sábado, 19 de setembro de 2020

Bem pior que a covid é o OE-2021 e tudo o que ele representa

 

1955 - Robert Frank (1924-2019)

Hoje começou a chover diluvianamente pelos nossos lados e a meteorologia avisa que Portugal pode ser afectado por ciclones subtropicais e é anunciado o início da segunda vaga da covid-19. Ora, mais precisamente, os ciclones e a 2ª vaga epidémica que iremos sofrer serão mais os provenientes das políticas do governo PS/Costa impostos pela crise do capitalismo nacional, mas justificados pelo pretenso combate à epidemia da covid. Há quinze dias que o estado de contingência, um confinamento suave que veio substituir o estado de alerta ainda em vigor, tinha sido decretado pelo primeiro-ministro a pretexto do que poderia advir do reinício das aulas e, mais recentemente, todos ficamos a saber das medidas concretas que o enformam: proibição de ajuntamentos com mais de 10 pessoas, restrição quanto à venda e consumo de álcool na via pública, entre outras, e a reorganização do trabalho nas empresas com escalas de rotatividade entre trabalho presencial e teletrabalho e desfasamento de horários de entrada e saída bem como pausas e refeições, estas as mais importantes e que irão aumentar a mais-valia extorquida aos trabalhadores, por trabalho extra não pago e intensificação dos ritmos laborais. Fica claro que o objectivo final do putativo combate ao coronavirus é sempre aumentar os lucros dos patrões, ou seja, manter a acumulação contínua do capital.

Com o aumento do número de casos detectados de pessoas infectadas (770 infectados e 10 mortes) pelo coronavirus o primeiro-ministro, sempre ele, fez soar os alarmes e em tom dramático e mediático reuniu com carácter de urgência o seu gabinete de crise, constituído pelos ministros mais importantes, da qual saiu ameaçando os portugueses que serão mil infectados diários para a semana e que o país não pode parar outra vez se não houver cuidado por parte de “cada um de nós”. Logo de seguida outras vozes, pagas pelo erário público, reforçaram o alarme: “Estamos numa terceira fase de crescimento" da pandemia, ou opinantes do regime a reforçar o tom: “A segunda vaga está aí mas é diferente da primeira” e “2ª vaga chegou. Estamos nos meses mais importantes das nossas vidas”. A ministra, que forçou a remodelação do seu gabinete com a promoção do médico ao serviço dos privados, teve igualmente que botar faladura sobre as medidas de higiene e distanciamento e apelando à bufaria com a utilização da aplicação Stayaway Covid, reforçando as palavras do chefe: "está nas mãos de cada um de nós controlar a doença". É a política do pânico e da intimidação em segunda vaga.

Logo no primeiro dia do recomeço das aulas, foram os alunos e os pais que foram de imediato responsabilizados pelos ajuntamentos à porta das escolas, algumas delas com as portas semi-abertas, com a alegação de estarem avariadas, como se pôde constatar nos noticiários televisivos. Já há algum tempo que culpa da infecção dos velhos em casa foi atribuída aos jovens de conduta irreflectida, insistindo na ideia de que a maioria dos contágios acontece no seio da família e não no local de trabalho ou nos transportes públicos atafulhados. Por esta lógica manhosa, o governo não é responsável por nada, no caso da reabertura das escolas, salas pequenas, turmas de vinte e tal e trinta alunos, falta de pessoal auxiliar e até de professores; a culpa deverá ser dos alunos que resolveram ir todos à escola ou dos pais, segundo diz a imprensa avençada: “"A confusão maior foi à entrada e à saída da escola, por causa dos pais". Não deixa de ser interessante observar que o governo não tenha adoptado nas escolas as medidas que aconselha aos patrões, desfasamento de horários e, eventualmente, utilização de edifícios públicos subaproveitados, quarteeis, por exemplo, ou edifícios vagos privados, a começar pelos da igreja católica, a maior proprietária imobiliária privada do país. A culpa será sempre do povo descuidado e pouco cumpridor das regras, claro que este tem alguma culpa, foi a de ter votado no PS, já devia ter aprendido que aquela gente não é de confiança.

Embora avisando de que o país não aguenta um novo confinamento, Costa deixa a ameaça e lança mais uma vez o medo, usando a mentira e a manipulação dos números. Ora, se há um maior número de infectados é porque também se testa mais gente e o número de mortes não tem subido, estas são em mais de 70% de pessoas idosas, com mais de 75 anos. Mais, o número de mortes ocorridas por covid, neste meio ano de epidemia, é uma quarta parte do número de mortes a mais, cerca de seis mil (5.882), comparando com a média dos últimos cinco anos e no mesmo período; e, ao contrário do que diz a ministra e a directora da saúde, o calor não explica tudo, mas sim o encerramento parcial do SNS. Os números mostram que a estratégia do governo falhou redondamente. O governo passa as culpas para o cidadão em vez de proteger os nosso idosos e investir no factor humano do SNS, mais do que propriamente em equipamento, separar as águas entre sector público e sector privado, coisa que os sindicatos e a Ordem dos médicos se opõem tenazmente. O governo quer desresponsabilizar-se pela contínua degradação do SNS, bem visível no facto de nos primeiros seis meses do ano os profissionais terem trabalhado mais 1,163 milhões de horas extraordinárias do que no mesmo período do ano passado (total de 8,112 milhões de horas extraordinárias), profissionais que não aguentarão outro período de confinamento e que não foram ainda devidamente pagos pelo seu trabalho. Esta é uma boa altura para lutarem pela melhoria dos seus salários e dignificação das carreiras, a exemplo do que está a acontecer na vizinha Espanha.

