quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Substituição de governo (funcionários) em tempo de cólera

  

Costa apresentou a demissão ao PR Marcelo e este de imediato aceitou, parecendo que já estava à espera do acontecimento. A razão do pedido toda a gente a conhece, ou talvez não, porque muitas vezes o pretexto não é a causa, apenas um meio para resolver um problema e esconder a verdadeira razão. No caso presente, o leitmotiv foi o envolvimento do nome Costa em processo de escutas sobre o alegado envolvimento de figuras do seu gabinete e de amizade próxima em corrupção, tráfico de influências e vantagens indevidas no negócio do século da transição energética pelo lítio e hidrogénio verde. O “capitalismo verde” não será melhor que o actual, porque são exactamente o mesmo.

A judicialização da política em benefício do establishment

Após a demissão e apurando-se que terá havido um “lapso” (o “erro” é intencional), afinal, o Costa será o outro, o da Economia, mas nem Costa retirou o pedido de demissão, também as eleições antecipadas já estão marcadas, nem a Gago da PGR veio abaixo. Fica-se com a ideia que toda a gente ficou satisfeita com a nova situação, desde o PS à oposição, passando por Marcelo. E quanto ao processo e depois da decisão do juiz sobre as medidas de coação impostas aos presumíveis prevaricadores, a acusação de corrupção, que fez correr meio mundo ou mundo inteiro da política e da comunicação mainstream, acabou por cair, entretanto, a máquina para o assalto ao pote entrou em movimento desenfreado e agora nada nem ninguém a fará parar.

Estranhamos que, sendo a Procuradora Geral da República pessoa de confiança do governo PS e de Costa, pelo menos foi acusada de o ser pelos partidos de direita que a compararam com a anterior, essa, sim, é que era boa porque não condescendia com os crimes do PS, Costa não soubesse que iria rebentar a bomba que poderia causar a sua demissão e do seu governo, porque a investigação decorria desde o dia 17 de Outubro, segundo a dita PGR. Este caso faz-nos lembrar outro caso semelhante, o da Casa Pia, que envolveu os nomes de Ferro Rodrigues, então secretário geral do PS, e outra figura socialista importante, Paulo Pedroso, que chegou a estar preso alguns meses. Quando Durão Barroso deu de frosques, o presidente da república de então, Jorge Sampaio, em vez de convocar eleições antecipadas, preferiu manter o PSD no governo com um novo primeiro-ministro, surgindo assim a figura caricata de Santana Lopes como chefe do governo. E por que isto terá acontecido, talvez pelas mesmas razões de agora?

É que, durante o tempo de governo Santana Lopes, o PS mudou de direcção, surgiu o jovem turco Sócrates, e só depois, e alegando incapacidade do governo PSD para manter a governação, Sampaio descarta o governo, dissolve a Assembleia da República e convoca eleições, com o resultado que sabemos, vitória ao PS. Ficamos com a sensação de que a direcção de Ferro Rodrigues no PS não seria de grande confiança para o establishment a fim de fazer frente aos tempos difíceis que se avizinhavam e que trouxeram a troika a Portugal. Já com novo governo e dirigido pelas pessoas certas, Ferro Rodrigues e Paulo Pedroso viram cair as suspeições de quem eram objecto, mas ficaram com o futuro político prejudicado. Esta intervenção da justiça na política, lawfare ou judicialização da política, foi realizada a contento e em benefício de uma ala do PS e, sobretudo, das elites que dominam o país. Estaremos a assistir a algo semelhante com o derrube de este governo PS e do seu chefe que, ao contrário do antecessor, estará em condições de continuar com a carreira política, possivelmente até Belém?

A disputa pelo acesso ao pote

Devemos fazer correr a fita do tempo um pouco para trás e lembrar-nos que nas últimas eleições legislativas, que foram antecipadas, todos, partidos e cidadãos, esperavam que o PS se ganhasse seria por um triz e que haveria a forte possibilidade, fazendo fé nas sondagens e na vitória do Moedas com a sua coligação nas eleições para a Câmara de Lisboa, de o PSD vir a ser o vencedor e poder criar, mas em sentido contrário, uma geringonça, como, aliás, veio acontecer para o Governo Regional dos Açores, mas o raio é que o PS conseguiu, sabe-se lá como, tirar da cartola uma maioria absoluta – um desaforo!  Mal o governo PS, e outra vez chefiado pelo Costa, tomou posse, de imediato toda a sorte de ataques e de agoiros foram lançados sobre os malditos que estavam destinados a gerir sozinhos os mais de 55 mil milhões de euros que virão de Bruxelas até 2027.

