O governo anuncia, em grandes paragonas, a
semana de trabalho dos 4 dias e a Agenda do Trabalho Digno, que se presume
trabalho com salários dignos e sem precariedade; e com certeza serão aprovadas na
Assembleia da República. A classe do patronato põe reservas, deseja sempre mais
e sabe que o governo é permeável aos desejos, porque também desconfia sempre de
mudanças ou modernismos, mesmo que estes lhe venham a ser favoráveis a prazo; o
seu conservadorismo e falta de visão das coisas não deixam de ser genéticos.
O engodo da semana dos 4 dias
A semana dos 4 dias é um engodo que os
sindicatos parecem estar a engolir, os da UGT, com entusiasmo, os da CGTP, com
algum receio, mas sem ainda protestarem. O governo garante que o novo horário
semanal será ainda experimental e ensaiado, pelo menos por agora, apenas no
sector privado, e não haverá redução salarial. Este é o aliciante enganador
para convencer trabalhadores e direcções sindicais submissas.
Se não há diminuição do salário é porque o
mesmo número de horas irá ser distribuído pelo menor número de dias e, então,
forçosamente a jornada de trabalho irá subir das 8 horas para as 9 horas ou 10
horas, considerando o horário semanal das 40 horas predominante no sector
privado e agora distribuído pelos cinco dias. Ficando mais dias de folga e
atendendo ao facto de que os salários, pela simples força do aumento brusco e
rápido da inflação, irão encolher, os trabalhadores terão a tendência de
trabalhar mais para recuperar a perda do poder de compra. Se chegarmos ao final
do ano de 2022 com uma taxa média de inflação anual de 8% (por este andar
poderá chegar aos dois dígitos), descontando o aumento dos 0,9% deste ano e
fazendo contas a 14 meses de salário por ano, ficaremos com um salário reduzido
em cerca de um mês; ou seja, um dos subsídios irá ao ar.
Os trabalhadores, perante o salário cada vez
mais diminuto e à semelhança do que acontece em economias capitalistas mais
desenvolvidas, exemplo a dos Estados Unidos, tenderão ou a fazer mais horas
extraordinárias ou em arranjar mais uns biscates ou segundos ou terceiros
empregos, como já acontece na área da saúde onde muitos dos trabalhadores
acumulam o trabalho no sector público com o do privado, aumentando assim, e em
muito, a semana de trabalho e inclusivamente a jornada que chega muitas das
vezes às 12 e 16 horas, perante a complacência dos sindicatos. Por esta via
habilidosa de encolher os dias de trabalho, o governo facilitará a que os
capitalistas aumentem a semana de trabalho para as tão faladas 60 horas; e o
estado, como mau patrão que é, de imediato seguirá os passos. A política correcta
seria reverter todas as alterações às leis laborais impostas pelo troika
durante o governo de PSD/CDS/Passos/Portas e não seguir o mesmo rumo mas por
atalhos.
Um retrocesso civilizacional
A data do 1º de Maio, Dia internacional do
Trabalhador, nasceu da luta da classe operária no último quartel do século XIX
pelo horário das oito horas de trabalho (os três oitos: 8 horas de trabalho, 8
horas de descanso, 8 horas de recreio e cultura) e à custa de muitos
sacrifícios, incluindo centenas de mortes pelo mundo fora; tendo irrompido
inicialmente nos Estados Unidos depressa se espalhou pela Europa e pelos países
mais industrializados do planeta. No tempo presente, e devido à crise grave e profunda
do capitalismo e à capitulação dos sindicatos e dos partidos de esquerda,
nomeadamente os que se reivindicam do comunismo, assistimos a um trágico
retrocesso civilizacional da situação de vida dos trabalhadores a todos os
níveis. E é exactamente um partido da pequena burguesia, que se autoproclama
“socialista”, que leva a cabo a tarefa de agravar a níveis inauditos a
exploração do trabalho.
Quanto à agenda ardilosa e provocadora do
putativo “trabalho digno”, iremos ter exactamente o oposto: trabalho com
horários extenuantes, salários miseráveis e com mais e maior precariedade. Se
os patrões discordaram na dita “concertação social” foi pela simples razão de
que o que foi apresentado é ainda insuficiente. Os eventuais “alargamento da
compensação por despedimento” e “limitação das renovações de contratos
temporários” são mais aparente que reais, porque os despedimentos continuarão a
sair baratos aos patrões e os contratos temporários continuarão a ser o dominante
nas novas contratações, nem sequer a intenção do governo em acabar com a
precariedade dentro da função pública, como se constata pelo número enorme de
professores com vinte e mais anos de serviço e cinquenta anos de idade que
ainda se mantêm na precariedade ou pelo número imparável de jovens sem garantia
de um futuro seguro e digno: 62% é o número de contratos a prazo entre os
jovens, dos quais 82% preferiam um
trabalho sem termo, tal é a sus insatisfação.
