terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Eleições em tempo de cólera

 

Pawel Kuczynski

 Ainda muito antes do início do período legal para a campanha eleitoral, os principais partidos do establishment já tinham em marcha as suas máquinas de propaganda. O PS, com a discussão do OE em curso e sendo governo, preparava-se claramente para o chumbo do dito, porque já se encontrava em estado avançado de campanha, apresentando-se como o único capaz de conduzir a recuperação económica do país. Costa, beneficiando da cumplicidade do PR Marcelo, lançou o barro à parede para eleições antecipadas e assim ganhar a maioria absoluta. Ambos intrigavam contra aquilo que propunham defender, a estabilidade política. Falta saber qual dos dois é o lacrau da fábula.

Estas eleições para a Assembleia da República serão as menos democráticas de todas as que se realizaram desde o 25 de Abril. A campanha está a ser feita quase exclusivamente nas televisões, previamente compradas pela publicidade covid institucional (15 milhões de euros), através de debates entre os partidos com assento no Parlamento; todos os restantes ficaram de fora. O pretexto é a situação pandémica do país. Como se pode ver, a “pandemia” dá para tudo e mais um par de botas.

Nos putativos debates televisivos, assistimos a muita conversa, mas a pouco ou nada quanto ao que os partidos pensam para a resolução dos problemas dos cidadãos, ficando-se todos eles pelo ataque ou pelo namoro consoante a cor. Passam o tempo a mandar, como se diz, umas “bocas”. O principal da propaganda fica para depois, a cargo dos jornalistas que comentam e dizem da intenção do candidato que lhes é simpático ou melhor lhes paga. Os partidos são apagados pela figura do chefe que, por sua vez, é apresentado como o “candidato” a primeiro-ministro. As eleições já não são para deputados à Assembleia da Republica. Assistimos à presidencialização do regime.

A manipulação é de tal ordem que já houve um jornal diário que abriu uma votação on-line para o “candidato que tem melhor desempenho” no debate televisivo, podendo concluir-se que o mais votado até será o melhor futuro primeiro-ministro. Ou seja, uma votação antecipada nos media. É o que temos. Vendem-nos sabonetes! O jornal em causa pertence ao grupo Global Media, sendo um dos seus acionistas um capitalista emergente que enriqueceu à custa do trabalho precário (escravo), e cujo gestor e jornalista ainda há pouco perorava na RTP3 sobre a possível transferência dos votos do PS para o PSD até ao dia 30 de Janeiro. Os media apostam em Rio.

A par da maior parte da imprensa mainstream, uma fatia significativa da nossa burguesia aposta mais num PSD revestido de social-democracia do que propriamente num PS, apesar de este se manifestar disposto, caso obtenha a tão almejada maioria absoluta, a usar o cacete, e não a cenoura como tem feito até agora. Para impor as medidas consideradas necessárias, seja por Bruxelas ou pelos rentistas nacionais, a fim de retirar a economia nacional (capitalista) da profunda crise e estagnação onde se encontra, não de agora, mas de quando se aderiu ao euro. O marco alemão disfarçado foi um dos instrumentos mais importantes para nos empobrecer enquanto os países do centro da Europa foram enriquecendo.

O PS tenta agradar a gregos e a troianos, como tem sido seu apanágio, a uns mostra a sua docilidade e sabujice, a outros tenta de novo a ilusão. Aos primeiros, diz que "está em condições" de garantir estabilidade; aos segundos, promete mundos e fundos, como não tivesse estado nos últimos seis anos no governo. Vai desde os “ajustamentos” no IRS e IRC para “estimular melhoria dos salários” e “médico de família para todos” à “dívida abaixo de 110% e mais 20% de rendimento médio do trabalho”. Concorrendo na demagogia com o parceiro Rui Rio, que, por sua vez, esquecendo o passado de mentiras dos seus antecessores do partido, igualmente promete o leite e o mel, desde a “subida do salário médio” e de “não aumento dos impostos”, por exemplo, ao IVA que poderá descer em algumas situações, embora provisoriamente. Claro que, só acredita quem quer, tal é o curriculum das mentiras dos dois principais partidos do regime.

Estes arremedos de debates têm o condão de mostrar a desfaçatez e falta de vergonha dos participantes que pouco ou nada dizem das suas verdadeiras intenções, somente nos dão indicação dos acordos e conúbios a que estão dispostos a fazer depois de empalmado o votos dos cidadãos incautos. Enquanto Rio confirma o amor ao chefe do CDS e simultaneamente amacia o trauliteiro que foi até há pouco seu companheiro de partido, um gelatinoso Rui Tavares propõe uma "eco-geringonça" que una Livre, PS, PAN e PEV (a chefe do PAN já jurou fidelidade ao PS). Mais esbatidos, um Jerónimo e uma Catarina vão carpindo as lágrimas de corno manso pela ingratidão de Costa que neles já não confia. O chefe do PCP foi humilhado por Costa como nenhum outro dirigente político alguma vez o foi; a chefe do BE não sabe bem ao que deve agarrar-se, sendo quase certo que verá o partido sofrer uma das maiores derrotas da sua história, não por ter votado contra os dois últimos orçamentos, mas pelo oportunismo político e ideológico. A funalização dos partidos do establishment representa não só a decadência dos mesmos como a putrefação do regime por eles defendido.

