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O
resultado das autárquicas, vendo bem, não surpreendeu ninguém que tenha olhos
de ver da política do reino à beira-mar plantado. Costa, ainda antes de se
saber o resultado do concelho de Lisboa, veio arrotar vitória, com o PS a
ganhar a maioria das câmaras. Claro que o homem já conhecia a derrota na
capital, mas teve que fazer o número de circo. O principal partido da oposição,
ainda o partido por excelência da burguesia, arrecadou o maior número das
principais cidades, com excepção do Porto, e Coimbra foi emblemático, atendendo
aos recursos propagandísticos alocados pelo PS/governo.
O
PCP não tem maneira de aprender e continua a perder eleitorado e influência em
autarquias emblemáticas, Loures foi um golpe irrecuperável, não querendo
perceber que apoiar o comité de negócios do grande capital, que é o governo
PS/Costa, e o capitalismo em geral lhe será fatal. Os partidos da
extrema-direita continuam à espera de altura mais propícia, mantendo,
entretanto, a sua função de distração; bem como o BE, cuja influência não
ultrapassa a pequena-burguesia dos dois grandes centros urbanos do país, mas
que ainda sonha ser governo. Todos os partidos do regime perderam, ganhou a
abstenção.
E
nesta semana de rescaldo eleitoral, um dos maiores burlões do reino pôde sair
livremente do país para não cumprir os 19 anos de prisão efectiva (soma das
três penas a que já foi condenado), tendo faltado apenas, como já disse alguém,
a justiça ter-lhe marcado e pagado a viagem. Estes dois acontecimentos,
resultados da eleições autárquicas e fuga do burlão, espelham bem a natureza da
nossa democracia.
A
justiça tem vindo a demonstrar, desde praticamente do 25 de Abril de 1974, que
é uma justiça com dois pesos e duas medidas: lenta e branda para com os ricos e
poderosos, rápida e implacável para com os trabalhadores e os pobres. O sector
judicial foi o único que, dentro do aparelho de estado, não foi mexido,
mantendo-se imune aos escrutínio e à responsabilização perante o povo eleitor,
com juízes vitalícios e inamovíveis, gozando de privilégios e de prebendas
salariais que os restantes cidadãos não usufruem. Nenhum partido do arco da
governação teve a coragem de mexer no estatuto e privilégios dos membros deste
órgão de soberania, que, à semelhança dos outros órgãos, deveriam ser
submetidos ao escrutínio do voto do cidadão eleitor e, perante isso, poderem
ser responsabilizados e destituídos, caso houvesse razão para tal, como os
restantes. Claro que isso não acontece, porque o poder judicial e o poder
militar são os pilares de reserva para, quando os outros falharem, suster o
poder da burguesia sobre o povo.
Assim
também se perceberá que os grandes gatunos deste país, incluindo banqueiros e
políticos, jamais irão para a prisão, poderá ir algum peixe miúdo tipo Isaltino
ou Vara, para tapar os olhos e calar algumas bocas. Enquanto vão estes, não vão
os outros. Fiquem as boas consciências descansadas que o Ricardo Salgado jamais
irá bater com os costados na choldra. E, pasme-se!, quando Rendeiro diz que
está a ser bode expiatório, o homem até terá alguma razão, é que deviam estar
com o cú no mesmo mocho os restantes sócios do BPP. E quem são eles?
Precisamente Stefano Saviotti, Diogo Vaz Guedes e Francisco Balsemão. E este é,
como toda a gente sabe, um senador do regime, conselheiro de estado de Marcelo
e homem de mão do Clube Bilderberg em Portugal. Como colocar esta gente
na prisão sem abanar fortemente o regime democrático burguês, saído do 25 de
Abril+25 de Novembro?
Perante
as misérias do regime, as intrigas e tricas entre os detentores dos órgãos do
poder não cessam de surgir à luz do dia. É o governo, através de Costa e do
incompetente Cravinho, a querer substituir o Chefe do Estado Maior da Armada
pelo herói das vacinas, antes do tempo acordado para o efeito. Não exactamente
para recompensar o marinheiro, mas servindo-se dele para atacar Marcelo e
consolidar a reforma das Forças Armadas no interesse de Bruxelas, enfrentando
para isso os oficiais que estão contra a alienação do comando para as futuras
Forças Armadas da União Europeia que, de certeza, ficarão sob a chefia de algum
general alemão ou francês. Este reforço do aparelho militar servirá de igual modo
para intervenção interna no caso das polícias não conseguirem reprimir a
contestação social que se advinha num futuro próximo.
Antes
das eleições autárquicas de domingo, já o rei/presidente tinha definido o prazo
de validade do governo e de Costa, 2023. Uma data à partida compreensível na
medida em que se encontra em jogo a distribuição dos milhões da bazuca pelos
diferentes sectores das elites e das clientelas partidárias. Aliás, foi
agitando os milhões que o Costa percorreu o país de lés a lés durante o período
da campanha eleitoral. Mas caso a crise económica não seja debelada a contente
do capital e as imposições de Bruxelas não sejam caninamente postas em prática,
é quase certo que Costa será chutado já para o ano, ou seja, ainda antes do fim
do mandato do governo, eleito em 2019.
E
os indícios não são famosos: A produção industrial diminuiu 9% em termos
homólogos no mês de Agosto; Quase 300 mil famílias deixaram de pagar os
créditos no primeiro semestre, mais de 1200 milhões de euros de dívidas, mostrando
que a pobreza da dita classe média aumentou em Portugal nos últimos tempos;
Portugal tem cerca de 8.200 pessoas em situação de sem-abrigo; Moratórias caem,
menos do que se esperava, em Agosto para 36,3 mil milhões, dos quais 21,5 mil
milhões de empresas, o que revela que muitas empresas estão na ou à beira da
falência, e de nada lhes valerá os milhões da bazuca que irão na quase
totalidade e direitinhos para as grandes empresas (para além das clientelas e
dos políticos, as comissões nunca são de desprezar!).
E,
como não poderia deixar de ser, as contradições e os conflitos estalam dentro
do PS e do governo: a demissão do presidente da CP põe a nu, mais do que uma CP
bloqueada, as discordâncias de estratégia quanto ao desenvolvimento dos
transportes em Portugal, avião ou comboio, e disputas pessoais no que concerne
a enfiar a mão no pote. O controlo das despesas do estado por parte do ministro
das Finanças desagrada não tanto pelo diktat de Bruxelas, mas mais pela divisão
do saque. A vitória de Pirro do PS&Costa nas autárquicas é um sinal claro
que começou o fim do reinado rosa.
Os trabalhadores e o povo devem perder as ilusões quanto à democracia parlamentar burguesa e prepararem-se para a luta. E resolver quanto antes a questão da direcção política e ideológica, uma questão sine qua non. Um novo mundo é possível, porque necessário.
30 Setembro 2021
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