Eleições para o Parlamento da pretendida União
Política Europeia, sem Constituição, e as comemorações do Dia de Portugal são
dois acontecimentos de alguma forma antagónicos e que se sucederam no
calendário e que acabaram por se misturar. Um, de natureza declaradamente supranacional
apesar de não possuir qualquer poder decisório, não legisla, marca a limitação
da soberania nacional; o outro, abertamente nacionalista e identitário embora
se centre no dia de um funeral, a morte do poeta Camões, que nem foi militar
nem herói pela libertação do país, aliás, marca o fim de Portugal como nação
independente. Como não podia deixar de ser, o rei-beato Marcelo tentou centrar
na sua pessoa o protagonismo das efemérides, ocultando a dura realidade: a
nível interno, a pesada, interminável e asfixiante dívida soberana, reflexo da insolúvel
economia portuguesa; na Europa, a guerra escalada pela própria União Europeia e
que já esteve mais longe de desembocar em uma outra guerra mundial, que desta
vez será nuclear.
Após a contagem dos votos e conhecidos os
resultados para o órgão inócuo, mas dispendioso, todos os partidos concorrentes
reclamaram a vitória, um tique que já vem de há muito, ninguém terá sido
derrotado. Olhando para a abstenção, 63,46%, das maiores da UE, logo uma
derrota em toda a linha quer dos partidos quer da própria União, a imprensa
mainstream veio logo clamar de vitória, porque mais baixa do que há cinco anos,
quando foi de 69,25%, ficando apenas à frente da Eslováquia e da Croácia. Portugal
terá sido o quinto país da UE onde taxa de participação mais subiu, uma grande
vitória! Lembremo-nos que na véspera Marcelo arengou às massas e reafirmou a
ideia de que o “voto é uma arma”, só não esclareceu que dispara tiros de
pólvora seca. Nada irá mudar na União Europeia, o grau de influência dos
eurodeputados é zero e a guerra alastrará, com a desenfreada corrida
armamentista, e as dívidas soberanas nos países do Sul continuarão impedindo qualquer
veleidade de desenvolvimento económico e aumento de bem-estar social.
Sobre os resultados eleitorais dos partidos, a
situação ultrapassa o ridículo. A vitórias do PS, na voz governamental da AD
terá sido “poucachinho”, mas o PS considera que foi a desforra do resultado indevido de Março. A AD terá ganho porque não perdeu nenhum eurodeputado,
o que não aconteceu com o PS. A famigerada IL, a candidatura (e organização) mais
promovida e enaltecida por toda a imprensa de referência, terá tido vitória
esmagadora porque de zero passou para dois representantes. O Chega terá sido o
grande derrotado apesar de ter tido o mesmo resultado da IL, pela razão de não ter
segurado o eleitorado das legislativas realizadas há três meses, como o
resultado destas eleições fosse igual ou semelhante ao das legislativas, nenhum
partido segura o eleitorado, mas como ganhou dois deputados também não terá
sido perdedor. O BE e o PCP, apontados pela imprensa fofinha do regime como não
só os perdedores crónicos e condenados a desaparecer a breve trecho, ganharam
um deputado cada perante as nulas expectativas. O Livre, apesar de não eleger
ninguém, subiu de votação; e o PAN, pela voz da sua dirigente, também ganhou
atendendo às circunstâncias difíceis que enfrentou. Todos ganharam, pese o
facto de o jornal conservador, cujo patrão não paga aos funcionários e espera
pela benesse do subsídio governamental, Diário de Notícias, sentenciou: “esquerda
(está) no limiar da sobrevivência”.
A extrema-direita, a direita-radical e a direita populista, pelos vistos não há neo-nazismo na Europa na opinião de jornalistas e outros opinantes contratados, seriam o papão que viria aí em vaga tremenda para comer os bons cidadãos, as criancinhas europeias e as inefáveis e insubstituíveis democracias liberais. Afinal, os partidos que constituem o PPE ganharam e a extrema-direita ganhou apenas em países que mais se têm esforçado na continuação da guerra da Ucrânia. Macron, perante o debacle, logo correu a dissolver a Assembleia Nacional e convocar eleições legislativas. Não vá o Diabo tecê-las e perder a hipótese de vez de poder continuar no poder. Por sua vez, o alemão Olaf Scholz foi mais prudente, apesar do seu partido ter sido relegado para terceiro lugar e atrás dos neo-nazis do AfD, entendeu não convocar eleições antecipadas. No entanto, o isolamento em relação ao povo é incontornável e é o inevitável resultado destas duas direcções políticas terem lançado sobre os contribuintes a sua participação, indirectamente ainda, na guerra. O tal eixo franco-alemão esforçar-se-á em escalar o conflito segundo o agrado da potência imperial do outro lado do Atlântico.
