sábado, 23 de abril de 2022

Em 2022, que 25 de Abril se comemora?

Abel Manta

Passados 48 anos após o derrube do regime fascista português, que alguns revisionistas da história defendem que não é fascismo por diferenças formais com a ditadura italiana, como as diferenças entre o actual regime português e o espanhol onde há uma monarquia, por exemplo, fossem de fundo e não o mesmo domínio e das mesmas elites capitalistas enfeudadas ao grande capital internacional (União Europeia), pouco haverá a comemorar relacionado com liberdades, direitos e garantias do cidadão.

Há dois anos, depois do governo Costa/PS versão 2.0 ter decretado o primeiro estado de emergência a pretexto do putativo combate à pandemia covid-19, já tínhamos denunciado o fim, de facto, da democracia parlamentar burguesa, embora esta se mantenha de jure; ou, em outra forma de descrever, a musculação deste regime democrático parlamentar burguês, cujo propósito é, como sempre foi historicamente, reprimir os trabalhadores e o povo em caso de ousarem lutar contra as medidas económicas de cada vez maior austeridade no sentido de fazer face à crise do sistema económico capitalista. Por detrás de tudo está a economia, ou melhor dizendo, os lucros dos capitalistas.

Neste quadro de fascização, cada vez menos disfarçado, agora com o governo PS/Costa versão 3.0, de maioria absoluta, coisa que na prática jamais precisou para governar por decreto, nestes dois anos de dita “pandemia”, como uma Assembleia da República inútil e ineficaz, dando esta sempre o aval cego a tudo o que o governo decidiu apesar de este ainda não ter maioria absoluta formal, veio agora cereja no topo do bolo. Já não será simplesmente um órgão inútil, mas apologista do fascismo, por enquanto em soft mode, fazendo-nos lembrar a antiga Assembleia Nacional de Salazar e de Caetano.

Na putativa “Casa da Democracia”, com um presidente, e segunda figura do estado, reaccionário e trauliteiro que sempre alinhou pelos interesses e ditames de Bruxelas e de Washington (lembremo-nos do apoio que deu ao Guaidó, agente da CIA na Venezuela, quando era ministro dos Negócios Estrangeiros!), com a presença de uma dúzia de arruaceiros da extrema-direita, um deles ex-bombista do tempo do PREC, assistiu-se ao aplaudir por parte de todos os elementos presentes, de pé e em pleno êxtase quase orgástico, de um chefe neonazi estrangeiro que, em nome do Ocidente e do Império, vai perseguindo os seus cidadãos que sejam do contra, ilegaliza partidos de oposição de esquerda, incluindo o partido comunista local com a prisão e o desaparecimento (assassinato) dos seus dirigentes, e, sem prurido e remorso, lançou o seu país numa guerra, cujo resultado será inevitavelmente catastrófico para todos os povos ucranianos. Um peão de brega do imperialismo e do capitalismo ocidental foi elevado a herói.

Para além dos encómios que a figura sinistra e tragicamente ridícula tem recebido de toda a imprensa mainstream nacional, bem como o nazi “batalhão” Azov que, pela mesma imprensa, foi elevado ao maior defensor das liberdades e democracia do mundo ocidental (de “todos nós”), apesar da ideologia francamente nazi e de se escudar atrás de crianças e de mulheres e assim evitar o seu rápido aniquilamento, mas que, pela mesmíssima e abjecta manobra de manipulação da opinião pública, estará a defender os civis. Exactamente o mesmo processo de inverter a realidade em relação a toda a guerra e à função e natureza do actual regime de Kiev, apresentado como soberano e independente e não como lacaio dos EUA e da UE. Os presentes apoiantes, na sessão referida da Assembleia da República, parecem ser uma cópia, embora mais esbatida, da camarilha actualmente reinante na Ucrânia, na justa medida em que defendem os interesses imperiais e a guerra.

O PR monárquico Marcelo não se cansa de assegurar ao neonazi trasvestido de democrata que Portugal apoiará a “luta do povo ucraniano” e Costa ainda vai mais longe: “cada dia de guerra é mais um dia de dor insuportável”. Imagine-se o homem a contorcer-se com dores pela infelicidade do povo ucraniano e tanto um como o outro, na prática, a defenderem a guerra; apesar de Marcelo ter fugido à tropa e nem ter ido sequer, como era sua obrigação como filhos família do fascismo, para a dita “Guerra do Ultramar”. O belicismo esteve bem evidente em todos os deputados e membros do governo presentes na audição do agente da guerra e alguns deles, que se dizem democratas, ainda foram mais longe que os jagunços do Chega.

