segunda-feira, 27 de junho de 2022

“Os trabalhadores estão mais ricos”

Cada vez mais o governo de Costa/PS 3.0 se assemelha ao governo de má memória Passos&Portas quanto à duplicidade da política que é aplicada. O discurso é sempre a “bem do povo” (antigamente era “nação”) mas a prática nunca deixa de favorecer as elites, com marcado prejuízo para os que trabalham e fazem funcionar o “país” – conceito diverso conforme os diferentes interesses dos que ali residem. Quando Costa diz que o “salário médio subiu 23% nos últimos seis anos”, não percebendo a polémica desencadeada pela declaração de que os salários poderão crescer mais de 20% nos próximos quatros anos da legislatura, esta reacção faz-nos pensar em outras duas declarações do passado, uma de Luís Montenegro, actual líder eleito do PSD, "a vida das pessoas não está melhor mas o país está muito melhor", a outra de Bagão Félix, ex-ministro da Segurança Social e do Trabalho no governo de Durão Barroso/PSD e das Finanças no governo efémero de Santana Lopes/PSD, “Portugal está melhor, mas os portugueses estão pior”. Costa à frente das câmaras não teve pejo em afirmar que “os trabalhadores estão mais ricos” desde que está à frente do governo, mas para seu azar os números estão constantemente a desmenti-lo, o que não deixa de ser trágico para o povo português:

- Dois terços dos portugueses cortam na alimentação devido à subida dos preços (segundo inquérito).

- Negociação coletiva deixou menos trabalhadores acima do salário mínimo. Percentagem de trabalhadores com remunerações mais baixas atualizadas acima do mínimo caiu de 40% para 16% - dados anuais relativos ao ano passado (da imprensa).

- Maioria de quem faz férias fica no país e contém gastos. Situação de crise força a poupança, 76% tenciona gastar o mesmo ou menos dinheiro do que no último período de descanso (segundo inquérito).

- Portugal é o terceiro país da Zona Euro onde o preço dos alimentos mais subiu. Bens alimentares em Portugal ficaram 7,6 pontos percentuais mais caros desde o início do ano. Subida é quase o dobro da registada na Zona Euro (da imprensa).

- O consumo interno diminuiu e terá sido este que fez crescer, anemicamente, o PIB no último trimestre: Portugal em contraciclo com a Europa no novo crédito ao consumo em 2022.

- O Endividamento da economia renova máximos – o endividamento do setor não financeiro (administrações públicas, empresas e particulares) aumentou 5,1 mil milhões de euros, para 782,5 mil milhões de euros em Abril (boletim do Banco de Portugal).

- Euribor em 1% agrava fatura da casa em 38 euros por mês (da imprensa).

- Os preços das habitações em Portugal subiram quase 13% no primeiro trimestre, período em que a venda de casas a cidadãos estrangeiros disparou quase 70%; ou seja, continua a especulação imobiliária, agravada pela reactivação dos vistos Gold (lavagem de dinheiro das mafias internacionais).

- Contudo, o Banco de Portugal está preocupado com o risco de queda nos preços das casas, porque poderá afetar a estabilidade financeira por levar ao aumento de imparidades (prejuízos) da banca ou redução do rendimento disponível, acrescentamos nós, dos especuladores.

E a lista dos dados que revelam o estado real da economia portuguesa, conhecidos nos últimos dias, poderia aumentar ainda mais, mostrando que Costa mente com todos os dentes que tem na boca.

Perante a mais que certa recessão económica que rapidamente se avizinha – a economia global tem 50% de probabilidade de entrar em recessão, estima Citigroup –, o governo de Costa decidiu alargar por mais três meses o apoio ao cabaz alimentar, 60 euros por mês, medida que irá abranger "cerca de um milhão de famílias"; o que por si bem revela que os portugueses estão piores, fazendo lembrar as palavras dos dois políticos de direita atrás citados. No mesmo sentido o governo espanhol, do congénere local do PS português, decidiu, para fazer face ao aumento dos preços, dar a cada família mais carenciada 200 euros por mês, descer o IVA da electricidade para 5%, aumentar as reformas mais baixas e outros apoios sociais, num montante global de 9 mil milhões de euros.

Por cá, Costa não se mostra favorável à reposição do IVA de 6%, anterior à vinda da Troika, nem ao aumento generalizado dos salários como ficou demonstrado pelo chumbo da proposta de aumento de 4% aquando da discussão do Orçamento de Estado para este ano. Mais recentemente, o Parlamento volta a chumbar, desta vez, as iniciativas para acabar com bloqueios à progressão da carreira docente; como também não deixa de ser paradigmático a declaração do jovem turco, apontado como possível sucessor de Costa, de que o governo “não pode aumentar os custos laborais” na TAP… porque “dá prejuízo”; como se o aumento dos salários não fosse um investimento, por exemplo, para melhorar a tão badalada “fraca produtividade” do trabalho em Portugal.

