segunda-feira, 10 de junho de 2024

As eleições europeias e o 10 de Junho

 

Eleições para o Parlamento da pretendida União Política Europeia, sem Constituição, e as comemorações do Dia de Portugal são dois acontecimentos de alguma forma antagónicos e que se sucederam no calendário e que acabaram por se misturar. Um, de natureza declaradamente supranacional apesar de não possuir qualquer poder decisório, não legisla, marca a limitação da soberania nacional; o outro, abertamente nacionalista e identitário embora se centre no dia de um funeral, a morte do poeta Camões, que nem foi militar nem herói pela libertação do país, aliás, marca o fim de Portugal como nação independente. Como não podia deixar de ser, o rei-beato Marcelo tentou centrar na sua pessoa o protagonismo das efemérides, ocultando a dura realidade: a nível interno, a pesada, interminável e asfixiante dívida soberana, reflexo da insolúvel economia portuguesa; na Europa, a guerra escalada pela própria União Europeia e que já esteve mais longe de desembocar em uma outra guerra mundial, que desta vez será nuclear.

Antero Valério Cartoon

Após a contagem dos votos e conhecidos os resultados para o órgão inócuo, mas dispendioso, todos os partidos concorrentes reclamaram a vitória, um tique que já vem de há muito, ninguém terá sido derrotado. Olhando para a abstenção, 63,46%, das maiores da UE, logo uma derrota em toda a linha quer dos partidos quer da própria União, a imprensa mainstream veio logo clamar de vitória, porque mais baixa do que há cinco anos, quando foi de 69,25%, ficando apenas à frente da Eslováquia e da Croácia. Portugal terá sido o quinto país da UE onde taxa de participação mais subiu, uma grande vitória! Lembremo-nos que na véspera Marcelo arengou às massas e reafirmou a ideia de que o “voto é uma arma”, só não esclareceu que dispara tiros de pólvora seca. Nada irá mudar na União Europeia, o grau de influência dos eurodeputados é zero e a guerra alastrará, com a desenfreada corrida armamentista, e as dívidas soberanas nos países do Sul continuarão impedindo qualquer veleidade de desenvolvimento económico e aumento de bem-estar social.

Sobre os resultados eleitorais dos partidos, a situação ultrapassa o ridículo. A vitórias do PS, na voz governamental da AD terá sido “poucachinho”, mas o PS considera que foi a desforra do resultado indevido de Março. A AD terá ganho porque não perdeu nenhum eurodeputado, o que não aconteceu com o PS. A famigerada IL, a candidatura (e organização) mais promovida e enaltecida por toda a imprensa de referência, terá tido vitória esmagadora porque de zero passou para dois representantes. O Chega terá sido o grande derrotado apesar de ter tido o mesmo resultado da IL, pela razão de não ter segurado o eleitorado das legislativas realizadas há três meses, como o resultado destas eleições fosse igual ou semelhante ao das legislativas, nenhum partido segura o eleitorado, mas como ganhou dois deputados também não terá sido perdedor. O BE e o PCP, apontados pela imprensa fofinha do regime como não só os perdedores crónicos e condenados a desaparecer a breve trecho, ganharam um deputado cada perante as nulas expectativas. O Livre, apesar de não eleger ninguém, subiu de votação; e o PAN, pela voz da sua dirigente, também ganhou atendendo às circunstâncias difíceis que enfrentou. Todos ganharam, pese o facto de o jornal conservador, cujo patrão não paga aos funcionários e espera pela benesse do subsídio governamental, Diário de Notícias, sentenciou: “esquerda (está) no limiar da sobrevivência”.

A extrema-direita, a direita-radical e a direita populista, pelos vistos não há neo-nazismo na Europa na opinião de jornalistas e outros opinantes contratados, seriam o papão que viria aí em vaga tremenda para comer os bons cidadãos, as criancinhas europeias e as inefáveis e insubstituíveis democracias liberais. Afinal, os partidos que constituem o PPE ganharam e a extrema-direita ganhou apenas em países que mais se têm esforçado na continuação da guerra da Ucrânia. Macron, perante o debacle, logo correu a dissolver a Assembleia Nacional e convocar eleições legislativas. Não vá o Diabo tecê-las e perder a hipótese de vez de poder continuar no poder. Por sua vez, o alemão Olaf Scholz foi mais prudente, apesar do seu partido ter sido relegado para terceiro lugar e atrás dos neo-nazis do AfD, entendeu não convocar eleições antecipadas. No entanto, o isolamento em relação ao povo é incontornável e é o inevitável resultado destas duas direcções políticas terem lançado sobre os contribuintes a sua participação, indirectamente ainda, na guerra. O tal eixo franco-alemão esforçar-se-á em escalar o conflito segundo o agrado da potência imperial do outro lado do Atlântico.

