Cada vez mais o governo de Costa/PS 3.0 se assemelha ao governo de má memória Passos&Portas quanto à duplicidade da política que é aplicada. O discurso é sempre a “bem do povo” (antigamente era “nação”) mas a prática nunca deixa de favorecer as elites, com marcado prejuízo para os que trabalham e fazem funcionar o “país” – conceito diverso conforme os diferentes interesses dos que ali residem. Quando Costa diz que o “salário médio subiu 23% nos últimos seis anos”, não percebendo a polémica desencadeada pela declaração de que os salários poderão crescer mais de 20% nos próximos quatros anos da legislatura, esta reacção faz-nos pensar em outras duas declarações do passado, uma de Luís Montenegro, actual líder eleito do PSD, "a vida das pessoas não está melhor mas o país está muito melhor", a outra de Bagão Félix, ex-ministro da Segurança Social e do Trabalho no governo de Durão Barroso/PSD e das Finanças no governo efémero de Santana Lopes/PSD, “Portugal está melhor, mas os portugueses estão pior”. Costa à frente das câmaras não teve pejo em afirmar que “os trabalhadores estão mais ricos” desde que está à frente do governo, mas para seu azar os números estão constantemente a desmenti-lo, o que não deixa de ser trágico para o povo português:
- Dois terços dos portugueses cortam na
alimentação devido à subida dos preços (segundo inquérito).
- Negociação coletiva deixou menos
trabalhadores acima do salário mínimo. Percentagem de trabalhadores com
remunerações mais baixas atualizadas acima do mínimo caiu de 40% para 16% -
dados anuais relativos ao ano passado (da imprensa).
- Maioria de quem faz férias fica no
país e contém gastos. Situação de crise força a poupança, 76% tenciona
gastar o mesmo ou menos dinheiro do que no último período de descanso (segundo
inquérito).
- Portugal é o terceiro país da Zona Euro onde
o preço dos alimentos mais subiu. Bens alimentares em Portugal ficaram 7,6
pontos percentuais mais caros desde o início do ano. Subida é quase o dobro da
registada na Zona Euro (da imprensa).
- O consumo interno diminuiu e terá sido este
que fez crescer, anemicamente, o PIB no último trimestre: Portugal em
contraciclo com a Europa no novo crédito ao consumo em 2022.
- O Endividamento da economia renova máximos –
o endividamento do setor não financeiro (administrações públicas,
empresas e particulares) aumentou 5,1 mil milhões de euros, para 782,5 mil
milhões de euros em Abril (boletim do Banco de Portugal).
- Euribor em 1% agrava fatura da casa em 38
euros por mês (da imprensa).
- Os preços das habitações em Portugal subiram
quase 13% no primeiro trimestre, período em que a venda de casas a cidadãos
estrangeiros disparou quase 70%; ou seja, continua a especulação imobiliária,
agravada pela reactivação dos vistos Gold (lavagem de dinheiro das mafias
internacionais).
- Contudo, o Banco de Portugal está preocupado
com o risco de queda nos preços das casas, porque poderá afetar a estabilidade
financeira por levar ao aumento de imparidades (prejuízos) da banca ou redução
do rendimento disponível, acrescentamos nós, dos especuladores.
E a lista dos dados que revelam o estado real
da economia portuguesa, conhecidos nos últimos dias, poderia aumentar ainda
mais, mostrando que Costa mente com todos os dentes que tem na boca.
Perante a mais que certa recessão económica
que rapidamente se avizinha – a economia global tem 50% de probabilidade de
entrar em recessão, estima Citigroup –, o governo de Costa decidiu alargar por
mais três meses o apoio ao cabaz alimentar, 60 euros por mês, medida que irá
abranger "cerca de um milhão de famílias"; o que por si bem revela
que os portugueses estão piores, fazendo lembrar as palavras dos dois políticos
de direita atrás citados. No mesmo sentido o governo espanhol, do congénere
local do PS português, decidiu, para fazer face ao aumento dos preços, dar a
cada família mais carenciada 200 euros por mês, descer o IVA da electricidade
para 5%, aumentar as reformas mais baixas e outros apoios sociais, num montante
global de 9 mil milhões de euros.
Por cá, Costa não se mostra favorável à
reposição do IVA de 6%, anterior à vinda da Troika, nem ao aumento generalizado
dos salários como ficou demonstrado pelo chumbo da proposta de aumento de 4%
aquando da discussão do Orçamento de Estado para este ano. Mais recentemente, o
Parlamento volta a chumbar, desta vez, as iniciativas para acabar com bloqueios
à progressão da carreira docente; como também não deixa de ser paradigmático a
declaração do jovem turco, apontado como possível sucessor de Costa, de que o
governo “não pode aumentar os custos laborais” na TAP… porque “dá prejuízo”;
como se o aumento dos salários não fosse um investimento, por exemplo, para
melhorar a tão badalada “fraca produtividade” do trabalho em Portugal.
