No dia anterior em que o governo e os
sindicatos da UGT assinam o acordo “histórico” plurianual (vigorará até 2026) sobre
aumentos salariais para o sector dos trabalhadores da Função Pública, mas que
que se estenderá para todo o sector laboral, ficou-se a saber que a Galp
registou uma subida nos seus lucros de 86%, para 608 milhões de euros, nos
primeiros nove meses do ano.
A subida média dos salários será na ordem dos
2% ao ano, os salários mais baixos terão uma subida um pouco maior, o salário
mínimo será de 761,58 euros em 2023, em percentagem bem inferior à inflação
média anual, que no fim deste ano será bem à vontade de dois dígitos, e ainda
mais distante da percentagem da subida dos lucros das grandes empresas, ou
melhor dizendo, do aumento escandalosos da riqueza dos seus acionistas.
O putativo “O Acordo de Rendimentos e
Competitividade”, assinado pelo Governo e os parceiros sociais (a CGTP de fora)
no passado dia 9 de Outubro, já tinha sido de agrado geral dos patrões, se a
CCP não esteve na cerimónia de assinatura, apesar de ter subscrito o documento, foi pela simples razão de que queria mais e não pela menos boa condução do
processo.
A aprovação do “acordo de parceiros sociais” e
o aumento geral dos salários por quatro anos foi declaradamente uma vitória
para a burguesia e mais uma derrota para a classe dos trabalhadores
assalariados. De há muito que os trabalhadores têm vindo a ser derrotados, manietados
por sindicatos da ordem que se vendem por poucas migalhas e garantem a quem
explora os trabalhadores a paz social.
Curiosamente, mas sem espanto, tem sido o
partido dito “socialista” que melhor tem conduzido este processo, daí o facto
de, em situações de maior aperto para a burguesia nacional, ser catapultado
para a governação mesmo quando não ganha as eleições. Por outro lado, a também
dita “concertação social” faz da Assembleia da República gato sapato, um órgão praticamente inútil.
A concertação dos lucros do capital à custa de
maior exploração de quem trabalha e produz, que tem visto constantemente a
redução dos seus rendimentos, principalmente de há vinte anos para cá, isto é,
desde que o país adoptou o euro como moeda oficial, já estava à partida
prevista no Orçamento de Estado para o ano de 2023. A certeza de que a paz
social estaria garantida era um dado adquirido e vamos lá ver como os outros
sindicatos, afectos à CGTP, vão quebrar este pacto e impor a actualização anual
dos salários em valores, no mínimo, próximos da taxa de inflação.
O acordo dos parceiros sociais garantiu de
imediato mais 3.000 milhões, a juntar a outros milhões de euros, de apoio às
empresas (as grandes) para fazerem face ao aumento brutal do preço do gás e
eletricidade. Dentro de este âmbito e referindo-se ao Orçamento, Costa declara descartar
que este orçamento seja um "orçamento de contenção" na medida em que
prevê 8 mil milhões de euros em apoios "às empresas e famílias". Não diz que na
realidade é apenas às empresas, porque se o fizesse desmascarava-se; mas
facilmente se vê que os apoios referidos, onde se inclui o cheque de 125 euros,
servem somente e apenas para financiar a inflação e evitar, pelos menos em
tempo próximo, a contestação social.
Marcelo, amigo de ocasião do governo Costa-PS,
veio logo a correr, entre as contínuas e frequentes viagens ao estrangeiro, dizer
que o acordo cria "almofada" para os próximos anos. Será assim um
amortecedor para a crise endémica do capitalismo nacional e, vamos lá ver!, do
descontentamento popular. O monárquico PR vela, antes do mais, pelos interesses
da classe a que pertence e de quem especificamente lhe pagou as campanhas
eleitorais, que ele não se cansa de referir quer foram baratinhas. Quando entra em
contradição como o governo, fá-lo mais quanto à forma da governação, ou por
interesses pessoais, do que propriamente quanto ao conteúdo.
OE de 2023 fica bem definido pelas palavras do
governador do Banco de Portugal, sucursal do Banco Central Europeu, o
incontornável Centeno, que aparece nos media mainstream como tivesses sido
escrutinado pelo voto dos portugueses, por esperar ter “o menor défice da zona
euro no próximo ano”. Será, outra vez, ir para além da troika. Antes dele, já
Costa tinha dito que o governo já esgotara a margem para aumentos gerais na
Função Pública. O défice está primeiro, mas só para os trabalhadores.