Entre nós, não deixou de ser ridículo a teimosia manifestada pelos jornalistas/vozes-do-dono em comprovar que Costa tem agora a passadeira vermelha estendida para um tacho na União Europeia, em particular, no Conselho da Europa. Os esforços incansáveis já vinham de algum tempo antes das eleições, mas durante a campanha e depois de conhecidos os resultados o matraquear foi constante. E até o bruxo e recadeiro-mor do reino botou adivinhação: "Estas eleições reforçaram a autoestrada que havia para Costa ser presidente do Conselho Europeu". Montenegro não se fez esperar, foi quase simultâneo, manifestando o apoio do governo a tal candidatura, seguindo o que já tinha sido afirmado pelo interessado que só avançaria com o apoio formal do governo AD. Parece estar consumado facto da candidatura europeia de Costa, impedindo assim a sua hipotética candidatura a Belém. Até parece que esta gente se combina toda por trás do pano, estão todos feitos uns com os outros, e agora nem terão disfarçada grande coisa.

Devemos salientar que um eurodeputado enfia no bolso e durante 5 anos a módica quantia de 8 mil euros líquidos, mais 4950 euros para despesas mensais, um subsídio de 350 euros por cada sessão no Parlamento e viagem em executiva, 24 viagens de ida ao país natal e um sem número de subsídio de viagens, reforma aos 63 anos de idade, reembolso de 2/3 das despesas médicas. Benesses que não estão à mão do cidadão comum, muito pelo contrário. E querem os partidos e os media do regime que os eleitores ocorram em massa para votar num órgão destes e em tal gente. Para quê, se nem sequer fazem leis?! Em contrapartida, o povo sofre salários miseráveis, impostos elevados, um SNS destroçado, as medidas anunciadas pelo governo e pela ministra irão acelerar o processo para justificar a entrega do bolo aos privados, nem segurança social, cuja privatização se adivinha para breve, nem escola pública, nem nada, porque a dívida soberana, imposta por Bruxelas consome todos os recursos disponíveis.

A dívida pública, interna e externa, não engana. “A grande maioria (70%) do aumento registado no stock de dívida portuguesa entre 2000 e 2023 deveu-se ao pagamento de juros, de acordo com um relatório do Banco de Portugal, divulgado nesta segunda-feira, o que significa que o país pagou mais de 136 mil milhões de euros em juros no período em análise” (Expresso, 03.06.24). E só no mês de Abril, governo AD, a dívida pública aumentou em 2,5 mil milhões de euros, para atingir 273,4 mil milhões. A dívida pública é o garrote no pescoço dos portugueses, principalmente daqueles que possuem como principal fonte de rendimento a venda da sua força de trabalho e que impede o investimento público nas diversas áreas económicas e sociais do país. Mas já Centeno avisara, e Centeno é a voz do Banco Central Europeu (grande capital financeiro), que é quem na realidade manda na União Europeia: “Banco de Portugal prevê regresso de défices devido às novas medidas do Governo (e oposição). O supervisor nacional olha com preocupação para as contas nacionais…” (Expresso, 07.03.2024). Não é preciso ser bruxo para ver que a austeridade a redobrar está ao virar da esquina, daí o PSD/CDS ter sido catapultado para o governo visto que a sua especialidade é mais o cacete do que a cenoura.

After the EU-Elections - Leopold Maurer

Não se pode deixar passar em branco as palavras do delicodoce Charles Michel: “Não precisamos de uma Comissão política, mas de uma União política”. Isto a propósito de a Presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen não ter seguido a “imparcialidade”, que deve revestir o executivo comunitário a propósito de eleições, e ter vindo a Portugal dar uma mãozinha à candidatura da AD e ao mesmo tempo fazer propaganda a si própria. Parece que a fräulein teve o condão de criar alguns anticorpos em Bruxelas e ninguém se espante que venha a ser preterida por alguma figura mais confiável e digna de crédito segundo os critérios do grande capital financeiro. E Mario Draghi é alguém com que se pode contar, devido ao curriculum Goldman Sachs e BCE, para colocar governos e populachos na devida ordem e garantir os retornos esperados pelos grandes bancos e fundos de investimento. E a guerra será uma boa fonte a não desperdiçar. Por cá, entretém-se o reviralho com inúteis actos eleitorais de resultados patéticos, e bacocas comemorações nacionalistas, que Marcelo se tem esforçado para que regressem ao antigo simbolismo salazarista.

Imagem de destaque: Europe - Cristina Sampaio

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