Entre nós, não deixou de ser ridículo a
teimosia manifestada pelos jornalistas/vozes-do-dono em comprovar que Costa tem
agora a passadeira vermelha estendida para um tacho na União Europeia, em
particular, no Conselho da Europa. Os esforços incansáveis já vinham de algum
tempo antes das eleições, mas durante a campanha e depois de conhecidos os
resultados o matraquear foi constante. E até o bruxo e recadeiro-mor do reino
botou adivinhação: "Estas eleições reforçaram a autoestrada que havia para
Costa ser presidente do Conselho Europeu". Montenegro não se fez esperar,
foi quase simultâneo, manifestando o apoio do governo a tal candidatura,
seguindo o que já tinha sido afirmado pelo interessado que só avançaria com o
apoio formal do governo AD. Parece estar consumado facto da candidatura europeia
de Costa, impedindo assim a sua hipotética candidatura a Belém. Até parece que
esta gente se combina toda por trás do pano, estão todos feitos uns com os
outros, e agora nem terão disfarçada grande coisa.
Devemos salientar que um eurodeputado enfia no
bolso e durante 5 anos a módica quantia de 8 mil euros líquidos, mais 4950
euros para despesas mensais, um subsídio de 350 euros por cada sessão no
Parlamento e viagem em executiva, 24 viagens de ida ao país natal e um sem
número de subsídio de viagens, reforma aos 63 anos de idade, reembolso de 2/3
das despesas médicas. Benesses que não estão à mão do cidadão comum, muito pelo
contrário. E querem os partidos e os media do regime que os eleitores ocorram
em massa para votar num órgão destes e em tal gente. Para quê, se nem sequer
fazem leis?! Em contrapartida, o povo sofre salários miseráveis, impostos
elevados, um SNS destroçado, as medidas anunciadas pelo governo e pela ministra
irão acelerar o processo para justificar a entrega do bolo aos privados, nem
segurança social, cuja privatização se adivinha para breve, nem escola pública,
nem nada, porque a dívida soberana, imposta por Bruxelas consome todos os
recursos disponíveis.
A dívida pública, interna e externa, não
engana. “A grande maioria (70%) do aumento registado no stock de
dívida portuguesa entre 2000 e 2023 deveu-se ao pagamento de juros, de acordo
com um relatório do Banco de Portugal, divulgado nesta segunda-feira, o que
significa que o país pagou mais de 136 mil milhões de euros em juros no período
em análise” (Expresso, 03.06.24). E só no mês de Abril, governo AD, a dívida
pública aumentou em 2,5 mil milhões de euros, para atingir
273,4 mil milhões. A dívida pública é o garrote no pescoço dos portugueses,
principalmente daqueles que possuem como principal fonte de rendimento a venda
da sua força de trabalho e que impede o investimento público nas diversas áreas
económicas e sociais do país. Mas já Centeno avisara, e Centeno é a voz do
Banco Central Europeu (grande capital financeiro), que é quem na realidade
manda na União Europeia: “Banco de Portugal prevê regresso de défices devido às
novas medidas do Governo (e oposição). O supervisor nacional olha com
preocupação para as contas nacionais…” (Expresso, 07.03.2024). Não é preciso
ser bruxo para ver que a austeridade a redobrar está ao virar da esquina, daí o
PSD/CDS ter sido catapultado para o governo visto que a sua especialidade é
mais o cacete do que a cenoura.
After the EU-Elections - Leopold Maurer
Não se pode deixar passar em branco as
palavras do delicodoce Charles Michel: “Não precisamos de uma Comissão
política, mas de uma União política”. Isto a propósito de a Presidente da
Comissão Europeia Ursula von der Leyen não ter seguido a “imparcialidade”, que deve
revestir o executivo comunitário a propósito de eleições, e ter vindo a
Portugal dar uma mãozinha à candidatura da AD e ao mesmo tempo fazer propaganda
a si própria. Parece que a fräulein teve o condão de criar alguns anticorpos
em Bruxelas e ninguém se espante que venha a ser preterida por alguma figura
mais confiável e digna de crédito segundo os critérios do grande capital
financeiro. E Mario Draghi é alguém com que se pode contar, devido ao
curriculum Goldman Sachs e BCE, para colocar governos e populachos na devida
ordem e garantir os retornos esperados pelos grandes bancos e fundos de
investimento. E a guerra será uma boa fonte a não desperdiçar. Por cá, entretém-se
o reviralho com inúteis actos eleitorais de resultados patéticos, e bacocas
comemorações nacionalistas, que Marcelo se tem esforçado para que regressem ao
antigo simbolismo salazarista.
Imagem de destaque: Europe - Cristina Sampaio
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