sexta-feira, 3 de junho de 2022

A Armadilha da semana de trabalho de 4 dias

 

O governo anuncia, em grandes paragonas, a semana de trabalho dos 4 dias e a Agenda do Trabalho Digno, que se presume trabalho com salários dignos e sem precariedade; e com certeza serão aprovadas na Assembleia da República. A classe do patronato põe reservas, deseja sempre mais e sabe que o governo é permeável aos desejos, porque também desconfia sempre de mudanças ou modernismos, mesmo que estes lhe venham a ser favoráveis a prazo; o seu conservadorismo e falta de visão das coisas não deixam de ser genéticos.

O engodo da semana dos 4 dias

A semana dos 4 dias é um engodo que os sindicatos parecem estar a engolir, os da UGT, com entusiasmo, os da CGTP, com algum receio, mas sem ainda protestarem. O governo garante que o novo horário semanal será ainda experimental e ensaiado, pelo menos por agora, apenas no sector privado, e não haverá redução salarial. Este é o aliciante enganador para convencer trabalhadores e direcções sindicais submissas.

Se não há diminuição do salário é porque o mesmo número de horas irá ser distribuído pelo menor número de dias e, então, forçosamente a jornada de trabalho irá subir das 8 horas para as 9 horas ou 10 horas, considerando o horário semanal das 40 horas predominante no sector privado e agora distribuído pelos cinco dias. Ficando mais dias de folga e atendendo ao facto de que os salários, pela simples força do aumento brusco e rápido da inflação, irão encolher, os trabalhadores terão a tendência de trabalhar mais para recuperar a perda do poder de compra. Se chegarmos ao final do ano de 2022 com uma taxa média de inflação anual de 8% (por este andar poderá chegar aos dois dígitos), descontando o aumento dos 0,9% deste ano e fazendo contas a 14 meses de salário por ano, ficaremos com um salário reduzido em cerca de um mês; ou seja, um dos subsídios irá ao ar.

Os trabalhadores, perante o salário cada vez mais diminuto e à semelhança do que acontece em economias capitalistas mais desenvolvidas, exemplo a dos Estados Unidos, tenderão ou a fazer mais horas extraordinárias ou em arranjar mais uns biscates ou segundos ou terceiros empregos, como já acontece na área da saúde onde muitos dos trabalhadores acumulam o trabalho no sector público com o do privado, aumentando assim, e em muito, a semana de trabalho e inclusivamente a jornada que chega muitas das vezes às 12 e 16 horas, perante a complacência dos sindicatos. Por esta via habilidosa de encolher os dias de trabalho, o governo facilitará a que os capitalistas aumentem a semana de trabalho para as tão faladas 60 horas; e o estado, como mau patrão que é, de imediato seguirá os passos. A política correcta seria reverter todas as alterações às leis laborais impostas pelo troika durante o governo de PSD/CDS/Passos/Portas e não seguir o mesmo rumo mas por atalhos.

Um retrocesso civilizacional

A data do 1º de Maio, Dia internacional do Trabalhador, nasceu da luta da classe operária no último quartel do século XIX pelo horário das oito horas de trabalho (os três oitos: 8 horas de trabalho, 8 horas de descanso, 8 horas de recreio e cultura) e à custa de muitos sacrifícios, incluindo centenas de mortes pelo mundo fora; tendo irrompido inicialmente nos Estados Unidos depressa se espalhou pela Europa e pelos países mais industrializados do planeta. No tempo presente, e devido à crise grave e profunda do capitalismo e à capitulação dos sindicatos e dos partidos de esquerda, nomeadamente os que se reivindicam do comunismo, assistimos a um trágico retrocesso civilizacional da situação de vida dos trabalhadores a todos os níveis. E é exactamente um partido da pequena burguesia, que se autoproclama “socialista”, que leva a cabo a tarefa de agravar a níveis inauditos a exploração do trabalho.

Quanto à agenda ardilosa e provocadora do putativo “trabalho digno”, iremos ter exactamente o oposto: trabalho com horários extenuantes, salários miseráveis e com mais e maior precariedade. Se os patrões discordaram na dita “concertação social” foi pela simples razão de que o que foi apresentado é ainda insuficiente. Os eventuais “alargamento da compensação por despedimento” e “limitação das renovações de contratos temporários” são mais aparente que reais, porque os despedimentos continuarão a sair baratos aos patrões e os contratos temporários continuarão a ser o dominante nas novas contratações, nem sequer a intenção do governo em acabar com a precariedade dentro da função pública, como se constata pelo número enorme de professores com vinte e mais anos de serviço e cinquenta anos de idade que ainda se mantêm na precariedade ou pelo número imparável de jovens sem garantia de um futuro seguro e digno: 62% é o número de contratos a prazo entre os jovens, dos quais 82%  preferiam um trabalho sem termo, tal é a sus insatisfação.

