«Não se pode incorporar as massas operárias
na política sem incorporar as mulheres, porque, sob o capitalismo, a metade
feminina do género humano é duplamente oprimida. A operária e a camponesa são oprimidas
pelo capital, e ademais, inclusive nas repúblicas burguesas mais democráticas,
não usufruem da plenitude de direitos, uma vez que a lei lhes nega a igualdade
com o homem. E em segundo lugar, o que é mais importante, permanecem na
"escravatura caseira", são "escravas do lar", vivem
abafadas pelo labor mais mesquinho, mais ingrato, mais duro e mais
embrutecedor: o da cozinha e, em geral, o da economia doméstica familiar
individual».
Lenine, 1921
Lenine considerava que para a libertação e
emancipação da classe dos operários serem completas tinha que se integrar nesse
processo a mulher operária, trabalhasse ela na fábrica ou no campo, processo
que passaria pela sua retirada das tarefas domésticas e pela integração na
produção. Por extensão deste raciocínio não só a mulher trabalhadora não se
encontrava emancipada como a própria mulher burguesa, ambas duplamente
oprimidas. Neste texto, datado de 8 de Março de 1921, Lenine não considera que
na democracia burguesa a mulher tenha os mesmos direitos que o homem.
Actualmente, em princípio do século XXI, a
situação ainda será a mesma descrita por Lenine?
Em relação à mulher que trabalha, e vamos
referir-nos concretamente à situação em Portugal, esta é abertamente
discriminada em relação ao homem e é submetida a uma maior exploração. Ela
ganha entre 15% a 20% menos; sofre mais o desemprego que o homem, a maior parte
dos despedidos nas indústrias consideradas em “crise” é constituída por
mulheres; as mulheres detentoras de graus e formação académica superior
experimentam maior dificuldade em encontrar emprego; é a mulher que mais
facilmente é marginalizada e excluída socialmente.
Portugal, entre os países da União Europeia, é
daqueles que possui uma das mais elevadas (senão a maior) taxas de participação
das mulheres no trabalho activo. Esta realidade surge mais como uma necessidade
imperiosa num país onde os salários são baixíssimos, tornando-se difícil que
uma família consiga viver só com um ordenado ao fim do mês, do que resultado de
uma tomada de posição consciente e deliberada. Mesmo a nível de funções
executivas, a mulher possui uma menor participação, e se o número é maior no
ensino, nomeadamente, ensino universitário, poucas vezes surge em lugares de
chefia ou de destaque. Em determinadas profissões tradicionalmente “femininas”,
enfermagem, por exemplo, a nível sindical e a nível superior de gestão, são os
homens que detêm o protagonismo na maioria das vezes.
A mesma realidade se observa na administração
das grandes empresas ou grupos económicos ainda em mãos de famílias
portuguesas, aqui são os homens que tratam e herdam os negócios, mantendo a
tradição da sucessão pela linha masculina e de primogenitura, características
da velha aristocracia, ficando os assuntos da família e da vida social
reservados para a mulher. A mulher burguesa é emancipada no que respeita às
tarefas domésticas e na liberdade e independência que o seu estatuto lhe
confere na distinção em relação à mulher trabalhadora.
O patriarcado atravessa toda a sociedade
humana e encontra-se indissociavelmente ligado à existência da propriedade
privada dos meios de produção, mas não nasceu com o capitalismo nem com a
burguesia mercantil e há quem considere que é anterior ao surgimento da
agricultura e da diferenciação da sociedade em classes. Entre os nossos
ancestrais caçadores-recolectores já haveria o patriarcado e a divisão sexual
do trabalho; enquanto que a mulher, devido à sua condição maternal, ficava
perto de casa cuidando, para além da prole, da colheita de frutos e de plantas,
o homem dedicava-se à caça, feita em cooperação, e à protecção do grupo contra
os predadores. A mulher dominaria socialmente, nos primeiros tempos, através da
religião, função essa que mais tarde passaria para as mãos do homem, mesmo nas
sociedades matriarcais. A existência da poligamia em quase todas as cerca de
trezentas sociedades de primatas, com excepção de uma (os gibões são os únicos
monogâmicos e são-no por imposição ecológica) e a predominância da organização
patriarcal, embora haja algumas espécies onde pontifica o matriarcado, são
tidos como fortes argumentos para a ancestralidade do patriarcado na sociedade
dos humanos.
Isto poderá querer dizer que a libertação da
mulher é um processo longo e demorado, que levará gerações e se encontra
intimamente ligado à emancipação do género humano. O primata humano ainda se
encontra em estado de relativo primitivismo, a civilização encontra-se a dar os
primeiros passos, e o esforço de libertação tem forçosamente de ser obra do
próprio. Daí a emancipação da mulher ter de ser trabalho seu, não delegado em
ninguém; daí o ridículo do estabelecimento de quotas para as mulheres em cargos
públicos ou em lugares em listas de candidaturas políticas – a mulher é o
sujeito da sua luta e ninguém a poderá substituir.
Reconhece-se que a constituição biológica e
comportamental da mulher é diferente da do homem, que os tempos e modos de
aprendizagem e de socialização não são também iguais, isso não quer dizer, como
já pretendeu a Igreja católica ainda há não muito tempo, que tenha de ser
discriminada em termos de direitos e de estatuto. Essas diferenças serão em
competências que se poderão desenvolver não em caminhos antagónicos, mas
diversos e complementares.
Tudo se conquista, nada se dá – este é um
axioma essencial da sociedade em que vivemos – e será também um princípio de
conduta. Se a mulher entra em competição com o homem, não quer dizer que este
seja o seu inimigo, poderá quanto muito possuir, em determinadas ocasiões,
interesses diferentes, o alvo não deixará de ser o sistema capitalista que a
ambos discrimina e explora, daí a luta ser sempre uma luta de classes.
08 de Março 2009
Imagem: Clara Zetkin
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