Quando um António Saraiva, presidente da CIP (ex-militante do PS na Lisnave, para quem não saiba) e que enfiou na falência a empresa que herdou, lançando no desemprego os seus trabalhadores, reafirma que o "partido mais votado deve formar governo e o segundo apoiá-lo", é porque a situação económica está feia e não se compadece com demoras nem com tricas partidárias. E os números não enganam: a inflação homóloga na Zona Euro atinge novo recorde de 5% em Dezembro de 2021; os portugueses poderão pagar mais 181 euros pela energia entre 2021 e 2022; os preços dos alimentos no primeiro dia do ano, com o pão a aumentar entre os 17 e os 33%, e que poderão aumentar ainda mais este ano, já que, segundo a FAO, os preços dos alimentos subiram 28% em 2021 a nível mundial devido, segundo diz, “às disrupções nas cadeias de abastecimento”, mas que será mais às contradições e crise da economia capitalista.

Estas eleições estão a realizar-se em tempos conturbados, apesar de encobertos por um manto de paz podre; tempos de empobrecimento acelerado das camadas proletárias mais pobres, mas também de ruína irreversível das ditas “classes médias”; ou seja, a pequena burguesia que se encontra apavorada com a crise económica sem saída aparente, pressentindo que o seu fim se aproxima como classe intermédia da sociedade burguesa e capitalista. Não é só a inflação que será galopante e não será tão passageira como alguns economistas do regime pretendem fazer crer, apesar do Banco BiG prever a manutenção da "inflação elevada" em 2022, mas sobretudo a destruição das empresas e dos empregos respectivos, mesmo com os apoios perderam-se 12900 empresas em 2021, e o desemprego vai disparando, desmontando os números oficiais martelados sobre a situação dos trabalhadores: 3000 trabalhadores da TAP foram despedidos, assim como 1500 na Banca e no sector industrial os números são mais esparsos mas não menos importantes: Fábrica de camisas de Mangualde encerra e deixa 67 pessoas no desemprego.

Costa faz acrobacias para agradar aos patrões, embora pareça querer comprar os trabalhadores: “Programa do PS abre a porta às "semanas de quatro dias" e a salário mínimo de 900 euros”. Os patrões até nem dizem que não e os sindicatos concordam que não é prioridade por enquanto. A ideia de pôr os trabalhadores a trabalhar menos dias não quer dizer que vão trabalhar menos horas. Serão as mesmas só que em menos dias, isto é, com maiores jornadas de trabalho. O que permitirá deixar mais tempo para que os trabalhadores que, pressionados pelos baixos salários, irão procurar um segundo ou um terceiro emprego para equilibrar as contas ao fim do mês, para assim poderem manter o mesmo nível de vida, como acontece em economias capitalistas mais fortes, por exemplo, EUA. Será mais horas e ritmos mais intensos de trabalho, e salários reais mais baixos. Será, em suma, mais exploração, como agora se vê na TAP, com menos trabalhadores, uns foram despedidos, outros com baixa devido à covid e outras doenças, levando a que administração esteja a impor (“convidar”) aos tripulantes que ocupem função de comissário de bordo. Será para este tipo de recuperação económica que Costa promete um Governo tipo "task-force".

Ninguém espere melhores tempos com esta economia baseada no lucro e na ganância, que a taxa de inflação fique este ano pelos modestos números apresentados pelo governo, basta olhar para o aumento dos custos de construção de habitação nova, mais 8,5% em Novembro, nem para as pretensas boas intenções do PS que, com o Parlamento dissolvido, não teve pejo em enfiar mais dinheiro no Novo Banco. Em 2021 recebeu mais 429 milhões de euros do Fundo de Resolução, e à revelia do Parlamento tentou vender dívida (121 milhões) do construtor civil José Guilherme com um desconto de 97%. O PS, no governo, será sempre o agente do grande capital e da corrupção. Esta bem exemplificada na monarquia instituída nas suas fileiras, um bom exemplo entre outros: Francisco César é candidato do Partido Socialista ao Parlamento e, caso seja eleito, irá suceder ao pai, Carlos César, que através do partido terá arranjado emprego para a família. E não deixando por mãos alheias os pergaminhos da hipocrisia: PS pretende “construir ou modernizar” 100 unidades de cuidados de saúde primário, mas simultaneamente o Hospital de Serpa encerra urgências durante o período nocturno. Não deixa de ser simbólico.

O medo de que os portugueses, na sua maioria, fiquem em casa no próximo dia 30, supera o medo que Costa tenta induzir quanto ao perigo da pandemia covid-19 através das medidas que nunca deixou de impor, desde os confinamentos ao passe sanitário, a pretexto da dita, mas com outros fins. Costa, aproveitando este medo induzido pela propaganda covidística, quer surgir como o salvador da Pátria aos olhos dos portugueses e sacar-lhes o voto para uma maioria absoluta, só que o tiro poderá sair-lhe pela culatra. E, diga-se em abono da verdade, outra coisa não merece, e se por acaso perder as eleições, só poderá queixar-se do seu exacerbado oportunismo. É de igual modo por oportunismo se se vier a arranjar algum “retoque legislativo” para facilitar votação, como aventou o PR Marcelo; observação logo corroborada pela CNE que esclareceu que não há forma de impedir cidadãos infectados, ou confinados sem doença, de “irem votar nem como retirar o seu nome dos cadernos eleitorais”. A burguesia é sempre a primeira a não respeitar as suas leis quando isso lhe interessa e, assim, ficaremos esclarecidos quanto à natureza do seu putativo “estado de direito” e da sua “democracia”... e, já agora, quanto à gravidade da “pandemia” da covid-19. Com papas e bolos se enganam os tolos, actualizando, poderá dizer-se: com votos e pandemias se enganam os incautos. Mas nada é para sempre.

O PR Marcelo quer Governo para 4 anos e que "recupere confiança perdida". Nem o governo que sair destas eleições será para quatro anos, nem o povo irá confiar mais nesta camarilha corrupta e neste regime em estado avançado de apodrecimento.

Os Bárbaros
09 de Janeiro 2022

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