Salário e mais-valia

A recusa do PS e do seu governo em aumentar o salário dos trabalhadores em 4% este ano alegando que isso iria escalar a inflação e mediante mereceu o quase silêncio dos partidos de esquerda e dos próprios sindicatos na justa medida em que nem uns nem outros desmontaram em termos económicos essa mentira; os protestos foram circunstanciais Ora, o salário é o preço de uma mercadoria que os trabalhadores assalariados possuem como única forma de subsistência, que é a sua força de trabalho ou trabalho, abreviando; ou seja, é o preço dos meios estritamente necessários para poderem viver e reproduzirem-se; mas, segundo a agenda eugenista actualmente em prática, nem para esta última função esses bens são suficientes daí a quebra abrupta da taxa de fertilidade, a burguesia entende que não precisa de um exército de mão de obra de reserva tão numeroso, haverá então que o diminuir. E é precisamente para aumentar o rendimento do trabalho que está aí a dita “revolução industrial 4.0”: calcula-se que um robot substitua pelos menos duas dezenas de trabalhadores e que a digitalização provoque a atomização do trabalho, embora haja capitalistas, Elon Musk é um deles, que desconsideram o teletrabalho, optando pela escravatura directa.

E como o salário é o preço de uma mercadoria também ele está sujeito às mesmas leis das outras mercadorias. Se não aumenta em proporção, no mínimo, igual, as condições de vida do trabalhador irão forçosamente degradar-se. Se isto acontecer é porque os patrões irão à partida aumentar sobejamente os seus lucros já que os custos do trabalho diminuíram; por outras palavras, a mais valia (parte do trabalho não pago e que vai além do necessário para a sobrevivência do trabalhador) extorquida ao trabalhador aumentou. Mas, por outro lado, constituindo a massa dos assalariados o grosso dos consumidores, massa que tende a aumentar com a proletarização crescente da pequena burguesia, o poder de compra (mercado) diminui, entrando o capitalismo num ciclo vicioso do qual não consegue sair sem o risco de implodir. Uma contradição irresolúvel.

A missão histórica dos partidos ditos socialistas

A prática demonstra que a política do governo do PS não tem sido mais do que garantir a exploração dos trabalhadores e, dentro do possível, aumentá-la a nível superlativo, mantendo simultaneamente a paz social. Aliás, tem sido esta a missão histórica dos partidos que se autodenominam de “socialistas” ou “social-democratas”: aumentar a exploração dos trabalhadores e reprimi-los se necessário, e, a nível externo, apoiar as guerras desencadeadas ou fomentadas pelas suas burguesias nacionais; dentro da União Europeia, a opção tem sido claramente pelo apoio ao imperialismo americano e à sua sucursal europeia UE; mais do que apoiante, um fiel lacaio, diga-se em abono da verdade, sempre à espera da recompensa. O azar é que às vezes Roma nem sempre paga a traidores.

O governo irá revelar-se cada vez mais arrogante devido à maioria absoluta e ao apoio do partido mais trauliteiro e fascistóide que, por sua vez, manterá a dupla função: assustar a pequena burguesia e alguns operários; apoiar, como se tem verificado neste curto tempo de legislatura, todas as medidas do PS contra o mundo do trabalho, especialmente as mais gravosas; este apoio será a medida exacta da verdadeira dimensão da legislação anti-operária de autoria socialista. No entanto, a arrogância apenas dissimula a cobardia política de uma corte de políticos corruptos e pusilânimes, fiéis vassalos de Bruxelas, que facilmente serão derrubados caso o povo se dispunha à luta. A saída, para quem trabalha e é explorado, será sempre a da luta e corre-se o risco (nós esperamos bem que sim) de que as lutas venham a ser tormentosas e inorgânicas, no sentido de deixarem de ser controladas pelos sindicatos e partidos reformistas, e coloquem abertamente em causa o capitalismo e o poder político do capital e do imperialismo: outro mundo é possível porque necessário.

Nenhum comentário:

Postar um comentário