Quando o governo Costa/PS, juntamente com os
governos dos outros estados membros da União Europeia, privilegia a atribuição
de subsídios às famílias mais pobres em vez de subir os salários e tabelar os
preços, ou eventualmente entrar directamente no mercado com a oferta de
produtos de consumo a preços mais baixos a fim de fazer baixar a inflação, está
simplesmente a facilitar o aumento dos lucros das empresas, nomeadamente os das
grandes que dominam o mercado, e a mitigar a pobreza para evitar o conflito
social. O estado/governo apenas se substitui aos bancos alimentares das Jonets
para abafar a contestação dos trabalhadores mais pobres que poderão despoletar
uma revolta social mais ampla. Esta política do governo dito “socialista” é a
política já explicitada pelo FMI, que “diz aos países para aceitarem preços
elevados, mas protegendo os mais pobres”; isto é, acarinhar a inflação e a
especulação para que o grande capital financeiro e os grandes grupos económicos
continuem a aumentar os lucros. Ora, como a riqueza flui como a água em sistema
de vasos comunicantes, irá sempre dos mais pobres para os mais ricos. É a
política seguida pelo BCE, espécie de sucursal europeia do FMI, directamente
controlado pelo imperialismo americano, que, por sua vez, possui uma delegação
no nosso país, o Banco de Portugal, que, sempre que surge a necessidade ou a
ocasião, vem a público pela voz do seu presidente dar as directivas ao governo
e o conselho ao populacho indígena.
Trata-se da dinâmica imparável do capitalismo
– a essência, a alma – de acumulação e concentração, porque se parar o sistema
implode. E nunca esteve tão perto como nos tempos de hoje, daí a guerra, sempre
inevitável em capitalismo e domínio da burguesia. E os números vão demonstrando
que a riqueza tem crescido em Portugal desde que Costa foi para o governo, mas
essencialmente para o lado dos mais ricos e em detrimento dos mais pobres, e os
referentes a 2021 são claros: a riqueza em Portugal cresceu 3,3% em 2021. A
riqueza cresceu mas concentrou-se nos mais ricos, seguindo o que acontece a
nível global: segundo a “Global Wealth 2022 – Standing Still Is Not an Option”
e divulgada pela Boston Consulting Group (BCG), o património financeiro a nível
mundial registou a "maior subida anual dos últimos 10 anos" (10,6%),
valor recorde de 530 biliões de dólares em 2021, graças aos “ganhos nos
mercados acionistas e a um aumento da procura de ativos tangíveis"; isto
é, o capitalismo dito de “casino”, a especulação financeira, pura e dura, a
funcionar em pleno.
Esta especulação desenfreada mostra, por outro
lado, que a crise actual é uma crise de superprodução, não compensando o
investimento nos sectores produtivos, virando-se assim o capital mais para os
investimentos especulativos e para a criação de dinheiro fictício. E quanto
maior for o empreendimento neste sentido, maior será o rebentar da bolha que
vier a seguir. Cada crise gera sempre uma crise ainda maior, ao mesmo tempo que
o capitalismo esgota os seus expedientes para evitar as crises. Crises estas
que o grande capital tenta reverter sempre a seu favor, assim se percebe que
crises artificiais, como a da pandemia covid-19 e as que presentemente se estão
a preparar, crise climática e outras pandemias, serão úteis para encobrir a
verdadeira natureza da crise económica, que lhes é subjacente, e justificar as
medidas, consideradas inevitáveis, por parte dos governos do grande capital,
mesmo que disfarçando-se de “socialistas” ou de “social-democratas”, que não
deixarão de se lamentar por não terem podido fazer mais e melhor para o cidadão
comum. Entretanto, o cidadão mais rico estará cada vez mais rico.
Ao contrário dos desejos dos apologistas do
regime, os factos não correspondem aos desejos e são incontornáveis: as
importações sobem mais que exportações, o aumento do défice da balança de bens,
para 1.975 milhões de euros, reflete um crescimento das importações superior ao
das exportações (29% e 15,9%, respetivamente), sendo que o valor das
exportações e o das importações ultrapassaram os registados em Abril de 2019,
no pré-pandemia. Eis o resultado inevitável de uma moeda forte, o euro, como
instrumento monetário de uma economia que pouco produz. Qual a admiração do
fantasma da recessão já assustar as bolsas? Após uma década inédita, dinheiro
vai voltar a ter custo e a inflação na Zona Euro foi confirmada nos 8,1% em
Maio e a da União Europeia nos 8,8%. Perante o descalabro, Lagarde confirma
subida de juros como estratégia anti-crise, mas subir os juros para “combater”
a inflação é o mesmo que atirar gasolina para o fogo. Parece ser esta a medida
mais eficaz para combater a crise, o que não deixa de ser verdade, mas para
combater a crise dos lucros dos capitalistas e não a crise de sobrevivência de
quem vive do produto da venda da sua força de trabalho.
Fazendo fé nos resultados do inquérito já
referido, da Aximage quanto às quebras no rendimento nos últimos 12 meses por
parte dos portugueses, 46% dos inquiridos consideram a gestão do governo para
atenuar os efeitos da crise “muito má”, por oposição aos 14% que a avaliam de
forma positiva. Estará alguma coisa a mudar? O governo de maioria absoluta do
PS/Costa irá aguentar os quatro anos? Uma coisa é certa: a luta de classes irá
inevitavelmente intensificar-se.
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