Por detrás das declarações destes dois homens de mão do grande capital financeiro representado por Bruxelas, teremos de ver a crónica e prolongada crise económica, agora agravada pela cruzada belicista contra os infiéis do Oriente; agravamento decorrente da corrida aos armamentos, em preparação aberta de uma outra guerra mundial, e pela carestia inusitada da energia, que já se fazia sentir antes da deflagração da guerra na Ucrânia como consequência da crise inata do capitalismo. A realidade, como a prova do algodão que não engana, repetimos, vinha de trás.
Espera-se que, logo que acabem os apoios às empresas, no quadro (com a justificação) do combate às consequências da pandemia (estados de emergência), as insolvências de empresas deverão subir 30% no final de 2022. Serão predominantemente pequenas e médias empresas nacionais, no contínuo e imparável processo de acumulação e concentração do capital; processo que se acelera quando se regista uma forte baixa da taxa de lucro e um excesso de produção, como está desde algum tempo a acontecer.
Nestes períodos o desemprego é mais do que inevitável e, com os tais “apoios” do Costa, irá somente disparar mais lentamente. No entanto, o sinal está dado e por uma grande empresa alemã: Adidas vai despedir até 300 trabalhadores na Maia – para o jornal do regime “Expresso”, a Adidas irá “dispensar” 300 “colaboradores”, é o português suave e o despedimento democrático. Lá fora, a holandesa Philips vai despedir 4.000 trabalhadores e a Royal Mail (serviços de correios) vai despedir seis mil. É o princípio do fim. Outra estratégia é fomentar a entrada de imigrantes que, agarrando qualquer trabalho para sobreviverem, aceitam salários mais baixos o que, juntamente com o desemprego, faz diminuir ainda mais os salários nominais. Entretanto a Shell quase que triplica os lucros, no primeiro semestre do ano, para 25.156 milhões de dólares (25.359 milhões de euros).
Os tais apoios às empresas e não às famílias
estão a ser feitos à custa de um maior endividamento do estado e, segundo os
números que são públicos recentemente, o endividamento das famílias e das
empresas, que o governo diz querer defender, não está a diminuir, bem pelo
contrário: endividamento da economia sobe em Agosto para 794,4 mil milhões de
euros. E o estado continua a endividar-se: dívida direta do Estado somava 279,9
mil milhões de euros em Setembro, mais 1,4 mil milhões do que no final do ano
passado (IGCP); custo da dívida pública portuguesa quase triplicou no espaço de
dois anos; o serviço da dívida também subiu para 6,8 mil milhões de euros em
2023, mais 8,2 % do que o valor orçamentado para este ano. Todos os apoios
anunciados irão sair dos bolsos dos trabalhadores e da classe média, esta em
ritmo acelerado de empobrecimento.
E sairá da carteira do cidadão comum os
milhões que estão a ir, outra vez, para os bancos, e diz o Macedo da CGD que "partimos
para esta crise com bancos mais saudáveis". Não parece, a diferença é que
a extorsão é agora mais disfarçada e em modo suave. E os bancos discretamente vão
levando a deles avante, pedindo 1.372 milhões de euros em créditos fiscais e
fisco a pagar já 397 milhões; o Novo Banco recebeu a quase totalidade dos
reembolsos, sem que as verbas tenham sido inscritas no Orçamento de Estado. Os americanos
da Lone Star agradecem a generosidade.
No início do Verão assistimos a uma campanha
levada cabo pelos partidos de direita, e acolitados pelo bastonário da Ordem
dos Médicos, no deita-abaixo do SNS no que dizia respeito aos serviços de obstetrícia
e ginecologia e respectivas urgência e blocos de partos, o “Público” deu o tiro
de partida, e mais tarde viemos a saber que o grupo Sonae, o dono do pasquim,
tinha interesses no sector da saúde, lançando um seguro de saúde que pretende
atingir um milhão de clientes. Agora assiste-se à campanha da pobreza.
Nesta campanha, desta feita lançada pelo jornal
do regime e propriedade do sócio número um e fundador do PSD, ainda o principal
partido da oposição, ficou-se a saber que a fome é tanta no seio do povo que
até os supermercados colocam sistemas de alarme nas latas de atum “Bom
Petisco”, logo uma das consideradas melhores marcas e que lançou uma das
embalagens com as cores da bandeira da Ucrânia, para não serem furtadas pelos
novos famintos. As notícias proliferam: «hospitais acolhem pessoas que se
fingem doentes para comer nas urgências, alguns pedem “para ficar internados”».