Quando o governo Costa/PS, juntamente com os governos dos outros estados membros da União Europeia, privilegia a atribuição de subsídios às famílias mais pobres em vez de subir os salários e tabelar os preços, ou eventualmente entrar directamente no mercado com a oferta de produtos de consumo a preços mais baixos a fim de fazer baixar a inflação, está simplesmente a facilitar o aumento dos lucros das empresas, nomeadamente os das grandes que dominam o mercado, e a mitigar a pobreza para evitar o conflito social. O estado/governo apenas se substitui aos bancos alimentares das Jonets para abafar a contestação dos trabalhadores mais pobres que poderão despoletar uma revolta social mais ampla. Esta política do governo dito “socialista” é a política já explicitada pelo FMI, que “diz aos países para aceitarem preços elevados, mas protegendo os mais pobres”; isto é, acarinhar a inflação e a especulação para que o grande capital financeiro e os grandes grupos económicos continuem a aumentar os lucros. Ora, como a riqueza flui como a água em sistema de vasos comunicantes, irá sempre dos mais pobres para os mais ricos. É a política seguida pelo BCE, espécie de sucursal europeia do FMI, directamente controlado pelo imperialismo americano, que, por sua vez, possui uma delegação no nosso país, o Banco de Portugal, que, sempre que surge a necessidade ou a ocasião, vem a público pela voz do seu presidente dar as directivas ao governo e o conselho ao populacho indígena.

Trata-se da dinâmica imparável do capitalismo – a essência, a alma – de acumulação e concentração, porque se parar o sistema implode. E nunca esteve tão perto como nos tempos de hoje, daí a guerra, sempre inevitável em capitalismo e domínio da burguesia. E os números vão demonstrando que a riqueza tem crescido em Portugal desde que Costa foi para o governo, mas essencialmente para o lado dos mais ricos e em detrimento dos mais pobres, e os referentes a 2021 são claros: a riqueza em Portugal cresceu 3,3% em 2021. A riqueza cresceu mas concentrou-se nos mais ricos, seguindo o que acontece a nível global: segundo a “Global Wealth 2022 – Standing Still Is Not an Option” e divulgada pela Boston Consulting Group (BCG), o património financeiro a nível mundial registou a "maior subida anual dos últimos 10 anos" (10,6%), valor recorde de 530 biliões de dólares em 2021, graças aos “ganhos nos mercados acionistas e a um aumento da procura de ativos tangíveis"; isto é, o capitalismo dito de “casino”, a especulação financeira, pura e dura, a funcionar em pleno. 

Esta especulação desenfreada mostra, por outro lado, que a crise actual é uma crise de superprodução, não compensando o investimento nos sectores produtivos, virando-se assim o capital mais para os investimentos especulativos e para a criação de dinheiro fictício. E quanto maior for o empreendimento neste sentido, maior será o rebentar da bolha que vier a seguir. Cada crise gera sempre uma crise ainda maior, ao mesmo tempo que o capitalismo esgota os seus expedientes para evitar as crises. Crises estas que o grande capital tenta reverter sempre a seu favor, assim se percebe que crises artificiais, como a da pandemia covid-19 e as que presentemente se estão a preparar, crise climática e outras pandemias, serão úteis para encobrir a verdadeira natureza da crise económica, que lhes é subjacente, e justificar as medidas, consideradas inevitáveis, por parte dos governos do grande capital, mesmo que disfarçando-se de “socialistas” ou de “social-democratas”, que não deixarão de se lamentar por não terem podido fazer mais e melhor para o cidadão comum. Entretanto, o cidadão mais rico estará cada vez mais rico.

Ao contrário dos desejos dos apologistas do regime, os factos não correspondem aos desejos e são incontornáveis: as importações sobem mais que exportações, o aumento do défice da balança de bens, para 1.975 milhões de euros, reflete um crescimento das importações superior ao das exportações (29% e 15,9%, respetivamente), sendo que o valor das exportações e o das importações ultrapassaram os registados em Abril de 2019, no pré-pandemia. Eis o resultado inevitável de uma moeda forte, o euro, como instrumento monetário de uma economia que pouco produz. Qual a admiração do fantasma da recessão já assustar as bolsas? Após uma década inédita, dinheiro vai voltar a ter custo e a inflação na Zona Euro foi confirmada nos 8,1% em Maio e a da União Europeia nos 8,8%. Perante o descalabro, Lagarde confirma subida de juros como estratégia anti-crise, mas subir os juros para “combater” a inflação é o mesmo que atirar gasolina para o fogo. Parece ser esta a medida mais eficaz para combater a crise, o que não deixa de ser verdade, mas para combater a crise dos lucros dos capitalistas e não a crise de sobrevivência de quem vive do produto da venda da sua força de trabalho.

Fazendo fé nos resultados do inquérito já referido, da Aximage quanto às quebras no rendimento nos últimos 12 meses por parte dos portugueses, 46% dos inquiridos consideram a gestão do governo para atenuar os efeitos da crise “muito má”, por oposição aos 14% que a avaliam de forma positiva. Estará alguma coisa a mudar? O governo de maioria absoluta do PS/Costa irá aguentar os quatro anos? Uma coisa é certa: a luta de classes irá inevitavelmente intensificar-se.

temposdecolera

Nenhum comentário:

Postar um comentário