Salário e mais-valia
A recusa do PS e do seu governo em aumentar o
salário dos trabalhadores em 4% este ano alegando que isso iria escalar a
inflação e mediante mereceu o quase silêncio dos partidos de esquerda e dos
próprios sindicatos na justa medida em que nem uns nem outros desmontaram em
termos económicos essa mentira; os protestos foram circunstanciais Ora, o
salário é o preço de uma mercadoria que os trabalhadores assalariados possuem
como única forma de subsistência, que é a sua força de trabalho ou trabalho,
abreviando; ou seja, é o preço dos meios estritamente necessários para poderem
viver e reproduzirem-se; mas, segundo a agenda eugenista actualmente em prática,
nem para esta última função esses bens são suficientes daí a quebra abrupta da
taxa de fertilidade, a burguesia entende que não precisa de um exército de mão
de obra de reserva tão numeroso, haverá então que o diminuir. E é precisamente
para aumentar o rendimento do trabalho que está aí a dita “revolução industrial
4.0”: calcula-se que um robot substitua pelos menos duas dezenas de
trabalhadores e que a digitalização provoque a atomização do trabalho, embora
haja capitalistas, Elon Musk é um deles, que desconsideram o teletrabalho,
optando pela escravatura directa.
E como o salário é o preço de uma mercadoria também
ele está sujeito às mesmas leis das outras mercadorias. Se não aumenta em
proporção, no mínimo, igual, as condições de vida do trabalhador irão
forçosamente degradar-se. Se isto acontecer é porque os patrões irão à partida
aumentar sobejamente os seus lucros já que os custos do trabalho diminuíram;
por outras palavras, a mais valia (parte do trabalho não pago e que vai além do
necessário para a sobrevivência do trabalhador) extorquida ao trabalhador
aumentou. Mas, por outro lado, constituindo a massa dos assalariados o grosso
dos consumidores, massa que tende a aumentar com a proletarização crescente da
pequena burguesia, o poder de compra (mercado) diminui, entrando o capitalismo
num ciclo vicioso do qual não consegue sair sem o risco de implodir. Uma
contradição irresolúvel.
A missão histórica dos partidos ditos socialistas
A prática demonstra que a política do
governo do PS não tem sido mais do que garantir a exploração dos
trabalhadores e, dentro do possível, aumentá-la a nível superlativo, mantendo simultaneamente a paz social. Aliás, tem sido esta a missão histórica dos partidos que se
autodenominam de “socialistas” ou “social-democratas”: aumentar a exploração
dos trabalhadores e reprimi-los se necessário, e, a nível externo, apoiar as
guerras desencadeadas ou fomentadas pelas suas burguesias nacionais; dentro da
União Europeia, a opção tem sido claramente pelo apoio ao imperialismo americano
e à sua sucursal europeia UE; mais do que apoiante, um fiel lacaio, diga-se em
abono da verdade, sempre à espera da recompensa. O azar é que às vezes Roma nem
sempre paga a traidores.
O governo irá revelar-se cada vez mais
arrogante devido à maioria absoluta e ao apoio do partido mais trauliteiro e
fascistóide que, por sua vez, manterá a dupla função: assustar a pequena
burguesia e alguns operários; apoiar, como se tem verificado neste curto tempo
de legislatura, todas as medidas do PS contra o mundo do trabalho, especialmente
as mais gravosas; este apoio será a medida exacta da verdadeira dimensão da legislação
anti-operária de autoria socialista. No entanto, a arrogância apenas dissimula
a cobardia política de uma corte de políticos corruptos e pusilânimes, fiéis
vassalos de Bruxelas, que facilmente serão derrubados caso o povo se dispunha à
luta. A saída, para quem trabalha e é explorado, será sempre a da luta e
corre-se o risco (nós esperamos bem que sim) de que as lutas venham a ser
tormentosas e inorgânicas, no sentido de deixarem de ser controladas pelos
sindicatos e partidos reformistas, e coloquem abertamente em causa o
capitalismo e o poder político do capital e do imperialismo: outro mundo é
possível porque necessário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário