segunda-feira, 27 de junho de 2022

O Salário

 

(ou a necessidade de acabar com o regime de salariato)

Karl Marx

O salário é determinado pela luta hostil entre capitalista e operário. A necessidade da vitória para o capitalista. O capitalista pode viver mais tempo sem o operário, do que este sem aquele. Ligação entre os capitalistas: habitual e com efeito; a dos operários: proibida e com más consequências para eles. Além disso, o proprietário fundiário e o capitalista podem acrescentar vantagens industriais aos seus réditos. O operário nem renda fundiária nem juro do capital ao seu rendimento industrial. Daí tão grande a concorrência entre os operários.

Portanto, só para o operário a separação de capital, propriedade fundiária e trabalho é uma separação necessária, essencial e nociva. Capital e propriedade fundiária não precisam de permanecer nesta abstracção, mas o trabalho do operário sim. Para o operário, portanto, a separação de capital, renda fundiária e trabalho é mortal.

A taxa mais baixa e a unicamente necessária para o salário é a subsistência do operário durante o trabalho, e mais o bastante para que ele possa alimentar uma família e para que a raça dos operários não se extinga. O salário habitual é, segundo Smith, o mais baixo que é compatível com a simple humanité , a saber, com uma existência de animal.

A procura de homens regula necessariamente a produção de homens como de qualquer outra mercadoria. Se a oferta for muito maior do que a procura, então uma parte dos operários cai na situação de miséria ou na morte pela fome. A existência do operário é, portanto, reduzida à condição da existência de qualquer outra mercadoria. O operário tornou-se uma mercadoria e é uma sorte para ele quando consegue encontrar quem o compre. E a procura, da qual a vida do operário depende, depende do capricho do rico e capitalista.

Se a quantidade da oferta excede a procura, então uma das partes constitutivas do preço – lucro, renda fundiária, salário – é paga abaixo do preço, portanto uma parte destas prestações subtrai-se a esta aplicação e o preço de mercado gravita para o preço natural como ponto central.

Mas, 1) se, com uma grande divisão do trabalho, para o operário é dificílimo dar ao seu trabalho um outro rumo, 2) na sua relação subalterna para com o capitalista cabe-lhe antes de mais a desvantagem.

Com a gravitação do preço de mercado para o preço natural, o operário perde, portanto, ao máximo e incondicionalmente. E precisamente a capacidade do capitalista de dar um outro rumo ao seu capital quer põe sem pão o ouvrier , restringido a um determinado ramo de trabalho, quer o força a submeter-se a todas as exigências desse capitalista.

As oscilações acidentais e súbitas do preço de mercado atingem menos a renda fundiária do que a parte do preço decomposta em lucro e salário, mas menos o lucro do que o salário. Por cada salário que sobe há na maior parte das vezes um que fica estacionário e um que cai.

O operário não precisa de necessariamente ganhar com o ganho do capitalista, mas necessariamente perde com ele. Assim, o operário não ganha quando o capitalista mantém o preço de mercado acima do preço natural através de segredos de comércio ou de fabrico, através do monopólio ou da situação favorável do seu pedaço de terra.

Mais: Os preços do trabalho são muito mais constantes do que os preços dos meios de vida. Frequentemente estão em relação inversa. Num ano caro, o salário diminui por causa da diminuição da procura, eleva-se por causa da elevação dos meios de vida. Portanto equilibra-se. Em todo o caso, uma quantidade de operários fica sem pão. Em anos baratos, o salário eleva-se por causa da elevação da procura, diminui por causa dos preços dos meios de vida. Portanto equilibra-se.

Outra desvantagem do operário:

Os preços de trabalho das diversas espécies de trabalhos são muito mais diversos do que os ganhos dos diversos ramos onde o capital se aplica. No trabalho, toda a diversidade natural, espiritual e social da actividade individual se destaca e é paga diversamente, enquanto o capital morto segue sempre no mesmo passo e é indiferente perante a actividade individual real.

É sobretudo de notar que, onde o operário e o capitalista sofrem igualmente, o operário sofre na sua existência, o capitalista no ganho do seu Mamon (deus da riqueza na mitologia fenícia e síria) morto.

O operário não tem apenas de lutar pelos seus meios de vida físicos, tem de lutar pela aquisição de trabalho, isto é, pela possibilidade, pelos meios de poder realizar a sua actividade.

Consideremos as 3 situações principais em que a sociedade se pode encontrar e observemos a posição do operário nelas.

I) Se a riqueza da sociedade estiver em declínio, então o operário sofre ao máximo, pois: ainda que a classe operária não possa ganhar tanto como a dos proprietários na situação próspera da sociedade aucune ne souffre aussi cruellement de son déclin que la classe des ouvriers .