A paz para esta gente é defender o alargamento da União Europeia a regimes corruptos, dar armamento pesado e mais dinheiro para continuar e intensificar a guerra, e no tempo em que o povo português está a entrar numa espiral de inflação de miséria dificilmente de prever: dívida das famílias, empresas e Estado subiu para os 777,4 mil milhões de euros em Fevereiro; preço das casas subiu 14% até Dezembro; FMI prevê retoma mais fraca e défice maior em Portugal; salários da função pública podem subir abaixo da inflação em 2023; Estado autorizado a endividar-se até 16,2 mil milhões de euros (OE2022). E o mais que ainda está para vir.

O deputado do Livre, mais papista que o papa, chega ao ponto de defender um "mecanismo de retenção dos pagamentos" à Rússia pelos combustíveis fósseis. Todos defendem mais armas e mais dinheiro para a guerra, o chefe do IL manifestou-se como o mais entusiasta na ideia, mas tanto os dirigentes do PSD com do BE, do Chega ou do PAN não ficaram atrás; e até o CDS quis dar prova de vida demonstrando o mesmo zelo belicista. Pode-se constatar que estes democratas da treta são unânimes em aplaudir o nazismo, agora disfarçado de defensor das liberdades, numa situação semelhante à de Portugal antes do 25 de Abril, talvez uma espécie de “Primavera” marcelista.

O deputado do Livre, já referido, sintetizou o sentimento de todos os presentes: “os valores que a Ucrânia defende na Europa são os valores de Abril”. Seria também interessante saber quem é que soprou aos ouvidos da sonsa deputada do PAN a ideia de convidar um retinto neonazi, promovido a democrata, aliás, como foram todos os fascista e pides nacionais, e, com a sua voz esganiçada e enganosa, não se cansa de defender o perdão da dívida do estado ucraniano, não se percebendo, então, porque não defende o mesmo em relação à dívida portuguesa. Seres mais lacaios do imperialismo e defensores da guerra será difícil de encontrar. Em resumo, o discursante foi ouvido como muito “prazer” e “honra” por todos os presentes. Foi um estranho “momento de se lutar pela paz”!

A par dos elogios ao agente ianque, um Guaidó escandinavo “democraticamente eleito”, todo o tempo foi para estigmatizar o PCP (partido pelo qual não nutrimos particular simpatia por há muito ter abandonado a bandeira do comunismo e da ditadura do proletariado, isto se alguma vez a empunhou), com a imprensa a ajudar à festa, considerado um quase fóssil ou moribundo em fase terminal, mas que, na questão em causa, ainda foi o que teve uma posição digna por anti-imperialista, embora muitas das vezes pouco consequente, como se constata pela posição em relação à União Europeia, a vassala por excelência dos EUA, e ao euro. Estes ataques poderão preparar outros mais bem graves, que poderão passar pela ideia que foi pensada no 25 de Novembro de 1975.

As posições de todos os partidos com assento no Parlamento, uns mais abertamente e outros mais disfarçadamente, é de quererem ilegalizar o PCP ou, no mínimo e para já, relegá-lo para uma posição de marginalidade ou de semi-clandestinidade. A seguir irão todos os partidos que possuam a sigla da aliança entre o proletariado e o campesinato ou que se oponham ao actual regime pelo lado do povo, assim como todas as opiniões que perfilharem as mesmas ideias da revolução proletária ou anti-imperialistas e anti-capitalistas; em suma, quem seja contra as guerras impostas pelo Império decadente. Estamos a assistir a um histerismo a favor da guerra que nos faz lembrar o período que antecedeu a I Guerra Mundial. Parece que esta gente quer a guerra, só que a guerra será agora nuclear.

Não o dizem abertamente, mas insinuam insistentemente: o que era bom era o antes do 25 de Abril, sem comunistas nem esquerdistas; à semelhança do que o corrupto (Pandora Papers) agente americano fez na Ucrânia. Como a república de Weimar, na Alemanha, ou a I República, em Portugal, nos ensinaram: a democracia parlamentar burguesa conduz sempre ao fascismo. Bertolt Brecht lembra-nos que: “Não há nada mais parecido a um fascista do que um burguês assustado”. E a nossa burguesia, em particular, está mesmo assustada. No próximo dia 25, com mais tempo de democracia do que fascismo (ao que dizem), não haverá nada a comemorar, a não ser o regresso subreptício do fascismo.

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