Pawel Kuczynski
Estas eleições para a Assembleia da República
serão as menos democráticas de todas as que se realizaram desde o 25 de Abril.
A campanha está a ser feita quase exclusivamente nas televisões, previamente
compradas pela publicidade covid institucional (15 milhões de euros), através
de debates entre os partidos com assento no Parlamento; todos os restantes ficaram
de fora. O pretexto é a situação pandémica do país. Como se pode ver, a
“pandemia” dá para tudo e mais um par de botas.
Nos putativos debates televisivos, assistimos
a muita conversa, mas a pouco ou nada quanto ao que os partidos pensam para a
resolução dos problemas dos cidadãos, ficando-se todos eles pelo ataque ou pelo
namoro consoante a cor. Passam o tempo a mandar, como se diz, umas “bocas”. O
principal da propaganda fica para depois, a cargo dos jornalistas que comentam
e dizem da intenção do candidato que lhes é simpático ou melhor lhes paga. Os
partidos são apagados pela figura do chefe que, por sua vez, é apresentado como
o “candidato” a primeiro-ministro. As eleições já não são para deputados à
Assembleia da Republica. Assistimos à presidencialização do regime.
A manipulação é de tal ordem que já houve um
jornal diário que abriu uma votação on-line para o “candidato que tem melhor
desempenho” no debate televisivo, podendo concluir-se que o mais votado até
será o melhor futuro primeiro-ministro. Ou seja, uma votação antecipada nos
media. É o que temos. Vendem-nos sabonetes! O jornal em causa pertence ao grupo
Global Media, sendo um dos seus acionistas um capitalista emergente que
enriqueceu à custa do trabalho precário (escravo), e cujo gestor e jornalista
ainda há pouco perorava na RTP3 sobre a possível transferência dos votos do PS
para o PSD até ao dia 30 de Janeiro. Os media apostam em Rio.
A par da maior parte da imprensa mainstream,
uma fatia significativa da nossa burguesia aposta mais num PSD revestido de
social-democracia do que propriamente num PS, apesar de este se manifestar
disposto, caso obtenha a tão almejada maioria absoluta, a usar o cacete, e não
a cenoura como tem feito até agora. Para impor as medidas consideradas
necessárias, seja por Bruxelas ou pelos rentistas nacionais, a fim de retirar a
economia nacional (capitalista) da profunda crise e estagnação onde se
encontra, não de agora, mas de quando se aderiu ao euro. O marco alemão
disfarçado foi um dos instrumentos mais importantes para nos empobrecer
enquanto os países do centro da Europa foram enriquecendo.
O PS tenta agradar a gregos e a troianos, como
tem sido seu apanágio, a uns mostra a sua docilidade e sabujice, a outros tenta
de novo a ilusão. Aos primeiros, diz que "está em condições" de
garantir estabilidade; aos segundos, promete mundos e fundos, como não tivesse
estado nos últimos seis anos no governo. Vai desde os “ajustamentos” no IRS e
IRC para “estimular melhoria dos salários” e “médico de família para todos” à
“dívida abaixo de 110% e mais 20% de rendimento médio do trabalho”. Concorrendo
na demagogia com o parceiro Rui Rio, que, por sua vez, esquecendo o passado de
mentiras dos seus antecessores do partido, igualmente promete o leite e o mel,
desde a “subida do salário médio” e de “não aumento dos impostos”, por exemplo,
ao IVA que poderá descer em algumas situações, embora provisoriamente. Claro
que, só acredita quem quer, tal é o curriculum das mentiras dos dois principais
partidos do regime.
Estes arremedos de debates têm o condão de
mostrar a desfaçatez e falta de vergonha dos participantes que pouco ou nada
dizem das suas verdadeiras intenções, somente nos dão indicação dos acordos e
conúbios a que estão dispostos a fazer depois de empalmado o votos dos cidadãos
incautos. Enquanto Rio confirma o amor ao chefe do CDS e simultaneamente amacia
o trauliteiro que foi até há pouco seu companheiro de partido, um gelatinoso
Rui Tavares propõe uma "eco-geringonça" que una Livre, PS, PAN e PEV
(a chefe do PAN já jurou fidelidade ao PS). Mais esbatidos, um Jerónimo e uma
Catarina vão carpindo as lágrimas de corno manso pela ingratidão de Costa que
neles já não confia. O chefe do PCP foi humilhado por Costa como nenhum outro
dirigente político alguma vez o foi; a chefe do BE não sabe bem ao que deve
agarrar-se, sendo quase certo que verá o partido sofrer uma das maiores
derrotas da sua história, não por ter votado contra os dois últimos orçamentos,
mas pelo oportunismo político e ideológico. A funalização dos partidos do establishment
representa não só a decadência dos mesmos como a putrefação do regime por eles
defendido.
Quando um António Saraiva, presidente da CIP
(ex-militante do PS na Lisnave, para quem não saiba) e que enfiou na falência a
empresa que herdou, lançando no desemprego os seus trabalhadores, reafirma que
o "partido mais votado deve formar governo e o segundo apoiá-lo", é
porque a situação económica está feia e não se compadece com demoras nem com
tricas partidárias. E os números não enganam: a inflação homóloga na Zona Euro
atinge novo recorde de 5% em Dezembro de 2021; os portugueses poderão pagar
mais 181 euros pela energia entre 2021 e 2022; os preços dos alimentos no
primeiro dia do ano, com o pão a aumentar entre os 17 e os 33%, e que poderão
aumentar ainda mais este ano, já que, segundo a FAO, os preços dos alimentos
subiram 28% em 2021 a nível mundial devido, segundo diz, “às disrupções nas
cadeias de abastecimento”, mas que será mais às contradições e crise da
economia capitalista.