E com o objectivo de enfiar a mão na massa que a oposição, nomeadamente a que fica mais do lado direito, procurou de imediato todos os pretextos e incidentes: a substituição do ministro das Infraestruturas, que deveria estar a incomodar alguém, pelo famigerado Galamba, e a estória rocambolesca do portátil com segredos de estado que deveria ter resultado na demissão deste último. Por que é que Marcelo não despachou o Costa nessa altura? Muito possivelmente teve medo de o PS vir a ganhar de novo as eleições e assim ficaria, ele presidente da república, em situação deveras delicada. Costa e governo ficaram em funções, mas alguma coisa deveria ser feita de molde a dar a chance ao outro bando da governação poder aceder ao quinhão a que se acha direito: ou há moralidade ou comem todos!

Nunca é despiciendo falar do bolo que as nossas elites estão à espera e que será mais tarde pago não por elas mas pelo povo, daí também não ser conveniente beliscar a “reputação do país”. São 8 mil milhões para o novo aeroporto; 2 mil milhões para a Ferrovia 2020, a concluir até final de 2023; 23 mil milhões do Acordo de Parceria entre Portugal e a Comissão Europeia, com aplicação entre 2021 e 2027; 22,6 mil milhões, que poderão chegar aos 30,5 mil milhões, do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que terão de ser aplicados até 2026. Resumindo, será mais de um terço de todos os fundos (150 mil milhões de euros) que Portugal (não o povo português) recebeu desde a entrada na então CEE e agora União Europeia. Percebe-se que a disputa é feroz e tudo serve para destruir o governo PS e substitui-lo por outro de cor mais alaranjada. No entanto, ouvindo os líderes do PSD e do IL, a preocupação é sempre o “país”, só nunca especificam que país é que se trata.

O que terá provocado verdadeiramente a queda do governo PS?

Henricartoon

Terá sido a pedido de “várias famílias” que o PR Marcelo, esfregando as mãos de contente, depois de aceitar o pedido de demissão do Costa e de auscultar o seu “conselho de estado”, decidiu dissolver a Assembleia da República, o tal “órgão máximo da democracia”, mas… atenção!, só depois da aprovação do Orçamento de Estado para 2024. Brinquem lá com as eleições, elejam o PS ou o PSD, sós ou acompanhados, o importante é os nossos empresários garantirem que não falhará o quinhão que lhes é devido no assalto aos dinheiros públicos, produto do assalto cometido pelo PS ao rendimento dos cidadãos comuns portugueses, vulgo povo. As elites indígenas pouco se importam com as paragonas dos seus media: «“Demissão de Costa tem “impacto brutal na reputação de Portugal”», o que eles querem é dinheiro, não sendo mero acaso o CEO dos CTT ter vindo a terreiro: «Crise política "é indesejada", mas é "mitigada" com aprovação do OE» ou uma das organizações dos patrões logo esclarecesse: «Confederação do Comércio aplaude decisão "adequada" de Marcelo de salvar OE». Com coisas sérias não se brinca: “Empresas preocupadas querem OE aprovado”.

O alarido provocado pelos media mainstream serve mais para iludir os tolos e esconder as verdadeiras causas da substituição das hostes funcionárias no governo, do género: «“Uma crise política e uma crise de regime?”; “Depois de 2902 dias como primeiro-ministro, Costa demitiu-se: já não vai bater o recorde de Cavaco”; “Uma etapa que se encerrou. Costa é a 14.ª demissão de uma longa lista”; “De governos impossíveis a “mata-borrão” das crises. Costa sai ao fim de oito anos”; “PS em choque, mas pronto para substituir Costa por um “senador” “’Bomba atómica’ na política portuguesa preocupa empresários” “Bolsa em queda após demissão de António Costa, juros da dívida mantêm-se estáveis” “Ambientalistas temem que processo do lítio retire confiança à transição verde”; “Citi avisa que agravamento da incerteza política pode pesar na dívida portuguesa”, “Banqueiros pedem estabilidade e solução rápida para a crise política”». Mas tudo não passa de espavento.

