O processo de privatização da Saúde é um projecto comum ao PS e ao PSD/PP, mantido no tempo do PS em velocidade cruzeiro e agora acelerado de forma extrema pelo governo AD – quem na realidade vai arrecadar os lucros serão os grandes grupos económicos nacionais e estrangeiros. Texto redigido há algum tempo mas perfeitamente actual.
Ao longo dos últimos 30 anos temos vindo a
assistir ao desmantelamento gradual e paulatino do SNS, umas vezes mais em modo
rápido, quando o PSD e associado estão no governo (partido que não aprovou a
Lei do SNS em 1979), ou mais lento e disfarçado, quando se trata do PS. Só que
nos tempos actuais, tempos de pandemia covid-19 (bastante oportuna), o
desmanchamento foi apressado e passará em breve para a privatização tout
court.
E qual será o sector a ser desmembrado do SNS
e a passar directamente para o domínio dos negociantes da saúde? Exactamente o
sector tido como primário, ou seja, os centros de saúde. Não foi por acaso que
foram estes os primeiros a fechar logo nos primeiros dias da pandemia, com o
abandono dos utentes e, após os desconfinamentos, ainda se mantêm em modo lento
– são mais que muitos os testemunhos de que nos centros de saúde ninguém atende
as chamadas de telefone, embora seja essa a indicação para o acesso aos
cuidados que deveriam prestar.
Não é estranho nem motivo para admiração que
agora venham estudos, como o estudo “O impacto da pandemia covid-19 na
prestação dos cuidados de saúde em Portugal”, mostrar que num ano de
pandemia, Março 2020 a Fevereiro de 2021, em que o SNS fechou parcialmente
e as pessoas foram atemorizadas em recorrer aos cuidados de saúde, houve
“menos 13,4 milhões de contactos presenciais médicos e de enfermagem nos
centros de saúde” e mais de um milhão de pessoas sem médico de família.
Em relação aos hospitais do SNS,
houve menos 4,5 milhões de consultas, menos 176.057 cirurgias (162.424
programadas e 13.593 urgentes), menos 2,5 milhões de episódios de urgências
(-40%), um número considerado “impressionante” pelo sacripanta do bastonário da
ordem dos médicos e que desmonta claramente o alarmismo lançado pelos media
(principalmente as televisões) quanto ao congestionamento dos serviços de
urgência, e a menos internamentos. Como se constata, o SNS esteve muito longe
de colapsar. Mas como a falta de vergonha não tem limites, estamos novamente a
ouvir a mesma lengalenga, agora a propósito do aumento do número de
“infectados”.
Se já havia um mercado de utentes não
atendidos atempadamente pelo SNS, desde consultas a cirurgias, antes da
pandemia, agora esse mercado aumentou desmesuradamente. Os privados estão neste
momento a salivar pelos muitos milhões que irão arrecadar, quer directamente
extorquidos aos bolsos dos cidadãos quer através dos protocolos com o estado ou
dos subsistemas de saúde. Vai ser um fartar vilanagem!
Não deixa de ser patético ouvir um bastonário
dos médicos, um profissional de saúde que acumula o público com o privado e
dessa maneira um dos responsáveis pela degradação do SNS, dizer que esta é “uma
situação difícil” e que a resolução da mesma deve ser “prioritária para o
país”. O “país” a que se refere o bastonário da doença é o país dos sectores
social e privado que ele considera importantes na “envolvência da execução do
programa” de recuperação dos cuidados de saúde em atraso e da sua “monitorização”
(palavras do dito). É o país das Misericórdias e dos grupos Luz Saúde, CUF
e Lusíadas Saúde, entre outros, que (coitados!) fecharam o ano com resultados
negativos de 58,6 milhões de euros (ao que dizem).
Ainda os milhões da bazuca europeia (Programa
de Recuperação e Resiliência) não estão a ser distribuídos e logo um grupo
dos líderes de 42 das maiores empresas a actuar em Portugal se
comprometeram a contribuir de forma activa para o “crescimento de Portugal”, ou
melhor, para aumento dos seus lucros por meio dos milhões que contam receber e
da privatização dos sectores mais apetecíveis das funções do estado: saúde,
educação e segurança social. A mesa redonda dos negócios de Portugal (em
inglês para disfarçar alguma menos positiva conotação, Business Roundtable
Portugal) para esse fim foi criada; e não é por acaso que tem como Presidente
Vasco de Mello (CEO do grupo José de Mello/CUF) coadjuvado pela CEO
do Grupo Sonae, que possui o colégio para a elite Efanor (curiosamente
classificado em nº1 no ranking dos exames) em Matosinhos, e o CEO do grupo
Amorim.