2) Consideremos agora uma sociedade na qual a riqueza progrida. Esta situação é a única favorável ao operário. Aqui começa a concorrência entre os capitalistas. A procura de operários excede a sua oferta: Mas:

Primeiro: A elevação do salário leva a trabalho a mais entre os operários. Quanto mais eles querem ganhar, tanto mais têm de sacrificar o seu tempo e, desapossando-se completamente de toda a liberdade, executar trabalho de escravos ao serviço da cupidez. Com isso, eles encurtam o seu tempo de vida. Este encurtamento da duração da sua vida é uma circunstância favorável à classe operária no seu todo, porque por isso se toma sempre necessária nova oferta. Esta classe tem sempre de sacrificar uma parte de si própria para não soçobrar totalmente.

Mais: Quando se encontra uma sociedade em enriquecimento progressivo? Com o crescimento de capitais e réditos de um país. Mas isto só é possível

a) contanto que seja amontoado muito trabalho, pois capital é trabalho amontoado; portanto, contanto que sejam retirados ao operário cada vez mais produtos seus, que o seu próprio trabalho cada vez mais o defronte como propriedade alheia e cada vez mais os meios da sua existência e da sua actividade se concentrem na mão do capitalista.

b) O amontoamento do capital aumenta a divisão do trabalho, a divisão do trabalho aumenta o número dos operários; inversamente, o número dos operários aumenta a divisão do trabalho, tal como a divisão do trabalho aumenta o amontoamento dos capitais. Com esta divisão do trabalho, por um lado, e o amontoamento dos capitais, por outro, o operário toma-se cada vez mais puramente dependente do trabalho, e de um trabalho determinado muito unilateral, maquinal. Portanto, assim como é corpórea e espiritualmente reduzido a máquina - e de homem a uma actividade abstracta e a um estômago -, assim também se torna cada vez mais dependente de todas as oscilações do preço de mercado, da aplicação dos capitais e do capricho do rico. Na mesma medida, a concorrência dos operários é elevada pelo crescimento da classe de homens que apenas trabalha, portanto o seu preço baixa. No sistema fabril, esta posição do operário atinge o seu ponto culminante.

c) Numa sociedade que se encontra em crescente prosperidade, já só os mais ricos de todos podem viver do juro do dinheiro. Todos os restantes têm com o seu capital que montar um negócio ou de o lançar no comércio. Por este facto, a concorrência entre os capitais torna-se, portanto, maior, a concentração dos capitais torna-se maior, os grandes capitalistas arruínam os pequenos e uma parte dos outrora capitalistas afunda-se na classe dos operários, a qual, com esta entrada, sofre em parte de novo uma redução do salário e cai numa dependência ainda maior dos poucos grandes capitalistas. Na medida em que o número dos capitalistas se reduziu, quase deixou de existir a sua concorrência relativamente aos operários, e, na medida em que o número dos operários aumentou, a concorrência deles entre si tornou-se tanto maior, mais desnaturada e mais violenta. Por isso, uma parte do estado operário cai, assim, necessariamente na miséria ou no estado de morrer à fome, tal como uma parte dos capitalistas médios cai no estado operário.

Portanto, mesmo na situação da sociedade que é mais favorável ao operário, a consequência necessária para o operário é trabalho a mais e morte prematura, descer à condição de máquina, de servo do capital que se amontoa perigosamente perante ele, nova concorrência, morte à fome ou mendicidade de uma parte dos operários.

A elevação do salário suscita no operário a mania do enriquecimento, própria do capitalista que, contudo, ele só pode satisfazer pelo sacrifício do seu espírito e corpo. A elevação do salário pressupõe o amontoamento do capital – e conduz a ele; portanto, coloca o produto do trabalho como cada vez mais estranho perante o operário. Na mesma medida, a divisão do trabalho torna-o cada vez mais unilateral e dependente, tal como acarreta a concorrência não só dos homens, mas também das máquinas.

Uma vez que o operário desceu à condição de máquina, a máquina pode enfrentá-lo como concorrente. Finalmente, tal como o amontoamento do capital aumenta a quantidade da indústria e, portanto, dos operários, a mesma quantidade da indústria traz, com esta acumulação, uma maior quantidade de obras que se torna sobreprodução e acaba ou por pôr sem trabalho uma grande parte de operários ou por reduzir o seu salário ao mais miserável mínimo.

Estas são as consequências de uma situação da sociedade que é a mais favorável ao operário, a saber, a situação da riqueza crescente, progressiva.

Mas, por fim, esta situação crescente tem que atingir um dia o seu apogeu. Qual é, então, a posição do operário?

3) «Num país que tivesse atingido o último estádio possível da sua riqueza salário e juro de capital seriam ambos muito baixos. A concorrência entre os operários para obter ocupação seria tão grande que os salários seriam reduzidos ao que é suficiente para manter o dito número de operários e, estando já o país suficientemente povoado, este número nunca poderia aumentar. O a mais teria de morrer.

Portanto, na situação em retrocesso da sociedade: miséria progressiva do operário; na situação em progresso: miséria complicada; na situação plena: miséria estacionária.

(Retirado de “Manuscritos Económico-Filosóficos de 1844” de Karl Marx. Ed. Avante. 1993)

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