Estas eleições estão a realizar-se em tempos
conturbados, apesar de encobertos por um manto de paz podre; tempos de
empobrecimento acelerado das camadas proletárias mais pobres, mas também de
ruína irreversível das ditas “classes médias”; ou seja, a pequena burguesia que
se encontra apavorada com a crise económica sem saída aparente, pressentindo
que o seu fim se aproxima como classe intermédia da sociedade burguesa e
capitalista. Não é só a inflação que será galopante e não será tão passageira
como alguns economistas do regime pretendem fazer crer, apesar do Banco BiG
prever a manutenção da "inflação elevada" em 2022, mas sobretudo a
destruição das empresas e dos empregos respectivos, mesmo com os apoios
perderam-se 12900 empresas em 2021, e o desemprego vai disparando, desmontando
os números oficiais martelados sobre a situação dos trabalhadores: 3000
trabalhadores da TAP foram despedidos, assim como 1500 na Banca e no sector
industrial os números são mais esparsos mas não menos importantes: Fábrica de
camisas de Mangualde encerra e deixa 67 pessoas no desemprego.
Costa faz acrobacias para agradar aos patrões,
embora pareça querer comprar os trabalhadores: “Programa do PS abre a porta às
"semanas de quatro dias" e a salário mínimo de 900 euros”. Os patrões
até nem dizem que não e os sindicatos concordam que não é prioridade por
enquanto. A ideia de pôr os trabalhadores a trabalhar menos dias não quer dizer
que vão trabalhar menos horas. Serão as mesmas só que em menos dias, isto é,
com maiores jornadas de trabalho. O que permitirá deixar mais tempo para que os
trabalhadores que, pressionados pelos baixos salários, irão procurar um segundo
ou um terceiro emprego para equilibrar as contas ao fim do mês, para assim
poderem manter o mesmo nível de vida, como acontece em economias capitalistas
mais fortes, por exemplo, EUA. Será mais horas e ritmos mais intensos de
trabalho, e salários reais mais baixos. Será, em suma, mais exploração, como
agora se vê na TAP, com menos trabalhadores, uns foram despedidos, outros com
baixa devido à covid e outras doenças, levando a que administração esteja a
impor (“convidar”) aos tripulantes que ocupem função de comissário de bordo.
Será para este tipo de recuperação económica que Costa promete um Governo tipo
"task-force".
Ninguém espere melhores tempos com esta
economia baseada no lucro e na ganância, que a taxa de inflação fique este ano
pelos modestos números apresentados pelo governo, basta olhar para o aumento
dos custos de construção de habitação nova, mais 8,5% em Novembro, nem para as
pretensas boas intenções do PS que, com o Parlamento dissolvido, não teve pejo
em enfiar mais dinheiro no Novo Banco. Em 2021 recebeu mais 429 milhões de
euros do Fundo de Resolução, e à revelia do Parlamento tentou vender dívida
(121 milhões) do construtor civil José Guilherme com um desconto de 97%. O PS,
no governo, será sempre o agente do grande capital e da corrupção. Esta bem
exemplificada na monarquia instituída nas suas fileiras, um bom exemplo entre
outros: Francisco César é candidato do Partido Socialista ao Parlamento e, caso
seja eleito, irá suceder ao pai, Carlos César, que através do partido terá
arranjado emprego para a família. E não deixando por mãos alheias os
pergaminhos da hipocrisia: PS pretende “construir ou modernizar” 100 unidades
de cuidados de saúde primário, mas simultaneamente o Hospital de Serpa encerra
urgências durante o período nocturno. Não deixa de ser simbólico.
O medo de que os portugueses, na sua maioria,
fiquem em casa no próximo dia 30, supera o medo que Costa tenta induzir quanto
ao perigo da pandemia covid-19 através das medidas que nunca deixou de impor,
desde os confinamentos ao passe sanitário, a pretexto da dita, mas com outros
fins. Costa, aproveitando este medo induzido pela propaganda covidística, quer
surgir como o salvador da Pátria aos olhos dos portugueses e sacar-lhes o voto
para uma maioria absoluta, só que o tiro poderá sair-lhe pela culatra. E,
diga-se em abono da verdade, outra coisa não merece, e se por acaso perder as
eleições, só poderá queixar-se do seu exacerbado oportunismo. É de igual modo
por oportunismo se se vier a arranjar algum “retoque legislativo” para
facilitar votação, como aventou o PR Marcelo; observação logo corroborada pela
CNE que esclareceu que não há forma de impedir cidadãos infectados, ou confinados
sem doença, de “irem votar nem como retirar o seu nome dos cadernos
eleitorais”. A burguesia é sempre a primeira a não respeitar as suas leis
quando isso lhe interessa e, assim, ficaremos esclarecidos quanto à natureza do
seu putativo “estado de direito” e da sua “democracia”... e, já agora, quanto à
gravidade da “pandemia” da covid-19. Com papas e bolos se enganam os tolos,
actualizando, poderá dizer-se: com votos e pandemias se enganam os incautos.
Mas nada é para sempre.
O PR Marcelo quer Governo para 4 anos e que
"recupere confiança perdida". Nem o governo que sair destas eleições
será para quatro anos, nem o povo irá confiar mais nesta camarilha corrupta e
neste regime em estado avançado de apodrecimento.
Os Bárbaros
09 de Janeiro 2022
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