O assalto ao SNS acontece porque foi sempre
facilitado pelos governos, incluindo os governos do PS, apesar destes estarem
sempre com a boca cheia de “defesa” do SNS, e por gente que dentro do SNS está
pronta a enriquecer um pouco mais à custa das doenças dos portugueses. E ouvir
um presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar
(APMGF) dizer que “é um desígnio nacional, é uma tarefa prioritária
nacional” a vacinação e que, portanto, para se recuperar os actos médicos e de
enfermagem atrasados ter-se-á de recorrer às “instituições privadas de saúde”
(palavras do dito), fazendo a manchete, para gáudio dos media corporativos,
“Centros de saúde querem mais articulação com hospitais e privados para
recuperar”.
Enquanto os privados esfregam as mãos de
contentes e alguns profissionais de saúde se preparam mais acumular mais uns
tachos, o Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) vem afirmar
que “não é compreensível” a ausência de investimento na saúde pública, na
medida em que o Plano de Recuperação e Resiliência não contempla
qualquer investimento no campo do sector da Saúde Pública. E alerta para os
perigos da “municipalização” dos cuidados de saúde primários, cujos algumas
competências já foram entregues aos municípios em 2017 (instalações e
contratação de pessoal auxiliar). E diz ainda que é preciso repensar o Conselho
Nacional de Saúde Pública; exactamente, o organismo que deveria assessorar o
governo na tomada de medidas para o combate à pandemia e não o Infarmed, órgão
este sob controle directo do lóbi do medicamento.
É cristalina como a água a estratégia política
de cortar parte do SNS em fatias e entregar as mais apetecíveis ao sector dos
negócios da saúde por parte do governo PS. A questão da descapitalização de
recursos, quer materiais quer humanos, é evidente, não deixa dúvidas e bem
significativa por si só. Em relação aos recursos humanos, os mais preciosos, a
incompetente ministra da Saúde, que mais não passa que moça de recados do
primeiro-ministro, veio agora dizer que mais de 230 médicos do SNS aposentaram-se
este ano até ao mês de Maio, e dos quais 131 eram especialistas em medicina
geral e familiar. No entanto, não diz como vai atrair novos médicos sem
aliciantes na carreira, o mesmo acontecendo com os enfermeiros e assistentes
técnicos, os sectores de maior carência, escondendo que nos centros saúde os
médicos ou são já velhos, na casa dos 60 anos, quase na reforma, ou muito novos
na casa dos 30, havendo um hiato, bem revelador que a intenção sempre foi a de
privatizar. A intenção não é de agora, a pandemia é o mais que excelente
pretexto.
Se o investimento em recursos humanos não
chega sequer a pouco, quanto mais a suficiente, como alguns sindicatos dos
enfermeiros, por exemplo, têm timidamente alertado para o facto de o governo
impedir a contratação de novos enfermeiros que não tenham já contrato de
trabalho no SNS, então quanto a investimento financeiro a situação é péssima e
intencional. Se a despesa total em 2020 do SNS foi de 11.454 milhões de euros,
a despesa prevista para este ano é de apenas mais 1,3%; mas comparando a
despesa já efectuada nos primeiros cinco meses deste ano de 2021 com a do
período homólogo do ano passado, verifica-se que é 5,5% mais elevada (números
de Eugénio Rosa), o que irá aumentar o endividamento do SNS, se se mantiver o
mesmo ritmo de despesa, e estrangular ainda mais o SNS. Facilita-se assim
também a privatização do SNS enquanto se vai adquirindo mais serviços aos
privados.
No estudo a que fazemos referências no início
deste texto, “O impacto da pandemia covid-19 na prestação dos
cuidados de saúde em Portugal”, salienta-se o facto de cerca de 450 mil
portugueses que não fizeram rastreio do cancro e houve menos 29 milhões de
actos de exames complementares de diagnóstico e terapêutica, no período
apontado; o que significa que daqui para a frente devemos esperar um maior
número de doenças que não foram atempadamente diagnosticadas, cancros,
diabetes, doenças cardio-vasculares, casos de hipertensão, etc. e outras
doenças graves de início silencioso, que irão aumentar a taxa de mortalidade
por todas as doenças e fazer baixar a idade média de esperança de vida dos
portugueses, contrariando a opinião daqueles que não se cansam de anunciar que
a vacinação irá beneficiar a longevidade.
Esta vacinação em massa, usando uma vacina que
só agora é que está a ser testada, e administrada à população a eito, incluindo
crianças e adultos jovens, só irá aumentar um problema de saúde pública e
aumentar a mortalidade entre os portugueses sãos. Parece que estamos a assistir
a uma agenda de eugenia generalizada conduzida pela ganância do lucro das
vacinas e dos tratamentos de doentes, que terão de ser doentes à força para que
haja sempre mercado. E os criminosos não são só os negociantes da doença, mas
todos os políticos, quer do governo quer do parlamento quer do poder
autárquico, todos são responsáveis nem que seja pela omissão.
11 de Julho 2021
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