 «Eurostat confirma contração de 0,1% na Zona Euro no 3.º trimestre. Portugal caiu 0,2%». Não deixa de ser fastidioso falar em números e ainda por cima de economia, mas a verdade é que a crise é política e é, acima de tudo, económica, raramente há crise na esfera da política que não tenha subjacente uma crise económica e, no caso presente, uma crise dentro de crise, que não se sabe como e quando vai terminar, daí as guerras como consequência e solução. E pelo sexto mês consecutivo que as exportações têm vindo baixar: “Exportações encolhem 8,2% em setembro. Défice comercial atinge 2.171 milhões”. Com a procura externa a baixar, bem como a interna, daí a diminuição das importações, apesar do turismo se ter aguentado, as empresas também sofrem: “Empresas não tinham crédito tão caro desde 2008”. E o outro Costa, causador da confusão, não se engasga: «Não nos podemos iludir. Vamos ter um ano de 2024 difícil.»

O aumento da pobreza despoleta a revolta

Se a crise económica capitalista é incontornável, a pobreza em Portugal não o é menos: «“Rendimentos em Portugal são os sextos mais baixos da UE em poder de compra”; “Portugal é um país onde as desigualdades estão a crescer de uma forma muito rápida”; “Mulheres têm pensões 43% mais baixas do que os homens”; “Isto é uma doidice! Um litro de azeite a 9,99 euros?”. E onde há exploração e pobreza há revolta: “Empresas com despedimentos coletivos aumentam 28% até setembro”, “Pré-avisos de greve até setembro aumentam 290% no Estado e 50% no privado”. Mas de outro lado, contrastando: “Principais bancos já renegociaram mais de 100 mil créditos à habitação” e “Seis em cada dez pessoas têm dificuldade em pagar casa”. No entanto, os bancos nunca tiveram lucros como agora devido à alta das taxas de juro: “Margem dos cinco maiores bancos dispara 80% para 6,7 mil milhões de euros”. As assimetrias socio-económicas em Portugal nunca foram tão grandes como no tempo actual, que é indubitavelmente um tempo de cólera.

Terá sido o descambar da situação económica e social que levou de certo modo as elites a decidir que é altura de substituir o governo do PS, apesar da maioria absoluta, porque não dará garantias de poder vir a lançar sobre os que trabalham as medidas austeritárias que o grande capital necessita para sair da crise, e a repressão, que poderá ser feroz, sobre as lutas dos trabalhadores. Talvez um governo de toda a direita, incluindo o Chega e não apenas do PSD, seja o mais eficaz. Esta sim uma razão para descartar Costa e sus muchachos, coisa que ele próprio até agradece. Há quem goste de comparar Costa com Sócrates, nós preferimos comparar mais os governos de Sócrates e de Passos Coelho/Paulo Portas. O primeiro justificou a intervenção da troika de má-memória e preparou o terreno para a actuação caceteira do governo que veio a seguir, o pafioso PSD/PP, mais apetrechado a fazer o papel de polícia mau. Agora, poderemos estar a assistir a uma situação semelhante, o polícia bom governo PS/Costa irá dar lugar ao ultramontano governo PSD/Chega, que ficará na história como o mau da fita.

A situação actual é incerta e os acontecimentos são imprevisíveis e o facto palpável é que os partidos que vão concorrer às próxima s eleições legislativas antecipadas, e apesar de alguma gabarolice e muita demagogia, não parecem ter lá ficado muitos felizes com a solução encontrada pelo PR Marcelo; é que há o risco de todos eles falharem e as elites, por iniciativa própria ou por Bruxelas, entendam que fará tempo de alterar o quadro partidário actual ou encontrar uma solução mais musculada para fazer face à crise económica e acabar com o regabofe partidário. A última palavra caberá sempre ao grande capital financeiro, o verdadeiro dono da chafarica, ou ao povo dirigido pelo proletariado revolucionário que entenda tomar em mãos o seu próprio destino.

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