Mas o que na realidade assusta o Costa e sus muchachos, mais a classe a que serve, é a profunda crise económica que nenhuma bazuca irá salvar da falência iminente e mais que certa e a forma como os trabalhadores poderão reagir. Se a quebra do PIB nacional quedar pelos 8,5% do PIB, como muita boa gente acredita, será sempre superior ao montante que o governo irá receber em subvenções do Fundo Europeu, subvenções que serão sempre pagas e com juros acrescidos. Não esquecer que a produção industrial recuou em Portugal, menos 9,6%, a terceira maior quebra homóloga na União Europeia no mês de Julho, embora no mês seguinte tenha beneficiado de alguma subida, como aconteceu aliás em toda a União. Como salienta o economista Eugénio Rosa, o “sotck” de capital líquido por trabalhador em Portugal diminuiu em 11,7%, entre 2013 e 2019, a preços constantes passou de 124.564€ para apenas 110.034€; ou seja, o investimento em equipamentos e outros meios materiais em vez de aumentar, para que a produtividade por trabalhador subisse, diminuiu, o que levará a uma degradação da capacidade produtiva do país. Por outro lado, deita por terra as aparentes louváveis intenções do empregado do Costa, o outro Costa, com o seu plano de “reindustrialização do país, que a acontecer será sempre assente em indústrias de fraco valor acrescentado e de acordo com os interesses da grande burguesia alemã, que jamais desejará concorrência por estas bandas do Sul.

Conforme demonstra o economista referido e com base nos dados do Eurostat, o ganho médio líquido mensal em Portugal é de 980 euros, pouco mais de metade do da União Europeia, 1.808 euros, ou da Zona Euro, que é de 1.899 euros. Mas que irá diminuir ainda mais a pretexto da covid e, fazendo fé no inquérito levado a cabo pela confederação dos patrões domésticos, quarenta por cento dos patrões viram as vendas diminuir e facilmente se infere que uma grande parte irá encerrar portas de vez. Aumento do desemprego é sempre sinónimo de salários mais baixos, para além de mais pobreza e privações para quem vende a sua força de trabalho. A proposta de salário mínimo na UE apresentada pela Ursula von der Leyen não passa de demagogia. E o que é que os patrões parasitas nacionais propõem para fazer face à crise do seu sistema económico, e que tem sido sempre a mesma coisa desde que a crise pandémica foi oficialmente declarada: apoios a fundo perdido no Orçamento de Estado de 2021, a CIP já algum tempo que vem reivindicando a conversão das garantias em incentivos a fundo perdido e, agora, a AEP quer um fundo público de apoio à tesouraria a taxa de juro zero, ambas estão de acordo que deve haver descida do IRC e da derrama, e o ideal será deixar de pagar impostos, daí a missão de um Chega. Em suma, a burguesia rentista e inútil nacional quer recapitalizar as suas empresas à custa dos trabalhadores e ver sempre em crescendo os seus lucros e património sem mexer num cêntimo sequer dos capitais próprios. É para se dizer: com o dinheiro dos outros (povo) qualquer labrego e analfabeto (os patrões nacionais possuem menos habilitações académicas que os trabalhadores) pode ser empresário de sucesso neste país!

Ao mesmo tempo, o governo, assumindo-se como pau mandado da burguesia e do grande capital europeu, não só não revogou a legislação laboral de autoria do governo de PSD/CDS/Coelho/Portas como pretende reforçar legislação mais gravosa para os trabalhadores: imposição unilateral do regime de teletrabalho, de regime de trabalho alternativo, alteração dos horários de trabalho e respectivas pausas e tempos de descanso. Na prática será trabalhar mais horas e por menos dinheiro, mais stress, mais miséria, menos trabalhadores, em vez do horário semanal das 35 horas sem diminuição do salário. Esta será uma boa altura para as centrais sindicais, já que se reivindicam da defesa dos trabalhadores, encetarem lutas, greves para imposição da semana das 35 horas e aumento não só do salário mínimo nacional mas de todos os salários em geral. Esta alteração da lei do trabalho foi aprovada pelo governo em forma de decreto-lei, depois de ter passado pelos ditos parceiros sociais, melhor dizendo os patrões, em vez de ser aprovada em forma de lei pela Assembleia da República. Esta reforma laboral não se aplicará só aos trabalhadores de empresas das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, o tempo o dirá, mas a todos do país, e a sua urgência foi justificada pelo putativo combate à segunda vaga da pandemia, que, pelos vistos, até dará jeito que haja mais umas poucas. Ou como o governo do PS/Costa governa na prática, especialmente em assuntos essenciais para os trabalhadores, em ditadura, desprezando por completo a dita “Casa da Democracia”.

Esta reforma da legislação laboral, que vem na continuação do que o PSD/CDS fizeram anteriormente, tem custos elevados para os trabalhadores e serão incluídos no OE 2021. São dinheiros directamente para a rentista burguesia nacional e mais injecções de milhões para o Novo Banco, razões estas mais que sobejas para que os partidos que se dizem de esquerda, PCP e BE, chumbem o próximo orçamento. Mas tudo indica que será aprovado com os votos destes partidos a troco de migalhas ou, em última estância, pelos votos de todo o bloco central – o PR Marcelo faz questão. No outro lado da barricada, o proletariado, o povo trabalhador, os comunistas e todos os revolucionários deste país devem mover ao OE que aí vem o combate mais tenaz e denunciar o carácter reaccionário e vendido do partido auto-denominado “socialista” e de toda esta democracia de opereta.