Será a peste, que parece ter surgido só depois de o PS ter ficado com maioria absoluta na Assembleia
da República.
Não é desconhecimento para ninguém que a
pobreza e a fome, umas vezes aberta e outras encoberta, que a acompanha é um
mal secular deste país e que não foi extirpadas da sociedade portuguesa depois
do 25 de Abril. Agravou-se depois da proclamação da Constituição de 1976 e foi
institucionalizada pelo novo regime, sendo entregue o alegado combate à Igreja Católica
e a associações tipo Banco Alimentar, que, por sua vez, alimenta os seus
promotores e não os presumíveis destinatários. Se há dois milhões de habitantes na
pobreza e mais outros tantos, caso não recebam as ajudas sociais, totalizando
muito possivelmente mais de 45% da população, qual a admiração? É o resultado
lógico das políticas levadas a cabo quer pelo PS, quer pelo PSD, separados ou em
conjunto.
O governo ufana-se que o desemprego é
relativamente baixo em Portugal, a economia continuará a crescer, a inflação
será passageira e que estaremos livre da recessão, contrariando as expectativas
dos bancos em relação a economias mais fortes e industrializadas, por exemplo a
alemã, como estivéssemos encerrados na redoma de vidro ou separados do resto da
União Europeia por uma muralha da China. Contudo, não saberá responder por que carga de
água Portugal é o quarto país da UE com a taxa de desemprego jovem mais elevada
e os preços dos bens essenciais continuam a subir de forma assustadora e
imprevisível, alguns dos quais em mais do dobro da taxa oficial da inflação (9,3%
em Setembro, a mais elevada dos últimos 30 anos).
É indisfarçável que a população portuguesa está
a ficar mais pobre, e de forma mais acelerada desde que o país aderiu ao euro. Uma moeda forte em uma economia fraca, pouco industrializada e com uma
agricultura dominada por culturas intensivas detidas por grandes empresas
estrangeiras, promove as importações e dificulta as exportações, mantendo a
balança comercial cronicamente deficitária, com o resultado esperado de
empobrecimento do país. Produz-se preferencialmente o que o estrangeiro deseja e
importa-se principalmente o que necessitamos para sobreviver. Somos o elo fraco
na cadeia capitalista europeia e qualquer dia quebraremos. Será uma questão de
tempo.
E quando isso estiver quase a acontecer e se o
PS capitaneado pelo chefete Costa não conseguir impedir que a embarcação afunde
outros serão chamados para o leme do barco que nunca deixou de meter água. Ouvir
ao beato PR que pensa que é rei que o “país ultrapassou última crise com "grande
dignidade" devido ao Governo de Passos” ou que "país deve esperar
muito do contributo de Passos Coelho" é coisa natural, na justa medida em
que, e à falta de melhor, a figura ainda será uma boa garantia para substituir
a cenoura socialista pelo cacete da direita abertamente neo-liberal e troglodita. Não nos
esqueçamos que Coelho foi quem ganhou as eleições ao PS e por duas vezes seguidas.
Costa, sabendo da coisa, tenta encostar-se a
Bruxelas, defendendo "solução permanente" europeia para enfrentar as crises,
porque, na sua óptica de chico-esperto, "há sempre uma crise à nossa
espera". A nível interno, procura aliados a todo o custo e os votos da
Igreja serão sempre bem-vindos, daí os apoios às misericórdias e às diversas realizações
católicas, com a organização da Jornada Mundial da Juventude ser custeada com,
pelo menos, 36,5 milhões de euros saídos do erário público.
Por outro lado, tenta ser bom e leal
executante das políticas impostas pelo directório europeu defendendo que o acordo
de rendimentos, já referido, servirá também para “apaziguar a tensão social”. Esta
é uma das suas principais preocupações e razão central da sua permanência no
poder, e quando isto deixar de acontecer a porta já estará aberta para uma
solução de repressão aberta e para tal qualquer cabo de esquadra serve. E bem
diz o monárquico e desculpabilizador da pedofilia da Igreja Católica: (elogios
a Passos Coelho) “é o que muitos portugueses pensam”. Alguns.
Excelente análise! Vou passar por aqui mais vezes.
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