os salários no sector público caíram cerca de 20%, no sector privado não estarão muito longe; contudo, a Comissão Europeia já veio dizer que os salários nominais (não entra em linha de conta com a desvalorização resultante da inflacção) terão de cair uns 5% para que o país possa reduzir o défice externo nos próximos 10 anos. Ora, quando diz 5%, como diz que a queda foi apenas de 6% de 2010 até agora, sabendo todos nós que foi 3 a 4 vezes mais, deverá querer dizer um pouco mais.

Não estando à espera da troika vir dizer onde e como deve cortar, o chefe do bando já anunciou mais cortes nos rendimentos dos trabalhadores do estado, os eternos cepos das marradas e ensaio para o que irá acontecer mais tarde em todo o sector privado: implementação de tabela única de suplementos, em Junho, e tabela remuneratória única, em Dezembro, ao que parece a melhor forma de aumentar e tornar definitivos os cortes salariais sem haver risco de chumbo por parte do Tribunal Constitucional. Bem razão tem o tal chefe de bancada do bando principal, mostrando-se um pouco menos poltrão que o chefe do bando, se a vida das pessoas (que trabalham) não está melhor, o “país” está muito melhor: em 2011, os 10 por cento mais ricos (este é que o verdadeiro país de que o bando principal fala) reuniam 27,3% do rendimento global das famílias portuguesas num ano e Portugal é um dos países europeus com mais concentração de rendimentos nas famílias mais ricas – ficou-se a saber (embora, já se soubesse) no Dia Mundial da Justiça Social.

Claro que nem necessário será falar da dívida soberana que aumentou desde 2011, ultrapassou os 130% do PIB, que por sua vez encolheu, diga-se em abono da verdade, enquanto o acordado no Memorando da Troika era de 114,9%; ou os números do défice das contas do estado que deveriam ter ficado pelos 3% em 2013, mas que dispararam para mais de 5%, quase o dobro, o que fará com que o endividamento prossiga de vento em popa. Fica mais que evidente que o défice das contas públicas, que não deve ultrapassar os 0,5% do PIB, não passa de um instrumento para manter a dívida e impedir que haja investimento em sectores da economia ou dos serviços de carácter social.

Toda a vida do país, no conceito abrangente do povo que trabalha, será toda dirigida para o cumprir a meta do défice, ou seja, manter e pagar a dívida. Esta é o nó da forca que garrota o pescoço do povo português, razão mais que suficiente para que as metas impostas pelo Pacto Orçamental não devam ser cumpridas e a Dívida Soberana não deva ser paga. Estes dois instrumentos têm contribuindo para o empobrecimento galopante dos trabalhadores portugueses: se, em 2010, 2,28 milhões de famílias (famílias, não indivíduos) recebiam menos de 10 mil euros, em menos de dois anos depois já eram 3,04 milhões, isto é, houve um aumento de 33,1% no empobrecimento.

Como é óbvio nestas contas não se encontram os desempregados, os emigrados, e aqueles que já não são gente porque não entram nas estatísticas. Serão ao todo 40%, 50%, 60% da população portuguesa a viver dentro da pobreza? Não se sabe bem, porque os números das estatísticas oficiais escondem a dura realidade, mas serão de certeza uma larga maioria do povo empobrecida graças a esta política que o principal bando quer apresentar como a única, aquela que não tem alternativa.

Este empobrecimento é a única alternativa, na verdade, mas para que os 10% indivíduos mais ricos se tornem ainda mais ricos, os bancos consigam sair da situação de pré-falência em que se encontram (em 2013, os seis principais bancos privados tiveram um prejuízo de 1 560 milhões de euros, mais 353 milhões que em 2012; e a CGD, o banco do estado, um prejuízo de 576 milhões de euros, superior ao prejuízo de 395 milhões do ano anterior), e a burguesia nacional consiga aguentar o impacto da concorrência externa.

Nem o país está melhor, nem o bando principal se encontra em melhor situação do que aquele. Não se pretendendo entrar pela análise do que se passou no dito congresso, já andam por aí analistas de sobra, a ideia com que se ficou foi a de que o bando se encontra em desagregação, parte dele estará a fazer as malas para mudar de poiso, enquanto a camarilha dirigente se une cada vez mais. Foi um regalo ver todos os comentadores-paineleiros televisivos a aplaudir o chefe, ver reconduzido o incontornável Relvas em posição cimeira do bando e até um morto-vivo Lopes a fazer prova de vida.

O discurso oficial foi o mesmo, culpar uma parte dos portugueses pela infelicidade da outra parte, depois dos velhos serem culpados pela desgraça dos novos, dos empregados pela dos desempregados, dos funcionários públicos pela dos do sector privado, agora assistiu-se à responsabilização dos portugueses que não pagam impostos pela desgraça das misérias das contas públicas. Ficou-se também a saber, embora não fosse novidade que esta política tem o apoio da burguesia nacional, pedindo-se medidas mais restritivas quanto aos direitos dos trabalhadores, nomeadamente, maior limitação do direito à greve.

O “convite” do principal bando ao compromisso por parte do PS até seria desnecessário porque o saque tem-se efectuado nestes quase 40 anos de democracia de opereta graças a esse consenso, a esse entendimento político, se a intenção não fosse outra. E a intenção é, para já, retirar capital político ao PS, para que não vença as próximas eleições europeias, para mostrar que a política a seguir por outro governo, eventualmente com o PS, será a mesma porque a política é a que foi acordada/imposta por Bruxelas, com ou sem FMI (troika).

A sacro-santa disciplina orçamental é para manter, disse a ministra swaps em recente encontro internacional, e a assistência financeira, seja qual for a forma que revista, será mais que certa. A troika sai sem sair, a austeridade é para manter e intensificar, o derrube do governo é uma tarefa mais que urgente. Não se pode contar com o PS, este tem sido o principal suporte do governo, tanto ou quase tanto como o partido do táxi, assim os restantes partidos que se dizem oposição poderiam juntar-se nem que fosse só para esta tarefa: o PCP diz-se disponível para “negociar, convergir, com todos aqueles, mas todos, que queiram pôr este Governo na rua e acabar com esta política”. Claro que sem hegemonias e em pleno pé de igualdade. Esperamos para ver, se não acontecer, não se queixem de virem a ser acusados de cumplicidade.

Derrube do governo, já!

PS: Se acompanhado pelo PR Cavaco tanto melhor!

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